16 - II TIMÓTEO

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II TIMÓTEO Deborah Menken G ill 3.1.2. Treinar-se para Ser Preciso na Palavra (2.15)

ESB OÇO

3.1.3. Evitar absolu tam ente as Palavras

1. Introdução (1.1-18) 1.1. Saudação (1.1,2) 1.2. Ternas Lembranças (1.3-7) 1.2.1. Recordando as Lágrimas de

Vazias

(2.16-18)

3.2. Viva um a Vida Santa! (2.19-22) 3.2.1. O Selo de Deus (2.19) 3.2.2. Um Vaso de Honra (2.20,21) 3.2.3. Um Segu idor da Ju stiça (2.22) 3.3. Paulo Abre um Parêntese: Rejeitar as

Timóteo, Paulo Relembra-o em Oração (1.3,4) 1.2.2. Relembrando a Herança Religiosa de Timóteo, Paulo o Incentiva a Reavivar seu Dom (1.5-7) 1.3. O Encorajamento Inicial (1.8-14) 1.3.1. Participar do Sofrimento (1.8-12) 1.3.2. Duas Ordens Adicionais (1.13,14) 1.4. Notícias Recentes (1.15-18) 1.4.1. Aqueles que Estavam na Ásia se Apartaram de Paulo (1.15) 1.4.2. A Casa de Onesíforo Recreou o Apóstolo (1.16-18)

Questões Loucas! (2.23; cf. w. 14-18) 3.4. Liderar como um Servo Humilde (2.24-26) 3.4.1. C aracterísticas do Servo do Senh or

(2.24) 3.4.2. O Servo do Senhor Deve Corrigir (2.25,26) 4. A Advertência contra a Maldade e as Heresias Escatológicas (3.1-17) 4.1. A Maldade do Final dos Tempos (3.1-9) 4.1.1. V irão D ias D ifíceis (3.1) 4.1.2. As Pessoas que Devem Ser Evitadas

2. Exortações Pessoais ao Sucessor de Paulo (2.1-13) 2.1. Fortalecer-se na Graça (2.1) 2.2. Transmitir a Responsabilidade a

(3.2-5) 4.1.3. 0 que Fazem os Falsos Mestres (3.6,7) 4.1.4. D ois E xem p los Infam es (3.8) 4.1.5. O Fim de tais Pessoas (3.9) 4.2. Encorajamento apesar dos Obstáculos (3.10-17) 4.2.1. Timóteo Tem um Histórico de Fidelidade (3.10,11) 4.2.2. A Perseguição Deve Ser Esperada ( 3 .12) 4.2.3. A Degeneração Aumentará (3.13) 4.2.4. A Perseverança É uma Necessidade (3.14,15) 4.2.5. A Escritura É Suficiente (3.16,17)

Pessoas Fiéis (2.2) 2.3. Resistir conforme estes Exemplos ( 2 .3-6) 2.3.1. Sofrer como Bom Soldado — Não

se Embaraçar! (2.3,4) 2.3.2. Competir como um Atleta — De acordo com as Regras! (2.5) 2.3.3. Trabalhar arduamente como um Lavrador e Participar da Colheita (2.6) 2.4. Refletir por um Momento (2.7) 2.5. A Base para o Apelo (2.8-13) 2.5.1. Lembrar-se de Jesus Cristo: O Exemplo Excelente (2.8,9) 2.5.2. A Consideração dos Motivos de Paulo: A Salvação dos outros (2.10) 2.5.3. Meditar sobre esta Declaração: Um Hino de Persistência (2.11-13)

5. Instruções Solenes Relativas ao Ministério (4.1-8) 5.1. Sobre o Ministério da Palavra (4.1-4) 5.1.1. Pregue o Máximo Possível! (4.1,2) 5.1.2. Você nem sempre Terá a

3- Exortações de Liderança ao Sucessor de Paulo (2.14-26) 3.1. Mantenha a Doutrina! (2.14-18, cf. v. 23) 3.1.1. Ensiná-los a não Contender por

Palavras (2.14)

Oportunidade (4.3,4) 5.2. So bre o M inistério em G eral (4.5-8) 5.2.1. Agir corretamente em tudo (4.5) 5.2.2. Não Estarei perto por muito Tempo

(4.6-8)

1485

II TIMÓTEO 1

6. Conclusão: Considerações Finais

titua a expressão “meu verdadeiro filho na fé”. Como uma correspondência ín­ tima entre um apóstolo e seu aprendiz, não há necessidade de legitimar a posi­ ção de Timóteo diante da congregação; antes, Paulo simplesmente expressa os estreitos laços que compartilham. Timóteo sempre foi um “filho amado” para Pau­ lo (veja 1 Co 4.17).

(4.9-22) 6.1. Observações Pessoais (4.9-13) 6.1.1. Venha Depressa! (4.9-lla) 6.1.2. Traga Marcos consigo (4.11b) 6.1.3- Tíquico É Recomendado (4.12) 6.1.4. Traga três Coisas (4.13) 6.2. Compartilhando uma Advertência: Tenha Cuidado com Alexandre (4.14,15) 6.2.1. “O Latoeiro Causou-me muitos Males” (4.14) 6.2.2. Guarda-te também dele! (4.15) 6 .3 .0 Testemunho em meio às Dificuldades (4.16-18) 6.3.1. Todos me Desampararam (4.16) 6.3.2. Porém Deus Estava Presente (4.17) 6.3.3. Ele sempre Estará Presente (4.18) 6.4. Palavras de Despedida (4.19-22) 6.4.1. Saudação a três Irmãos (4.19) 6.4.2. Notícias sobre dois Irmãos (4.20) 6.4.3. Venha antes do Inverno! (4.21a) _6.4.4. Estes quatro (e os demais) o Saúdam (4.21b) 6.4.5. Conclusão (4.22)

1.2. T ern as L e m b r a n ç a s (1 .3 -7 ) A oração de ação de graças na abertu­ ra, lembrando Timóteo de sua lealdade passada, de sua fé e de sua herança reli­ giosa, ajusta o tom para seu argumento de perseverança e contínua lealdade. 1 .2 .1 . R e c o rd a n d o a s L á g r im a s d e Tim óteo, Paulo R elem bra-o e m O ração ( 1 .3 , 4 ) . Paulo se identifica com o um

COMENTÁRIO

1. Introdução (1.1-18)

1.1. Saudação (1.1,2) Semelhante à primeira, a Segunda Carta de Paulo a Timóteo começa com uma breve saudação seguindo o padrão habitual. Pode parecer surpreendente que Paulo ainda esteja enfatizando seu apostolado a seu amado filho na fé. Por que faria isso? Já que esta carta é mais pessoal do que a primeira que foi endereçada a Timóteo, a razão que o levou a esta ênfase apostó­ lica pode simplesmente ter sido o hábi­ to, ou pode refletir um apelo urgente à lealdade. O apostolado de Paulo é des­ crito como sendo “pela vontade de Deus”, não por vontade de Paulo; é “segundo a promessa da vida”, que é o objeto e a intenção do compromisso; e a vida está “em Cristo Jesus”, que é a fonte e a esfera do verdadeiro viver. O modo como Paulo se dirige ao des­ tinatário é quase idêntico a 1 Timóteo (veja comentários sobre 1 Tm 1.2), a não ser que a expressão “meu amado filho” subs­

sincero adorador e servo do Deus de seus antepassados. Seu Cristo está em uma clara continuidade com o Deus do An­ tigo Testamento; seu cristianismo é o suprem o cum prim ento do judaísmo. Também-partilha tal herança religiosa com Tim óteo. O verbo “servir” indica que o apóstolo está executando os deveres religiosos do ministério; seu tempo presente indica que tal serviço foi um hábito ininterrupto cuja intensidade jamais foi reduzida em sua vida (Rienecker, 1980, 637). Paulo é grato a Deus em todas as suas orações, “noite e dia”, mencionando Tim óteo em suas petições. É a memória das lágrimas de Timóteo que move em Paulo o desejo de ver seu jovem amigo novamente, para que em sua próxima visita a dor presente possa ser substituída pela alegria. Não há dúvida de que o apóstolo mais velho está recordando o sofrimento de sua última despedida. Podemos ver uma sugestão da solidão de Paulo durante sua vigília final e como deseja a companhia de Timóteo, embora a obra em Éfeso ainda não esteja concluída. 1 .2 .2 . R e le m b ra n d o a H e ra n ç a R e­ lig io sa d e T im ó te o , P a u lo o In ce n tiv a a R eav iv ar se u D o m ( 1 .5 - 7 ). Outra me­

mória aquece o coração do apóstolo: a fé sincera de Timóteo (1.5). O adjetivo sig­ nifica “genuíno” (literalmente, “semhipo-

1486

II TIMÓTEO 1 crisia”); o substantivo “fé” (pistis) poderia referir-se à sua confiança em Deus, porém é mais provável que indique a fidelidade de Timóteo. A fidelidade genuína e a fir­ meza são as razões para que Paulo rendesse graças em mais de uma ocasião (cf. Rm 1.8; Cl 1.4; 1 Ts 1.3; 3.6,7; 2 Ts 1.3; Fm 5). Em um esforço para encorajar a leal­ dade contínua de Timóteo (a Cristo, a Paulo e a seu ministério), o apóstolo lembra o jovem pastor de sua herança religiosa. Da mesma maneira que Paulo continuou fiel em seu serviço ao Deus de seus antepas­ sados (v. 3), assim a firmeza de Timóteo diante do sofrim ento representa uma continuidade da fé e da fidelidade de seus antepassados.

afirmação, declarando que estava per­ suadido de que esta fé também habita­ va em seu jovem cooperador : estou certo de que também habita em ti”. Esta confiança na fé genuína de Timóteo tornase o trampolim para o apelo que vem a seguir (1.6— 2.13) (Fee, 1988, 223). Tal confiança na herança religiosa e na fé genuína é a base da recomendação de Paulo para que Timóteo “desperte” seu dom espiritual (v. 6). Este verbo se refere a ativar, acender a chama para que se torne viva, e mantêla acesa. Também significa “reacender” ou “manter a chama acesa em seu nível máximo”. A declaração de Paulo não contém necessariamente uma censura, já que o fogo no mundo antigo nunca era mantido como uma chama ininterrupta; no entanto, mantinha-se vivo por meio de brasas de carvão que eram novamente acesas por um fole sempre que a situa­ ção o demandasse (Rienecker, 1980,638).

A mãe e a avó de Timóteo lhe trans­ mitiram uma rica herança espiritual, que passou de geração a geração... O texto em 2 Timóteo 3.14,15 indica que muito cedo, em sua infância, Timóteo foi ins­ truído nas Sagradas Escrituras... É pro­ vável que ele fosse o fruto de um “ca­ samento misto”, pois seu pai era grego e sua mãe era judia. Parece que o pai de Timóteo não era crente, já que sua fé não é mencionada. A passagem em 1 Coríntios 7.14 fala do marido incré­ dulo que é santificado por sua esposa crente, de forma que os filhos podem ser parte desta nova vida em Cristo. Como são afortunadas e santificadas as crianças nascidas em famílias onde a Palavra de Deus é passada de geração a geração (SI 78.1-7). Muitos dos patriar­ cas da igreja primitiva como Agostinho, João Crisóstomo, Gregório de Nazianzo, Basílio e Gregório de Nissa celebraram a influência religiosa de suas mães... Pesquisas recentes relativas ao com­ portamento infantil enfatizam a impor­ tância do desenvolvimento da criança por meio de sua interação e de seu re­ lacionamento com a mãe— isto é, o efeito recíproco da mãe sobre a criança, as­ simcomo da criança sobre a mãe (Kroeger, Evans e Storkey, 1995, 451-452).

