02 - Protect the Prince

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Everleigh Blair pode ser a nova rainha gladiadora de Bellona, mas seus problemas estão longe de terminar. Primeiro, Evie tem que lidar com uma corte cheia de nobres arrogantes e exigentes, que querem colocar as mãos gananciosas em sua coroa. Como se isso não bastasse, um assassino tenta matar Evie em sua própria sala do trono. Apesar dos perigos, Evie segue em uma viagem programada ao reino vizinho de Andvari, a fim de garantir uma aliança desesperadamente necessária. Mas complicando as coisas está o teimoso rei andvariano, que quer punir Evie pela morte de seus compatriotas durante o massacre em Seven Spire. Mas as forças das trevas estão trabalhando dentro do palácio andvariano, e Evie logo percebe que ninguém está seguro. Pior ainda, a imunidade de Evie à magia começa a agir de maneiras estranhas e inesperadas, o que a faz pensar se ela é realmente forte o suficiente para ser uma rainha Winter. Mas a magia, a vida e a coroa de Evie não são as únicas coisas em perigo – assim como seu coração, graças a Lucas Sullivan, o filho bastardo do rei andvariano, e Evie... bem, Evie não tem certeza do que Sullivan é para ela. Só uma coisa é certa: proteger um príncipe pode ser ainda mais difícil do que matar uma rainha...

Lindos príncipes, Tudo em uma fileira. Com quem eles se casarão? Onde eles vão? Essa garota, aquela garota, Empregada, senhora, rainha. Quem enlaça o coração dos príncipes Continua a ser visto. - Canção da Corte Andvarian

Parte um A Primeira Tentativa de Assassinato

Parte 01 A PRIMEIRA TENTATIVA DE ASSASSINATO

Capítulo 01 O dia da primeira tentativa de assassinato começou como qualquer outro. Comigo me preparando para a batalha. Eu me sentei rigidamente em uma cadeira em frente a uma penteadeira que ocupava o canto do meu quarto. A mesa longa e retangular era feita de ébano mais escuro e adornada com todos os tipos de gavetas e cubículos, junto com maçanetas de cristal que brilhavam para mim como olhos zombeteiros. O sol da manhã passava pelas cortinas de renda branca e destacava a mesa, que mostrava esculturas de gladiadores segurando espadas, punhais e escudos. Eu olhei para as figuras gravadas em pedaços de metal junto com pequenas joias. Elas também pareciam olhar e zombar de mim, como se soubessem que eu não deveria estar aqui. Inclinei-me e passei os dedos sobre as esculturas, estremecendo quando as pontas de metal das armas e as facetas afiadas dos olhos de joias cavaram na minha pele. Gostaria de saber quantas outras mulheres se sentaram aqui e fizeram a mesma coisa. Dezenas, se não mais. Também me perguntei se todas se sentiram tão desconfortáveis quanto eu. Provavelmente não. Afinal, esta mesa e os outros móveis finos eram seus por direitos de nascença, passados de mãe para filha através de gerações. As mulheres que vieram antes não tropeçaram nessa posição por acidente como eu.

Alguém pigarreou e retomei minha posição anterior. Dedos flutuavam ao meu redor, ajustando minhas mangas, alisando meus cabelos e até colocando bálsamo de baga em meus lábios. Um minuto depois, os dedos recuaram e levantei meu olhar para o espelho abobadado que se erguia da mesa como arenas de gladiadores da paisagem da cidade de Svalin. Mais figuras foram esculpidas na larga faixa de madeira que envolvia o espelho. Gárgulas com olhos de safira e chifres curvos e prateados, apontados para as faixas, pássaros semelhantes a falcões com penas que brilhava com um brilho metálico de ametista. As criaturas pareciam estar prestes a saltar da madeira, levantar voo e rasgar uma na outra, assim como os gladiadores na mesa. Um único caladrius branco-pérola com olhos de tearstone azul escuro adornava o topo do espelho, como se o pequeno pássaro coruja estivesse olhando todas as outras criaturas abaixo, inclusive eu. Alguém pigarreou novamente. Suspirei e finalmente foquei no meu reflexo. Cabelo preto, olhos azul-acinzentados, rosto pálido e tenso. Eu parecia a mesma de sempre, exceto por uma coisa notável. A coroa na minha cabeça. Meu olhar se fixou na fina faixa prateada que era surpreendentemente clara, exceto pelas pequenas lascas de pedra azul da meia-noite que se projetavam do centro. Os sete estilhaços de pedras juntos para formar uma coroa, como se o próprio aro de prata não fosse suficiente para indicar quem e o que eu era agora. Mas não era a única coroa de cacos que eu estava usando. Estendi a mão esquerda e toquei a pulseira que circundava meu pulso direito. Foi feito de fios de prata torcidos juntos para se parecer com espinhos afiados, todos embrulhados ao redor e protegendo a coroa no meio do design. A coroa embutida na pulseira era também feita de sete lascas de tearstone, mas continha uma coisa que a coroa real na minha cabeça não tinha. Magia. Como outras joias, o tearstone podia absorver, armazenar e refletir a magia, mas também possuía a propriedade única de oferecer proteção contra a magia – desviá-la como o escudo de um gladiador parava uma espada em

uma luta de arena. Cada fragmento azul-escuro da minha pulseira continha um poder frio e forte que era semelhante à minha própria imunidade mágica. O toque frio da joia me confortou, assim como a magia fluindo através dela. Eu precisava de toda a ajuda que pudesse obter hoje. Alguém limpou a garganta pela terceira vez e afastei minha mão da minha pulseira, focando no meu reflexo novamente. Inclinei minha cabeça lentamente para o lado e a coroa de prata balançou perigosamente para a direita. Endireitei-me e inclinei a cabeça para o outro lado, e ela oscilou nessa direção. — Eu ainda sinto que essa coisa estúpida vai cair — murmurei. — Não vai cair, minha rainha — murmurou uma voz baixa e suave. — Colocamos muitos grampos no seu cabelo para garantir que isso não aconteça. Uma mulher avançou e ficou ao meu lado. Ela era mais baixa e o topo da sua cabeça não era muito mais alto que o meu, mesmo eu estando sentada. Ela tinha mais ou menos a minha idade – vinte e sete anos mais ou mais – e era muito adorável, com olhos azuis, pele rosada e cabelo loiro escuro, o qual estava preso em uma bonita trança rabo de peixe que passava por cima do seu ombro. Ela tinha um corpo robusto e forte, mas seus dedos eram longos, magros e sardentos, com pequenas cicatrizes brancas de todos os alfinetes e agulhas que acidentalmente furaram sua pele ao longo dos anos. Lady Calandre era a mestre de linhas pessoal da Rainha Cordélia nos últimos meses de vida da rainha. E agora, ela era minha. Assim como suas duas irmãs adolescentes, Camille e Cerana, que pairavam atrás dela. — Você está satisfeita com sua aparência, minha rainha? — perguntou Calandre. Estudei minha túnica azul no espelho. Uma coroa de cacos foi costurada em fio de prata sobre o meu coração, enquanto ainda mais fios de prata rolavam pelo meu decote e escorregavam pelas mangas, como se eu tivesse me envolvido em espinhos. Leggings e botas pretas padrão completavam minha roupa. — Claro. Seu trabalho é requintado, como sempre.

