O ROSACRUZ 1º TRIMESTRE 2020

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VERÃO 2020 Nº 311 – R$ 10,00 ISSN 2318-7107

Claudio Mazzucco Imperator da AMORC

Novo Imperator Claudio Mazzucco

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rater Claudio Mazzucco nasceu em Vicenza, na Itália em 11 de maio de 1960. Com 6 anos de idade, sua família se mudou para o Brasil, onde ele cresceu. No ensino médio, ele era apaixonado por alquimia espiritual e questões da vida, e teve muitas discussões sobre esses assuntos com seus amigos e, entre eles, estava quem se tornaria sua companheira nos dias de hoje - Soror Bianca. Sua pesquisa o levou a conhecer a Ordem através de uma revista rosacruz em 1977. Ele tinha 17 anos. Entusiasmado com a fraternidade que acabara de encontrar e com as obras místicas que eles ofereciam, afiliou-se imediatamente e, durante os anos seguintes, assumiu várias funções, entre elas a de Mestre do Capítulo e Orador Oficial. Sua esposa, Soror Bianca também estava muito envolvida com a nossa Ordem. Engenheiro químico de profissão, ele retornou com ela e suas duas filhas à Vicenza, na Itália, em 1988. A Jurisdição de Língua Italiana estava em fase de desenvolvimento e ele participou de várias atividades da Ordem como Mestre, Monitor Regional, Grande Conselheiro e Orador Oficial. Soror Bianca, professora universitária de língua portuguesa, também continuou muito ativa nas atividades rosacruzes e suas duas filhas se tornaram Columbas. Em outubro de 2008, ele foi eleito pela Suprema Grande Loja para suceder ao Frater Jean-Philippe Deterville como Grande Mestre da Jurisdição de Língua Italiana, e na Convenção Europeia de Barcelona em 2009 ele foi instalado nesta função, que manteve então paralela aos seus compromissos profissionais. Em outubro de 2018, o Conselho Supremo reuniu-se no Château d'Omonville, na França, elegendo-o unanimemente para suceder ao Frater Christian Bernard como Imperator da AMORC. Para estar totalmente disponível para seus deveres, ele encerrou sua atividade profissional. Ele se tornou Imperador de nossa Ordem assim que foi instalado em 18 de agosto de 2019, na Convenção Mundial em Roma. Grande fã de ciências e artes, Frater Claudio Mazzucco gosta também de caminhar, o que faz diariamente, tanto quanto possível. Ele tem até mesmo seguidores desde que algumas reuniões de trabalho têm sido realizadas caminhando nos arredores da Grande Loja, nas belas montanhas da província de Abruzos.

© AMORC

■ MENSAGEM

Prezados Fratres e Sorores. Saudações Rosacruzes! Esta edição de O Rosacruz vem preenchida de artigos enriquecedores para o estudante rosacruz, acrescida de informações atuais de nossa Grande Loja, bem como da Ordem no mundo. Os artigos apresentam o pensamento rosacruz genuíno de personalidades ilustres da Ordem e de membros pesquisadores de nossa jurisdição. Sobre as inúmeras ligações e e-mails sobre a XXVI Convenção Nacional Rosacruz, sob o tema “A Paz Profunda dos Rosacruzes” informo que em breve daremos maiores informações. Estamos aguardando os desdobramentos do problema do corona vírus para algumas confirmações que estão em compasso de espera. Neste mesmo assunto, temos planejado uma Viagem Iniciática ao Egito que aguarda os acontecimentos para sua efetivação no período de 2 a 22 de dezembro de 2020. Conforme informamos em ocasiões anteriores, o sistema mensal deverá ser implantado no primeiro semestre deste ano. Acredito que será muito benéfico para os estudantes da filosofia rosacruz. Convido-os a conhecer o Museu Tutankhamon, pois ele fornece muita informação da cultura egípcia e nos conecta com a nossa Tradição. Aos irmãos e irmãs Martinistas informo que a Grande Heptada possui um calendário anual com atividades templárias que pode ser conhecido no site www.amorc.org.br/eventos-martinistasgrande-heptada Em anexo, algumas informações sobre incensos que a GLP irá fazer uma experiência e peço que os fratres e sorores leiam e respondam se possível. Destaco ainda que muitos pais e responsáveis pelos nossos jovens não conhecem a proposta da OGG como uma ordem cavaleiresca juvenil que, em linha com a visão da UNESCO, pode proporcionar ao jovem uma excepcional contribuição para a sua formação, bem como ensinar a despertar para os valores estruturantes de um caráter sólido. Apresentem aos seus pupilos a Ordem Juvenil da OGG. Como rosacruzes façamos o nosso trabalho mental com a visualização da superação dos problemas que a humanidade atravessa. Despeço-me com meus melhores votos de Paz Profunda. Sincera e Fraternalmente, AMORC-GLP

Hélio de Moraes e Marques GRANDE MESTRE

VERÃO 2020 · O ROSACRUZ

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■ SUMÁRIO

04 Zoroastro – Antigo Descobridor da Luz e da Escuridão Por NAHID ARYANPOUR, FRC

10 Os vales obscuros da vida – Alienação criativa

04

Por MARY WILSON, SRC

14 A importância da música para o místico Por GÉRARD MOINDROT, FRC

18 Novos Grandes Oficiais da AMORC AMORC NO MUNDO

20 Um caminho

Por IRENE BEUSEKAMP FABERT, SRC

10

24 A Educação, seu verdadeiro sentido Por DR. HUMBERTO SERRES DOMINGUEZ, FRC

27 Verdade

Por CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

28 Mindfulness: mente plena, vida plena Por LUÍS FÁBIO MIRANDA, FRC

36 Chamado à Tolerância

20

Por SERGE TOUSSAINT, FRC

40 O que o mundo necessita Por CHRIS R. WARNKEN, FRC

44 Sanctum Celestial

“AS BEATITUDES” Por H. SPENCER LEWIS, FRC

48 Tesouros do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon O EGITO NA GRANDE LOJA

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Publicação trimestral da ORDEM ROSACRUZ, AMORC Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná

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s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos artigos representa a palavra e o pensamento dos próprios autores e são de sua inteira responsabilidade os aspectos legais e jurídicos que possam estar inter-relacionados com sua publicação. Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa. Todos os direitos de publicação e reprodução são reservados à Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa. Proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio.

CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da Ordem Rosacruz A Ordem Rosacruz, AMORC é uma organização internacional de caráter templário, místico, cultural e fraternal, de homens e mulheres dedicados ao estudo e aplicação prática das leis naturais que regem o universo e a vida. Seu objetivo é promover a evolução da humanidade através do desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo e propiciar ao seu estudante uma vida harmoniosa que lhe permita alcançar saúde, felicidade e paz. Neste mister, a Ordem Rosacruz oferece um sistema eficaz e comprovado de instrução e orientação para um profundo auto conheci mento e compreensão dos processos que conduzem à Iluminação. Essa antiga e especial sabedoria foi cuidadosamente preservada desde o seu desenvolvimento pelas Escolas de Mistérios Esotéricos e possui, além do aspecto filosófico e metafísico, um caráter prático. A aplicação destes ensinamentos está ao alcance de toda pessoa sincera, disposta a aprender, de mente aberta e motivação positiva e construtiva.

Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri 82515-260 Curitiba, PR – Brasil Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065 www.amorc.org.br

As demais jurisdições da Ordem Rosacruz também editam uma revista do mesmo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicrucian Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux Rosae, em alemão; De Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, em italiano; Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.

expediente ■

Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC



Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa



Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC

como colaborar ■









Todas as colaborações devem estar acompanhadas pela declaração do autor cedendo os direitos ou autorizando a publicação. A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem nas normas estabelecidas ou que não estiverem em concordância com a pauta da revista. Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não serão devolvidos. No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar a autorização dos autores, necessária para publicação. Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas rosacruzes, misticismo, arte, ciências e cultura geral.

nossa capa A capa desta edição é uma homenagem ao novo Imperator, Frater Claudio Mazzucco, eleito em outubro de 2018 pelo Conselho Supremo e instalado em 18 de agosto de 2019, na Convenção Mundial R+C em Roma. Você pode conferir mais detalhes sobre a biografia do Frater Claudio Mazzucco na 2ª capa da revista.

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■ PERSONALIDADE

Representação de Zoroastro em Clavis Artis, um manuscrito de alquimia publicado na Alemanha no final do século XVII ou início do século XVIII.

Por NAHID ARYANPOUR, FRC*

“Oh Abundante Senhor, quando me aproximo de Ti com bons pensamentos, a meditação silenciosa me ensina o melhor a dizer.” – Yazna 43 dos Gathas

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se ele realmente viveu, teria sido na pré-história, possivelmente há oito mil anos5. Não há um acordo sobre quando e onde Zoroastro viveu, mas é provável que seus ensinamentos não tenham sido uma religião completamente nova, mas sim uma reforma de um sistema de crenças existente que teve alguns poucos conceitos radicalmente novos incluídos a ele. Assim como Jesus é apresentado no Novo Testamento como um reformador de uma antiga religião, o Judaísmo, Zoroastro pode ter sido um reformador de algo muito mais antigo, possivelmente da religião védica com raízes que se estendem há muito tempo, na pré-história. Houve especulações de que ele viveu e escreveu no mesmo tempo que Akhenaton ou Moisés, mas isso está possivelmente incorreto, pois se baseia apenas em um único traço comum entre as três religiões que deles se originaram, ou seja, do monoteísmo. Mas se Zoroastro viveu anos antes de Akhenaton,

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oroastro1, também conhecido como Zaratustra, foi um dos grandes avatares da era pré-cristã. Ele é mencionado como Saoshyant, aquele que lança luz sobre a renovação final do mundo. Na língua avéstica2, Saoshyant significa “aquele que traz benefícios; mas também o portador (revelador) da luz”. O local de nascimento de Zoroastro é incerto, embora a maioria acredite que ele nasceu ao leste do Planalto Iraniano, talvez em Bactria, onde hoje se encontra o Afeganistão, mas talvez ainda na Cordilheira de Zagros, onde hoje é o Irã. Algumas fontes afirmam que ele viveu durante a primeira metade do 2º milênio a.C. quase contemporâneo ao segundo período intermediário do Egito ou alguns séculos antes3. Outros acreditam que ele viveu durante o século VI ou VII a.C.4, quase na época de Sólon, o grande estadista e poeta ateniense. E há ainda aqueles que acreditam que,

Behistun: Darius triunfando sobre seus inimigos sob o símbolo zoroastriano.

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■ PERSONALIDADE

Parte do manuscrito Zend Avesta, a escritura Zoroastriana.

não é inconcebível que seus ensinamentos tenham em algum momento chegado à Corte Egípcia do pai de Akhenaton, Amenhotep III ou séculos antes, assim como a mais elevada expressão da Suprema Divindade da primeira tradição védica, mencionada como “Om”, encontrou seu caminho para o panteão egípcio como “Am”, com Amn (“o [masculino] Am” ou Amun) sendo a específica expressão esculpida de cerca de um metro de altura da suprema divindade localizada em Tebas. Sem dúvida, a fertilização cruzada de crenças religiosas ao longo de milhares de quilômetros se ampliou consideravelmente na época, assim como acontece de forma ainda mais ampla hoje em dia.