É como se o apóstolo estivesse dizen­ do a seu amigo tímido: “Agora é o mo­ mento; a situação exige que você faça pleno uso do dom da graça de Deus”. Em 1 Ti­ móteo 4.14 lemos sobre o dom espiritu­ al de Timóteo, e em 1.18 e 4.14 sobre as profecias a seu respeito; agora vemos que as mãos que lhe foram impostas não fo­ ram somente as dos presbíteros, mas tam­ bém as mãos do apóstolo. Paulo enfoca sua própria situação pessoal ao autenti­ car o ministério de Timóteo, em um es­ forço de encorajar o jovem inseguro (cf. 1 Co 16.10,11; 1 Tm 4.12). Em relação ao verso 7, Fee argumenta (1988, 226) que o “espírito”, não de “te­ mor”, mas de “fortaleza”, “amor” e “mo­ deração” não é uma atitude interior, mas é o próprio Espírito Santo.

O apóstolo conclui seu resumo sobre a herança religiosa de Timóteo com uma 1487

Paulo está se referindo não a algum “espírito” (ou atitude) que “Deus” nos tenha dado (a ele e aTimóteo, e emúltima instância a todos os outros crentes que devem igualmente perseverar diante das adversidades), mas ao Espírito Santo de Deus, o que é explicado por vários as­

II TIMÓTEO 1 também o destino de Timóteo (3.12). A expressão traduzida como “participa das aflições” significa “assumir a sua parte no sofrimento de alguém”; o aoristo impe­ rativo indica “que a ação deve ser ime­ diatamente realizada” (Rienecker, 1980, 638). A capacitação para se passar por este sofrimento virá “segundo o poder de Deus”. A menção de Deus encaminha Paulo a uma confissão de fé no evangelho (w . 9,10), da mesma maneira que faz emTito 2.11-14 e 3-4-7. Esta declaração em for­ ma de hino é particularmente apropria­ da à situação presente de Timóteo, que precisa de encorajamento para reavivar seu dom, renunciar à sua covardia e to­ mar sua parte no sofrimento por amor a Cristo. Embora os versos 8-11 formem uma única sentença no grego, os editores do texto grego apresentam os versos 9 e 10 em forma poética conforme a seguinte tradução literal:

pectos: (a) o termo explicativo “porque” que inicia esta oração, aproxima-a do verso 6; (b) o relacionamento próximo entre charisma (“dom”, v. 6) e Espírito (v. 7) é uma característica completamente paulina...; (c) as palavras “fortaleza” e “amor” são especialmente atribuídas ao Espírito nos escritos de Paulo; e (d) existem fortes ligações entre este verso e 1 Ti­ móteo 4.14, onde o “dom” de Timóteo está especificamente destacado como sendo uma obra do Espírito. Além disso, nas expressões “não... mas”, declarações que contrastam espíritos (Rm 8 .1 5 ;lC o 2 .1 2 ) ,o termo “mas” refere-se claramente ao Espírito Santo. “Deste modo, o intento de Paulo poderia ser expresso da seguinte maneira: Pois quando “Deus nos deu” o seu “Espírito”, não recebemos “timidez” ou “temor”, mas “fortaleza, amor e m oderação” (ibid., 227). Diante das dificuldades presentes, é o Espírito de Deus que vence a covardia, contribui para o pensamento claro (especialmente dian­ te dos falsos mestres), nos fornece poder e nos enche de amor.

[Foi Deus] quem nos salvou e nos cha­ mou para [ou com] uma santa vo­ cação, não de acordo com as nossas obras, mas de acordo com o seu próprio propósito e graça, que nos foramdados em CristoJesus antes do tempo imemorial, mas agora foram revelados através do aparecimento de nosso Salvador, Cristo Jesus, que, por um lado destruiu a morte, e, por outro trouxe luz à vida e a imor­ talidade através do evangelho.

1.3- O Encorajamento Inicial ( 1 .8 - 1 4 ) 1 .3 .1 .

P articip a r d o S ofrim en to (1 .8 -

12 ). Levando em conta a capacitação do Espírito, o apóstolo exorta Timóteo com duas ordens: “não te envergonhes”, mas “participa das aflições do evangelho” (v. 8). Paulo primeiro exorta Timóteo a com­ partilhar de boa vontade do estigma e da vergonha de Cristo, o Messias cruci­ ficado, e de Paulo, seu em baixador em prisões. Isto é, Tim óteo não deve evi­ tar a humilhação baseada no testemu­ nho de Cristo ou em sua associação com o apóstolo. Além disso, Timóteo deve abraçar o sofrimento. Pelo fato de Paulo não se envergonhar do testemunho de Cristo, sofreu freqüentemente pelo evangelho (cf. Rm 8.17; 2 Co 4.7-15; Fp 1.12,29; Cl 1.24; lT s 1.6; 2.14; 3.4). Entretanto, o so­ frimento não é a situação presente de­ signada somente a Paulo (2 Tm 2.9); é

O objetivo de Paulo para Timóteo é claro: “Seja firme: reavive seu dom; par­ ticipe do sofrimento; já estamos entre aqueles que venceram a morte por meio de Cristo” (Fee, 1988, 230). Antes de Paulo terminar a oração, de­ clara novamente seu papel na proclama­ ção do evangelho (v. 11); e no que se re­ fere a isso, o apóstolo foi designado como “pregador, e apóstolo, e doutor”. Este verso é semelhante a 1 Timóteo 2.7, porém a ênfase de Paulo aqui não consiste em um compromisso de ministrar para os genti­

1488

II TIMÓTEO 1 os, mas em ministrar o evangelho. A ên­ quer outra base; quaisquer que sejam fase dos três papéis não está na autorida­ os fracassos e os sofrimentos de umpastor, de de Paulo como um apóstolo, mas no Deus vela sobre a sua palavra para a próprio evangelho e em sua relação com cumprir. Seu cuidado continua até “àquele este (Fee, 1988, 231). grande Dia”— do julgamento e da con­ O papel de Paulo no que se relaciona sumação (cf. 1.18; 4.8). ao evangelho é justamente a razão de sua presente situação (v. 12). Novamente ele 1 .3 .2 . D u as O rd e n s A d icio n a is serve como um modelo para Timóteo, ( 1 .1 3 ,1 4 ) . O apóstolo profere mais duas porque não se envergonha, e seu depó­ ordens a Timóteo, porém estas não são sito está seguro nas mãos de Deus. voltadas aos assuntos pessoais do pastor O mesmo substantivo (paratheke) usado em relação à mocidade e à timidez, e sim em 1 Timóteo 6.20, traduzido literalmente à contínua ameaça dos falsos mestres: como “o depósito que te foi confiado”, 1) Como tem enfatizado ao longo das Cartas aparece aqui em 2 Timóteo 1.12 com o Pastorais, Paulo exorta Timóteo a conser­ pronome possessivo na primeira pessoa var o “modelo das sãs palavras” (veja co­ do singular, “meu depósito” ou “aquilo que mentários sobre 1 Tm 1.10), que “de mim ele me confiou” (podendo ser provavel­ tens ouvido” (cf. 2 Tm 2.2; 3-10; também mente aceitável: “o que lhe confiei”); aparece 1Tm 4.6); e à medida que o fizer, Timó­ novamente no verso 14, “Guarda o bom teo será um modelo “na fé e na caridade depósito” que lhe foi confiado (a expressão que há em Cristo Jesus”; “a você” não faz parte do grego). Estas 2) A outra ordem, paralela ao verso 12, é a são as únicas três ocorrências dep a ra th ek e seguinte instrução de Paulo a Timóteo: no Novo Testamento; em todos os três “Guarda o bom depósito [que te foi con­ casos funciona como o objeto do verbo fiado] pelo Espírito Santo que habita em “guardar, proteger, manter seguro”. Em nós” (veja comentários sobre o verso 12). 1 Timóteo 6.20 e 2 Timóteo 1.14, Timó­ A sã doutrina do evangelho confiada por teo deve “guardar o... depósito”, enquanto Deus a Paulo, e agora por Paulo a Timó­ em 2 Timóteo 1.12o próprio Deus o está teo, algum dia será confiada a outras pes­ guardando. soas fiéis, que também poderão ensiná-la O que é “o depósito”? É algo confiado a outros (2.2). Timóteo deve proteger a por Deus ou algo que Deus nos confiou mensagem que recebeu contra qualquer (neste caso, Paulo e Timóteo)? contaminação doutrinária dos falsos mestres. No entanto, Timóteo não está sozinho Embora os estudiosos tenham ofereci­ nesta tarefa, ele o fará por meio do auxí­ do várias sugestões referentes aparatheke lio do “Espírito Santo”. Novamente Pau­ (a alma de Paulo, sua confiança, o dom lo afirma a espiritualidade do jovem pas­ divino para o ministério, etc.), Barrett tor dizendo, em essência, que o precio­ (1963, 97) explica que se tomarmos “0 so Espírito Santo é o mesmo que habita depósito” como significando “a verda­ em ambos (cf. w . 6,7). O mesmo que ajudou de do evangelho que foi confiada a Paulo, Paulo a guardar o tesouro divino será fiel, para que a pregasse”, esta interpretação e concederá vitória a Timóteo. tem a grande vantagem de dar à pala­ vra “depósito”o mesmo significado em 1.4. Notícias Recentes (1.15-18) todas as três passagens, aqui, em 1 Ti­ móteo 6.20 e em 2 Timóteo 1.14.0 próprio O apóstolo agora compartilha um re­ Deus assume a responsabilidade suprema latório de exemplos de fidelidade e de in­ pelo evangelho que confia a seus pre­ fidelidade. Embora esta seção possa pa­ gadores; conseqüentemente, “a pala­ recer um desvio do tema principal, não é vra de Deus não está presa” (2 Tm 2.9). sem propósito. Levando em conta o ape­ A pregação não poderia se suster nem lo para que Timóteo “guardasse” aquilo sequer por um momento sobre qual­ que lhe havia sido confiado, o apóstolo 1489

II TIMÓTEO 2 lembra-se de muitos que não mantiveram a confiança, e de um homem que era exem­ plar ao compartilhar os sofrimentos de Paulo.

uma cultura onde o encarceramento fre­ qüentemente envolvia o auto-sustento, Onesíforo “muitas vezes me recreou”, disse Paulo, sem dúvida levando comida e palavras de ânimo ao apóstolo. Longe de estar preocupado com qualquer embaraço ou dificuldade, este homem se arriscou para visitar regularmente um prisioneiro do Estado condenado à morte; ele “não se envergonhou” das cadeias de Paulo. Pa­ rece que o apóstolo não estava em uma prisão pública e encontrá-lo demandava um esforço considerável; por esta razão, Paulo disse que quando estava em Roma, Onesíforo com muito cuidado o procu­ rou e o encontrou. O principal tema ilus­ trado pelos eventos recentes é claro: “Não se envergonhe do evangelho ou de mim”, diz Paulo. “Muitos se envergonham, mas não Onesíforo. Seja como ele, Timóteo!” (Fee, 1988, 236-237)

1 .4 .1 . A queles q u e E sta v a m n a Á sia se A p a rta ra m d e P au lo ( 1 .1 5 ) . Paulo

aborda uma situação da qual Timóteo está dolorosamente ciente: “...os que estão na Ásia todos se apartaram de mim”. Como a cidade de Éfeso ficava na Ásia, Timó­ teo também vivia esta situação de apostasia. Os detalhes sobre como, quando e onde estas apostasias aconteceram, são claros para Timóteo (“Bem sabes isto”), porém não o são para nós. Provavelmente todos aqueles que viviam na Ásia, que visitaram Paulo em Roma (exceto Onesíforo) de­ sertaram e retornaram para suas casas. Pode ser ainda mais provável que a apostasia na Ásia tenha sido tão surpreendente (Kelly [19 6 3 , 169 ] identifica a descrição do apóstolo como “uma depressão exagerada”), a ponto daqueles amigos de quem teria espera­ do lealdade, inclusive “Fígelo e Hermógenes”, também o deixarem. Embora não estejamos absolutamente certos daquilo que esta apostasia envolvia, parece que por abandonarem Paulo (provavelmen­ te devido às notícias de sua prisão), o apóstolo considere que estivessem aban­ donando a Cristo. O verbo usado neste verso é o mesmo usado para a apostasia espiritual (veja 4.4; Tt 1.14); um verbo diferente é usado para apostasias pesso­ ais (veja 2 Tm 4.10).