Calandre assentiu, e orgulho brilhou em seus olhos com o elogio. Ela ajustou as longas mangas em forma de sino de seu vestido azul, mesmo que já estivessem perfeitamente no lugar. Elas também eram enfeitadas com fios de prata, de acordo com as cores do ramo Winter da família real Blair. Minhas cores agora. — Ainda desejo que você me deixe fazer algo maior — murmurou Calandre. — Eu poderia ter feito isso facilmente com a minha magia. Ela era uma mestra, o que significava que sua mágica a deixava trabalhar com um objeto ou elemento específico para criar coisas incríveis. No caso de Calandre, ela tinha controle total sobre fios, tecidos e similares. Meu nariz se contraiu. Eu podia sentir o cheiro do poder dela na minha túnica, um leve odor de vinagre que era igual aos corantes que ela usava para dar às roupas suas cores gloriosas. Calandre tentou fazer com que eu vestisse um vestido de baile para a sessão formal de hoje, já que todos os nobres presentes estariam enfeitados com suas próprias roupas, mas recusei. Eu não era a rainha que todos esperavam, e certamente não era a que eles queriam, então me envolver em camadas de seda e cascatas de joias parecia bobo e sem sentido. Além disso, você não poderia lutar muito bem em um vestido de baile. Embora, considerando, realmente não importasse o que eu usava, já que todos os dias em Seven Spire era uma batalha. — Esqueça as roupas — entrou outra voz na conversa. — Eu ainda não consigo acreditar que as pessoas lhe enviaram todas essas coisas. Olhei para uma mulher alta, com cabelos loiros trançados e uma linda pele bronzeada que estava descansando em um sofá de veludo azul. Ela usava uma túnica verde-floresta que destacava seus olhos dourados, juntamente com as habituais perneiras e botas pretas. Uma grande maça de prata estava ao lado dela no sofá com os espinhos esfaqueando lentamente as almofadas grossas até a morte. Paloma acenou com a mão para mesa baixa à sua frente. — Vamos lá. De quanta coisa uma rainha precisa? Cada centímetro da mesa estava coberto de cestas, tigelas e travessas cheias de tudo, de produtos frescos a queijos fedorentos e garrafas de

champanhe. Outras mesas por toda a sala ostentavam itens semelhantes, assim como a escrivaninha, a mesa de cabeceira ao lado da cama de dossel e a parte superior do armário. Sem mencionar as capas, luvas e outras roupas empilhadas nos cantos ou nas pinturas, estátuas e outras bugigangas apoiadas nas paredes. Recebi tantos presentes de boas-vindas que recorri a empoleirá-los no parapeito da janela, apenas para poder andar pelos meus aposentos. Paloma pegou um cartão branco de uma cesta na mesa. — Quem é Lady Diante, e por que ela lhe enviou uma cesta de peras? — Diante é um nobre extremamente rico que possui pomares de frutas em um dos distritos do sul — disse eu. — E é uma tradição Belloniana enviar um presente à nova rainha, desejando-lhe um longo e próspero reinado. Paloma bufou. — Tradição engraçada, enviar um presente para alguém contra quem você está tramando. Os lábios de Calandre franziram e suas duas irmãs ofegaram. Calandre era uma cortesã de Bellonan, tradicional e educada até o final. Ela não gostava muito da franqueza de Paloma, mas não disse nada. Ela pode ser uma mestra, mas Paloma era uma morph muito mais forte. Calandre olhou para a marca de transformação no pescoço de Paloma. Todos os morphs tinham algum tipo de tatuagem em seus corpos que indicavam em qual criatura eles poderiam se transformar. A marca de Paloma era um rosto de ogro assustador com olhos cor de âmbar, uma mecha de cabelos loiros, muitos dentes afiados. O ogro deve ter sentido o olhar de desaprovação de Calandre, porque seus olhos claros e se deslocaram na direção dela. O ogro olhou para ela por um momento, depois abriu a boca em uma risada silenciosa. Os lábios de Calandre franziram novamente, e ela soltou um suspiro indignado, o que fez o ogro rir ainda mais. — Bem, então, talvez você deva provar as peras — disse eu. — Só para ter certeza de que Lady Diante não está tentando me envenenar. — Essa é uma excelente ideia — falou Paloma. — Especialmente porque eu sei que seu nariz de simplória nunca seria capaz de detectar veneno nessas frutas.

Calandre estremeceu e suas duas irmãs ofegaram novamente por Paloma, tão casualmente, me chamar de simplória. O termo comum, embora de certa forma condescendente, referido àqueles com poderes relativamente simples, como força ou velocidade aprimoradas, assim como pessoas como eu, que pareciam ter pouca magia. Mas eu não me importava. Fui chamada de coisas muito piores. Além disso, Paloma era minha melhor amiga, e eu achava a honestidade dela refrescante, especialmente depois de tantos anos de pessoas sorrindo para o meu rosto, então destilando veneno nas minhas costas. Paloma pegou uma pêra da cesta e afundou os dentes nela. Ela sorriu, assim como o ogro no pescoço dela. — Veja? Nenhum veneno. Revirei os olhos, mas não pude deixar de sorrir para ela. — Bem, coma rápido. Porque agora que estou devidamente vestida, é hora de nossa primeira batalha do dia. *** Agradeci a Calandre e suas irmãs por seus serviços. A mestra de linha fez uma reverência para mim, deu a Paloma outro olhar desaprovador e saiu. Enquanto Paloma comia outra pêra, prendi um cinto de couro preto em volta da minha cintura, depois uma espada e uma adaga nele. Uma rainha não deveria ter que carregar armas, pelo menos não dentro de seu próprio palácio, mas, novamente, eu não era uma rainha comum. E estas estavam longe de serem armas comuns. A espada e a adaga brilhavam em prata opaca, e os dois punhos exibiam sete joias azul meia-noite que formavam minha crista da coroa de estilhaços. Mas o que tornava as armas verdadeiramente especiais era o fato de serem feitas inteiramente de tearstone. A espada e a adaga eram muito mais leves que as lâminas normais, e elas também absorviam e desviavam a magia, assim como fariam os fragmentos de tearstone azul em seus punhos e na minha pulseira. Um escudo de tearstone correspondente estava apoiado ao lado da minha cama, mas decidi não amarrá-lo ao meu antebraço. Carregar uma