Zoroastrismo e as três religiões abraâmicas A vida de Zoroastro pode estar encoberta de mistério, mas não há nada misterioso sobre os princípios nobres que ele nos deixou. Eles mostram o caminho para uma vida

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sincera e construtiva, e são claramente um protótipo antigo do sistema de crença de Akhenaton, do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo. Os conceitos centrais do Zoroastrismo são de luz e escuridão. Claro que não é o único conceito de um par binário de opostos que tenha surgido na mente humana, mas provavelmente é o mais antigo. O dia e a noite devem ter se enraizado profundamente na vida cotidiana de nossos primeiros ancestrais hominídeos muito tempo antes do surgimento dos seres humanos completamente formados. Certamente é o par de opostos mais claramente manifestado na natureza, e a maioria das criaturas sabe que há uma grande diferença entre eles. A luz do dia e a escuridão da noite foram transformados na luz da bondade, o Ahura Mazda ou Ormuz (“sabedoria iluminada”), e a escuridão do mal, o Angra Mainyu ou Ahriman (espírito obscuro e destrutivo). Zoroastro (Zardusht no Persa Médio e Moderno) era em todos os aspectos um homem comum, aborrecido pelo sofrimento e injustiça que via ao seu redor. Para o alarme de sua esposa e parentes, um dia ele seguiu para o deserto em busca de respostas (não

Bons pensamentos, palavras e ações Depois de sua revelação, Zoroastro retornou a sua casa para começar a ensinar a todos que o escutassem sobre bondade e a necessidade de buscá-la a todo custo. Provavelmente ele era o maior e mais radical líder de sua época, e por séculos após sua morte. E, a certo ponto, seu legado sobrevive nas doutrinas das três religiões abraâmicas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Os ensinamentos de Zoroastro formam um triângulo sagrado com as três principais pontas acontecendo cada vez mais como um mantra: bons pensamentos, boas palavras e boas ações; ou em avéstico: Humata, Hukhta, Hvareshta. Vejamos o primeiro ponto: bons pensamentos. Na literatura sagrada do zoroastrismo, está escrito: Seu caráter é construído por seus pensamentos. O que você pensa, você se torna. Zoroastro enfatizou que todos tinham livre-arbítrio e podiam escolher entre ter bons pensamentos ou abrigar maus pensamentos; o pensamento certo e o errado da filosofia budista mui-

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soa familiar? Moisés, Jesus, Maomé, todos fizeram o mesmo). Certo dia, sentado diante da entrada de uma caverna, ele avaliou se sua vida ascética valia a pena, e que talvez ele deveria desistir de tudo e retornar para casa. Logo, o sol se pôs atrás das colinas distantes e a escuridão se arrastou pelo vale abaixo. À medida que ele via esse acontecimento, ele percebeu pela primeira vez que, assim como a vida externa é dividida entre a luz do dia e a escuridão da noite, o mundo do pensamento também era dividido entre a luz da bondade e a escuridão do mal. E pensamentos maldosos, a escuridão do mal ou Ahriman, eram a causa de todo sofrimento humano. Isso pode parecer trivial e óbvio para uma mente do século XXI, mas devemos lembrar que muitos princípios básicos que achamos natural hoje foram uma vez pensados pela primeira vez por um único indivíduo, e antes disso ninguém jamais havia pensado. Houve uma primeira vez para tudo que podemos imaginar e, sem dúvidas, houve também uma primeira vez para o surgimento do conceito de bem e mal e sua associação com a luz e a escuridão.

Detalhe de “A Escola de Atenas” por Rafael, 1509, mostrando Zoroastro.

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■ PERSONALIDADE

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bondoso, pois cada dia oferece inúmeras oportunidades para boas palavras, faladas generosamente e tocando o coração de outra pessoa; potencialmente alterando positivamente a vida dela. As palavras podem inspirar as pessoas a fazer o bem ou o mal. Boas palavras são as únicas que valem a pena serem guardadas, pois apenas boas palavras levam ao crescimento e à elevação em todos os aspectos da vida. E, finalmente, o terceiro ponto do triângulo: boas ações. Através de ações de bondade, uma pessoa transforma o que foi anteriormente pensado e falado sobre ideais em ação física. Somente executando “ações”, as coisas finalmente se cristalizam na realidade física. Através de toda boa ação, aqueles que agem, bem como aqueles que se beneficiam delas, progridem um pouco no caminho para a cada vez maior realização espiritual. Na filosofia rosacruz a chave para o verdadeiro crescimento espiritual está em ações altruístas de serviço aos outros.

Apenas uma bondade duradoura Parsi navjote, o ritual de iniciação ao Zoroastrismo.

to mais tarde. Se tens pensamentos nobres, nascerá com um caráter nobre. Se tens maus pensamentos, nascerá com maus traços. Nobres ideais como os pensamentos são o começo de todas as coisas e, a partir daí, a primeira ponta do triângulo sagrado do zoroastrismo. E, como a citação implica, o zoroastrismo, embora não diga claramente, certamente reconhece a existência da reencarnação ou transmigração como encontrada na corrente religiosa védica. Em seguida, observe o segundo ponto: boas palavras. Sobre isso, os escritos sagrados nos aconselham a “… proferir a cada homem o que lhe é devido”. Fale palavras de um coração

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O zoroastrismo, também chamado de Mazdayazna ou din-e zardusht (a religião de Zoroastro) por seus seguidores, afirma que para todas as pessoas existe apenas uma bondade duradoura: … a saúde, poder e pureza da alma. Temos um exemplo impressionante na vestimenta dos Parses (que significa persas) na Índia, que ainda aderem a essa antiga religião de luz. Os Parses usam a roupa que seja mais adequada à sua ocupação, mas por baixo de suas roupas exteriores, o sudreh e o kusti (uma camisa branca e um cinto feito de lã branca) devem sempre ser usados. O sudreh simboliza a simplicidade e pureza da vida. O kusti, feito de lã de carneiro, lembra seu portador da inocência e gentileza. No ato

na muitas oportunidades de crescimento, progresso e felicidade. Se pudéssemos perguntar a Zoroastro o que é felicidade, ele provavelmente nos daria uma única resposta: “A felicidade é manifestar sua alma para que todos a vejam”. ✔ * Publicado originalmente na revista Rosicrucian Heritage, vol. 22, nº 1, março de 2019. Notas: 1. Zoroastro é uma variação da versão grega de seu nome: Zōroastrōs; 2. A língua avéstica foi uma primeira forma do Persa e uma língua indo-europeia intimamente ligada ao sânscrito. É, em parte, por causa dos aspectos mais antigos dos ensinamentos do zoroastrismo, que foram escritos em língua avéstica antiga que os especialistas na área acreditam que a origem da religião remete à época do surgimento da corrente religiosa védica em meados do 3º milênio a.C; 3. Os Gathas e Yasna Haptanghaiti, trabalhos que se supõe tenham sido escritos por Zoroastro, foram escritos na língua avéstica antiga, que data da parte inicial do 2º milênio a.C., e mais provavelmente de vários anos antes, contemporâneo ao sânscrito como língua viva. No entanto, toda a literatura remanescente do Zoroastrismo foi escrita (ou transcrita de documentos) antes dos séculos V ou VI d.C. Contudo, os escritos de Zoroastro foram mencionados pelos antigos gregos, e Plutarco e Diógenes, por exemplo, sugeriram uma era anterior a 6.000 a.C; 4. Após a conquista da Babilônia e das terras ao Leste e Norte por Alexandre, o Grande, os Reis Selêucidas introduziram um novo calendário baseado no ano de sua morte (323 a.C.). Os sacerdotes do Zoroastrismo se apuseram a isso formalizando seu próprio calendário baseado no nascimento de seu profeta Zoroastro, e a então chamada “data tradicional, amplamente aceita até o século XIX, que foi posicionada “258 anos antes de Alexandre”, ou 581 a.C; 5. Ver livro Plato Prehistorian (Platão Pré-histórico) de Mary Settegast, 1990 – Lindisfarne Press.

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de vestir o kusti, cada pessoa se compromete a combater o mal. Este simples ato tenta falar com o verdadeiro homem ou mulher interior, o próprio cinto é enrolado três vezes: bons pensamentos, boas palavras e boas ações, sempre e em toda parte! Os seguidores de Zoroastro não adoravam o fogo, como se pensa às vezes. Para eles, o fogo era um símbolo, e apenas um símbolo, de pureza espiritual. Sua filosofia se baseia no valor supremo da saúde e bem-estar espirituais, e proporciona a seus adeptos um senso de ordem divina, no qual um padrão de vida na forma de orações regulares e rituais para revitalizar o mundo, períodos e ações sociais de filantropia e momentos particulares de devoção ao grande Deus da Luz Ahura Mazda, lhes proporciona um senso de coesão e continuidade. Hambandagi é um termo com um significado interior de que a busca da bondade não é apenas um meio, mas é um fim em si mesmo; por isso, e por si só, leva à cooperação social, harmonia e libertação espiritual e pessoal. É um estilo de vida para uma vida sagrada na qual o Cósmico nos proporcio-

Templo Zoroastriano de Yazd, Irã.

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■ REFLEXÃO

Alienação criativa © GETTYIMAGES.COM

Por MARY WILSON, SRC*

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eu filhinho contraiu meningite alguns dias antes do seu aniversário de três anos. Foi um momento terrível, vê-lo chorar de dor. Depois de dois dias de cuidado intensivo, ele parecia ter estabilizado, mas, então, de repente ele teve uma recaída. Meu marido e eu fomos tomados por medo e desespero: medo pelo que os especialistas nos tinham gentilmente alertado que poderia acontecer e tristeza pela possibilidade do dano cerebral que pensávamos já ter acontecido.

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Enquanto isso estava acontecendo, eu ainda tinha que comparecer ao trabalho, lidando com importantes tarefas como parte de minha carreira jurídica, enquanto meu marido tinha que estar pessoalmente lidando com problemas da refinaria na qual ele era o engenheiro químico encarregado. Duas carreiras agitadas e uma criança seriamente doente não fazem uma família feliz. Várias outras questões tinham acontecido em uma curta sucessão nos meses anteriores à doença, todos elas impactaram severamente a minha

confiança. Embora competente e aplicada como advogada, me deparei com um bloqueio na minha carreira profissional. Eu estava lidando com muito mais casos do que deveria e os resultados foram em algumas circunstâncias medíocres, independentemente do meu esforço em tentar melhorar, eu estava encarando o fracasso iminente na minha carreira. Até mesmo velhos amigos ficaram confusos e um pouco ofendidos pela pessoa estressada que me tornei. Foi um momento em que tudo parecia dar errado, quando um destino horrível e implacável parece estar nos guiando para a destruição. Lembro de não gostar nem de me olhar no espelho e, frequentemente, me questionava como as outras pessoas conseguiam estar na minha presença. Quase tudo com o que eu me deparava parecia estar conspirando para trazer frustração e derrota à minha porta. Eu estava seriamente desarmonizada com o resto do mundo!

Desarmonia Em tais momentos, nos sentimos desconectados, desassociados e desorientados – em desarmonia com o ritmo da vida. A sinfonia ordenada das esferas é substituída por uma dissonante, discordante cacofonia. Tudo no que embarcamos é distorcido e mais complicado do que precisaria ser. Vivenciamos um sentimento de separação da família, amigos e parcei-

ros e o pior é que nos sentimos de tão pouco valor que nem ao menos sentimos vontade de corrigir a situação. Eu estava em desarmonia com todos e estava claro que tudo, exceto eu, estava progredindo normalmente. De alguma forma eu tinha saído de órbita, e estava me debatendo desamparadamente em um vácuo desordenado. Quando funcionamos de forma adequada integralmente, conseguimos lidar com quase todos os problemas, mas do contrário, como se sobrevive às horas solitárias e isoladas dessa alienação e futilidade? Pobre Jó quando lamentava: Ah, se pudessem pesar a minha tribulação e depositar na balança junto à minha calamidade! Na verdade, o resultado total seria mais pesado do que a areia dos mares!...; ... Porque



Nunca desista, sempre tenha coragem ao enfrentar adversidade e nunca se entregue à autopiedade.



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■ REFLEXÃO



Os vales obscuros da vida são um prelúdio para o crescimento e a compreensão.



as flechas do Todo-Poderoso estão em mim, e o seu ardente veneno, o bebe o meu espírito... Eu era o equivalente moderno a Jó, mas não precisa de muito para que sintamos um sentimento igual de desamparo e desorientação. Ainda assim, em algum momento, os problemas serão resolvidos para melhor ou pior, com ou sem nós. Cedo ou tarde, nós ou outros terão força para eliminá-los. Quando os tempos estão difíceis, com frequência obtenho conforto com as palavras ditas em minha mente: Isso também passará. A doença de nosso filho ultrapassou uma barreira algumas horas depois que ele tinha entrado em coma; ele simplesmente acordou, seu rosto