2. Exortações Pessoais ao Sucessor de Paulo (2.1-13)

2.1. Fortalecer-se na Graça

(2 .1)

1 .4 .2 . A C a s a d e O n e sífo ro R e cre o u o A p ó sto lo ( 1 .1 6 - 1 8 ) . Onesíforo é um

exemplo positivo, um modelo para Timóteo. A oração de Paulo: “O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo”, indi­ ca que este não está com sua família nes­ te momento. O fato de Paulo iniciar sua lembrança sobre Onesíforo deste modo, pedindo misericórdia por sua casa no presente, e no final (v. 18a) pedindo por miseri­ córdia futura (naquele Dia) a favor do próprio Onesíforo, sugere que este homem tenha morrido neste ínterim. Umfato como este só poderia aumentar a dor e a so­ lidão de Paulo (Fee, 1988, 236). Fee oferece esclarecimentos adicionais a respeito deste bom companheiro. Em

Paulo inicia agora uma extensa seção de instruções pessoais a Tim óteo. As nuances da conjunção “pois” são múl­ tiplas, assinalando que as exortações que se seguem: 1) estão em contraste com os apóstatas; 2) consistememmanter 0 exemplo de Onesíforo; 3) resumem os imperativos dos versos 8-14; e 4) dão prosseguimento ao encorajamento a Timóteo que, através da capacitação do Espírito, tem todas as condições necessá­ rias para ser bem-sucedido. Paulo ordena a Tim óteo: “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesu s”. O termo “fortifica-te” está no imperativo passivo presente, indicando que Timóteo deve continu­ ar sendo fortalecido por Deus. O termo “graça” ou tem um sentido local, expres­ sando o reino ou a esfera em que Timóteo deve ser forte, ou um sentido instrumental, expressando os meios pelos quais Ti­ móteo é capacitado a se fortalecer. Em um ou outro caso, a fonte desta graça é “Cristo Jesu s”.

1490

II TIMÓTEO 2

2.2. Transmitira Responsabilidade a Pessoas Fiéis (2.2) A primeira tarefa de Timóteo é ser for­ talecido para então confiar (o verbo re­ lacionado ao substantivo “depósito”, veja os comentários sobre 1.12) a pessoas “idô­ neas”(homens e mulheres) aquilo que tinha ouvido do apóstolo. Uma vez que Paulo está exortando Timóteo a deixar aquela cidade e unir-se a ele em Roma, embora seu trabalho ainda não esteja terminado em Éfeso, o jovem pastor deve confiar o que ouviu de Paulo a homens fiéis, e como tais, “idôneos para também ensinarem os outros”. A preposição d ia (traduzida na NVI como “na presença de”) é melhor traduzida como “através de muitas teste­ munhas”, significando que as coisas que Paulo ensinou haviam sido atestadas por (e não simplesmente mediadas por) muitos outros, com quemTimóteo também apren­ deu (cf. 3.14).

2.3- Resistir conforme estes Exemplos (2.3-6)

elementos simples das comparações da vida de Timóteo com um soldado são como a devoção à tarefa e à lealdade total ao chefe. O “comandante” é traduzido lite­ ralmente como a pessoa “que o alistou”, cujo dever consistia em garantir que seus soldados estivessem bem equipados e supridos, tendo comida e abrigo. 2 .3 .2 . C o m p e tir c o m o u m A tle ta — D e a c o rd o c o m as R eg ras! ( 2 .5 ) O se­

gundo modelo de perseverança é o atle­ ta, que deve “competir de acordo com as regras” ou “militar legitimamente”, isto é, legalmente. Não está claro a que “regras” Timóteo deve aderir, mas pode estar se referindo às regras da competição (“não era permitido a um atleta ganhar sua luta infringindo as regras”[Rienecker, 1980,640]) ou às regras de treinamento (“os jogos exigiam um período de dez meses de rí­ gida disciplina [Fee, 1988, 242]). Em am­ bos os casos, a trajetória do atleta em direção “à coroa da vitória” incluía o sofrimento do vencedor. 2 .3 .3 . T ra b a lh a r a rd u a m e n te c o m o u m L a v ra d o r e P a rtic ip a r d a C o lh e ita

( 2 .6). O

terceiro modelo de resistência ou perseverança é o “lavrador”. O lavra­ 2 .3 .1 . S o frer c o m o B o m Soldado — dor também encontrará uma recompen­ Não se E m b araçar! (2 .3 ,4 ) A razão mais sa por seu sofrimento. significativa para Timóteo necessitar ser fortalecidoé (como fez Onesíforo) compartilhar 2.4. Refletirpor um Momento o sofrimento. “Sofre, pois, comigo, as afli­ (2.7) ções” (o mesmo verbo usado em 1.8) sig­ nifica “sofrer os males junto com alguém, O apóstolo está certo de que a análise supoxtar a aflição junto com alguém, tomar destas analogias fará com que reflitam. A parte com alguém em uma situação difícil”. composição das três metáforas da resis­ O primeiro modelo de resistência ou tência coloca igual ênfase em “participar perseverança é o de um “bom soldado das aflições” e “conquistar um prêmio”. d e je s u s Cristo”. Paulo usa freqüente­ Barrett resume o significado das três ana­ mente exemplos militares (cf. 2 Co 10.3logias: “Além da guerra está a vitória, além 5; Ef 6.10-17; Fm 2), especialm ente no do esforço do atleta há um prêmio, e além contexto de lutar com oponentes do do trabalho agrícola há uma colheita. Da evangelho (cf. 1 Tm 1.18). “Pela própria mesma maneira, a participação de Timó­ natureza de sua ocupação, o ‘soldado’ teo no sofrimento será seguida por uma será com freqüência solicitado a parti­ recompensa” (Barrett, 1963, 102). cipar dos sofrimentos” (Fee, 1988, 241). Duas analogias extras surgem da me­ 2.5. A Base para o Apelo (2.8táfora do soldado: “Ninguém que milita 13) se embaraça com negócio desta vida” e “a fim de agradar àquele [o seu coman­ Este parágrafo leva a uma conclusão: dante] que o alistou para a guerra”. Os o longo apelo de Paulo (iniciado em 1.61491

II TIMÓTEO 2 14 e retomado em 2.1) para que Timóteo permanecesse leal, a ponto de sofrer. Agora o apóstolo fornece a base teológica para tal apelo. Mais importante que a recom­ pensa é o evangelho, que Paulo resume nesta seção.

2 .5 -2 . A C o n s id e ra ç ã o d o s M otivos de P au lo : A S alvação d os o u tro s (2 .1 0 ).

É “por amor aos escolhidos” que Paulo sofre tudo isto (ou seja, resiste paciente­ mente sob todo este fardo). O termo “es­ colhidos” (o povo escolhido de Deus) é 2 .5 .1 . L em b rar-se d e je s u s C risto: O uma aplicação cristã para os crentes do Novo Testamento, que tem a sua origem E x e m p lo E xcelen te (2 .8 ,9 ). Em uma carta em um termo que era usado no Antigo repleta de reminiscências, o enfoque da Testamento para o povo de Deus (cf. Tt atenção deve estar no exemplo de Cris­ 1.1; 2.14). “Já se gastou tinta demais es­ to. Em sua lembrança de Jesus Cristo, crevendo sobre as implicações teológicas Timóteo deve enfocar duas realidades: que deste termo, quer referindo-se aos “esco­ Jesus “ressuscitou dos mortos” e que “é lhidos” que já foram salvos quer aos “es­ da descendência de Davi”. Ainda que a ênfase na ressurreição seja característica colhidos” que ainda não foram. Tal teo­ logia não está de acordo com o enfoque de Paulo (cf. Rm 1.4; 10.9), a ênfase so­ bre o descendente de Davi não o é (exceto de Paulo” (Fee, 1988, 247). O apóstolo está de algum modo con­ em Rm 1.3). Como um apóstolo para os vencido de que aquilo que está sofrendo gentios, a dem onstração da linhagem contribuirá para a salvação dos escolhidos, messiânica era um assunto mais signifi­ mas não esclarece como. Alguns fizeram cativo para os judeus do que para o pú­ conjeturas quase “mágicas” sobre a cone­ blico alvo de Paulo. Mas para Timóteo, xão entre os sofrimentos de Cristo, os so­ que tinha uma herança judaica, estas duas realidades traziam um resumo apropria­ frimentos dos mensageiros e a salvação de outras pessoas (cf. 2 Co 1.6; Cl 1.24). O pontodo do evangelho. A expressão “da des­ chave, porém, não é o sofrimento de Pau­ cendência de Davi” sugere o cumprimento lo pelo evangelho, mas o evangelho pelo da história e da esperança israelita em uma qual ele sofre, e que traz a salvação (Fee, pessoa humana, real; e o fato de ter “res­ suscitado dos mortos”, a irrupção esca1988, 248). Ao serem comparadas com a salvação dos escolhidos, “com glória eterna”, tológica neste mundo (o mundo de Davi, quaisquer provas temporais perdem a sua e d ejesu s de Nazaré) do sobrenatural e importância (cf. Rm 8.18). divino (Barrett, 1963, 103). Por pregar esta mensagem, o apóstolo 2.5-3- M editar so b re e sta D eclaração: U m H in o d eP ersistên cia(2.11-13). Paulo está sofrendo “trabalhos e até prisões, como um malfeitor”. A palavra para “malfeitor” conclui esta seção principal de exortações no original grego é forte, um termo técni­ pessoais a seu sucessor com outra “Pala­ co reservado aos assaltantes, assassinos, vra fiel”(veja comentários sobre 1 Tm 1.15). traidores, e assim por diante. A única ou­ O paralelismo da idéia e o caráter rítmi­ tra vez em que é usada no Novo Testamento co das linhas sugerem que esta passagem é para referir-se aos ladrões que foram tenha sido tirada de um hino litúrgico preexistente já conhecido por Timóteo e crucificados ao lado dejesus (Lc 23.32,33,39). pela Igreja em Éfeso (observe o início do “Seu uso aqui sugere as condições do parágrafo na NVI). A teologia e a termi­ massacre promovido por Nero em vez do nologia do hino são características de Paulo, encarceramento relativamente brando de devendo ter sido provavelmente originadas Atos 28” (Kelly, 1963, 177). Embora seu mensageiro esteja preso, o evangelho de de uma de suas congregações ou até mesmo composta pelo apóstolo. O último verso, Cristo não está! O tempo perfeito enfatiza Ele “não pode negar-se a si mesmo”, parece que “não foi e não será impedido”. Como ser o ponto onde Paulo interrompe o hino. em Filipenses 1.12-18, o encarceramento de Paulo não impediu que as Boas Novas Seu motivo ao citar este hino é mostrar a conexão entre o sofrimento com Cristo e fossem compartilhadas, mas forneceu novas compartilhar a sua glória. oportunidades para tal. 1492