espada e uma adaga era digno de nota, mas levar o escudo também faria eu parecer fraca, algo que eu não poderia se dar ao luxo. Passei meus dedos sobre o símbolo no punho da espada. Apesar do tom azul escuro, as lascas de tearstone brilhavam intensamente. Nos últimos meses, a coroa de cacos se tornou meu símbolo pessoal. No começo, porque ele continuava aparecendo em objetos que outras pessoas me deram, como minha pulseira e armas. Mas agora, todos associavam o símbolo comigo, gostando ou não. Parte de mim odiava a coroa de cacos e tudo o que ela representava. O símbolo era mais um lembrete de que eu era um pretendente que alcançara o trono apenas através de uma série de imprevistos e eventos extraordinários. Mais frequentemente, a coroa de cacos me lembrava todas as espadas – todos os inimigos – que queriam me derrubar. E talvez o pior de tudo, o símbolo era tradicionalmente associado apenas às rainhas Winnter mais fortes, algo que era particularmente preocupante, porque eu ainda não fazia ideia do que ser uma rainha Winter realmente significava, especialmente quando se tratava da minha magia. Mas de uma maneira estranha, o símbolo também me confortava. Outras Blairs, outras rainhas Winter, sobreviveram à vida em Seven Spire. Talvez eu também pudesse. Hora de descobrir. Paloma terminou sua segunda pêra. Então ela se levantou, pegou sua maça com espinhos e a içou em seu ombro. A arma a fez parecer ainda mais intimidadora. — Você está pronta para isso? Soltei um suspiro. — Suponho que tenho que estar. Ela encolheu os ombros. — Não é tão tarde. Ainda podemos sair daqui, fugir e nos juntar a uma trupe de gladiadores. Eu bufei. — Por favor. Eu não atravessaria o rio antes de Serilda e Auster me caçarem e me arrastar de volta. Paloma sorriu, assim como o ogro no pescoço. — Bem, então você deve dar Serilda, Auster e a todos os outros o que estão esperando.

Eu bufei novamente. — A única coisa que eles estão esperando é ver quem dá o primeiro passo contra mim. Mas você está certa. Eu poderia muito bem continuar com isso. Toquei minha espada e punhal novamente, deixando a sensação das armas me firmar, depois caminhei para as portas duplas. Assim como na penteadeira, gladiadores e outras figuras foram esculpidos na madeira. Olhei para eles por um momento, depois soltei um suspiro longo e tenso, coloquei meu rosto em uma máscara agradável e vazia, e abri as portas. Assim que entrei no corredor, os dois guardas postados nas portas chamaram a atenção. Ambos usavam o uniforme padrão de um peitoral de prata comum sobre túnica azul escura de mangas curtas, e cada um tinha uma espada afivelada ao cinto. Sorri para eles. — Alonzo, Bowen, vocês estão bem esta manhã. Os guardas baixaram a cabeça, mas essa foi a única resposta deles. Vários meses atrás, quando eu era apenas Lady Everleigh, os guardas teriam conversado, rido e brincado comigo. Agora eles olhavam para mim com cautela nos olhos deles, imaginando se eu faria ou diria algo para machucá-los. Tentei não fazer uma careta diante do silêncio vigilante e desconfiado e segui pelo corredor. Paloma começou a caminhar ao meu lado, com a maça ainda apoiada em seu ombro. Além de ser minha melhor amiga, Paloma também era minha guarda pessoal, e a ex-gladiadora se orgulhava de ameaçar casualmente qualquer um que se aproximasse de mim. Os aposentos da rainha ficavam no terceiro andar, e rapidamente descemos as escadas para o primeiro nível. O palácio Seven Spire era o coração de Svalin, capital de Bellona, e praticamente todos os amplos corredores e áreas comuns eram uma homenagem à história e a tradição dos gladiadores do reino, desde as tapeçarias que cobriam as paredes de granito cinza escuro até as estátuas posicionadas em vários cantos, às vitrines cheias de espadas, lanças, punhais e escudos que rainhas e gladiadores famosos usaram há muito tempo. Mas os sinais mais óbvios do passado de Bellona eram as colunas que adornavam praticamente todos os cômodos e corredores. O Seven Spire já foi uma mina, e as colunas eram os suportes dos antigos túneis onde meus

ancestrais Blair escavaram fluorestone e mais para fora da montanha. Ao longo dos anos, as colunas foram transformadas em obras de arte, e elas também estavam cobertas de gladiadores, armas, gárgulas, strixes e caladrius, assim como os móveis nos aposentos da rainha. Mas o que tornava as colunas realmente impressionantes era o fato de serem todas feitas de tearstone, o que poderia mudar de cor, passando de cinza brilhante e estrelado para azul escuro de meia-noite e vice-versa, dependendo da luz do sol e outros fatores. Os tons inconstantes da tearstone levaram os gladiadores e criaturas à vida, fazendo parecer que eles estavam circulando em torno das colunas e constantemente lutando um contra o outro. Afastei meu olhar das colunas e foquei nas pessoas daqui. Afinal, elas eram as únicas que realmente poderiam me machucar. Mesmo que fosse cedo em uma segunda-feira de manhã, as pessoas enchiam os corredores. Servos carregando bandejas de comida e bebida. Comissários do palácio indo para seus postos para supervisionar seus trabalhadores. Guardas certificando-se de que tudo procedesse de maneira ordenada. Todo mundo cuidava de seus negócios como sempre – até me ver. Então os olhos se arregalavam, as bocas se abriam e as cabeças balançaram.