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estava vibrante e logo ele retornou à sua vibrante saúde. E todos os meus problemas e preocupações se dissiparam em apenas alguns meses, deixando espaço para novos desafios. Mas reganhar o meu equilíbrio depois de ter perdido o chão de forma tão bruta levou quase um ano para acontecer. Fui gravemente abalada pela sequência rápida dos acontecimentos que me derrubaram tão forte e rapidamente. Se nos desviamos do caminho da serenidade e do crescimento ordenado, devemos retornar a ele novamente antes que possamos funcionar como seres vitais e úteis. Não é tanto a severidade de nossos problemas que mais nos inquieta, mas sim o esta-

do do ser desconexo e deslocado ao qual sucumbimos. Nesses momentos, como podemos nos realinhar com a vida? Nunca desista, sempre tenha coragem ao enfrentar adversidade e nunca se entregue à autopiedade. Com frequência, é suficiente ser paciente e acreditar que se não encontramos o caminho, então o caminho irá certamente nos encontrar... em algum momento. O fato de ter essa confiança é suficiente para que o caminho e o peregrino se encontrem novamente. Um dia, nos tornaremos novamente unos com o mundo. A amigável canção dos pássaros e os sussurros das folhas começarão a entoar em nossos ouvidos e se tornarão um prólogo da gentil melodia do contentamento. O caminho no qual estávamos aparecerá novamente embaixo de nossos pés e podemos usufruir de tudo novamente se ao menos não comprometermos aos nossos princípios. E, nesses momentos, quando o véu da desordem é levantado de nossos olhos, talvez percebamos que até mesmo os pontos baixos eram partes necessárias da vida..., pois evoluímos de formas que apenas aquelas circunstâncias infelizes poderiam nos ter proporcionado. Assim como todas as coisas no universo avançam e retrocedem de acordo com os ritmos escondidos, também nossas vidas devem por vezes se contrair e revirar antes de se expandir novamente. Pode ser essencial enfrentar extremos de desespero, a fim de vivenciar os períodos subse-

quentes de crescimento e produtividade. Nenhuma vida pode seguir o caminho numa planície reta e ininterrupta. Tudo retrocede e avança, cai e se ergue, contrai e se expande. Deve haver vales da vida para que existam montanhas. Os vales obscuros da vida são um prelúdio para o crescimento e a compreensão. A experiência leva ao conhecimento e à elevação da consciência mesmo se as experiências são por vezes difíceis de vivenciar. Nossos períodos difíceis não são punições ou provações que devem ser suportadas sem razão. Eles são lições de como viver uma vida de bondade que, em contrapartida, leva ao crescimento espiritual, à expansão da consciência e à maturidade mental e emocional. Se somos perspicazes o suficiente, se observamos cuidadosamente, não falharemos em ouvir a mensagem. Depende então de nós utilizar esses ensinamentos na direção da sabedoria e da percepção. Jó lamentou sua dor, não apenas para ter alívio, mas para orientação e compreensão do significado da existência. Nós também podemos usar os nossos momentos de batalha para meditação criativa e progresso na nossa busca individual por propósito e direção. O universo nunca está desordenado, e os nossos períodos ocasionais de desorientação podem ser veículos para a nossa maior compreensão das maravilhas e belezas da vida. ✔ * Publicado originalmente na revista Rosicrucian Heritage, vol. 22, nº 1, março de 2019.

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■ ARTE

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portanto às vibrações do mundo “inferior”, e nos permite, por sua faceta fragmentada, que nos aproximemos do Verbo divino de acordo com nossa própria compreensão. Ela é assim um veículo das energias cósmicas e abole o tempo ao fazer-nos entrar num território de fusão com esssas energias. Pela música, o homem provê a si mesmo os meios de afirmar sua existência enquanto sujeito participante da ordem do cosmos. O papel místico da música, como dissemos, encontra-se nas religiões de todas as civilizações. Nas sociedades tradicionais, um lugar importante é concedido ao elemento rítmico associado ao movimento do corpo. É sabido que o ritmo é parte integrante do universo, seja no nível das vibrações de Nous, no movimento dos átomos, nas pulsações estelares, enfim, como ainda no ser animado por meio dos ritmos respiratório e cardíaco... A lista seria demasiado longa para prosseguir aqui. É nessa rítmica permanente do universo, por células repetitivas, que o musicista

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m todas as religiões do passado e do presente, é inegável que o papel da música é imenso. A música sempre foi o suporte principal dos cultos e o complemento indispensável destes. Mas por que indispensável? Parece que desde sempre os místicos privilegiaram a música em relação às demais artes por seu laço com a temporalidade. Um acontecimento musical é imediato e impermanente. Aquilo que ele foi já não será mais e aquilo que ele veicula faz parte definitivamente da experiência psíquica. Assim, o desenvolvimento da experiência virá em função do acontecimento sonoro. Por exemplo, nas sociedades tradicionais, o batimento lancinante dos tambores que condicionam o transe profundo dos dançarinos rituais, ou a prece sustentada pelos cânticos nas igrejas cristãs. Nenhuma religião dissocia a música de sua prática e mesmo no Budismo Zen, onde o silêncio é mantido durante todo o período de zazen, sons precisos pontuam os diferentes períodos das cerimônias e a psalmodia dos sutras destaca as partes mais intensas. “Tudo é vibração”, afirma a tradição esotérica. Então, por que as vibrações musicais revestemse de tanta importância na busca mística? Diz o Evangelho de João: “No começo, era o Verbo”. O Verbo, palavra de Deus, sonoridade criadora do universo, só se exprime a nós, humanos, fragmentada, pois o Verbo seria a condensação de todas as sonoridades musicais, infrassônicas e ultrassônicas. Ora, o homem não pode conceber este som primordial, não apenas por ele ultrapassar o entendimento humano, mas também porque representaria um real perigo, uma vez que nossos corpos físico e psíquico não estão condicionados a assimilar tais vibrações. A música corresponde

fará entrar a assistência, no mais das vezes por meio do jogo da dança, introduzindo o corpo – e a alma – na comunhão cósmica. Da mesma maneira, o uso dos sons vocálicos, tal como era praticado na Antiguidade e como ainda o é no Oriente e em certos rituais rosacruzes, leva o ser interior a se harmonizar com uma fragmentação do

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■ ARTE

mensão. Ele é, de certa forma, como um catalisador da energia universal, intermediário entre o microcosmo e o macrocosmo, em relação com os planos superiores de consciência e com as raízes arcaicas da humanidade. A obra musical procede pois da imaginação, mas antes de ser materializada ela é real, na medida em que o imaginário é um plano de existência que se situa fora do continuum espaço-temporal do cotidiano. Compreendemos melhor, então, o papel preponderante da música na experiência cuja “tarefa principal”, dizia Hegel, “consiste não em reproduzir objetos reais, mas em fazer ressoar o eu mais íntimo, sua subjetividade mais profunda e sua alma ideal”. É então que uma grande receptividade será obrigatória, tanto para o intérprete quanto para o ouvinte. O intérprete não pode lograr a harmonização com a obra a menos que suas visões egóticas do mundo que o rodeia e da música em particular se dissolvam completamente. Somente então ele poderá conduzir o ouvinte numa senda comum de energia vital e espiritual que levará esse último ao encontro com a experiência original do compositor. Enquanto suporte da meditação, a música desempenha um papel preponderante. Pela própria fonte de sua inspiração, ela coloca aquele que medita em condições favoráveis, trazendo a calma e o recolhimento, ao passo que toma vida nele, recebendo em seu ser psíquico sua expressão metafórica. Então, a obra musical poderá agir no processo de “feed-back”, induzindo naquele que medita uma onda de significantes que darão subsídios para a meditação, na maior parte do tempo de modo totalmente inconsciente. Outra forma de abordagem mística da música é a improvisação. Pela improvisação, o músico dá à música seu nível expressivo do © GETTYIMAGES.COM

Verbo, sendo cada som associado a uma nota particular, ela mesma estando por sua vez em harmonia com um centro psíquico. O canto gregoriano, em sua pureza original, é uma aplicação melódica dos sons vocálicos, assim como as psalmodias dos sutras no Budismo.

Essa utilização da música induz uma harmonização no seio dos centros psíquicos, assim como uma calma interior que favorece a experiência mística. Todavia, esta experiência mística também é favorecida por composições tecnicamente mais elaboradas, efetivamente por toda espécie de música, incluindo o rock. O que é preciso saber antes de tudo é que a fonte profunda da inspiração musical está situada no inconsciente coletivo – este oceano psíquico composto de todas as experiências da humanidade desde a noite dos tempos – no qual o ser encontra sua dimensão original, ao mesmo tempo que também se encontra no inconsciente pessoal do compositor. É dessa forma que a obra musical veiculará um conteúdo subjetivo ao mesmo tempo individual e coletivo ao qual se agregará a vivência pessoal do intérprete e que, finalmente, chegará ao ouvinte por meio do filtro de sua própria compreensão. O artista, contudo, seja ele compositor, improvisador ou intérprete, mesmo que amador, é um ser que sabe utilizar as forças cósmicas para levar o outro a mudar de di-

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“além” da palavra. A música se torna meditação, aqui e agora, incessante e renascendo de si mesma a cada segundo. O processo completo comporta então três pontos que evoluem incessantemente em movimento circular, ou melhor, em espiral ascendente. EVENTO MUSICAL

pantes assume uma dimensão transcendental, verdadeiro exutório de sentimentos reprimidos que leva a uma real comunhão entre todos. Aí também vemo-nos diante de uma celebração sacrificial na qual a vítima pode se revestir de diferentes formas psíquicas frequentemente não exprimidas conscientemente, mas representada no mais das vezes pelo próprio cantor. A propósito disso, lembramonos do guitarrista Jimmy Hendrix, que passou a maior parte de sua curta vida a procurar o “som” ideal que representava para ele a verdadeira comunhão com o Verbo divino. Vemos que, sob qualquer forma que venha a se apresentar, a música desempenha um papel fundamental na busca mística, seja o participante um ouvinte, um intérprete ou um compositor. Pela música, o místico pode atingir a pureza do ser – a transparência à imagem do cristal, que reflete os mundos sensíveis e capta as energias. Ele alcança um poder de receptividade que serve de espelho aos outros pelo reflexo que lhes devolve e, tambem por esse meio, serve de espelho à Consciência Cósmica, permitindo-lhe expressar-se no plano objetivo. ✔

MEDITAÇÃO

IMAGINAÇÃO

* Excerto do livro “Música e Misticismo”, publicado pela AMORC-GLP.

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A improvisação é uma verdadeira alquimia mental – um procedimento iniciático. Ela permite entrar em contato diretamente com seu próprio ser interior – ir até os abismos profundos do inconsciente coletivo – fazendo remontar aos ímpetos arcaicos, verdadeira matéria-prima que a música transforma em lapis philosophicus. E o que dizer então da música rock? Poderíamos encontrar efetivamente uma base mística nesse gênero musical? Sinceramente, acredito que sim. Basta participar uma única vez de um serviço religioso de uma igreja de Harlem para se convencer disso. A música é impregnada de uma pulsação rítmica que, à maneira dos tambores africanos, não deixa de evocar os ritmos biológicos do corpo humano e do cosmos. A repetição lancinante de células melódicas nos faz mergulhar num universo sonoro que pode levar à liberação total do corpo psíquico. Isso não deixa de evocar os sacrifícios ritualísticos, onde o Cristo na cruz aparece como vítima e portador de algo inexprimível situado no mais profundo do ser. Um sentimento parecido está presente em certos shows de rock em que a violência exprimida pela boca e pelo corpo dos partici-

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■ AMORC NO MUNDO

Novos Grandes

Oficiais da AMORC

Frater Akos Ekes Grande Mestre da Grande Loja Húngara da AMORC

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a sequência da decisão da Suprema Grande Loja, a partir de agora, Frater Akos Ekes serve como Grande Mestre da recém-elevada Grande Loja Húngara. Anteriormente, Frater Akos era o Administrador Geral da jurisdição da língua húngara da AMORC desde 2011 e, durante vários anos, serviu em várias outras funções na AMORC na Hungria. Nascido em 1969 em Budapeste, Hungria, Frater Akos trabalha para a Ordem voluntariamente, além de seu trabalho em período integral. Ele é casado com Klaudia e pai de Viktória, Anna e Barnabás. Frater Akos possui MBA pela Case Western Reserve University (Universidade da Europa Central). Além do misticismo, seus interesses incluem história, ioga, corrida e coaching. Frater Akos é profundamente grato por poder aprender, vivenciar e servir por meio da Ordem Rosacruz, AMORC.

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Frater Vadim Kosarev Novo Administrador Geral da Administração de Língua Russa da AMORC

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ascido em 17 de abril de 1968 na cidade de Taganrog, na região de Rostov, União Soviética, Frater Vadim Kosarev cresceu na cidade de Donetsk, ao leste da Ucrânia. Depois do serviço obrigatório no exército, ele iniciou sua formação no Instituto de Tecnologia Eletrônica em Moscou, e agora é formado em duas áreas – engenharia eletrônica e economia. Como profissional de finanças corporativas, ele possui vários anos de experiência em diferentes cargos e setores de administração. Frater Vadim vive com sua esposa e dois filhos em Moscou. Seus passatempos incluem arte, principalmente pintura, assim como história, caminhadas e ciclismo. Questões sobre a mente humana, a sociedade e a vida espiritual têm sido importantes para ele desde sua adolescência. A busca espiritual o levou à Senda Rosacruz, e ele se convenceu de que essa é a melhor oportunidade de construir um sistema de visualizações para os humanos contemporâneos. Ele se tornou um membro da Ordem em 2000 e recebeu a sua Iniciação ao Primeiro Grau de Templo em Moscou. Mais tarde, em 2002, ele se afiliou a um grupo de Oficiais russos que viajou ao Château d’Omonville, na França, para ser iniciado aos Graus de Templo seguintes. Desde aqueles anos, ele tem assumido um papel ativo nas equipes iniciáticas e em outros aspectos da vida rosacruz na Rússia. Ele foi Mestre do Pronaos Moscou duas vezes e agora foi iniciado a todos os doze Graus de Templo. Frater Vladimir Koptelov, que tem sido Administrador da Administração de Língua Russa desde sua criação em 1996, vem treinando o Frater Vadim para assumir a função depois que ele se aposentar em 31 de dezembro de 2019. A Suprema Grande Loja elegeu o Frater Vadim durante a sua reunião anual em Lachute, no Canadá, em outubro de 2019. A instalação do Frater Vadim Kosarev como Administrador da Administração de Língua Russa está agendada para o dia 14 de março de 2020 em Moscou. ✔

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■ MISTICISMO

Por IRENE BEUSEKAMP FABERT FABERT, SRC*

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stou nesse mundo já faz muitos anos. Eu tinha cinco anos de idade quando fui à escola pela primeira vez. Aprendi, estudei bastante e cada vez mais, e agora tenho certeza de que não sei mais o que eu sei. E como o escritor francês Montaigne (15331592), eu digo: Que sais-je? O que sei eu? Os intérpretes de Montaigne pensaram por um bom tempo que, ao dar voz à essa pergunta retórica, ele estava expressando seu ceticismo e desilusão. Ele era apenas uma criança quando já falava Latim fluentemente. Mais tarde, estudou filosofia e direito, viajou bastante e realizou deveres públicos. Mas foi o fenômeno de “ser humano” que cada vez mais o interessou.