II TIMÓTEO 2 Embora a citação que Paulo faz deste hino se aplique ao sofrimento da perse­ guição e ao martírio, seu uso litúrgico original provavelmente refletisse um culto de batismo. A conexão entre as imagens de morrer para o pecado e para si mesmo, e a ressurreição para uma nova vida por meio do batismo dos crentes, é comum (cf. Rm 6.2-23; Cl 2.11,12; 3-3). Em seu comentá­ rio sobre esta passagem, Crisóstomo traz o contexto do batismo e do martírio jun­ tamente com sua exortação: “se nossa morte com Cristo foi real e completa... devemos estar prontos para compartilhar sua morte literal” (citado por Lock, 1973, 96). Entretanto, como Kelly escreve (1963, 180), “a morte do cristão com Cristo no batismo é só um primeiro episódio. Sua vocação é ser misticamente unido àque­ le que foi crucificado, abraçando uma vida de provas e dificuldades”. Quer dizer, devemos “resistir também com Ele”. Tal “é o pré-requisito para “reinar com Ele” (cf. 1 Co 15.24,25; Ap 1.6; 3-21; 5.10; 20.4). O hino, em seu idioma original, pas­ sa por uma progressão cronológica em seus tempos verbais. Do tempo passa­ do ( “morrido” no batismo) para o tem­ po presente (“resistindo” aos sofrimen­ tos do presente), o hino se move agora para a possibilidade futura de “negar” a Cristo. “Se o negarmos” (uma oração con­ dicional seguicla por um verbo futuro) “sugere uma possibilidade distante e não uma certeza” (Harris, Horton e Seaver, 1989, 8.449). Negar a Cristo resulta em seu re­ púdio para conosco no Dia do Juízo (cf. Mt 10.32,33; Lc 12.9). Esta segunda me­ tade de 2 Timóteo 2.12 é o oposto da primeira. Pressupondo o contexto do sofrimento, esta é uma clara advertên­ cia para Timóteo e para os “escolhidos” contra a apostasia durante a perseguição. Aqueles que viviam na Ásia, descritos em 1.15, já haviam apostatado; deste modo, fica claro que já não eram mais parte da Igreja de Cristo. Este verso do hino pode apontar para a identidade gnóstica dos falsos mestres. Em virtude de sua doutrina dualística e dicotomista, que cria na divisão entre o corpo e o espírito, um gnóstico poderia negar a

Cristo com sua boca e continuar a confessálo com o espírito.1Existe pouca evidência sobre os mártires gnósticos; podiam renunciar ou abjurar publicamente e mais tarde ne­ gar sua apostasia. O apóstolo afirma nes­ te hino ortodoxo: “O que dizemos conta! — Cristo negará aqueles que o negarem”. Ainda que a graça de Deus não se es­ tenda à apostasia, ela pode alcançar a falta de fé. “Se formos infiéis, ele permanece fiel”. “Infiéis” (aspisteo) não significa sem fé (isto é, “incrédulo ou descrente”), mas sem fidelidade. Fee (1988, 251) explica: Isto ainda pode significar que Deus anulará nossa infidelidade por meio de sua graça (como sugere a maioria dos comenta­ ristas), ou que sua fidelidade ao dom gracioso da salvação escatológica a seu povo não é negada pela falta de fé de alguns. Este ponto parece estar mais de acordo com os escritos de Paulo e o contexto imediato. Alguns demonstra­ ram sua incredulidade, mas a fidelida­ de de Deus em relação à salvação não foi diminuída por este fato. Barrett (1963,104) explica: “Aúnica base de segurança não é a fidelidade do ho­ mem, porém a de Deus, isto é, a fidelida­ de de Deus à sua palavra, às suas promessas e a si mesmo”. A esperança escatológica está arraigada no caráter de Deus.

3- Exortações de Liderança ao Su­ cessor de Paulo (2.14-26) O restante do capítulo 2 é a principal seção de exortações a Timóteo, como líder. Da doutrina e da santidade à humildade, o apóstolo apresenta uma série de assun­ tos sobre liderança. 3 .1 . M a n t e n h a a D o u tr in a ! ( 2 .1 4 - 1 8 ; cf. v. 2 3 ) Deixando as reminiscências pessoais (a Timóteo, suas lágrimas e sua fé since­ ra [1.3-51) e a exortação àquilo que Timóteo não deve esquecer (seu dom e o evange­ lho [1.6; 2.8]), o apóstolo se volta agora ao que Timóteo deve ter sempre em mente: “Traze estas coisas à memória...”

1493

II TIMÓTEO 2 3.1.1. Ensiná-los a n ão C ontender p o r P a la v ra s ( 2 .1 4 ) . “Diante do Senhor”, a

autoridade máxima a quem alguém pode apelar, avisou-os:“não tenham contendas de palavras”. Esta era a principal caracte­ rística dos falsos mestres (veja comentári­ os sobre 1 Tm 2.8; 6.4,5; cf. Tt 3-9). A con­ gregação deve ser advertida a não se en­ volver em tais disputas em razão das pa­ lavras divulgadas pelos falsos mestres. Estas não trazem nenhum benefício (cf. Tt 3.8); pelo contrário, “para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes”. 3 .1 .2 . T rein ar-se p a ra S er P re cis o n a P a la v r a ( 2 .1 5 ) . O próprio ensino de Ti­

móteo deve estar em nítido contraste com o dos falsos mestres. O apóstolo o exor­ ta a ser diligente, fazer o máximo, ou “tomar todas as dores para apresentá-las diante de Deus como alguém que pode supor­ tar sua prova— como um verdadeiro obreiro que nunca será envergonhado por um trabalho de má qualidade ou feito às pressas, mas que ensina corretamente a mensa­ gem da verdade” (Lock, 1973,97). A pas­ sagem “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” ou, como na tradu­ ção da KJV, “que compartilha corretamente” — “a palavra da verdade” — são expres­ sões que ocorrem somente no Novo Tes­ tamento. Este verbo significa literalmen­ te “ser objetivo, compartilhar a palavra da verdade diretamente, sem distrações” (Zerwick e Grosvenor, 1979, 641). Tem múltiplas analogias: “um arado preparando um sulco em linha reta” (Crisóstomo), “uma máquina abrindo uma estrada em linha reta”, “um sacerdote preparando corre­ tamente um sacrifício”, e “um pedreiro me­ dindo e cortando uma pedra para ajustála em seu devido lugar” (uma definição baseada em Pv 3.6; 11.5). A palavra era freqüentemente usada nas liturgias para descrever os deveres do bispo e para denotar a ortodoxia (“que é o ensino direto ou correto”) (Lock, 1973, 98-99; Rienecker, 1980, 642). 3 .1 -3 - E v ita r a b s o lu ta m e n te as P a ­ la v ra s Vazias (2 .1 6 - 1 8 ). O apóstolo pro­

fere agora uma advertência clara a Timóteo

(cf. 1 Tm 6.20). O verbo no imperativo, “evita os falatórios profanos”, significa literalmente “mudar ou se afastar, com a finalidade de evitar”; o objeto direto significa “conversa vazia, profana”. O conteúdo da mensagem dos falsos mes­ tres é sem propósito. Como resultado, o falso ensino produzirá uma “impiedade” cada vez maior, falta de religiosidade e “roerá como gangrena”. Tais ensinos não ferem somente os mes­ tres, mas todos aqueles que os ouvem são infetados por seu veneno. Estas conver­ sas vazias se espalham como um rebanho de gado “que pasta” em uma relva, um verbo usado para “espalhar a dor”. O substantivo utilizado aqui era um antigo termo médico grego para gangrena, câncer, ou o aumento de uma úlcera. É uma doença pela qual qualquer par­ te do corpo que sofra uma inflamação torna-se tão corrompida que, a menos que um remédio seja aplicado, o mal se estenderá continuamente, atacará ou­ tras partes, e afinal corroerá os própri­ os ossos. A metáfora ilustra atitudes insidiosas, e nada poderia descrever mais adequadamente a maneira do avanço do falso ensino, seja este antigo ou moderno (Rienecker, 1980, 642). “Himeneu e Fileto”, que “se desviaram da verdade”, são dois exemplos de falsos mestres (veja 1 Tm 1.6; 6.21). Sem dúvi­ da, o mesmo Himeneu a quem Paulo “entregou a Satanás” em 1 Timóteo 1.20, ainda está trabalhando, pervertendo “a fé de alguns”. Estes dois homens ensinavam “dizen­ do que a ressurreição era já feita”. Esta visão escatológica de que a ressurreição é ex­ perimentada em nossa morte e ressurreição espiritual por ocasião do batismo em Cristo era um falso ensino com o qual Paulo se deparava repetidamente (1 Co 4.8; 15-12; 2 Ts 2.2), uma doutrina que se encaixava perfeitamente no dualismo do gnosticismo. Tornando a ressurreição somente espiri­ tual, isto é, um fenômeno não literal, es­ tes falsos mestres estavam tentando des­ truir o principal fundamento da fé, e re­

1494

II TIMÓTEO 2 almente já haviam pervertido a fé de al­ guns. “Para Paulo, a negação de (nosso futuro corpo) nossa ressurreição é negar a própria fé, e assim negar o nosso pas­ sado (a própria ressurreição de Cristo, que é a base de tudo aquilo que é pregado) e também o nosso presente” (Fee, 1988,257). Todo o texto em 1 Coríntios 15 é dedica­ do a derrotar a falsa doutrina que negava a ressurreição literal, física de Cristo e de seus santos. Note as profundas implica­ ções teológicas e espirituais da heresia divulgada por Himeneu e Fileto em 1 Coríntios 15-13,14,16,17:

3 .2 .2 . U m V aso d e H o n ra ( 2 .2 0 ,2 1 ) .