Algumas

pessoas

até

faziam

reverências

e

arqueavam

formalmente e baixo, só se levantando depois que eu passava por eles. Eu cerrei os dentes e devolvi os agradecimentos com sorrisos educados e acenos de cabeça, mas o arquear e as reverências não eram nada comparado aos sussurros. — Por que ela não está usando um vestido? — Ela não sabe o quão importante hoje é? — Ela não vai durar mais um mês. Os sussurros começavam no segundo que eu passava, e os comentários baixos me perseguiam de um corredor para o próximo, como uma onda que estava subindo e prestes a desabar sobre mim. Se apenas. Afogarse seria uma morte muito mais misericordiosa do que eu conseguirei aqui. Pelos rumores que ouvi os criados e guardas começaram uma disputa, apostando quanto tempo meu tênue reinado duraria. Eu estava me

perguntando isso. Sou rainha há apenas três meses, e eu já estava completamente cansada das políticas, lutas internas e punhaladas que eram o equivalente do palácio às lutas de gladiadores que eram tão populares em Bellona. Mesmo Paloma com sua maça espetada e o rosto gritante de ogro no pescoço não conseguia acalmar a conversa. Cerrei os dentes novamente e me apressei, tentando ignorar os sussurros. Mais fácil falar do que fazer. Paloma e eu dobramos uma esquina e entramos em um longo corredor, que estava vazio, exceto pelos guardas habituais posicionados nos cantos. Eu me concentrei nas portas duplas que se estendiam do chão até o teto no outro extremo. As portas estavam abertas, e eu podia ver pessoas movendo-se na área além. A sala do trono. Embora eu tenha estado aqui inúmeras vezes, meu estômago caiu e meu coração apertou, mas continuei caminhando, um passo lento de cada vez. Não havia como voltar, e havia como fugir. Não disso. Um homem magro e musculoso de quarenta e poucos anos, vestindo uma jaqueta vermelha sobre uma camisa branca com babados, estava perto das janelas em um lado das portas. O sol que fluía para dentro fazia seus cabelos e olhos negros parecerem tão brilhantes quanto a tatuagem em sua pele dourada, e também destacava a marca de transformação no seu pescoço – um rosto de dragão feito de escamas vermelho-rubi. O homem estava dando toda a sua atenção a um prato de prata cheio de bolos de frutas empoleirados no peitoril da janela. Ele estudou os bolos cuidadosamente, como se estivesse tomando uma decisão importantíssima, em seguida, selecionou um de framboesa, colocou-o na boca, e suspirou de felicidade. Ele deve ter visto Paloma e eu pelo canto do olho, porque olhou em nossa direção. Ele rapidamente colocou outro bolo na boca enquanto caminhávamos até ele. — Ah, aí está, Evie — disse ele. — Eu estava apenas provando algumas guloseimas antes do evento principal.

Além de ser um ex-guarda da rainha e mestre de cerimênias, Cho Yamato também tinha um dente doce, assim como seu dragão interior, já que seus olhos negros ainda estavam concentrados na bandeja de bolos. — Fico feliz em ver que Theroux está se sentindo em casa como o novo administrador da cozinha — disse eu demoradamente. — E fazendo o possível para lhe dar sobremesas. Ou você roubou aqueles de algum pobre e inocente servo? Cho sorriu com a minha provocação. — Eu os roubei, é claro. As sobremesas de Theroux não são tão boas quanto as suas, mas algumas guloseimas são melhores do que nenhuma guloseima, certo? — Ele não esperou uma resposta antes de comer um bolo de kiwi. Brincar com Cho afrouxou um pouco da tensão no meu peito. Posso não gostar de ser rainha, mas pelo menos eu tinha amigos como ele e Paloma para me ajudar com a tarefa perigosa. Ele terminou o bolo, depois me olhou. — Você está pronta para isso? — perguntou ele com uma voz mais séria. — Tão pronta quanto eu já estarei. Ele me deu um olhar simpático, assim como o dragão em seu pescoço. — Bem, então, vamos começar o show. Cho espanou as migalhas dos dedos e alisou a jaqueta vermelha. Então caminhou até o espaço aberto entre as portas. — Anunciando Sua Majestade Real, a Rainha Everleigh Saffira Winter Blair! — Cho usou sua voz de mestre do ringue com efeito total, e as palavras ressoaram como um trovão, abafando as conversas na sala do trono. Ele se moveu para o lado, e todo mundo ficou em silêncio e olhou para mim. Cerrei os dentes mais uma vez, fixei um sorriso no meu rosto e entrei. A sala do trono era a maior de Seven Spire. O primeiro andar era um espaço vazio e cavernoso, exceto pelas enormes colunas de pedra que se estendiam para sustentar o teto alto. Colunas mais curtas e finas também se erguiam para apoiar a varanda do segundo andar, que envolvia três lados da sala. Mais gladiadores, armas e criaturas foram esculpidos nas colunas, e o teto era uma cena de batalha enorme feita de pedras brilhantes, metal e joias.

No centro do teto, Bryn Bellona Winter Blair, minha ancestral, estava prestes a derrubar sua espada sobre o rei Mortan, a quem ela derrotou em combate há muito tempo para criar seu reino. Meu reino agora. Por mais que eu gostasse de olhar para o teto e fingir que tudo o mais não existia, eu baixei o olhar e foquei no que estava na minha frente. Um amplo tapete azul com arabescos prateados percorrendo as bordas levava das portas até o fim do outro lado da sala antes de parar na parte inferior do estrado de pedra elevado no outro extremo. Lordes de Bellonan, damas, senadores, banqueiros e outros cidadãos ricos e influentes alinhavamse nos dois lados do tapete. Uma manopla brutal, se é que alguma vez existiu. Endireitei meus ombros, levantei meu queixo e caminhei, como se esse fosse meu direito de nascença o tempo todo, e não algo em que tropecei depois que o resto da família real Blair foi assassinada. As pessoas se aproximaram dos dois lados do tapete, acenando com a cabeça, sorrindo e falando cumprimentos vazios. Eu retornei as palavras e gestos em espécie, não deixando minha preocupação ou apreensão aparecer. Talvez eu não saiba como ser rainha, mas eu me destacava em manter meus verdadeiros sentimentos presos dentro onde ninguém podia vê-los. Às vezes, eu pensava que era metade da batalha. Ao redor da fila de simpatizantes, Paloma caminhava, acompanhando meu ritmo. Seu olhar suspeito examinou todo mundo, e ela ainda estava com a maça no ombro. Ela estava levando suas funções como minha guarda pessoal a sério, mesmo que eu tenha lhe dito repetidamente que não corria nenhum risco físico dos nobres. Eles ficariam felizes em me eviscerar com suas palavras cruéis e esquemas astutos. Finalmente, cheguei aos degraus que levavam ao estrado. Três pessoas estavam de pé ao lado. Uma era uma mulher de quarenta e poucos anos e obviamente uma guerreira, dada a espada e a adaga no coldre do cinto de couro preto. Seu cabelo loiro curto estava penteado para trás, revelando a cicatriz em forma de