Isso aconteceu de tal forma que, finalmente, ele se retirou para seu château onde se dedicou ao estudo da humanidade. Talvez por viver sozinho, ele se tornou o objeto de suas próprias observações que registrou em seus ensaios. Foi no silêncio que ele descobriu o que para ele era mais importante: o seu Eu Interior, que ele chamava de seu “escritório dos fundos”. Na forma de ensaios, ele produziu uma grande quantidade de escritos sobre a humanidade, e ainda assim afirmava que nunca sabia quem ou o que era. “O que sei eu?”, ele dizia. Apesar de muitos anos de estudo, a humanidade permaneceu um mistério para ele. Quanto a possíveis experiências espirituais nas profundezas de si, ele sempre manteve silêncio sobre elas.

Minhas próprias experiências © GETTYIMAGES.COM

Se me permitirem, vou agora reverter para as minhas próprias experiências. De tudo o que aprendi, adquiri um conhecimento relativamente amplo, mas sei que ele realmente não vem do que acumulei em meu cérebro, mas sim das profundezas de mim mesma, durante momentos curtos e longos de puro silêncio. Nesses momentos, tudo O Mundo já não está está quieto em si mesmo, parece que somos envolvimais em dos por um véu etéreo e, de repente, o nosso Mestre equilíbrio. Interior se manifesta e confirma o que o grande Mestre disse há muito tempo: “O Reino dos céus está dentro de vós”. O Mestre, o Mestre Interior, Deus. Há um tempo escrevi uma meditação de palavras, expressões e frases que eu costumava ler ou ouvir e que ficaram gravadas em meu coração. Aqui estão elas: Adeptos na Senda, saúdo-os com a eterna afirmação: O Reino dos Céus está dentro de Vós. A atual ilusão da humanidade é a supervalorização do intelecto que nos proporcionou muito e que tornou possível, graças às técnicas milagrosas, uma mudança total das nossas condições de vida. A humanidade está sob a influência de um desenvolvimento tecnológico que parece não ter mais a capacidade de chegar a um ponto final. Novas descobertas estão sendo alcançadas em todas as áreas. O universo está revelando seus segredos para a ciência e nós estamos consumindo e esgotando todos os tesouros e recursos da nossa Mãe Terra.

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■ MISTICISMO

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genuína, é uma experiência que também é possível para a humanidade nessa nova era. É precisamente na nossa era que os valores divinos estão ganhando nitidez e que a vida espiritual está se tornando tão significativa e real quanto a vida material. Nessa era o termo “iniciação” reencontra seu primeiro significado: um começo, um novo começo. E é assim que deve ser, pois cada criatura faz parte do espírito universal que está na origem do mundo, o espírito no qual reside o Amor eterno, a Sabedoria infinita e a Paz indestrutível.

Iniciação Nas Escolas de Mistério da civilização pré-cristã, a iniciação era considerada um ato extremamente importante. Ao fim das cerimônias dos Mistérios Eleusianos na Grécia antiga, as últimas palavras que os iniciados ouviam eram: “Que a Paz esteja convosco”, depois, eles retomavam seus respectivos caminhos, com as almas em paz e com os corações preenchidos de alegria. A iniciação era para eles um profundo despertar para o que é genuíno. Era a realização suprema de sua vida espiritual, e quem não conseguisse vivenciar essa experiência não era um ser completo. Se essa experiência interior era possível dois mil anos antes da Era Comum, ela deve ser possível também passados dois mil anos da Era Comum. Durante esses quatro mil anos, a natureza fundamental da humanidade não mudou, nem sua busca por si mesma..., Adeptos na Senda que aspiram conhecer o Divino. Em sua verdadeira realidade, na qual se está e sempre estará, homens e mulheres são seres espirituais, embora © GETTYIMAGES.COM

O Mundo já não está mais em equilíbrio. Enquanto os países ocidentais, ávidos pelo Ter (não sabem mais como conjugar o verbo Ser) são cada vez mais pressionados a adquirir produtos totalmente inúteis, a outra parte do mundo sofre de fome e continua desprovida do mais essencial para a vida. Não está na hora de nos darmos conta das desilusões da nossa evolução intelectual e nos comprometermos com novos caminhos? Esses caminhos que estão surgindo progressivamente e os quais homens e mulheres sábios de todas as civilizações destacavam como sendo o escopo de uma ciência: a ciência da alma? O quão estranho é os especialistas saberem detalhes sobre o menor dos insetos que podem ver a olho nu, e ainda não saberem o porquê e o como de sua própria existência? Por que os geneticistas sabem tanto sobre plantas, animais e humanos, mas não investigam os mistérios de seu próprio ser e as características de sua própria persona? Como pode a humanidade cruzar o universo em todos os sentidos, até mesmo pousar na lua, mas não ser capaz de encontrar o caminho que nos leva a nós mesmos? “O Reino dos Céus está dentro de vós”. Adeptos A face da Senda, permitamserena da Esfinge de -me repetir essa antiga Gizé. mensagem. É a mensagem do sorriso infinito da Esfinge que se ergue calma e serenamente das areias do Egito. É a mensagem formulada em diferentes termos pelo místico alemão do século XIII e XIV, Mestre Eckhart: “Deus está no centro do Homem”. São Tomás de Aquino e Jacob Boehme expressaram o mesmo nos seus copiosos escritos que nem sempre são fáceis de ler. Mas, tendo suas bases numa experiência



vivam em corpos materiais. Nossos sentidos, que nos enganam de todas as formas, são a razão pela qual confundimos o nosso verdadeiro Ser com o nosso corpo material. O Divino não está ao nosso redor apenas na primeira infância, mas por toda a nossa vida. Não sabemos ainda ou não sabemos mais. Por trás da pessoa que pensamos ser, há uma segunda pessoa que não vemos, o nosso verdadeiro Ser, que já existia antes dos pensamentos e desejos tomarem conta de nós. Por trás de nosso corpo de carne e osso existe uma consciência radiante e sublime. Nossa verdadeira vida flui nas profundezas de nosso coração e não tem lugar na máscara superficial da personalidade que mostramos para o mundo. Adeptos na Senda, vocês são herdeiros de um tesouro escondido nos profundos recessos de sua própria natureza. O Reino dos Céus está dentro de vós. Aqueles que, isolados em seu próprio silêncio, empenham-se em encontrar a si mesmos, não são sonhadores. Eles estão fazendo apenas o que cada um deveria fazer em alguma fase de sua evolução. O caminho pode ser longo ou curto, mas eles se mantiveram seus olhos bem abertos e ouvirem a voz que falava dentro deles, um

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Por trás de nosso corpo de carne e osso existe uma consciência radiante e sublime. Nossa verdadeira vida flui nas profundezas de nosso coração…

dia, seu grande Ser lhes será revelado, e eles estarão à beira da Eternidade. Se a porta da nossa alma se abre por um segundo, um minuto ou uma hora, a revelação estará completa. Nem o sofrimento amargo ou o fardo pesado podem destruir esse conhecimento que não se traduz em palavras. Qualquer pessoa que tenha sentido alguma vez o ser mais profundo se dissolver e se fundir com o infinito, sabe que isso não pode ser explicado. O maior milagre na vida de cada homem e mulher é a iluminação do espírito e do coração. Olhe para o seu Ser, encontre o seu verdadeiro Ser e você saberá o sentido da vida, e o mistério do universo lhe será revelado. Pense nas palavras do Mestre da Galileia: “Buscai, e encontrareis; batei, e a porta será aberta para vós”. Descubra que você faz parte de uma vida infinita que se expressa em Luz e Amor. “Aquele que conhece sua própria natureza, conhece o Paraíso” disse um pupilo de Confúcio. Em outras palavras: “O Reino dos Céus está dentro de vós”. ✔ * Soror Irene Beusekamp Fabert nasceu em1915 e passou pela transição no ano de 2012. Foi Grande Mestre de Língua Holandesa no período de 1983 a 2007. Artigo publicado originalmente na revista Rosicrucian Heritage – Vol. 22, nº 1, em março de 2019.

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■ EDUCAÇÃO

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quase um lugar comum falar sobre as diferenças entre Educação e Instrução. No entanto, como convém ao assunto, é necessário deixar algumas dessas diferenças bem claras. Instrução é um conceito de compreensão restrita em comparação com o da Educação, uma vez que abrange apenas um aspecto parcial desta. A Instrução é ensinada sobre tópicos fixos, seguindo certas normas mais ou menos padronizadas e, quase sempre, de maneira fria e racional. Não leva em conta o indivíduo em particular, sua sensibilidade, seu eu íntimo; é dada por atacado, a um conglomerado mais ou menos numeroso de indivíduos que se identificam em uma massa comum. É uma dispersão de conceitos, dados e relações, tiradas de livros, gravações e revistas, “comida fria” é oferecida ao intelecto para que possa digerir e assimilar aquilo que for possível, em seguida, passar para o arquivo da memória. Dá a impressão, ao transmiti-la, de que estamos tentando preencher uma folha com dados, figuras, citações e frases feitas. Esta sobreposição de conhecimentos não se incorpora intimamente ao indiví-

duo, portanto, a instrução vem a ser como um verniz superficial com que o indivíduo é revestido, como o esmalte dos nossos pratos de estanho que ao menor golpe se desprende, revelando a verdadeira condição interna do material que ele cobre. O mesmo vale para outras formas de instrução que têm mais a ver com o que é chamado de treinamento ou adestramento. A educação, em sua concepção integral, é mais que tudo isso. Por meio dela, dentro de um ambiente especial, faz-se com que o indivíduo viva e sinta, atualize todas as suas potencialidades ou, pelo menos, as mais destacadas em cada caso particular. É um processo evolutivo e gradual pelo qual, em vez de incorporar conhecimentos como o único propósito, esses e outros fatores são usados para alcançar o pleno desenvolvimento das faculdades intrínsecas de um ser. A educação, aproveitando, canalizando e harmonizando os dons inatos, faz do educando uma pessoa, no sentido de que faz dela um criador, um artesão, um professor em seu interior e em seu ambiente. A verdadeira educação cumpre a função de realizar a harmonia do Ser em si e com o seu ambiente.