A próxima analogia de Paulo diz respei­ to à variedade de artigos em uma prós­ pera casa antiga. Existem artigos caros, como os vasos “de ouro e de prata”; mas existem também aqueles que são bara­ tos, como os vasos “de madeira e de bar­ ro”. Alguns servem “para honra”, para propósitos nobres, como por exemplo para serem admirados pelos convidados du­ rante os banquetes; alguns servem “para desonra”, a propósitos humildes, comuns, como conter o lixo que será eliminado. A metáfora era comum na antigüidade, tanto no Antigo (Jr 18.1-11) como no Novo E, se não há ressurreição de mortos, Testamento (Rm 9-19-24), mas a aplica­ ção do apóstolo neste contexto é nova. tambémCristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pre­ A expressão “De sorte que”, no início gação, e também é vã a vossa fé... Por­ do verso 21 (não traduzida na NVI), liga que, se os mortos não ressuscitam, também a aplicação desta analogia ao verso 19, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não que diz que “qualquer que profere o nome ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda de Cristo aparte-se da iniqüidade”. “Se permaneceis nos vossos pecados. alguém se purificar destas coisas” — do reino do ignóbil, ou seja, do falso ensino — essa pessoa “será [um] vaso para hon­ 3-2. Viva uma Vida Santa! ra, santificado e idôneo para uso do Se­ ( 2 . 19 - 22 ) nhor e preparado para toda boa obra”. 3 .2 .1 .0 Selo de D eus (2 .1 9 ) . Para não Somente o vaso “santificado e idôneo”, finalizar com uma nota negativa, o após­ nobre e honorável é que possui o mais tolo, da mesma maneira que no hino contido elevado valor. O que importa não é o valor em 2.13, termina esta seção com um co­ dos vasos ou do material de que são fei­ mentário a respeito da fidelidade de Deus. tos, mas o conteúdo de cada um. Então, Usando uma forte conjunção adversativa, a fim de se enquadrar nesse perfil, cada “todavia”, Paulo está convencido de que, um deve ser “santificado”, isto é, separa­ apesar dos oponentes e apóstatas, “o [sólido] do para os propósitos sagrados, afastan­ fundamento de Deus fica firme”. A boa do-se dos ensinos e da prática do mal. obra de Deus em Éfeso não pode ser 3 .2 .3 -U m Seguidor d a Ju stiça ( 2 .2 2 ). impedida pelos falsos mestres. Ela resis­ Paulo exorta Timóteo a fugir “dos dese­ tiu à oposição e permanece firme. jos da mocidade” e a “seguir” as qualida­ O selo do Senhor, sua marca de pro­ des cristãs. Estes desejos maus, Fee argu­ priedade, sustenta uma inscrição dupla menta (1988, 263), não são paixões sen­ que se refere a um correto relacionamento suais, mas determinadas coisas que atra­ e a uma vida justa. “O Senhor conhece em pessoas jovens: “questões loucas e sem os que são seus” — a confiança do povo instrução... que produzem contendas”. Lock de Deus não consiste naquilo que conhe­ acrescenta à lista: “a impaciência, o amor cemos a respeito dEle, mas no que Ele pela disputa, a auto-afirmação, como tam­ conhece a nosso respeito. “Qualquer que bém a auto-indulgência” (Lock, 1973,101). profere o nome de Cristo aparte-se da Em vez de participar dos passatempos e iniqüidade”— o comprometimento com diversões dos falsos mestres, Timóteo deve Cristo será evidenciado por meio de um ser um seguidor da justiça. Nas três pri­ claro rom pim ento com o pecado e a meiras virtudes da lista (justiça, fé e cari­ maldade. dade), Paulo usou um imperativo seme­ 1495

II TIMÓTEO 2 lhante a 1 Timóteo 6.11 (veja os comen­ tários). Timóteo deve procurar também “a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor”. “A comunhão frater­ nal deveria florescer em meio aos cristãos” (cf. Rm 12.18) (Kelly, 1963, 189).

3-3 ■Paulo Abre um Parêntese: Rejeitar as Questões Loucas! (2.23; cf. vv. 1418) Paulo interrompe sua linha de racio­ cínio para voltar a mencionar as “ques­ tões loucas”. Fee (1988, 264) nos ajuda a traçar a conexão de seus pensamentos. Justamente por Timóteo ter a obriga­ ção de buscar a paz, deve “rejeitar” (o mesmo verbo usado em 1Tm4.7) as “ques­ tões loucas” (cf. Tt 3.9, um forte pejora­ tivo) “e sem instrução”(apaideutos, “sem informação”) que produzem “contendas” (veja o comentário sobre 1 Tm 6.4; Tt 3-9). Timóteo, então, deve buscar a paz (v. 22), ou seja, rejeitar os debates to­ los, que se baseiam na falta de instru­ ção, porque estes só “produzem” (lite­ ralmente, “dão origem a”) “contendas” (m achai; cf. Tt 3-9; cf. também “bata­ lhas de palavras”, logomachiai, 1 Tm 6.4; 2 Tm 2.14) — um dos sérios pecados dos falsos mestres (veja especialmente o comentário sobre 1 Tm 6.4,5).

participam de uma guerra de palavras com o sentido de disputar, discutir, rivalizar” (Rienecker, 1980, 643). Se o servo do Se­ nhor, Cristo, não contendeu; Timóteo, você e eu também não devemos fazê-lo. Antes, “ao servo do Senhor não convém contender, mas, sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor”. Ao in­ vés de discutir, os ministros devem resistir ao erro, porém com uma disposição dife­ rente. Como foi dito, “Se agirmos como o inimigo, nos tornaremos como este”. A bon­ dade e a mansidão são atitudes contrastantes com as dos falsos mestres, e é assim que Timóteo deve tratar até mesmo a estes (v. 25; cf. “seguindo a verdade em caridade” em Ef 4.15). Timóteo deve ter a habilidade de ensinar (cf. 1 Tm 3-2). Não deve ter res­ sentimentos, mas ser tolerante, paciente, e pronto a resistir ao mal. “A frase denota uma atitude de paciência em relação àqueles que estão em oposição” (Rienecker, 1980,643). 3 . 4 .2 . 0 S erv o d o S e n h o r D eve C orrig ir( 2. 25, 26) . Timóteo deve instruir “com

mansidão os que resistem”. Que lição para todos os servos do Senhor! Com que fre­ qüência os ministros atacam aqueles que se lhes opõem, afastando-os ainda mais do arrependimento! Esta atitude mansa e dócil é expressa pelo substantivopraütes (“mansidão”). “Denota a atitude humilde e mansa que se expressa em particular através de uma postura paciente perante a ofen­ sa, livre de malícia e do desejo de vingança (cf. 2 Co 10.1)”(Rienecker, 1980,643). Sendo assim, o próprio mestre se torna o instru­ 3.4. Liderar como um Servo mento usado pelas mãos de Deus para Humilde (2.24-26) conceder aos oponentes uma transformação 3 .4 .1 . C a ra c te rís tic a s d o S erv o d o de coração — para conceder-lhes o arre­ S e n h o r (2 .2 4 ) . A última questão relacio­ pendimento e o “conhecimento da verdade”. nada à liderança, discutida pelo apóstolo Tal instrução mansa também trará de Paulo, é a atitude. Diferentemente dos falsos volta a seu juízo aqueles que são influ­ mestres, “ao servo do Senhor não convém enciados pelos falsos mestres, e os habi­ contender”. O título usado aqui (“o servo litará a fugir das armadilhas do Diabo, pelas do Senhor”) provavelmente tenha sido quais tornaram-se cativos de sua vonta­ influenciado pelas mensagens que Isaías de. Ver os oponentes como pessoas que transmitiu a respeito do Messias (Is 42.1estão enganadas, cativas e presas por Satanás, torna mais fácil instruí-las com mansidão. 3; 53). O verbo “contender” (m a ch o m a i) “era geralmente usado para referir-se a A n an ep bo ( “recobrar o juízo ou a razão”) combatentes armados, ou àqueles que é um significado do verbo “tornar-se só­ tomavam parte em uma luta corpo a cor­ brio, retornara sobriedade”. “A metáfora implica alguém ser enganado por influ­ po. Foi então usado para aqueles que 1496

II TIMÓTEO 3 ências malignas, como no caso de uma intoxicação; o método do Diabo é 'entor­ pecer a consciência, confundir o juízo e paralisara vontade’” (Rienecker, 1980,643644). Tendo tal compreensão desta situ­ ação embaraçosa em que vivem aqueles que estão enganados, o servo de Deus pode ser compreensivo, reconhecendo o estado de engano em que os oponentes se en­ contram, de forma que a abordagem do ensino tenha como ênfase uma clara atenção à verdade, sem ataques pessoais. A ênfase na instrução é claramente re­ dentora. “Paulo quer que Timóteo seja o modelo de um tipo de ensino que não apenas refutará os erros (Tt 1.9; 2.15), salvando assim seus ouvintes (1 Tm 4.16), mas que também será usado por Deus para resga­ tar aqueles que já tiverem sido enredados pelos falsos ensinos” (Fee, 1988, 266).

bo “sobrevir”, nesta oração, não é sim­ plesmente copulativo, uma vez que in­ dica algo que é iminente. Fee (1988,269) assinala a conexão entre o fim dos tem­ pos e a dificuldade como uma caracte­ rística comum no apocalipse judaico do Antigo Testamento (Dn 12.1), na litera­ tura intertestamentária (1 Enoque 80.28; 100.1-3; Ascensão de Moisés 8.1; 2 Baruque 25-27; 48.32-36; 70.2-8), nas palavras dejesus (Mc 13-3-23), e nos escritos da igreja primitiva (1 Co 7.26; 2 Pe 3.3; 1 Jo 2.18; Jd 17,18). Estes últimos dias são descritos como “trabalhosos” ou “terrí­ veis”, não simplesmente porque serão difíceis ou perigosos, mas por causa do mal associado a eles. 4 .1 .2 . As P esso as que D evem Ser E v itad as ( 3 .2 - 5 ) . Apesar de Paulo usar

4. A A d v ertên cia co n tra a Maldade e as H eresias E scato lóg icas (3 -1 -1 7 )

4.1. A Maldade do Final dos Tempos (3-1-9) 4 .1 .1 . Virão Dias Difíceis (3-1). Abrup­ tamente, o apóstolo volta sua atenção à maldade dos últimos dias e aos desastres dos erros doutrinários. Tal discussão é uma importante mudança na carta, passando das instruções pessoais a Timóteo para o enfoque dos falsos mestres. É o ataque final do apóstolo às heresias antes de sua conclusão pessoal de encorajamento a Timóteo. Embora as Cartas Pastorais tenham repetidamente abordado a questão dos falsos mestres, neste contexto Paulo se refere ao conflito sob uma perspectiva teológi­ ca — a presença dos falsos mestres como uma indicação do final dos tempos. O Novo Testamento usa a expressão “últimos dias” para referir-se à vinda de Cristo, ao ad­ vento da nova era, e à era cristã (cf. At 2.16-21; Hb 1.2). Em outras palavras, os tempos do fim já chegaram, e estamos vivendo esta era. O ponto principal é que Paulo deseja que Timóteo saiba (isto é, entenda, re­ conheça, perceba) “que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos”. O ver­

o tempo futuro no verso anterior, a lista de vícios apresentada reflete os proble­ mas que prevaleciam na sociedade pagã, provando que Timóteo já estava vivenciando estes males. Já vimos uma lista de defeitos em 1 Timóteo 1.9,10 (cf. Rm 1.29-31; 1 Co 6.9,10), que era claramen­ te organizada; porém esta lista de dezoito características parece não ter um padrão organizacional: 1) A lista começa descrevendo estas pesso­ as como “amantes de si mesmos” (v. 2). O egoísmo encabeça a lista dos males do final dos tempos; 2) O materialismo vem em segundo lugar; as pessoas serâo “avarentas”, amando o dinheiro e aquilo que este é capaz de comprar; 3) A arrogância é o terceiro vício. A palavra “presunçosos” se refere a “alguém que alardeia e ostenta suas realizações, e em sua jactância ultrapassa os limites da ver­ dade, procurando se destacar e se engran­ decer em uma tentativa de impressionar” (Rienecker, 1980, 644); 4) A pessoa “soberba” (isto é, arrogante ou altiva) é “alguém que procura se mostrar superior aos outros” (ibid.); 5) Os “blasfemos”são aqueles que usam suas palavras para caluniar os outros. O termo grego fornece a raiz da palavra portugue­ sa “blasfêmia”; 6) Os “desobedientes a pais e mães” são os rebeldes;