raio de sol no canto de um de seus olhos azuis escuros. Ela usava uma túnica branca que apresentava um cisne nadando em um lago, cercado por flores e trepadeiras, tudo feito em fio preto. Serilda Swanson, líder da tropa de gladiadores do Cisne Negro e uma das minhas conselheiras seniores, executou a perfeita reverência de Bellonan. Cerrei os dentes um pouco mais para esconder outra careta. Eu nunca me acostumaria com pessoas fazendo reverência para mim, especialmente não alguém tão forte, letal e lendário como Serilda. A segunda pessoa também era mulher, embora fosse mais velha, em algum lugar dos sessenta, com cabelos ruivos curto, olhos cor de âmbar dourados e pele bronzeada. Ela estava vestida com uma túnica verde-floresta e apoiando-se em uma bengala com uma cabeça de ogro em prata. A figura combinava com a marca de transformação em seu pescoço. Lady Xenia, uma nobre da Ungerian, inclinou a cabeça para mim. A terceira pessoa era um homem de cinquenta e poucos anos, de aparência severa, com cabelos grisalhos curtos, pele bronzeada escura, olhos castanhos e um nariz torto e irregular que obviamente fora quebrado muitas e muitas vezes. Como os outros guardas, ele usava uma túnica azul de manga curta, mas meu olhar se fixou no seu peitoral prateado, que apresentava uma textura emplumada e minha coroa de estilhaços estampada em seu coração. Mesmo que ele estivesse usando o peitoral por semanas, eu nunca me acostumava a vê-lo usando meu brasão em vez do sol nascente da rainha Cordélia. Auster, o capitão da guarda do palácio. Meu capitão agora. Os dedos do capitão Auster se flexionaram sobre a espada presa ao cinto, e ele me deu uma tradicional reverência de Bellonan, segurando-a por mais tempo do que o necessário, como se cada segundo extra mostrasse sua devoção – e sua determinação de não me deixar ser assassinada como Cordelia fora. Auster finalmente se endireitou. Dei-lhe um sorriso genuíno, e seus traços severos suavizaram um pouco, mas não sua prontidão para pegar sua espada e me defender até seu último suspiro.

Mesmo que eles não estivessem em pé perto do tapete, Serilda, Xenia e Auster deram um passo para trás, como se estivessem abrindo o caminho para mim. Olhei para o trono da rainha em cima do estrado. A cadeira era feita de pedaços irregulares de tearstone que foram escavados de Seven Spire e montados séculos atrás. O trono brilhava com uma luz suave e tênue, passando de cinza estrelado para azul-meia-noite e vice-versa, exatamente como as colunas. A mudança de cores representava as linhas de Summer e Winter da família real Blair, bem como a força eterna do povo Bellonan. Eu já vi o trono muitas e muitas vezes, mas agora que era meu, acheio muito mais intimidante, especialmente porque o topo apresentava o mesmo brasão de coroa de estilhaços que adornava minha túnica, pulseira, espada e punhal. Eu nunca havia prestado atenção a esse símbolo antes do massacre real, mas agora, estava em todo lugar que eu ia. Às vezes, eu pensava que teria ficado muito mais feliz se nunca tivesse visto isso. Eu certamente teria estado muito mais segura. Rainhas Summer são belas e justas, com lindas fitas e flores no cabelo. Rainhas Winter são frias e duras, com coroas foscas feitas de fragmentos de gelo. As palavras da velha rima de conto de fadas de Bellonan ecoaram em minha mente, como se todas as rainhas que vieram antes estivessem sussurrando-as para mim uma e outra vez. Eu ouvi as vozes fantasmas por mais um momento, depois exalei, subi lentamente os degraus do tablado, virei-me e sentei no trono. Esse era o sinal que todos esperavam, e todos os lordes, senhoras, senadores, banqueiros e outros avançaram, parando a alguns metros abaixo do estrado. Eles se dividiram em panelinhas de sempre e começaram a fofocar, enquanto os criados distribuíam bolos doces, frutas frescas e queijos, e copos de sangria de amora. Olhei para a varanda do segundo andar. Mais nobres circulavam por lá, comendo, bebendo, conversando, e me observando, embora todos fossem mais pobres e, portanto, menos importantes do que os do primeiro andar.

Comecei a desviar o olhar quando notei um homem sentado sozinho no canto superior da varanda. Ele usava um longo casaco cinza por cima de uma túnica preta, e seu cabelo castanho escuro brilhava sob as luzes, embora um pouco de barba por fazer escurecesse sua mandíbula forte. Seus traços bonitos eram tão vazios quanto os meus, e eu não sabia dizer o que ele estava pensando, embora seus olhos azuis ardessem nos meus com feroz intensidade. Minhas narinas se abriram. Mesmo que ele estivesse o mais longe possível de mim, eu ainda podia sentir seu cheiro – baunilha fria e limpa com apenas uma pitada de tempero – acima de todos os outros na sala. Respirei fundo, deixando seu perfume penetrar profundamente nos meus pulmões, e tentando ignorar a centelha quente de desejo que acendeu dentro de mim. Lucas Sullivan era o mago executor da trupe do Cisne Negro, um príncipe bastardo de Andvari, e meu... Bem, eu não sabia exatamente o que ele era para mim. Muito mais que um amigo, mas não um amante, apesar dos meus avanços apontados nessa frente. Mas eu me importava com ele mais do que queria contemplar, especialmente agora, quando eu estava enfrentando outra batalha dentro do meu próprio palácio. Então eu desviei meu olhar dele e estudei os nobres novamente. Mesmo que eu fosse rainha por cerca de três meses, desde que matei Vasilia, a princesa e minha prima traiçoeira, essa era minha primeira sessão formal na corte. Praticamente todos os nobres de todo o reino viajaram até aqui para discutir negócios e outros assuntos, e era importante que tudo corresse bem. Eu duvidava que seria assim, no entanto. Os nobres não gostariam de algumas das coisas que eu tinha a dizer. Enquanto os nobres conversavam e bebiam sua comida e bebida, eu respirei discretamente, deixando o ar rola sobre a minha língua e provar todos os aromas. Os perfumes florais e colônias picantes das pessoas. O sabor frutado da sangria. O aroma pungente dos queijos azuis que os servos fatiavam nas mesas de buffet ao longo das paredes. Abri minha boca para iniciar a sessão quando um perfume final assaltou meus sentidos – raiva quente, jalapeño tão forte que fez meu nariz queimar com sua intensidade repentina e aguda.

A maioria das pessoas zombava da minha magia simplória, mas meu olfato aprimorado era bastante útil em um aspecto – me permitia sentir as emoções das pessoas e, muitas vezes, suas intenções. Alho culpa, cinzas é desgosto, pesar menta. Eu sabia o que alguém estava sentindo – e muitas vezes o que estava tramando – apenas provando os aromas que rodavam em torno deles. Eu tive anos para aprimorar minha magia simplória, então sabia que a raiva de jalapeño significava apenas uma coisa. Alguém aqui queria me matar.