Por DR. HUMBERTO SERRES DOMINGUEZ, FRC*

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a) Camada espiritual b) Camada anímica c) Camada somática

Meio Ambiente

Como se vê neste conceito, o homem constitui uma unidade integral formada por três camadas ou estratos, a saber: a) o estrato espiritual, privativo do homem, o Ego ou eu; b) a camada da alma, sede dos nossos instintos, desejos, afeições e sentimentos; c) o estrato somático ou corpo, base orgânica ou material dos outros dois. Esta unidade integral, constituída por esses três estratos, se depara com o meio ambiente (mundo circundante, “perimundo” ou contorno), no qual o homem age, se desenvolve e evolui; porque “devemos ter em mente que ele não vive em isolamento, mas em um ambiente que, como © GETTYIMAGES.COM

A educação é um processo de transformação global que é alcançado, mais do que tudo, à custa do esforço individual. Nós educamos nosso intelecto através do exercício mental. Educamos nossos instintos, nossa vontade, nossa memória, nossas faculdades estéticas e morais, pelo próprio esforço dessas mesmas faculdades. Agora, orientar esse esforço, estabelecendo um equilíbrio harmonioso entre as diferentes faculdades do ser, e este e seu ambiente, é o objetivo principal da verdadeira educação. Para entender melhor as ideias que estamos apresentando aqui, achei necessário estabelecer algumas noções sobre a constituição da pessoa humana, com base em um esquema e vários conceitos que aparecem no trabalho do Dr. Pedro Pons, intitulado “Patologia e Clínica Médica”, na segunda parte do volume IV dedicado à Medicina Psicossomática e pelo Dr. Santiago Montserrat Esteve. Podemos resumir dizendo que o esquema estrutural da pessoa humana consiste nos três elementos seguintes:

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■ EDUCAÇÃO

SEMENTE DA DIVINDADE

DIMENSÃO ESPIRITUAL DIMENSÃO PSÍQUICA DIMENSÃO CORPORAL

uma quarta camada, influencia o homem e é ao mesmo tempo influenciado por ele”. “Mas o homem não possui as três camadas independentes, mas fundidas, constituindo uma unidade, harmoniosa no saudável e desarmônico no doente”. “A atividade das três camadas no homem tem sido adequadamente comparada com a de um conjunto orquestral. Em um dado momento a melodia pode ser sustentada pelos baixos, e o resto da orquestra servir de acompanhamento e dali a instantes passar aos instrumentos com um tom agudo, e servir de fundo para o restante.” “Sempre, no entanto, deve haver uma unidade, uma harmonia no todo, então, quando o homem raciocina, é a camada espiritual que domina, a que carrega a melodia, e as outras duas passam para o segundo plano. Nos momentos passionais, emotivos ou instintivos a camada da alma é primordial e as outras servem como acompanhamento, sujeitas a ela. Enfim, nos processos orgânicos puros é soma (corpo) que predomina sobre o conjunto.” Agora, quando em um momento em que uma camada deveria comandar a melodia e outra toma o seu lugar, surgem alterações típicas. Assim, se uma pessoa, ao invés de raciocinar com o espírito, deixar-se levar pela paixão (a camada da alma) deformará a razão lógica em seu curso de pensamentos, que se

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adaptará a seus desejos ou temores: perderá objetividade e precisão que caracterizam a atividade espiritual: a imaginação transbordará, haverá predominância da superstição e do pensamento mágico-animista. Por outro lado, se no momento em que deve dominar o componente emocional, interfere ou toma a direção o cálculo frio e a lógica da camada espiritual, o comportamento resultante será inadequado e não terá espontaneidade e simpatia. Se o espírito interferir na camada somática, e querer impor suas normas, haverá outra série de transtornos. É o que acontece, por exemplo, quando uma pessoa se impõe uma dieta alimentar por deduções “lógicas” que a convencem, prescindindo das necessidades reais e apetites do corpo. Essas noções permitiram que entendamos a nossa estrutura interna e o seu modo de operação em si e em relação ao meio ambiente. Eles nos ensinaram que o homem, embora composto de três camadas, é uma Unidade psicossomática que deve, sem dúvida, desenvolver-se harmoniosamente de acordo com seus diferentes estratos, permitindo sem permitir que um interfira com o outro ou que o meio ambiente transtorne seu equilíbrio interno. E isso é precisamente uma função e o verdadeiro sentido da educação: realizar uma harmonia do Ser consigo mesmo e com o meio ambiente! Neste ponto, podemos estabelecer uma definição do que entendemos por educação: “A educação é um processo gradual através do qual se consegue, ao harmonizar as potencialidades do ser em si e com um ambiente adequado, promover o desenvolvimento ou atualização de todas as possibilidades ou disposições latentes”. ✔

■ POESIA

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os dois meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram a um lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em duas metades, diferentes uma da outra.

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Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. As duas eram totalmente belas. Mas carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia. ✔ Por CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

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■ AUTOCONHECIMENTO

Por LUÍS FÁBIO MIRANDA, FRC*

Um dos “efeitos colaterais” da prática da Meditação, mas também possível de obter através de posturas mentais mais simples e exercícios mais rápidos, o Mindfulness pode conduzi-lo a uma vida de felicidade e profundo bem-estar.

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O que é “mindfulness” Mindfulness é uma palavra que tem aparecido cada vez mais em todas as mídias. Este termo em inglês, criado pela junção do substantivo “mind” (significando em geral “mente”, mas que, dependendo do contexto, pode ser considerado “atenção”) com o adjetivo “fulness” (completa, preenchida até o máximo de sua capacidade) tem sido traduzido para o português como “atenção plena”. Porém, qual o significado de tal expressão? “Atenção plena”, neste caso, quer dizer “estar mental e emocionalmente cem por cento presente no aqui e no agora, com curiosidade e sem julgamento ou crítica”, um estado de consciência que podemos observar claramente nas crianças, principalmente nos seus primeiros anos de vida. Ao crescer, em geral e infelizmente, elas perdem tal capacidade logo que descobrem que seu corpo pode se encontrar em um local de que não gostam (a escola, por exemplo) mas ninguém pode obrigar sua mente a permanecer ali. Começam então a viver parcialmente não mais no “aqui”, e o próximo passo é transportarem-se para fora do “agora”, ou seja, colocarem-se mentalmente no passado ou no futuro. É assim que se transformam em estudantes com mau aproveitamento escolar (estando presentes apenas “de corpo” como podem aprender?) e depois então em adultos profissionais com baixa produtividade e vidas infelizes. Pois passam grande parte do tempo relembrando acontecimentos do passado ou preocupados com coisas do futuro, mesmo quando estão em outras atividades, seja lazer, seja trabalho, seja estudo, caracterizando assim uma “mente dividida”, o que dificulta cada vez mais o fruir, a performance e a aprendizagem.

Esta é a principal causa da dificuldade cada vez maior de se aprender coisas novas, à medida em que os anos passam, e não devido a uma suposta deterioração da nossa capacidade de percepção e retenção. Além, é claro, do ageísmo que no final nós mesmos acabamos inconscientemente incorporando e que, como a maioria dos preconceitos, só nos prejudica.  Assim, adotamos o hábito nocivo de “viver fora do aqui e do agora”, um estado mental geralmente conhecido como “mindlessness” e que constitui exatamente o oposto de Mindfulness, ou seja, tornamo-nos meio zumbis, não completamente despertos, mas quase sempre parcialmente adormecidos ou mesmo anestesiados. E focados mental e emocionalmente, na maioria das vezes, em fatos negativos, ruins, que trouxeram (no passado) ou que poderão trazer (no futuro) desconforto, dor ou mesmo perigo. Estar mentalmente desta forma no passado ou no futuro não é uma atividade inócua; de maneira inocente nós julgamos que não exerça qualquer efeito negativo sobre o corpo. Mas, infelizmente, não é assim: o cérebro é facilmente iludido pela mente e reage como se aquilo que estamos lembrando ou imaginando esteja realmente acontecendo. Pior ainda, cada vez que procedemos assim, as sinapses entre os neurônios se reforçam, facilitando o caminho para um hábito terrível: o de ficar ruminando pensamentos que só fazem mal ao organismo e que passam a ser cada vez mais presentes. O fato é que de nada adianta nos ocuparmos do passado, uma vez que ele não pode ser alterado; e também é inútil nos preocuparmos com o futuro, sempre incerto. Ambas as atitudes desperdiçam uma imensa energia que poderia estar sendo aplicada a nosso favor e não contra nós.

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■ AUTOCONHECIMENTO

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Há pessoas que se expoem a altos riscos apenas para terem uma descarga hormonal maior.

Experimento Deseja uma comprovação de como o cérebro pode ser enganado pela mente? É fácil: basta imaginar um limão bem azedo que você corta ao meio e em seguida espreme uma das metades sobre a sua língua. Seu cérebro reage como se isto estivesse realmente acontecendo, e imediatamente libera uma quantidade extra de saliva. E o mais interessante é que não importa quantas vezes você faça isto, a reação será sempre a mesma: uma salivação mais intensa, reforçando as sinapses entre os neurônios e tornando a ação muito mais fácil de ser repetida. Ou seja: o corpo age como se a experiência estivesse realmente acontecendo e o cérebro também muda com ela. Neste caso, é algo que você pode constatar diretamente. Mas a liberação de hormô-

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nios como a adrenalina e o cortisol, devido a tensões emocionais constantes provocadas por pensamentos negativos e fora do contexto presente não é tão fácil de perceber. Há estudos recentes que demonstram que, inconscientemente, podemos inclusive ficar “viciados” nesses hormônios. Na verdade, existem pessoas que não só no nível mental, mas também fisicamente se expõem a altos riscos (como em determinadas profissões ou mesmo na prática dos chamados “esportes radicais”) apenas para terem uma descarga hormonal maior. Elas dizem que desta forma sentem-se “mais vivas”. Mas com certeza pagam o preço, pois estão lançando mão de energias internas do seu organismo que deveriam estar sendo utilizadas para reparos e emergências e não para entretenimento. O sistema imunológico é um dos que mais sofre com tal situação, e, sem energia

para efetuar sua manutenção natural e constante, vai acabar não conseguindo mais nos proteger de moléstias graves tais como pressão alta, diabetes, e mesmo câncer. Curiosamente, a “mente dividida” traz como efeito colateral uma estranha certeza pessoal do encurtamento do tempo, pois quanto mais ocupados estamos, menor é a nossa sensação subjetiva da passagem dos minutos, horas, dias, anos. Novamente lembrando o estado natural das crianças, para elas o tempo parece tardar muito a passar, enquanto que para o adulto a impressão é de que ele flui cada vez mais rápido. Viver da forma mindlessness pode levar à diminuição real do tempo de vida de uma pessoa, devido ao estresse que acarreta, o que a própria Medicina tem constatado de forma muito clara.  A prática de Mindfulness opõe-se a tal condição, fazendo com que a mente se torne íntegra durante os exercícios e, pouco a pouco, com sua repetição, fixe tal ação na forma de um bom hábito. Novas sinapses se formam no cérebro, benéficas, enquanto que as antigas, prejudiciais, justamente por não serem mais revisitadas pelo indivíduo, vão perdendo a força, tendendo mesmo a desaparecer. O objetivo é viver de forma Mindful todo o tempo, como o fazem as crianças menores, e que é extremamente saudável. No início, porém, haverá uma reação contra o “novo”, pois naturalmente causa medo e o cérebro vai tentar fazer você voltar atrás, ao velho hábito de viver fora do aqui e do agora, procurando até mesmo convencê-lo de que é o “certo” (na verdade, constitui aquilo que é “familiar” ou a zona já conhecida, “de conforto”), embora o próprio cérebro acabe muito prejudicado por tal situação. Na verdade, o medo do desconhecido é que faz com que ele aja desta forma tão pouco inteligente.



Viver da forma mindlessness pode levar à diminuição real do tempo de vida de uma pessoa, devido ao estresse que acarreta…

Experimento



Se você quiser ter uma demonstração imediata de Mindfulness, execute as instruções a seguir, sugeridas pela Professora Louise Delagran, no Curso “Mindfulness in Integrative Healthcare” da Universidade de Minnesota nos Estados Unidos, e que toma apenas alguns segundos: Faça uma pausa. Feche os olhos e simplesmente sinta o que está acontecendo com o seu corpo neste exato momento: em que posição ele está? Como você se sente? Há partes que estão tensas, doloridas, cansadas? E há outras soltas e relaxadas? Apenas perceba tais fatos, sem qualquer julgamento de valor e também sem tentar mudar o que está ocorrendo, ou seja, sinta o seu corpo, sem interferir, deixando que ele continue no estado em que está. Cada vez que fizer este pequeno exercício, você viverá alguns momentos de “atenção plena”, pois ficará cem por cento consciente do que está acontecendo aqui e agora, permitindo que tudo siga seu curso, sem qualquer julgamento ou interrupção. Viu como é simples? No caso que acabamos de explicar, focamos em nosso próprio corpo e nas sensações

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■ AUTOCONHECIMENTO



… não há depressão se você está no aqui e no agora; ela acontece quando a mente divaga no passado, especialmente quando foca em agruras já vividas ou até em erros cometidos naquela época.



que experimentamos vindas “de dentro”. Mas você pode mudar o exercício: manter os olhos abertos e os sentidos bem despertos, sua atenção agora toda dirigida aos estímulos que está recebendo “de fora”, sempre no aqui e no agora, ficando assim cem por cento consciente do que ocorre ao seu redor, sem julgar ou interferir. Isto também é Mindfulness, e continua sendo tão simples quanto aquele primeiro experimento. É importante “não julgar ou criticar”, para evitar fazer comparações que conduziriam nossas mentes imediatamente ao que já é conhecido, ou seja, ao passado. É evidente que, uma vez conscientes da situação atual, podemos influir sobre ela, alterando imediatamente aquilo que constatamos não estar bem, como uma musculatura tensa ou postura inadequada. Ou, externamente, se alguma coisa deve ser corrigida ou ajustada. Em ambos os casos, pode-se agir de forma imediata e efetiva, sem a necessidade de continuar a “ruminar” pensamentos. É claro também que planejar o futuro utilizando para isto a experiência adquirida no passado faz parte da vida de qualquer pessoa, inclusive daquelas que vivem no estado Mindful. Mas isto é feito na hora certa, sem preocupações constantes, nocivas e até mesmo paralisantes. Uma maneira extremamente útil de aplicar o mesmo exercício é quando nos sentimos emocionalmente instáveis ou

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tristes, preocupados, nervosos, oprimidos, até mesmo deprimidos ou muito ansiosos. Pois basta analisar e veremos que, na grande maioria das vezes, tal situação é resultado direto de a nossa mente estar focada em alguma coisa fora do aqui e do agora. E geralmente sem qualquer utilidade prática. Quando então fazemos o exercício simples sugerido, podemos observar que a tranquilidade se restabelece. Na maioria das vezes e de forma automática, inconsciente, logo ao restabelecer o estado de atenção plena, respiramos profundamente. É o efeito físico natural e imediato da nova postura mental, ativando o sistema parassimpático, que desliga assim o simpático, responsável pelo estresse. E a razão de tudo isto é fácil de entender: não há depressão se você está no aqui e no agora; ela acontece quando a mente divaga no passado, especialmente quando foca em agruras já vividas ou até em erros cometidos naquela época. Da mesma forma, não há ansiedade no aqui e no agora; ela surge geralmente quando se está preocupado com um fato a ocorrer em algum momento do futuro, mesmo que seja o efeito de coisas anteriores, já acontecidas. E, embora tais eventos possam ter uma probabilidade muito pequena de se concretizarem, o medo que eles geram acaba devastando a vida da pessoa, incapaz até mesmo de avaliar realisticamente seu risco efetivo.