1497

II TIMÓTEO 3 7) Eles são “ingratos” ou mal-agradecidos; 8) Eles são “profanos” ou não religiosos (cf. 1 Tm 1.9); 9) Aqueles “sem afeto natural” (v. 3) são os que não amam a família, e insensivelmente não amam aos pais, isto é, desprezam o afeto nat,ural. Sêneca cita a prática de ex­ por os bebês indesejados como uma ilus­ tração de tal falta de humanidade e sensi­ bilidade, e de afeto natural (Brown, 1976, 2.542); 10) Os “irreconciliáveis” são aqueles cuja hostilidade não admitirá nenhuma trégua, aqueles que recusam a reconciliação, os implacáveis; 11) Os “caluniadores” são aqueles cujas pa­ lavras (literalmente) “diabólicas”colocam as pessoas em conflito umas com as ou­ tras. Promovem os conflitos na esperança de ter algum benefício (Lock, 1973, 106); 12) Aos “incontinentes” falta o poder e a autodisciplina da conversação até o ape­ tite; não possuem a temperança; 13) Os “cruéis” são como os animais selva­ gens — indomados e incivilizados; 14) Aqueles que não têm “amor para com os bons” são indiferentes à bondade; odei­ am o bem e não têm qualquer escrúpulo em relação à virtude; 15) Os “traidores” (v. 4) são falsos e engana­ dores. “Esta palavra era usada para alguém que traísse seu país ou que não cumpris­ se um juramento, ou ainda para aqueles que abandonassem outra pessoa em pe­ rigo” (Rienecker, 1980, 644); 16) Os “obstinados”são negligentes. Este adjetivo vem do verbo “cair à frente ou adiante”; isto é, ser precipitado em palavras ou ati­ tudes. Estas pessoas “não medem as con­ seqüências para alcançar os seus objeti­ vos” (Kelly, 1963, 194); 17) Os “orgulhosos” (literalmente) se “inflam, ou se enchem com fumaça”, ou “incham”. Todas estas imagens, como na idéia hebraica da névoa, da fumaça ou do vapor, signifi­ cam vaidade, vazio, falta de autenticida­ de (veja também 1 Tm 3.6; 6.4); 18) Nesta lista, que apresenta pessoas com más condutas, existem numerosos exemplos de amor impróprio ou mal orientado. O exemplo final é o pior de todos — trata-se daque­ les que são “mais amigos dos deleites do

que amigos de Deus”. Estes hedonistas mantêm a “aparência de piedade”(cf. 1 Tm 2.2; Tt 1.16) enquanto negam seu poder. O apóstolo retornou ao enfoque de suas observações que eramdirecionadas aos falsos mestres. Estes gostavam das expressões visíveis, das práticas ascéticas e das discussões intermináveis sobre trivialidades religiosas, pensando ser obviamentejustospor serem obviamente religiosos. Mas assim “ne­ garam” a eficácia ou o poder da pieda­ de cristã, eusebeia, por tomarem parte em tantas atitudes e práticas “não reli­ giosas”que caracterizaramo mundo pagão (Fee, 1988, 270-271; ênfases acrescen­ tadas pelo autor). O apóstolo Paulo tem uma ordem ex­ plícita para Timóteo a respeito de tais pessoas; “Destes afasta-te”. 4 .1 .3 O q u e F a z e m o s F a lso s M es­ tre s (3 .6 ,7 ). No versículo 6 o apóstolo mais

uma vez expõe as práticas dos charlatões religiosos. Fee (1988, 271) assinala, en­ tretanto, que Timóteo e sua congregação não aprenderam nada de novo sobre os falsos mestres por meio da repreensão severa de Paulo. O leitor moderno é esclareci­ do por esta censura. Alguns dos tipos de charlatanismo religioso com que os fal­ sos mestres estavam comprometidos di­ ziam respeito às mulheres. Estas informações servem como base para o ensino de Pau­ lo em 1 Timóteo 2.9-15; 3-11; 4.7; 5.3-16. Paulo liga as práticas dos falsos mes­ tres à lista de maus comportamentos: “Porque deste número são os que se introduzem pelas casas e levam cativas mulheres néscias”. O verbo grego descreve o modo como estes entravam nas casas. A expressão “se in­ troduzem” denota métodos insidiosos: Penetravam ou se introduziam nas casas por meio da falsidade. Na expressão “as­ sumir o controle” temos um verbo que se refere a fazer prisioneiros, conduzindoos sob a ameaça da ponta da lança; seu uso metafórico implica cativar através do engano ou de uma liderança enganosa. Tal era o método dos falsos mestres (cf. v. 13; também 1 Tm 4.1,2).

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II TIMÓTEO 3 sem envolvidos na feitiçaria, Plummer argumenta que “a conexão entre a here­ sia e a superstição é muito próxima e real” (citado em Guthrie, 1990,158). Este fato é tão verdadeiro nos tempos modernos como era antigamente. O movimento contem­ porâneo da Nova Era é claramente uma combinação de heresia e superstição. Es­ tes homens foram descritos mais adiante como “homens corruptos de entendimento e réprobos quanto àfé”. “Perderam o poder de raciocinar... não podem passar pelos testes da fé” (Barrett, 1963,112).

As mulheres que se tornavam presas destes mestres são descritas pejorativamente com um diminutivo, (literalmente) “mulherzinhas” ou “mulheres néscias”, signi­ ficando “bobas, mulheres tolas ou ocio­ sas”; é uma palavra de desprezo. Elas são descritas como “carregadas de pecados” e “levadas de várias concupiscências” ou “levadas por todo tipo de desejos malig­ nos”. Os pecados destas mulheres são tantos, que se acumulam a ponto de controlá-las; o tempo perfeito implica uma condição ou um estado contínuo. Elas estão sendo também levadas por uma variedade de impulsos ou luxúrias. Isto pode sugerir um envolvimento sexual dos falsos mes­ tres com tais mulheres, porém não deve ser limitado a tal significado. Finalmente elas são descritas como pessoas que “aprendem sempre e nunca podem chegar ao conhecimento da ver­ dade” (v. 7). Kelly (1963,196) interpreta esta frase, bem como as duas anteriores, do seguinte modo:

4 . 1 .5 . 0

F im d e ta is P e ss o a s ( 3 .9 ) . O

sucesso destes mestres será breve, pois sua loucura será exposta. Guthrie (1990, l6 0 ) explica: “No final, os embustes são sempre descobertos”.

4.2. Encorajamento apesar dos Obstáculos (3.10-17) 4 .2 .1 . T im ó teo T em u m H istó rico de F id elid ad e ( 3 .1 0 ,1 1 ) . O encorajamento

As mulheres, assim como os homens, estão prontas para abraçar o verdadei­ ro evangelho; porém o mesmo ocorre em relação à sua forma pervertida, quando se sentem conscientes da condição mise­ rável e fútil de suas vidas... Estão anelantes, e talvez morbidamente curiosas a respeito das religiões e prontas para se entregarem a qualquer teoria de amor que lhes seja apresentada. No entanto, uma vez que lhes falta um sério propó­ sito e se sentem simplesmente atraídas por uma novidade, provam ser “inca­ pazes de alcançar o conhecimento da verdade”. 4 .1 .4 . D ois E x e m p lo s In fam es (3 .8 ).

Os oponentes da verdade pregada por Timóteo em Éfeso são comparados a dois feiticeiros de Faraó que se opuseramà verdade e a Moisés. Ainda que seus nomes não sejam mencionados em Êxodo 7.11; 9-11, docu­ mentos posteriores do judaísmo retrataram estudos a respeito de Moisés e identifica­ ram os dois mágicos comojanes e Jambres. Embora não possamos ter a completa certeza de que os falsos mestres de Éfeso estives­

de Paulo a Timóteo é outro apelo à leal­ dade e à perseverança baseado em sua herança religiosa e em seu histórico fiel. Afastando-se da discussão sobre os falsos mestres, Paulo contrasta seu apelo a Ti­ móteo com as palavras: “Tu, porém, tens seguido a minha doutrina [literalmente, tem seguido de perto]”. A seguir, o apóstolo reitera suas próprias virtudes (em contraste com o comportamento maligno dos fal­ sos mestres descrito em 3-2-5), que foram observadas e imitadas por Timóteo durante o relacionamento mentor/aprendiz: 1) A “doutrina” de Paulo encabeça a lista. A instrução do apóstolo é ortodoxa; 2) Seu “modo de viver” ou conduta é santo; 3) Sua “intenção” é única e firme; 4) Sua “fé” em Deus; 5) Sua “longanimidade” com os outros; 6) Seu “amor” ou “caridade” para com todos; 7) Sua “paciência” em situações difíceis, são exemplares em todos os sentidos; 8) Em particular, Timóteo deve se lembrar das “perseguições”; e 9) “aflições” de Paulo “tais quais acontece­ ram em Antioquia [cf. At 13.50], em Icônio [cf. 14.2-6] e em Listra [cf, At 14.19,20]”, a própria cidade natal de Timóteo.

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II TIMÓTEO 4 “E o Senhor de todas me livrou”, lem­ bra Paulo. Fee (1988, 277) parafraseia o propósito do discurso de Paulo da seguinte forma:

5. Instruções Solenes Relativas ao Ministério (4.1-8) 5 . 1 . Sobre o Ministério da

Palavra (4.1-4)

Lembre-se de que você estava em Lis­ tra quando fui apedrejado. E que tais padecimentos eramvisíveis na época em que começou sua caminhada cristã. Então não desista agora em meio a esta pre­ sente — e vindoura — angústia... For­ taleça-se, peregrino, porque você tam­ bém... tem sua parte nos sofrimentos.