Capítulo 02 Olhei de um lado da sala do trono para o outro e de volta, procurando uma ameaça imediata e óbvia. Um raio chiando na palma de um mago. Uma transformação para a outra forma mais forte. Um mestre de pedra quebrando o teto acima da minha cabeça. Um simplório soltando sua espada e correndo em direção ao estrado. Mas não vi nada parecido. Não vi nada incomum, então respirei fundo, provando todos os aromas no ar novamente. A raiva do jalapeño estava mais forte do que nunca, no entanto havia muitas pessoas andando por aí e eu não podia dizer de onde vinha. Eu ia descobrir, no entanto. A determinação me encheu, junto com mais do que um pouco de raiva fria. Muitas pessoas já morreram e eu não sobrevivi ao massacre real apenas para ser assassinada em minha própria sala do trono três meses depois do meu reinado. Mantive meu sorriso agradável fixo no meu rosto, sem dar nenhuma dica sobre o perigo, e observei os nobres conversando e comendo. Quando a primeira onda de fofocas e fome foi saciada, levantei minha mão, pedindo silêncio. Todos no primeiro andar se viraram para mim, enquanto os nobres da varanda sentavam-se.

— Bem-vindos, meus estimados compatriotas — falei em voz alta. — Vocês me honram com suas presenças e, principalmente, com suas lealdades. — Como você nos honra — disseram eles, ecoando a resposta tradicional com muito menos entusiasmo. Antes que eu pudesse começar a sessão, um dos nobres se libertou da multidão e avançou, parando na parte inferior do estrado. Lorde Fullman era um homem baixo, com cabelos loiros ralos e barriga redonda que mostrava o quanto ele gostava de comida e bebida. Como proprietário de várias minas de fluorestone, ele também controlava muitas terras, homens e dinheiro, e ele era alguém que eu mal podia me dar ao luxo de irritar. Fullman fez uma reverência galante, estendendo a mão para o lado e depois se endireitando. — Minha rainha — falou ele em uma voz crescente e confiante. — Deixe-me ser o primeiro a oferecer meus parabéns formais por seu reinado. —

Obrigada



respondi,

embora

estivesse

me

preparando

interiormente. Fullman estava na corte há anos, e ele preferia botar a bota nas gargantas das pessoas e triturá-las até que cumprissem suas ordens, da mesma maneira que seus mineiros lascavam pedras de fluorestone em tamanhos menores e mais gerenciáveis. Ele sorriu, embora sua expressão assumisse uma ponta afiada. — Embora eu tenha uma pergunta. O que é esse absurdo que ouvi sobre você visitar Andvari? O aborrecimento passou por mim com Fullman falando comigo como se eu fosse uma criança e não sua rainha, mas mantive meu rosto fixo em sua máscara agradável. Perder a paciência e atirar de volta para ele não ajudaria em nada, embora eu não pudesse deixar de suspirar por dentro. Não pensei que a notícia se espalharia tão rapidamente sobre minha próxima viagem, mas eu deveria saber melhor. Só era preciso o sussurro mais suave, e em poucas horas, todos na corte sabiam dos meus planos. Murmúrios surpresos percorreram a multidão. Nem todo mundo ouviu falar da minha próxima viagem, e Fullman sorriu para seus amigos e inimigos, orgulhoso por ter dado a notícia.

— Sim — falei. — O rei Heinrich me convidou para Glitnir por vários dias de hospitalidade e negociações comerciais. — E por que você deveria viajar tão longe? — perguntou Fullman, um sorriso de escárnio em sua voz. — Especialmente tão cedo em seu reinado? Não gostaríamos que você fosse vista curvando-se para os andvarianos. Isso não seria bom para Bellona. Influências externas nunca são. Ele apontou para Sullivan, que ainda estava sentado no canto superior da varanda do segundo andar. Sullivan olhou para o nobre. Para qualquer outra pessoa, o mago parecia perfeitamente calmo, mas eu podia sentir o cheiro de sua raiva apimentada por todo o caminho até aqui no estrado. Era quase tão forte quanto a raiva de jalapeño de quem queria me matar. Sullivan era o filho bastardo do rei andvariano, algo que ninguém nesta corte – ou qualquer outra – jamais o deixaria esquecer. Pelos rumores que eu ouvi, todo mundo estava fofocando e especulando sobre o porquê de Sullivan estar aqui e, especialmente, qual era o relacionamento dele comigo. A maioria das pessoas pensava que ele era meu amante, embora raramente nos tocássemos em público e nunca tivéssemos sequer nos beijado em particular. Mas eu era uma rainha, e ele era um belo príncipe que passou os últimos meses na minha corte, é claro que haveria rumores sobre nós, mesmo que não fizéssemos nada para encorajá-los. Pela primeira vez, desejei que as fofocas fossem verdadeiras. Pelo menos assim, eu teria conseguido um pouco de prazer da situação. Meu olhar traçou os ombros largos e musculosos de Sullivan. Bastante prazer. Até agora, eu consegui ignorar os sussurros e sugestões, mas não mais. Eu não sabia o que Sullivan era para mim, mas, pelo menos, ele era meu amigo, e eu não deixaria um lorde pomposo o olhar desse jeito só porque Sullivan era um bastardo. — Estou visitando Andvari porque não seria adequado pedir ao rei Heinrich que viesse à Seven Spire — disse eu, um tom duro penetrando na minha voz —, considerando o fato de que seu filho, o príncipe Frederich, foi assassinado aqui, junto com o embaixador Hans e vários outros andarianos. Ou você se esqueceu disso?

Fullman virou-se para mim, surpresa piscando em seus olhos azuis claros. Ele não esperava que eu o afrontasse com tanta força. Seus lábios enrugaram, e eu quase podia ver as rodas girando em sua mente enquanto repensava sua estratégia para conseguir o que realmente queria. — Claro que não. Essa terrível tragédia nunca será esquecida. — Ele respirou fundo para libertar o mas que eu sabia que viria a seguir. — Mas viajar para Andvari envia a mensagem errada. Que Bellona não pode ficar sozinha. Que ela não pode cuidar de si mesma. Ele o formulou em termos do reino, mas todos sabiam que ele realmente falava a respeito de mim. Sussurros em concordância surgiram no meio da multidão, embora ninguém tenha se adiantado para unir forças com Fullman contra mim. Eles estavam esperando para ver como seria o jogo. — Outros assuntos mais importantes precisam de sua atenção — disse Fullman, outro desdém se aproximando em sua voz. — Tenho certeza de que há muitas coisas no palácio para mantê-la ocupada. Eu estive ocupada desde que me tornei rainha. Passei a maior parte do tempo removendo os guardas vira casaca de Seven Spire e desfazendo as muitas políticas cruéis que Vasilia promulgara enquanto esteve no trono. Eu mal tive um minuto, e foi por isso que esta sessão formal da corte estava acontecendo hoje, três longos meses no meu reinado, em vez de três dias depois de eu ter conquistado a coroa, como era a tradição. E agora, aqui estava. O momento em que eu temia desde que me sentei no trono da rainha na noite em que matei Vasilia. O primeiro verdadeiro desafio ao meu governo, menos de dez minutos depois do início da sessão da corte. Eu tive que dar crédito a Fullman por sua restrição. Esperava que ele me atacasse no quinto minuto, o mais tardar. Na superfície, parecia um pedido perfeitamente razoável. Mas se eu cedesse a Fullman agora, e especialmente se eu ficasse em Seven Spire, todo mundo me veria como fraca. Ainda mais problemático, seria visto como eu cedendo aos desejos de um lorde – alguém que era rico e poderoso o suficiente para criar seu próprio exército para tentar tomar o trono de mim. Eu não podia me dar ao luxo de fazer isso, mas também não me curvaria a ele ou a qualquer outra pessoa. Fiz isso durante todos os anos em