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Há, porém, certas situações em que o momento presente é o mais complicado ou mesmo doloroso; ocasiões das quais fugimos, procurando refúgio em um passado menos problemático ou no futuro ideal e esperando que as coisas se resolvam sozinhas, de forma milagrosa ou até como num passe de mágica, o que não só é ilusório, mas ainda poderá levar certos aspectos a piorarem e se agravarem com o tempo. Neste caso devemos também aplicar o Mindfulness, pois de nada adianta tentar evitar os problemas de tal forma. Melhor encará-los de frente e buscar superá-los, assim que for possível. Caso contrário, poderão permanecer em nossas vidas por um tempo muito maior, em geral tornando cada vez mais difícil a sua solução. Devemos ver em cada situação não um problema, mas uma oportunidade de autoconhecimento e de crescimento pessoal em direção a uma existência mais satisfatória, gratificante e plena. Tomar as rédeas da própria vida aumenta a confiança em si mesmo e facilita a solução de outros problemas futuros.

A chave é simplesmente “observar”, como fazem as crianças

 

Realizando as práticas de Mindfulness várias vezes por dia, percebemos que são muito fáceis, não exigindo tanto tempo e determinadas condições como é o caso da Meditação. Basta concentrar nosso esforço consciente em simplesmente observar tudo aquilo que está no nosso ambiente imediato – pessoas, coisas, animais – ou o que sentimos dentro de nós, sem comparar ou julgar. E repetir isto onde quer que estejamos; até mesmo no trabalho ou em uma refeição ou em uma conversa com amigos. Estar mental e emocionalmente cem por cento presente faz bem em qualquer situação, permite-nos inclusive ouvir melhor as pessoas, aprendendo com elas, o que é na verdade um

Concentre seu esforço consciente em tudo aquilo que está no seu ambiente imediato.

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■ AUTOCONHECIMENTO

ato de amor que os outros imediatamente – e quase sempre de forma inconsciente – reconhecem, apreciam e retribuem. Por outro lado, este exercício simples é também mais fácil de esquecer. Assim, é necessário lembrar-se de repetir tal prática continuamente, até que ela se torne automática e se incorpore como um hábito muito saudável e que traz resultados sensíveis imediatos. Quando conseguimos nos tornar Mindful pelo menos por alguns momentos, a sensação é tão boa que nos estimula a repetir a experiência e a tentar estabilizá-la, torná-la permanente, o que é perfeitamente possível à medida em que nosso comportamento mental e emocional vai redesenhando as sinapses cerebrais, e, pela repetição, consolidando-as. Aumentamos assim a sensação de bem estar, a criatividade, o acerto no processo de tomar decisões, e nos sentimos com muito mais energia, conseguindo também melhorar nossa relação conosco mesmo, bem como aquelas interpessoais. Há muitos outros tipos diferentes de exercícios de Mindfulness, alguns rápidos e simples, outros mais longos e complexos, até mesmo chamados “Meditação Mindfulness”. Diversificar alternando as práticas é sempre bastante proveitoso, acelera e consolida os resultados. Especialmente para os ocidentais, a prática de Mindfulness tem sido muito mais aceita do que a de Meditação, uma vez que desde o princípio ela foi colocada

como algo “científico” ao invés de “religioso” (embora, na verdade, Meditação não seja em geral exatamente isto). E Mindfulness também é vista como uma coisa “moderna” e não “antiga”; “dinâmica” ao invés de “parada, estática”. Finalmente, talvez até por influência do próprio nome, utilizado em língua inglesa, passa a ideia de algo “não oriental”. Tudo isto e ainda mais a comprovação científica da sua validade durante as últimas três décadas auxiliou certamente a difusão maciça do Mindfulness, que praticamente “explodiu” entre nós. Tanto Meditação quanto Mindfulness tornaram-se objetos de estudo científico principalmente por Psicólogos, Psicanalistas, Neurocientistas e Médicos. Com a atual tecnologia, conseguiu-se detectar e medir alterações cerebrais nas pessoas que se tornaram Mindful: o espessamento de certas áreas como a do hipocampo, que tem entre suas funções importantes o aprendizado e a memória, bem como a redução de outras regiões, como a da amígdala, que regula a reação do medo. Comprovou-se também mudança na conectividade funcional de certas áreas do cérebro e um balanceamento emocional efetivo, bem como o fortalecimento do sistema imunológico dessas pessoas. Há ainda estudos mostrando alterações na expressão dos seus genes, conhecidas como mudanças epigenéticas, assim como um efeito significativo no comprimento dos telômeros, que



Quando conseguimos nos tornar Mindful pelo menos por alguns momentos, a sensação é tão boa que nos estimula a repetir a experiência e a tentar estabilizá-la, torná-la permanente.



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Mindfulness tem como objetivo o de levar a pessoa a uma intimidade maior com sua própria mente.

antigamente se pensava não poderem ser aumentados, mas sim apenas diminuídos com o passar da idade. Desta forma se altera a nossa biologia, bem como nossa psicologia e finalmente a maneira como interagimos com os outros, ou seja, nossa psicologia social. Mindfulness acabou gerando, nas últimas décadas, muitas aplicações com resultados práticos, porém existem dois protocolos que o tornaram mais conhecido no tratamento de dores crônicas, depressão e ansiedade: MBSR (Mindfulness-Based Stress Reduction), e MBCT (Mindfulness-Based Cognitive Therapy). Assim, podemos concluir observando que Mindfulness tem como objetivo o de levar a pessoa a uma intimidade maior com sua própria mente, focando a atenção intencionalmente de momento a momento, com uma visão clara de como se é, tornando-se mais apta a desenvolver seus talentos naturais, para, através de tal transformação, viver com um profundo bem estar e felicidade neste mundo. Muita gente só muda quando ocorre uma crise, um acidente, um diagnóstico, uma perda. Tomar um novo caminho nessas condições de dor e sofrimento é muito mais difícil do que fazê-lo quando estamos

ainda saudáveis e sem maiores problemas. O momento de mudar é o agora, e o local é o aqui. Inúmeras pessoas que conseguiram atingir e manter o estado Mindful afirmam que “tiveram de volta as suas vidas”, das quais tinham se afastado através do hábito mental da mente dividida. Evidentemente, a Meditação fornece outros benefícios além do estado Mindful. Então, por que não iniciar com este princípio simples e imediato e, quando o tivermos integrado às nossas vidas, passar à prática diária da Meditação, alguns minutos por dia? Estudos científicos comprovaram que mais de vinte minutos diários meditando não somam muito aos seus resultados. Na verdade, dez ou quinze minutos já seriam suficientes para colher grande parte dos seus benefícios. Uma pessoa Mindful passa para a Meditação formal com mais facilidade e regularidade, e evolui dentro da sua prática de maneira muito mais rápida. ✔ * Luís Fábio Miranda é engenheiro formado pela USP, com especializações no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Escritor nos idiomas inglês e português, afiliou-se à Ordem Rosacruz em 1964. Trabalha na divulgação da AMORC desde 1977, ministrando Palestras Públicas, Cursos e Seminários, no Brasil e no exterior. É Palestrante também da Grande Loja da Jurisdição de Língua Italiana da AMORC. Outras informações: www.luisfabiomiranda.com

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■ COMPORTAMENTO

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Chamado à Por SERGE TOUSSAINT, FRC

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omo todos podem ver, a humanidade está indo mal e está se dividindo em facções de todos os tipos. Além da crise financeira, econômica e social que enfrentou durante vários anos, é atormentada por uma série de tensões, conflitos e guerras, a maioria dos quais tem sua origem em uma grande fraqueza da natureza humana: a intolerância. Isso sugere que, se a maioria dos seres humanos fosse tolerante em seus julgamentos e comportamentos, o mundo seria muito melhor e seria consideravelmente aquietado, algo que todos deveriam desejar. Mas o que é tolerância? Em geral, é a capacidade de respeitar ideias que são diferentes das nossas e até mesmo opostas a elas, e isso em todas as áreas: religiosas, políticas, culturais, artísticas, etc. Eu penso que a melhor maneira de ser tolerante na vida cotidiana é reconhecer que somos imperfeitos, que não sabemos tudo e que estamos sujeitos a erros. Isso não é fácil porque todos nós temos um ego e este, por sua própria natureza, geralmente nos faz acreditar que somos, se não perfeitos, pelo menos muito melhores do que os outros. É também sob sua influência que tendemos a acreditar que estamos certos em pensar, dizer e fazer o que pensamos, dizemos e fazemos nessa ou naquela circunstância. Uma das áreas em que a intolerância causa mais dano é a religião. Quantos crimes e guerras gerou ao longo da história? Quantas divisões, distúrbios e raiva causaram nas famílias ou entre amigos? E, infelizmente, é sempre assim. No entanto, nenhuma religião tem o monopólio da fé e ninguém conhece a verdade. Se Moisés, Buda, Jesus, Maomé e outros profetas ou messias do passado voltassem à Terra, não há dúvida de que eles condenariam todas as formas de fundamentalismo e o fanatismo das religiões que dizem respeito a eles próprios e

que vieram há luz ao longo dos tempos. E se Deus existe, no sentido que eles O entregam através de seus respectivos credos, Ele é o mesmo para todos. Como, então, podemos pensar que Ele pode apoiar ou tolerar malevolência, ressentimento e ódio? Embora seja essencial que os líderes e seguidores de todas as fés sejam tolerantes uns com os outros e considerem uns aos outros como crentes em vez de adeptos de um culto particular, eles também devem respeitar todos aqueles que adoram, que não acreditam em Deus e não seguem qualquer organização religiosa ou espiritual. Por outro lado, estes devem entender e admitir que alguém pode ser um crente e usar a fé, se não como uma razão para viver, pelo menos como um ideal de vida. Infelizmente, como é o caso da religiosidade, o ateísmo às vezes gera um comportamento fundamentalista, especialmente quando é militante e desvia a laicidade para fins profanos. A política é também uma área onde reina a intolerância, com tudo o que resulta em termos de tensões, divisões, oposições, rivalidades etc., não só entre os cidadãos do mesmo país, mas também entre nações. Se esse é o caso, é porque todos projetam nela sua experiência, seus impulsos, suas frustrações, suas convicções, suas aspirações, suas ansiedades e assim por diante. Mas, novamente, nenhum partido ou sistema, por mais democrático que seja, mantém a Verdade excluindo outros, daí a necessidade de dialogar, trocar e extrair de diferentes pontos de vista uma oportunidade para colocar o nosso de volta em questão. Nesse aspecto, o sectarismo político é tão destrutivo quanto o sectarismo religioso, especialmente quando se confunde com o poder. Na maioria dos países, a maioria das pessoas anseia pela paz porque sabe que, no fundo, ela é inseparável do bem-estar e da felicidade que buscam. Mas isso corresponde

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■ COMPORTAMENTO



… convido-o a assinar este “Chamado à Tolerância” envolvendo-se pessoalmente, vis-à-vis, para fazer todo o possível para mostrar tolerância em suas relações com os outros.