5 .1 .1 . P re g u e o M á x im o P o ssív e l! ( 4 .1 ,2 ) À medida que Paulo se aproxima

4 .2 .2 . A P e rs e g u iç ã o D eve S e r E s ­ p e ra d a ( 3 .1 2 ) . A perseguição é um prin­

cípio da vida cristã. É uma verdade uni­ versal. 4 .2 .3 . A D e g e n e ra ç ã o A u m e n ta rá (3 -1 3 ). O grego é quase irônico aqui: “Mas

os homens maus e enganadores [se aper­ feiçoarão] irão de mal para pior, enganando e sendo enganados”. 4 .2 .4 . A P e rs e v e ra n ç a É u m a N eces­ sid ad e ( 3 .1 4 ,1 5 ) . Timóteo tem a respon­

sabilidade de continuar naquilo que apren­ deu e tornar-se cada vez mais convenci­ do disto, a saber, da verdade do evange­ lho. A veracidade da doutrina de Timó­ teo está na integridade de seus mestres (tanto do apóstolo como também de sua mãe e de sua avó) e em seu conhecimen­ to vitalício das Escrituras. Tal conhecimento mesclado com a fé em Cristo Jesus pro­ duz a “salvação”. 4.2.5. AEscrituraÉSufidente(3.l6,17). Ainspiração é um princípio da Palavra, sendo totalmente útil a Timóteo em seu ministé­ rio. Já que a Escritura em sua totalidade foi “divinamente inspirada”(isto é, teve sua origem em Deus), é útil em todos os as­ pectos do ministério. Paulo enumera quatro destes aspectos: “para ensinar” (instruir no Evangelho), “para redargüir”(expor os erros), “para corrigir” (redirecionar o comporta­ mento errado) e “para instruir em justiça” (nutrir os crentes em santidade). Ó resul­ tado (ou propósito) da aplicação efetiva das Escrituras é que a pessoa que busca a Deus [o grego aqui é de gênero inclusivo] terá todas as demandas da vida e do mi­ nistério cristão devidamente supridas.

da conclusão de sua última carta, dirigese a seu jovem colega com exortações pessoais sóbrias: “Conjuro-te, pois, diante de Deus e do Senhorjesus Cristo”. Como no Antigo Testamento, que trazia juramentos e cobranças, os nomes listados são cita­ dos como testemunhas. Este fato é espe­ cialmente claro levando em conta a des­ crição de Cristo Jesus como aquEle que “há de julgar os vivos e os mortos”. Como uma testemunha perpétua, Ele está qua­ lificado a julgar aqueles que estarão vi­ vos no momento de sua vinda, como tam­ bém aqueles que já morreram. Considerando “a vinda” e o “reino” de Cristo, Timóteo é instruído a “pregar a palavra”, ouseja, anunciar ou ser um arauto da verdade. Esta instrução solene ao jo­ vem pastor é modificada com quatro or­ dens adicionais: 1) “Pregues a palavra”, mantenha-se firme nisto, guarde seu posto (isto é, sua pregação), quer isto seja quer não seja conveniente para você e seus ouvintes; 2) “Instes a tempo e fora de tempo”, corrija “com tal sentimento eficaz... seja para tra­ zer alguns ao menos a uma confissão, ou à simples convicção de pecado” (Trench, 1953,13); 3) “Repreendas”ou censure claramente aqueles que estão no erro; 4) “Exortes”, “encoraje” (quer dizer, implo­ re, exorte, advogue, admoeste) a todos, Estas ordens e instruções devem ser executadas “com toda a longanimidade e doutrina”— um temperamento caracterizado pela pa­ ciência, que tolere as pessoas que são lentas a responder à correção e à instrução. 5 .1 .2 . Você n e m se m p re T e rá a O p or­ tu n id ad e ( 4 .3 ,4 ). Ainda que Timóteo já

esteja vivenciando os tempos trabalhosos dos últimos dias (3.1), o apóstolo o adver­ te de que o mal aumentará com a aproxi­ mação do fim. Virá o tempo, e realmente

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II TIMÓTEO 4 já chegou, quando as pessoas nâo tolera­ rão o ensino da sã doutrina, mas “tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscêndas”, a saber, mestres que se adaptem a seus próprios desejos, que lhes digam aquilo que desejam ouvir ou aquilo que estimule sua fantasia ou sua curiosidade, sem quaisquer considerações a respeito da verdade” (Kelly, 1963, 206-207). Estes se afastarão deliberadamente da verdade para as mentiras e as “fábulas” (cf. comentári­ os sobre 1 Tm 1.4).

5.2. Sobre o Ministério em Geral (4.5-8) 5 .2 .1 . A gir c o r r e ta m e n te e m tu d o

(4 .5 ). O apóstolo dá agora quatro ordens a Timóteo que contrastam com a obra dos falsos mestres: 1) “Sê sóbrio em tudo”. Esteja alerta para não ser enganado! Isto é, permaneça vigilan­ te, alerta, prestando atenção ao que está acontecendo ao seu redor e procurando trabalhar com tranqüilidade e objetivida­ de (Rienecker, 1980, 648); 2) “Sofia as aflições”(cf. 1.8; 2.3); 3) “Faça a obra de um evan­ gelista”(continue pregando a mensagem); 4) “Cumpre o teu ministério”, ou seja, cumpra sua respon­ sabilidade ministerial da me­ lhor maneira possível.

de cinco retratos vividos da palavra: 1) Retrata seu martírio iminente como se o seu sangue fosse uma libação prestes a ser derramada no altar do sacrifício; 2) Descreve sua partida desta vida como se fosse um navio levantando a âncora ao deixar a orla, ou como um soldado que rapidamente desmonta sua barraca antes de uma marcha. “O que para Timóteo poderia parecer o fim, para o apóstolo parece ser uma gloriosa nova era quando será libertado de todas as aflições presentes” (Guthrie, 1990, 169). Os próximos três retratos da palavra (v. 7) são fundamentados em três verbos no tempo perfeito, indicando, destemodo, a culminação ou conclusão. 3) Paulo conclui dizendo que sua competi­ ção ou luta, representada pelo simbolis­ mo atlético ou militar, foi um bom com­ bate; 4) Comenta que concluiu sua carreira, usando a metáfora atlética de uma corrida a pé. Sua preocupação não era chegar antes dos outros, mas terminar sua carreira tendo feito o melhor possível;

5 .2 .2 . N ão E starei p erto p o r m u ito T em p o (4 .6 -8 ).

Esta carta assume neste mo­ mento um tom obscuro, à me­ dida que o apóstolo informa Timóteo de que o fim de sua própria vida é iminente. Após tratar a questão dos falsos mes­ tres e oferecer o encorajamento necessário a seu jovemsucessor, Paulo parece abrir uma jane­ la que mostre seu próprio so­ frimento com o enfático pro­ nome na primeira pessoa. É como se escrevesse, “mas quan­ to a mim”. Descreve anteci­ padamente seu fim por meio

O Coliseu, em Roma, onde se pode ver as dependênci­ as abaixo do piso da arena, onde os escravos treinavam como gladiadores; os prisio­ neiros e os animais aguar­ davam a hora de entrar na arena e lutar até à morte, em um esporte considerado como entretenimento pelos romanos.

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II TIMÓTEO 4 que a demora no sistema judicial romano permita um tempo suficiente para que Timóteo faça a viagem e partilhe com ele a comunhão pela última vez. O apóstolo então explica por que está só. Demas o desamparou, tendo escolhi­ do amar o mundo presente mais do que a vinda de Cristo. Ele compartilha a experi­ ência de nosso Salvador ao sentir-se aban­ donado. Crescente e Tito também parti­ ram, provavelmente a serviço do ministé­ rio; Crescente para a Galácia (na Ásia Menor, atual Turquia) e Tito para a Dalmácia (o antigo Ilírico, atual região da extinta Iugos­ lávia). Lucas é o único cooperador que está presente com Paulo.

5) Ele guardou a “fé”. Esta frase tem amplas possibilidades metafóricas. Os estudiosos sugerem que a frase se refira à “promessa do atleta de obedecer às regras” (Easton), ou ao “juramento de fidelidade feito pelo militar” (Calvin), ou à “metáfora de um mordomo” (Guthrie), ou a uma “declara­ ção de negócios que tem a finalidade de manter um compromisso”(Deissmann) (to­ dos citados por Guthrie, 1990, 169-170). De qualquer modo, o apóstolo permane­ ceu fiel e verdadeiro. No versículo 8 Paulo retorna mais uma vez à metáfora atlética, desta vez se refe­ rindo à escatologia. A coroa de louro ou laurel (a coroa do vencedor) lhe está se­ guramente reservada no céu. Os estudi­ osos diferem em suas opiniões a respei­ to do que seja esta “coroa da justiça”. Fee (1988,290) explica que alguns se referem a esta como “o prêmio por uma vida jus­ ta” (Bernard, Barrett e Kelly); Pfitzner argumenta que esta coroa “consiste no dom da justiça, que só um Juiz, por ser abso­ lutamente Justo, pode dar”. Fee (ibid.) conclui que a justiça final é concedida aos crentes, “não necessariamente como um prêmio por suas realizações ou obras”, mas porque já receberam a justiça de Cristo. A coroa da justiça não é uma exclusivi­ dade de Paulo; uma outra também está sendo preparada por Deus para Timóteo (se ele permanecer fiel) e outras para “todos os que amarem a sua vinda”. Todo aquele que renunciou a seus desejos pessoais a fim de fazer a vontade de Cristo tem uma co­ roa de justiça reservada no céu.

6 .1 .2 . T ra g a M a rc o s co n sig o (4 .1 1 b ).

Paulo pede a Timóteo que quando vier traga consigo a Marcos (João Marcos). Na pri­ meira viagem missionária de Paulo, Mar­ cos, um parente de Bamabé, deixou a missão (At 13.13). Ainda que Barnabé estivesse dis­ posto a perdoarMarcos e dar-lhe uma segunda chance em sua segunda viagem missionária, o apóstolo não estava disposto a fazê-lo. A contenda entre Paulo e Barnabé foi tão grande que o grupo ministerial se sepa­ rou, partindo para direções diferentes (At 15-36-41). Nos anos seguintes, porém, Marcos cresceu e amadureceu espiritualmente, o que fez com que Paulo mudasse sua ati­ tude a seu respeito. Trabalharam juntos no­ vamente (Cl 4.10; Fm 24). Agora, encami­ nhando-se para o final de sua vida, Paulo faz o seguinte pedido a Timóteo: “Toma Marcos [implicando que este não estava em Éfeso] e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério”. O Senhor restabeleceu os sentimentos e trouxe a reconciliação que restaurou uma parceria positiva de mútua edificação, e contribuiu muito para o ministério de Cristo.

6. Conclusão: Considerações Finais (4.9-22) Estes versos finais formam o clímax da carta, as palavras particulares do apóstolo a um amigo íntimo. Ao preparar-se para o final de sua vida, fica claro que o grande após­ tolo está sofrendo por causa da solidão.

6 .1 .3 . T íq u ico é re co m e n d a d o (4 .1 2 ).