que eu fui a substituta real, o fantoche real, quando tive que sorrir e acenar com a cabeça e segurar minha língua, por mais que alguém me usasse, abusasse, insultasse ou maltratasse. Eu nunca faria isso de novo. Nunca. Além disso, eu tinha outros motivos para ir a Andvari, motivos tão importantes para minha sobrevivência quanto esta disputa verbal. Então eu levantei meu queixo e olhei para Fullman. Fácil o suficiente, pois eu estava sentada no trono dois metros acima da sua cabeça careca. — E não consigo pensar em nada mais importante do que reparar as relações com a Andvari e intermediar um novo tratado de paz entre nossos reinos — disse eu. — Especialmente considerando as ações recentes do rei Mortan contra Bellona, contra minha família. Os andvarianos não foram os únicos que morreram. Ou talvez você se esqueceu dos assassinatos da rainha Cordélia, da princesa Madelena e de vários membros nobres desta corte, alguns dos quais supostamente eram seus amigos? Minha voz era agradável, mas minhas palavras eram tudo menos isso. Mais murmúrios surgiram na multidão, desta vez concordando comigo, e até Fullman teve a decência de estremecer. Serilda, Xenia e Auster assentiram em aprovação. Atrás dos nobres, Paloma estava sorrindo, assim como Cho que estava ao lado dela e mordiscando outra bandeja de bolos. Eu não olhei para Sullivan. Mas Fullman se recuperou rapidamente. Ele não estava desistindo de seu plano sem brigar. — Bem, se você está tão determinada a viajar para Andvari, deixe-me ajudá-la. Arqueei uma sobrancelha. — E como você propõe fazer isso? Um sorriso largo e satisfeito se estendeu por seu rosto, e o cheiro de ansiedade ácida e suada brotou em seu corpo. Cometi um erro ao fazer uma pergunta tão aberta e acabei de entrar em qualquer armadilha que ele realmente tinha em mente. — As fileiras de seus servidores pessoais são um pouco limitadas e são compostas por pessoas com recursos limitados e quantidades chocantemente pequenas de magia. — Ele olhou para Serilda, Xenia e Auster, depois olhou

para a varanda novamente. Dessa vez, Fullman fixou seu olhar severo e acusador em Calandre. A mestre de fios enrijeceu em seu assento, e seus dedos agarraram sua saia azul. Calandre pode ter trabalhado para a rainha Cordelia, mas ela não tinha tanto dinheiro, poder e influência quanto outras mestres em fios, e Vasilia a jogara de lado para um dos primos mais ricos e fortes de Fullman. Em Seven Spire, ser pobre e fraco em sua magia era ainda pior do que ser um bastardo. Fullman zombou de Calandre por mais um momento, depois me encarou novamente. — Eu ficaria feliz em lhe dar alguns dos meus servos para ajudar a preencher sua equipe. Mal consegui segurar um bufo irônico. Servos? Mais como espiões. Oh, pessoal do Fullman poderia cozinhar minha comida e lavar minhas roupas, mas eles também relatariam todos os meus movimentos para ele. — Que generoso — murmurei. — Estou muito feliz com minha equipe atual, mas considerarei sua oferta cuidadosamente. Seus lábios enrugaram novamente com a minha deflexão, mas sua expressão azeda rapidamente se derreteu em outro sorriso presunçoso. — Na verdade, isso é apenas parte da minha oferta. — Ele fez uma pausa para obter um efeito dramático. — Eu acho que a melhor maneira de proteger você e Bellona é que meu filho mais velho, Tolliver, seja seu consorte oficial. Suspiros altos surgiram no meio da multidão, seguidos por sussurros furiosos, e vários nobres atiraram olhares irritados para Fullman, obviamente desejando que tivessem sido tão rápidos, ousados e desonestos o suficiente para oferecer seus próprios filhos a se casar e deitar comigo. Silenciosamente amaldiçoei minha própria tolice. Eu ainda não estava acostumada a ser o centro das atenções, muito menos o alvo dos esquemas de todos, e calculara mal o quão agressivo Fullman seria. E agora eu precisava lidar com sua proposta ridícula, junto com as consequências dela. Com algumas simples palavras, o lorde pomposo acabara de lançar uma dúzia de novas conspirações contra mim. Agora, todos os nobres começariam a calcular

como eles – ou um de seus parentes – poderiam ganhar minha mão em casamento. Fullman estalou os dedos e uma versão mais alta e magra de si mesmo saiu da multidão. Tolliver tentou sorrir para mim, mas pareceu mais um olhar malicioso, e seu olhar estava firmemente fixo na minha coroa em vez de no meu rosto. Vários nobres franziram o cenho para Fullman, mas ninguém se opôs à sua proposta, dado o quão rico e poderoso ele era e com que facilidade ele podia virar sua ira sobre eles. Até os nobres que eram iguais a Fullman em poder, terra, homens e dinheiro ficaram em silêncio. Eles provavelmente queriam ver o que eu diria a sua oferta antes de fazerem suas próprias jogadas. Cerrei os dentes e controlei a raiva. Eu não pensei que as coisas se deteriorariam tão rapidamente, mas eu deveria saber melhor. Para todos aqui, eu ainda era apenas Everleigh, uma garota órfã, sem magia, dinheiro ou poder real, que era a décima sétima na fila do trono. Apesar de ter sobrevivido ao massacre real e matado Vasilia na frente deles, os nobres ainda pensavam que eu era fraca. Em Seven Spire, a fraqueza gera traição e a traição gera morte. A única coisa boa da proposta absurda de Fullman foi que ela me disse que não era ele quem me queria morta aqui e agora. Não, ele queria que eu casasse com seu filho e colocasse o trono em suas mãos dessa maneira. E então ele provavelmente me assassinaria. Auster olhou furioso para Fullman, e a mão do capitão enrolou-se em sua espada, como se ele quisesse cortar o lorde presunçoso. Eu conhecia o sentimento. Serilda e Xenia ainda estavam ao lado de Auster, e as duas me olharam, imaginando como eu lidaria com isso. De todos os cenários para os quais nos preparamos, esse não era um deles. Eu pensei que os nobres esperariam pelo menos mais um mês antes de tentar segurar minha mão em casamento, mas eu deveria saber melhor sobre isso também. Eram tempos turbulentos em Bellona, e todo mundo estava lutando para cimentar a riqueza, a magia e o poder que já possuíam, bem como conseguir ainda mais.