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a um estado ideal que só pode ser atingido se todos expressarem o melhor de si, isto é, manifestarem, tanto quanto possível, as qualidades mais positivas das quais o ser humano é capaz. A tolerância é uma das mais importantes, que fez de Nicholas Roerich (18741947), um pintor e escritor Rosacruz de renome internacional, promotor de uma “cultura de paz”: “Podemos ser verdadeiros cooperadores da evolução. Nesta, o verdadeiro conhecimento é baseado na tolerância real; a verdadeira tolerância vem do entendimento absoluto; da compreensão absoluta nasce o entusiasmo pela paz, que ilumina e purifica”. Naturalmente, não é apenas nos campos da religião e da política que devemos nos esforçar para sermos tolerantes. Todos os dias, conversamos com outras pessoas sobre vários temas, seja no contexto de nossa vida familiar, nossa atividade profissional, nossas relações sociais e amigáveis, etc. Durante



essas discussões, ideias, opiniões e visões diferentes e até opostas são necessariamente emitidas. É precisamente nessas circunstâncias que devemos saber como ter a mente aberta e ser tolerante. Isso envolve conversar com nossos interlocutores, sem absolutamente querer convencê-los de que estamos certos ou, o que equivale à mesma coisa, que eles estão errados. E se discordarmos deles, que saibam por que, com calma e sem agressão. Uma coisa é clara: tolerância não é tolerar tudo. De fato, há situações, atitudes, comportamentos, palavras, etc., que são intoleráveis. De um modo geral, é assim com tudo o que afeta a pessoa humana e a natureza. Aceitá-lo ou resolvê-lo não vem da sabedoria, mas da fraqueza, até da covardia. Por exemplo, o racismo e a xenofobia não devem ser tolerados, assim como a escravidão e a tirania. O mesmo se aplica aos maus tratos aos animais e à devastação do meio ambiente. Ser tolerante

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não é ser negligente, permissivo ou libertário. Isso deve parecer óbvio para você; portanto, é desnecessário insistir nesse ponto. A Ordem Antiga e Mística da RosaCruz, conhecida por sua contribuição à cultura e à paz entre os povos, sempre teve o lema: “A mais ampla tolerância na mais estrita independência”. Na aplicação deste lema, inclui entre seus membros, cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas etc., mas também pessoas que não seguem nenhuma religião em particular. Da mesma forma, os Rosacruzes diferem em suas opiniões políticas, às vezes opostas, sem que isso seja um problema entre eles. Se assim é, é precisamente porque eles respeitam o direito de serem diferentes e se esforçam para serem tolerantes uns com os outros. O que é possível dentro de uma fraternidade como a AMORC também deve estar no nível da humanidade. É essencialmente uma questão de vontade individual e coletiva. Todos nós sabemos que nosso planeta se tornou um único país, e parece óbvio que os seres humanos estão sendo chamados cada vez mais para se misturarem, para não dizer misturar. É um processo natural que faz parte da evolução da humanidade. Como resultado desse processo, que se intensificou nas últimas décadas e se intensificará, raças, nacionalidades, culturas, religiões, partidos políticos etc., terão que

coexistir e até mesmo cooperar no interesse de todos. Se queremos que esta cooperação seja harmoniosa e pacífica, devemos colocá-la sob os auspícios da tolerância e cultivar em nós o desejo de realmente nos comportarmos como cidadãos do mundo. Certamente, essas poucas reflexões não são originais em si mesmas, mas se você as compartilha e deseja apoiá-las, convido-o a assinar este “Chamado à Tolerância” envolvendo-se pessoalmente, vis-à-vis, para fazer todo o possível para mostrar a tolerância em suas relações com os outros. Nos laços que nos unem além de nossas diferenças, recebam meus melhores pensamentos. ✔

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■ ROSACRUCIANISMO

Por CHRIS R. WARNKEN, FRC*

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O mundo necessitará sempre de amor, mais do que qualquer outra coisa!

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o momento, o mundo necessita de amor conforme diz o poema! O mundo tem sempre necessitado de amor. O mundo necessitará sempre de amor, mais do que qualquer outra coisa! O amor tem significação diferente para cada pessoa. Ele é expressado em um número incontável de maneiras. O fato mais lamentável, porém, é a frequência com que é ele realmente expressado. O moderno conceito adotado pela maioria das pessoas não está nem remotamente relacionado com o amor, e sim com a autogratificação e o instinto animal. O conceito de abnegação e sacrifício de amor, a ideia de dar sem a intenção de receber, está perdido ou, pelo menos, esquecido. Igualmente lamentável é o fato de que nos mostramos tão hesitantes em expressar o nosso amor, quando existe amor genuíno, como se ele fosse infantil ou absurdo. Podemos tratar aqueles a quem amamos, com ternura e atenção e, não obstante, raramente, se é que o fazemos, apenas associar o nosso amor com a nossa afeição. O amor profundo, permanente, deve mesmo encontrar dificuldade em evitar que expressemos o nosso amor por uma outra pessoa. Esta necessidade é igualmente importante ao expressarmos a nossa apreciação por aqueles que consideramos como nossos amigos mais íntimos. Esses amigos prefeririam muito mais que lhes falássemos de sua importância para nós, do valor inestimável de sua amizade, do que receber um presente! Um colaborador pode ser estimulado a prestar serviços ainda maiores se, de quando em vez, ouvir uma referência ao



seu bom trabalho e à sua ardente lealdade. Não basta amarmos e apreciarmos; necessário se faz que isto afirmemos. Nada há tão vazio de significado e tão ruinoso quanto a admissão insincera da fraternidade, da compreensão da tolerância e da amizade teórica. Estas virtudes e o amor não são absolutamente intelectuais, mas, totalmente emocionais. Assim, não podem ser reprimidos ou simulados. A menos que sejam sentidos verdadeiramente, de coração para coração, revelam-se nitidamente como escárnio, a despeito das palavras ou do decoro que possam apresentar a sensação de “verdadeira”. Não há cursos de instrução, em qualquer parte, para o amor e para a amizade, e realmente não há necessidade de que existam, porque fomos criados plena e abundantemente dotados para expressar apreciação e amor pelo nosso semelhante. O problema é que aprendemos, intelectualmente, como deixar de nos mostrarmos naturais ao nos tornarmos amigos e irmãos de todos. Esta forma de educação tem sido chamada de tudo: “orgulho nacional”, “etiqueta” e “superioridade social”. Se alguém quiser certificar-se de que a capacidade para amar e apreciar sinceramente é um dom natural, bastará colocar juntas criancinhas que andam de gatinhas ou crianças em idade pré-escolar. Terá, então, a mais maravilhosa das visões que a alma ávida de amor pode presenciar! Será que alguém reage melancolicamente, em qualquer ocasião, ou se ofende com um gesto de amizade? Um poeta desconhecido expressou este pensamento com as seguintes palavras:

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■ ROSACRUCIANISMO

Quando não temos um centavo sequer, e estamos dominados pelo pesar, Quando as nuvens estão densas e negras E não deixam a luz do sol passar, É uma coisa maravilhosa, ó meus irmãos, Alguém simplesmente colocar A mão em nosso ombro em gesto para confortar. Isto nos torna embaraçados. Isto faz as lágrimas começarem a rolar. Sentimos uma espécie de excitação Que no coração tem lugar, Não podemos levantar o olhar e fitar esse alguém Não sabemos o que falar Quando sentimos a mão em nosso ombro em gesto para confortar. Oh, este mundo é um complexo curioso, Com seus prazeres e amarguras, suas inquietações e pesadas cruzes, Mas, apesar de tudo, um mundo de doçuras, E um Deus bom deve tê-lo criado. Pelo menos isto é o que posso pensar Quando sinto a mão de alguém em meu ombro em gesto para confortar.

O ódio, tão generalizado no mundo de hoje, é também uma emoção e não um conceito intelectual. Tem sido afirmado que a linha divisória entre o amor e o ódio é tão insignificante que difícil se torna distinguir um do outro. Robert Graves afirmou: “O ódio revela medo; e o medo é desintegrador; isto corrói, ao mesmo tempo, a raiz e o fruto.” O ódio somente gera mais ódio e se propaga como fogo grego. Desde que ele está tão estreitamente associado com o amor, quem, melhor do que os alquimistas Rosacruzes podem indicar a maneira para transmutar em positiva uma emoção negativa? Não digamos que não podemos retribuir amor por ódio, até que tenhamos sinceramente tentado fazê-lo. E nenhum de nós tem ten-

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tado o suficiente para promover a transmutação dessa doença de nosso mundo. Ainda conservamos resquícios de nosso próprio ódio em nosso coração e teremos de removê-los antes de podermos auxiliar os outros. Uma outra expressão de amor pelo homem são a fé e a confiança. Nem sempre aceitamos o fato de que, com relação ao nosso semelhante, estamos apreciando um dos aspectos de Deus. Naturalmente, nosso amigo não possui a perfeição de Deus, mas ele também poderá dizer o mesmo a nosso respeito. Somente podemos exigir dos outros o mesmo que formos capazes de manifestar para com eles. Devemos começar por aceitar todas as abundantes virtudes de Deus que descobrirmos nos outros, e ignorar as suas deficiências, pois eles, como nós, ainda estão fazendo desabrochar a rosa em suas próprias cruzes. Em seu poema “Amizade”, Dinah Cra’k diz: Ó, o alívio, O inefável alívio de nos sentirmos seguros com alguém, Não tendo de pesar os pensamentos, Nem de medir as palavras apenas deixando-as fluir como realmente são, Joio e trigo juntos, Certos de que mão fiel Delas cuidará peneirando-as, guardando o que deve ser guardado E, com a fragrância da bondade, separando para longe o que restou.

O amor, por definição, é uma emoção muito complexa. O dicionário contém, pelo menos, treze sinônimos para esta palavra. Treze pessoas provavelmente descreveriam o significado do amor em treze maneiras diferentes. Esta palavra é livremente usada; erroneamente usada e corretamente usada em muitas poucas ocasiões. Por que todo o mistério? Devidamente compreendido, o amor é a mais admirável linguagem universal

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à disposição do homem. Os homens de todas as partes reagirão às inúmeras expressões do amor, se inspiradas e manifestadas pelo coração. Isto é importante, pois é impossível simular amor. Se desejarmos sentir amor, se desejarmos expressar amor por outros, dirijamos nossos pensamentos para os nossos semelhantes. Uma das primeiras recomendações em nossas monografias Rosacruzes é a eliminação do Ego. Muitos estudantes, nesse ponto, começam a eliminar o pronome pessoal “Eu” em seus contatos, e assim continuam fazendo durante vários meses. Isto serve bem como lembrete, porém, apenas a eliminação do pronome “Eu” não representa, necessariamente, a eliminação do ego. Se procurarmos sobressair em todos os nossos contatos; se agirmos egoisticamente; se tentarmos dominar nossa família e nossos amigos; se não nos preocuparmos com as dificuldades dos outros, então, teremos falhado em eliminar o ego. Inúmeras pessoas, entre as quais muitos Rosacruzes, descobriram um grande segredo do autodomínio. Quando ficamos tão preocupados em ajudar outros a desfrutarem de melhor saúde, felicidade e sucesso, que completamente nos esquecemos de nossas próprias deficiências e desejos, subitamente nos apercebemos de que, durante o tempo em que nos havíamos esquecido de nós mesmos havíamos concretizado os objetivos e sonhos que acalentávamos para nossa própria satisfação. Não podemos continuadamente avaliar o nosso próprio progresso pessoal, do mesmo modo que não podemos diariamente descobrir uma semente plantada, para ver se está germinando. Devemos plantar a semente e fazer tudo ao nosso alcance, sabendo que a colheita de sucesso se seguirá. Amor é a felicidade que advém de promovermos a felicidade de outros. Amor é a paz que se manifesta por ajudarmos outros a encontrar paz. Amor é a afeição que nos é dedicada por termos dedicado afeição ao nosso semelhante. Amor é a sensação cálida e maravilhosa que agita nossa alma quando vemos Deus em todos os seres humanos, em todos os animais e em toda expressão de vida que encontramos neste infinito universo. A semelhança dos raios do sol, nosso amor se irradia pela vastidão do espaço. Ninguém pode a ele resistir porque, como o sol, ele cai sobre todos de maneira igual. Sentir amor, é sentir Deus, pois Deus é amor. Receber amor e transmiti-lo aos outros, representa o destino e a plenitude da vida. Dia virá em que o amor será partilhado por todos, como acontece com o ar que respiramos. E nós, como Irmãos da Rosacruz, poderemos ser muito úteis para apressar a chegada desse dia. ✔ * Artigo publicado originalmente na revista “O Rosacruz”, edição nº 8, outubro de 1968.