6.1. ObservaçõesPessoais (4.9-13) 6 .1 .1 . V enha D epressa! ( 4 .9 - l l a ) Seu primeiro pedido é que Timóteo faça o possível para vir rapidamente a Roma. Embora a morte de Paulo seja iminente, ele espera

Guthrie explica que as freqüentes refe­ rências a Tíquico nos escritos de Paulo ilustram que ele era um cooperador con­ fiável. Ele foi o portador das Cartas aos Colossenses e aos Efésios, e provavelmente o vocabulário deste verso indique que Tíquico também seja o portador desta carta de Paulo a Timóteo. É mais provável que Paulo esteja enviando Tíquico a Éfeso com

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II TIMÓTEO 4 a missão de continuar o ministério em Éfeso, substituindo Timóteo durante sua ausência, enquanto visita Paulo em Roma (cf. Tt 3-12) (Guthrie, 1990, 173). 6 .1 .4 . Traga três Coisas (4 .1 3 ). O triplo pedido de Paulo a Timóteo oferece uma idéia de sua condição presente e de seus interesses pessoais. Parece que o após­ tolo foi preso em Mileto (cf. v. 20), em vi­ agem a Nicópolis através de Corinto, ou em Trôade, onde deixou sua capa na casa de Carpo. Era um grande artigo de vestu­ ário, pesado, sem mangas, de lã, em for­ mato circular com uma abertura no cen­ tro para a cabeça. Protegia da chuva e do frio, especialmente durante as viagens (Rienecker, 1980,649). Esta capa quente seria uma bênção no inverno que se apro­ ximava, o que pode indicar que o lugar onde Paulo estava preso era uma fria masmorra. O apóstolo esperava que Ti­ móteo seguisse a mesma rota que seguiu de Éfeso a Roma, pedindo-lhe então que trouxesse sua capa. O apóstolo também pede seus “livros, principalmente os pergaminhos”.A primeira palavra se refere aos rolos de papiro, a se­ gunda a códices de pergaminho (livros for­ mados por folhas ou por partes presas nas extremidades). O primeiro item era bara­ to, feito de um tipo de cana e usado para propósitos gerais; o segundo era caro, feito de peles de animais, muito duráveis, e reservado para documentos importantes. Os “livros” podiam ser uma coleção pes­ soal de Paulo de livros bíblicos, ou talvez até mesmo seu estoque de papiro para continuar sua correspondência comas igrejas. Os “peigaminhos”poderiam ser documentos legais de Paulo, como seu certificado de cidadania romana, escritos do Antigo Tes­ tamento, ou pré-escritos do Novo Testa­ mento das palavras e obras do SenhorJesus Cristo. Em meio à solidão e ao desconfor­ to enfrentados por Paulo, ele aparentemente planejou obter forças meditando na Pala­ vra de Deus, e talvez desejasse até mes­ mo continuar a fortalecer os demais cris­ tãos, através de seus escritos.

6.2. Compartilhando uma Advertência: Tenha

Cuidado com Alexandre (4.14,15) 6 .2 .1 . “O L a to e iro C au so u -m e m u i­ to s M ales” ( 4 .1 4 ) . Fee (1988, 296) suge­

re que foi Alexandre quem prendeu Paulo. Seu grande dano foi traduzido pelo apóstolo do seguinte modo: “... causou-me mui­ tos males” (Guthrie, 1990, 175); o verbo empregado nesta passagem é freqüente­ mente usado em um sentido legal para o trabalho do informante (Fee, 1988, 296). 6 .2 .2 . G uarda-te ta m b é m dele! (4 .1 5 )

A forte oposição de Alexandre “às nossas palavras”ou “à nossa mensagem”pode referirse à sua resistência ao evangelho que Pau­ lo pregava, ou a ser uma testemunha de acu­ sação no processo de julgamento de Pau­ lo. Timóteo é aconselhado a estar em guarda contra Alexandre. Quem era este Alexandre, o latoeiro? Pode ter sido uma pessoa sobre quem não temos nenhum registrobíblico, ou o judeu que tentou acalmar a revolta em Éfeso (At 19-33,34), ou a pessoa que junto com Himeneu foi entregue por Paulo aSatanás(lTm l.l9,20). Nos dois últimos exemplos, pode-se estar tratando da mesma pessoa. Talvez Alexandre tenha procurado vingar-se de Paulo. Pode ter sido o responsável pelo encarceramento e martíriodo apóstolo. Mas “o apóstolorestringe seu ressentimento natural citando as pala­ vras do Salmo 62.12” (Guthrie, 1990,174): “... o Senhor lhe pague segundo as suas obras” (2 T m 4.l4).

6.3. O Testemunho em meio às Dificuldades (4.16-18) 6 .3 .1 . T o d o s m e D e s a m p a r a r a m ( 4 .1 6 ) . Talvez a lembrança da capa que

deixou em Trôade tenha feito Paulo se lembrar de sua prisão, e conseqüente­ mente de Alexandre, que por sua vez agora o faz recordar de sua primeira defesa (pro­ vavelmente o p rim a actio romano, seme­ lhante a uma audiência do grande júri ou uma audiência preliminar ante o im­ perador ou um magistrado; veja Fee, 1988, 296). Embora naquela audiência Paulo tenha ficado só, oferece o perdão a to­ dos aqueles que o abandonaram.

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II TIMÓTEO 4 6 .3 .2 . P o ré m D eus E stav a P re se n te ( 4 .1 7 ) . Em contraste com todos aqueles

que o deixaram, o apóstolo d iz :"... o Se­ nhor assistiu-me e fortaleceu-me”. A pre­ sença de Cristo fortaleceu Paulo, fazendo com que se sentisse seguro. Assim como em Atos 24.1-20 (cf. 26.1-32), usou seu jul­ gamento como uma oportunidade para dar um testemunho a respeito de Cristo; “para que”, disse Paulo, “por mim, fosse cum­ prida a pregação e todos os gentios a ou­ vissem”. A “boca do leão”mencionada pelo apóstolo foi variavelmente interpretada como uma referência a Satanás, a Nero, ou à própria morte. A última opção é fortalecida pelo Salmo 22, cujo conteúdo parece fazer pane deste contexto literário (cf. 22.1,4,5,21). 6 .3 .3 . E le s e m p r e E s ta rá P re s e n te (4 .1 8 ). O recente livramento (w . 16,17) faz

com que Paulo se lembre da fidelidade de Deus, que sem dúvida nunca falha, e que sempre o salvará “para o... Reino celestial” de Cristo. Fee (1988, 298) resume: Mais uma vez o enfoque da carta está na escatologia, na forma de uma das certezas triunfantes de Paulo: O após­ tolo verá, por meio da consumação fi­ nal, aquilo que Deus já realizou em Cristo; o Senhor realmente completará a sal­ vação que Ele mesmo iniciou. E esta verdade pede palavras de glori­ ficação a Deus em forma de doxologia: “A quem seja glória para todo o sempre. Amém!” Apesar da realidade de sua terrí­ vel situação presente, o apóstolo olha em direção àquEle que é maior! Deus é a sua glória e aquEle que levanta a sua cabeça.

6.4. Palavras de Despedida (4.19-22) 6 .4 .1 . S a u d a ç ã o a trê s Irm ã o s (4 .1 9 ). Paulo envia saudações a vários membros proeminentes da congregação de Timóteo. Priscila (em grego, Priskà) e Áquila foram os primeiros pastores da Igreja em Éfeso, a qual será liderada porTimóteo, que está sendo preparado por Paulo. Priska é um nome feminino da classe patrícia (a classe privi­ legiada dos cidadãos romanos, a classe

governante cuja designação deriva da pa­ lavra romana que dá origem ao termo “se­ nador”). Os romanos freqüentemente abre­ viavam os nomes pela metade; por exem­ plo, Silas, o nome do companheiro de Paulo emsua segunda viagemmissionária (At 15.40), é o diminutivo de Silvano, o amanuense a quem Paulo ditou as Cartas aos Tessalonicenses (cf. 1 Ts 1.1; 2 Ts 1.1). Priscila e Áquila são o casal de Roma que originalmente encontrou Paulo em sua segunda viagem missionária em Corinto, onde os três viveram e trabalharam juntos fabricando tendas, e no ministério duran­ te um ano e seis meses (At 18.1-11). Quando Paulo deixou Corinto, eles o acompanha­ ram a Éfeso. O apóstolo os deixou como os primeiros pastores daquela congrega­ ção que estava em fase de formação (w . 18,19). Ali, este casal tomou Apoio, o grande evangelista de Alexandria, em particular, e ensinaram-lhe a respeito de Deus com precisão (w . 24-28). Quatro, das seis vezes em que este ca­ sal é mencionado por Paulo (em suas car­ tas) ou por Lucas (em Atos), o nome da esposa é mencionado em primeiro lugar (um fato completamente incomum no século I). A partir dos registros bíblicos de seu ministério, e em virtude do elevado nível da educação das mulheres da classe patrícia, os estudiosos concluíram que Priscila teve um papel público mais proeminente no ministério do que seu marido. É importante notar que a liderança espiritual de Priscila nunca foi desacreditada ou depreciada por Paulo ou Lucas — tanto ela como Áquila eram queridos e respeitados por seu tra­ balho em prol da pregação do evangelho. A igreja se reunia em sua casa, tanto em Éfeso como emRoma (Rm 16.3-5; 1 Co 16.19). Existem muitos casais nos círculos pentecostais e carismáticos que são parceiros no ministério. Alguns cônjuges desempe­ nham funções de liderança igualmente im­ portantes; em alguns casos o marido assu­ me a liderança, e em outros, a esposa. Priscila e Áquila são um modelo, não apenas de um casal que é parceiro no mirdstério, mas também um modelo de casal que faz pleno uso dos dons concedidos por Deus, de modo que pode-se considerar tão positivo uma mu­ 1504

II TIMÓTEO 4 lher estar em uma posição de liderança acima do homem, assim como o inverso. A saudação à “casa de Onesíforo” (sem incluir uma saudação específica a ele) sugere que este irmão já tivesse morrido (veja comentários sobre 1.16-18). A referência à sua casa pode se aplicar à sua família, aos seus parentes e/ou aos seus escravos, ou até mesmo a uma igreja que provavel­ mente se reunisse em sua casa. 6.4.2.Notíciassobredois Irm ãos (4.20).

Paulo dá detalhes sobre mais dois coope­ radores. Erasto ficou em Corinto; Trófimo permaneceu em Mileto em virtude de uma enfermidade. Existia um oficial (procura­ dor) da cidade de Corinto que se chamava Erasto (Rm 16.23), e um cooperador de Paulo comomesmonome (At 19.22); émais provável que Paulo esteja se referindo ao segundo. 6.4.3.

teo e à igreja de Éfeso saudações de al­ guns de seus amigos em Roma. Êubulo, Pudente (ou Prudente), Lino e Cláudia são quatro nomes latinos, indicando que a congregação local continha crentes ro­ manos e, provavelmente, líderes roma­ nos. É notável que o quarto nome seja de uma mulher. Todos os irmãos e irmãs de Roma são incluídos na saudação de Paulo a Timóteo e aos efésios. 6 .4 .5 C o n clu sã o ( 4 .2 2 ) . A despedi­ da final de Paulo é uma conclusão em duas partes: uma bênção pessoal a Timóteo e “graça” a todos. As últimas palavras regis­ tradas nos escritos do apóstolo Paulo ex­ pressam uma oração para que a graça de Deus esteja com todo o seu povo. NOTA

Venha antes do Inverno! (4.2 1 a)

Paulo apressa Timóteo, não só porque precisa de sua capa por causa do inverno, mas tam­ bém porque a navegação era interrompi­ da de novembro a março. 6 .4 .4 . E ste s q u a tro (e o s d e m a is ) o S aú d am ( 4 .2 1 b ) . Paulo envia a Timó­

1 As tendências ao gnosticismo podem ter sido o contexto teológico pelo qual foi necessário que Paulo explicasse em 1 Coríntios 12.3 que chamar Jesus de anátema não condiz com a reivindicação de ser um crente cheio do Espírito.

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16 - II TIMÓTEO

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