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As Beatitudes Por H. SPENCER LEWIS, FRC ex-Imperator da AMORC

1. Filosofia: estado permanente de perfeita satisfação e plenitude somente alcançado pelo sábio [A felicidade beatífica foi buscada e refletida por uma longa tradição filosófica que remonta a Aristóteles (384-322 a.C.), e que terminou por condicionar o significado religioso da palavra.]. 2. Teologia: felicidade profunda de quem desfruta a presença de Deus, e que só poderá ser atingida em sua plenitude na vida eterna.

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místico é desafiado pelo pensamento expresso pelo escritor que afirmou: “Algo, em nós, acredita nas Beatitudes, muito embora, em questões de negócios, jamais devamos sonhar em colocá-las na prática.”

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Quase tudo mais, no mundo dos negócios, tem falhado, e tudo que resta é idealizar e introduzir as Beatitudes nas práticas mundanas. A dificuldade real tem sido o fato de que o homem tem hesitado em unir o ideal, o místico, o metafísico,

em seus assuntos práticos. O medo de algum resultado desconhecido ou a manifestação de algum princípio desconhecido, tem mantido o homem em escravidão. Isto se deve a que ele tem recebido, fundamentalmente, uma educação materialis-



O que o homem tem de aprender é que a matéria existe, porém, que a sua existência não é independente. relutantemente aceita pelo ser humano comum. O homem tem se inclinado para a crença de que todo esforço mental deverá provocar uma impressão exclusivamente na matéria e se a sua impressão não ocorrer sobre a matéria,

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ta, tornando-se um escravo inconsciente das concepções materialistas sobre a vida. Durante séculos, a mente do Homem foi educada na crença de que os efeitos inevitáveis por ele notados, são devidos a determinadas causas materiais. Tem sido levado a acreditar que a matéria, em sua forma grosseira, ou mesmo refinada, tem a capacidade de desenvolver suas próprias discordâncias, independentemente de qualquer pensamento ou ação por parte da mente. Chegou a acreditar que até mesmo a sua parte mental somente pode se manifestar através da matéria e que a matéria é o canal de expressão da mente. A ideia de que a mente pode se manifestar através da mente ou que pode afetar aquilo que não seja matéria, para produzir uma demonstração ou manifestação que não pertença, totalmente, ao reino material, tem sido



ela não terá causado nenhuma impressão. Encontramos esta concepção materialista expressada por emitentes fisiologistas como o Dr. William M. Sadler. Em uma de suas obras ele afirma: “A mente jamais deixa de se imprimir na matéria. A todo processo mental segue-se, infalivelmente, alguma reação física. Todo pensamento gerado na mente, todo processo de consciência é infalivelmente, transmutado em alguma espécie de movimento material.” Há alguns anos, Mary Baker Eddy, no prefácio de uma das primeiras edições de seu famoso livro, afirmou: “O que o mundo necessita, hoje, é uma nova ontologia.” Com isso, queria dizer que o mundo necessitava de uma nova Ciência do Ser. Os Rosacruzes sempre foram defensores dessa nova ontologia e seus ensinamentos e hoje em dia, apresentam-na de maneira prática.

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Não pode haver limitações – somente o ilimitado eterno. Não pode haver paralização do progresso, impedimento da marcha progressista da civilização, limitação de tempo ou fim do espaço. Para a concepção espiritual, a vida é contínua, eterna e bela.



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O que o homem tem de aprender é que a matéria existe, porém, que a sua existência não é independente. No desejo de colocá-la em sua devida categoria, algumas das escolas metafísicas afirmam que a matéria não tem existência real. O resultado é que o estudante que não é analítico em sua maneira de pensar, acredita que a afirmativa significa que a matéria não existe, absolutamente. Os Rosacruzes, compreendendo que semelhante afirmativa não é clara e explicativa, afirmam que a matéria não tem existência independente, que sua existência depende da realização que dela temos. Mesmo que supuséssemos que a matéria é uma substância real, com corpo, peso, dureza e outras qualidades objetivas, deveríamos admitir que ela não poderia existir, para nós, ou ter qualquer manifestação com relação à nossa consciência, sem a mente. Além disso, as qualidades da matéria que a nossa mente parece aceitar, tais como peso, volume, dureza, maciez, opacidade e assim por diante, não são realmente qualidades. Verificamos, à medida que desenvolvemos a nossa compreensão mística das leis mais sublimes da Natureza, que a matéria não é opaca, dura, mole, pesada,

e que não é muitas coisas que a ela temos atribuído. A descoberta gradativa destes erros em nossa compreensão, revela-nos que as qualidades físicas da matéria têm sido aceitas pela nossa mente materialista, enquanto que a mente divina ou espiritual, em nós, não tem, absolutamente, compreensão dessas qualidades materiais.

A mais sublime revelação Isto leva-nos ao que é considerado como a mais sublime revelação que o místico pode alcançar, isto é, a de que somente na mente mortal ou na mente material, a de nossa consciência objetiva, a matéria existe com todas as qualidades limitadas e limitativas. É, então, feita a importante descoberta de que a matéria existe apenas num sentido material, como

conceito mental por parte da mente material. Nessa mesma mente, existe o corpo humano e todas as demais manifestações materiais deste plano terrenal. As limitações do mundo material deixam de existir, no que diz respeito à consciência da mente espiritual no homem. E assim, o místico chega a compreender que está vivendo em um mundo em que duas classes de seres humanos procuram ser felizes, saudáveis, afortunadas e prósperas. Uma delas compõe-se daqueles que têm, altamente desenvolvida, a mente mortal, com uma penetrante consciência objetiva e mortal e consequente conceito materialista de tudo que existe. A outra consiste daqueles que desenvolveram a mente espiritual ao seu grau normal de compreensão e discernimento, libertos do domínio escravizante da mente materialista. Eles concebem a matéria com a mente materialista, porém, ao mesmo tempo, têm uma concepção espiritual dessas coisas, como conceito associado. Essas pessoas são mestres do visível e invisível, do material e do espiritual, do superior e do interior e das formas inferiores da existência universal. O homem pode se tornar senhor, não só do seu próprio ambiente e de

sua atual e futura posição na vida, mas, também, dos processos criativos de Deus, que operam através do Ser espiritual, que é a sua única parte verdadeira. Assim como a matéria, em sua forma grosseira, material, não tem outra existência a não ser num conceito materialista da mente mortal do homem, assim, também, muitos dos seus problemas e a maioria dos obstáculos que impedem seu progresso e descortino, são coisas que nenhuma outra existência têm a não ser no conceito da mente mortal. Para a mente espiritual, não há corpo de carne; portanto, não há doença, não há morte. Para a concepção espiritual, não pode haver tristeza - somente alegria e paz. Não pode haver limitações - somente o ilimitado eterno. Não pode haver paralização do progresso, impedimento da marcha progressista da civilização, limitação de tempo ou fim do espaço. Para a concepção espiritual, a vida é contínua, eterna e bela. Com essas concepções, o homem pode incorporar as Beatitudes nas questões práticas da existência e encontrar, para elas, um lugar, podendo, mesmo, por seu intermédio, ser inspirado e levado à concretização dos seus anseios. ✔

VERÃO 2020 · O ROSACRUZ

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do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon Máscara funerária do Faraó Tutankhamon Período: Reino Novo, XVIII Dinastia – 1330 a.C. Proveniência: Tumba de Tutankhamon – Vale dos Reis – KV62 - Egito

Q

© AMORC

uando Howard Carter abriu o terceiro ataúde que cobria a múmia do faraó Tutankhamon deparou-se com a máscara funerária do rei confeccionada em ouro e com incrustações de lápis-lazúli, cornalina, quartzo, turquesa, obsidiana e pasta de vidro. O rei é representado usando a famosa coroa Nemes com as duas deusas protetoras do Alto e Baixo Egito: a deusa abutre Nekhebet e a deusa serpente Wadjet. A barba cerimonial trançada era atributo da realeza. O pescoço está coberto com um colar de voltas concêntricas, com falcões nas extremidades. Na parte de trás, há uma inscrição mágica para proteger a máscara, e evoca diversas partes físicas de diferentes deuses: “tua testa é Anúbis; teu olho direito é o barco da noite (do deus sol Rá); teu olho esquerdo é barco do dia; tua sobrancelhas são a companhia de nove deuses...” Quem visita o “Museu Tutankhamon: o rei menino de ouro” conhece este e outros objetos encontrados na tumba do famoso rei.

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O ROSACRUZ · VERÃO 2020

Tradicional Ordem M artinista A Montanha e seu Simbolismo na Realização Espiritual Por mais longe que se remonte no tempo, as montanhas sempre exerceram uma determinada fascinação em todos os povos, a ponto de ocuparem um lugar importante em muitas mitologias, e mais particularmente na mitologia grega. Disso resulta que quase todos os países, todos os povos e a maioria das cidades têm suas montanhas sagradas. Numa época em que a montanha está no centro de muitas disputas financeiras enquanto lugar de repouso para veranistas, turistas, peregrinos ou de superação de recordes para atletas, a montanha portadora de segredos, local de recolhimento, de maravilhamento, de comunhão espiritual ou de revelação arrisca perder seu mistério. Para os místicos ela está escrita em “letras de nobreza”. O sentido simbólico justifica sua onipresença nas escrituras sagradas das diversas religiões e na busca da realização espiritual proposta pelas sendas místicas tradicionais. A realização se define como a ação de conquistar, realizar ou levar a cabo um projeto ou ação. Para os estudiosos é necessário refletir sobre a correspondência entre a montanha exterior ou a montanha interior, a verticalidade da montanha e sua relação com a horizontalidade e o simbolismo da montanha nas religiões monoteístas (o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo) e na consecução das bodas espirituais da alma. Como o planeta Terra de onde ela emerge, a montanha é considerada pelos espiritualistas como um ser vivo que faz parte do conjunto coerente da natureza e que participa do grande canto de louvores do criado ao Criador. Mais do que uma massa rochosa inerte, ela é uma realidade sensível que possui consciência de sua própria realidade e da onipotência de seu Criador. O homem devoto demonstra mais interesse pela ascensão espiritual do que pela proeza da escalada, pois a montanha representa para ele um símbolo divino. Toda tentativa de ascensão da montanha exige que se deixe a planície após lá haver estado por um tempo mais ou menos longo, em termos de anos ou encarnações. A planície simboliza aqui o plano físico, o sensível, a consciência comum. Ela simboliza também o mundo dos homens, o plano material ou a natureza que se serve deste âmbito para a nossa tomada de consciência progressiva dos planos superiores da Consciência Cósmica. Baseados no testemunho de nossos ilustres antepassados na senda da Iniciação, aprendemos que na planície e no vale os homens mais ou menos se assemelham. Durante a subida, porém, é normal nos exprimirmos de múltiplos modos e que tomemos vias diferentes, de acordo com a nossa sensibilidade. À medida que se vai subindo, as experiências vividas e a evolução operam distinções. A superação traz consigo a revelação segundo a qual todas as verdadeiras tradições místicas culminam num conhecimento idêntico. Chegando ao cume da montanha, a visão do iniciado está unificada – a montanha de fora e a de dentro, assim como os caminhos tomados se apagam. Contudo, o processo de ascensão da montanha não coloca aquele que a empreende a salvo das vicissitudes da vida, pois muitos perigos se elevam diante dele: deslizamentos, avalanches, fadiga, adormecimento, desencorajamento, angústia, tentativas de abandono etc. Diferentemente da caverna, matriz obscura no seio da qual se dá a morte da vida terrestre, prelúdio do renascimento espiritual e da Iniciação, a montanha marca o começo da ascensão concreta do místico, sua inclinação simbolizando o movimento ascensional do retorno da alma à sua pátria original. Há um estreito laço entre a obscuridade da caverna que, cavada na montanha, simboliza o mundo terrestre, e a montanha que consagra um retorno à luz e conduz à Verdade Divina. Podemos avançar muito mais com todo o simbolismo da montanha em nossas reflexões e no quanto ela está presente sempre com todos os povos e culturas ao longo da história. Seu simbolismo é muito rico e múltiplo: tange ao mesmo tempo a altura e centro. Enquanto altura ou verticalidade, ela participa do simbolismo da transcendência, ao passo que, enquanto centro de muitas teofanias, ela participa do simbolismo da manifestação. Ela é, portanto, a reunião do céu com a terra, representação da ascensão espiritual. Texto inspirado em “O Pantáculo” nº 23, 2015 – “A Montanha e seu Simbolismo na Realização Espiritual”.

S.I.

* LEIA NOTA IMPORTANTE DO GRANDE MESTRE NO EDITORIAL DESTA EDIÇÃO!
O ROSACRUZ 1º TRIMESTRE 2020

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