Fullman usou meu silêncio como uma oportunidade para continuar falando. — Seria muito melhor você se casar um Bellonan, ao invés de um estranho. Afinal, a princesa Vasilia conviveu com Nox, aquele miserável lorde de Mortan, e veja como ele a desviou. Risos altos e zombadores saíram dos meus lábios. — Oh, por favor. Ninguém jamais desviou Vasilia. Ela decidiu matar a mãe sozinha. Nox e os Mortans eram apenas um meio para um fim para ela. Fullman estremeceu pela segunda vez, e ele realmente esperou alguns momentos antes de tentar novamente. — Sim, bem, meu argumento continua o mesmo. Não queremos que pessoas de fora influenciem indevidamente nossa corte. Mais uma vez, ele olhou para Sullivan. Parecia que Fullman ouvira os rumores que Sullivan e eu éramos... o que quer que fôssemos, e ele queria afastar o outro homem do trono. Eu poderia ter dito a ele que Sullivan não tinha interesse em ser meu consorte, mas Fullman não acreditaria em mim. Para ele, dinheiro e poder eram as coisas mais importantes, ao invés dos princípios em que Sullivan acreditava, princípios que eu considerava admiráveis e frustrantes. Os outros nobres também encararam Sullivan. Mais uma vez, eu pude sentir o cheiro de sua raiva apimentada, mas seu rosto permaneceu uma perfeita máscara em branco. Sullivan entendia como esses jogos da corte funcionavam, e ele sabia que você nunca deveria deixar ninguém ver o quanto te machucam. Fullman bateu seu cotovelo na lateral de Tolliver, forçando o homem mais jovem a sorrir para mim novamente. Tolliver até golpeou os cílios, como se a mera visão de seu suposto olhar de adoração fosse o suficiente para me fazer desmaiar, tropeçar no estrado e me jogar em seus braços finos. Fullman deve ter sentido meu desgosto, porque deu uma cotovelada em Tolliver novamente, e o homem mais jovem parou sua tentativa ridícula de flertar. Os dois me encararam, claramente esperando uma resposta, assim como todo mundo. Os outros nobres, meus amigos, os guardas. Até os criados pararam de distribuir comidas e bebidas para ver como eu lidaria com isso.

— Você está se movendo rapidamente, Fullman — disse eu demoradamente. — Estou no trono há apenas três meses, e você já está planejando meu casamento. Diga-me, você tem o nome dos meus filhos escolhido também? Risos altos e zombadores soaram com minhas palavras desdenhosas. Eu poderia trocar farpas como o melhor dos nobres, algo que todo mundo logo perceberia. Um rubor zangado manchou as bochechas de Fullman, mas ele molhou os lábios e continuou. — Claro que não. Mas Tolliver há muito admira você. Vocês dois cresceram juntos. Você não se lembra? — Oh, sim, eu me lembro de Tolliver — disse eu, minha voz afiada. — Lembro-me que uma vez pedi para ele dançar em um baile real nesta mesma sala. Também me lembro de como ele riu e me disse que preferia dançar com uma gárgula do que me abraçar. Eu acredito que foi quando estávamos com dezesseis, talvez dezessete anos. Não tenho certeza da data exata. As festas e os insultos tendem a se confundir com o passar dos anos. Os olhos de Fullman se arregalaram, enquanto o rosto de Tolliver ficou um tom interessante de roxo. Desta vez, suspiros chocados soaram em vez de risadas zombeteiras. Os nobres não pensavam que eu seria tão ousada a ponto de insultar alguém tão poderoso quanto Fullman. Eles não perceberam que eu estava apenas começando. Olhei para os meus amigos. Auster estava sorrindo, assim como Paloma e Cho. Serilda assentiu em aprovação, enquanto Xenia me deu uma piscadela maliciosa, assim como o ogro em seu pescoço. Eu ainda não olhei para Sullivan, no entanto. Eu não queria acrescentar aos rumores sobre nós. Até agora, Fullman vinha conversando, planejando e manipulando. Não foi o suficiente eu apenas bloquear seus ataques. Eu precisava mostrar aos nobres que eu era uma força a ser reconhecida, assim como foram Cordelia e Vasilia. Eu poderia secretamente pensar que era uma fraude, uma pretensa rainha Winter, mas nunca deixaria ninguém ver minha insegurança. Eu tentara ser gentil, educada e razoável com Fullman, mas não mais. Revidar era a única maneira de sobreviver por qualquer período de tempo.

Então me levantei, desci o estrado e parei no pé da escada. Os nobres recuaram alguns metros, e eu andei de um lado ao outro na frente deles, escolhendo meu próximo alvo com cuidado. Também examinei a multidão novamente, procurando a fonte dessa raiva jalapeño, mas eu ainda não consegui identificá-la para descobrir quem queria me matar. — Embora, suponho que Lorde Fullman tenha razão. Eu deveria escolher alguém para casar. Depois de tudo, não é como se qualquer um de vocês diria não, é? Ninguém respondeu, e nem um sussurro quebrou o silêncio tenso e pesado. Por fim, parei na frente de Lady Diante, que havia me enviado aquela cesta de peras. Diante estava na casa dos setenta anos, com olhos dourados, pele de ébano e cabelos curtos e grisalhos, enrolados em cachos apertados. Ela era um dos nobres mais poderosos e igual a Fullman em termos de terra, homens e dinheiro. Até melhor, ela e Fullman eram rivais amargos. — E você, Diante? — perguntei. — Qual de seus netos seria um bom consorte? Os olhos dela se estreitaram. Ela não sabia o que eu estava fazendo, mas não deixaria passar essa oportunidade. — Eu tenho vários netos que combinariam muito bem com você, minha rainha — disse ela em uma voz profunda e gutural. — Escolha qualquer um que você gosta. Ela acenou com a mão e três homens se apressaram para ficar ao lado dela, todos com os mesmos olhos dourados e maçãs do rosto afiadas. Eu olhei para cada um deles, como se estivesse pensando em escolher um marido tão casualmente, quanto Paloma havia arrancado uma pêra daquela cesta de frutas. — Engraçado você dizer isso. Porque eu me lembro de uma época em que a rainha Cordelia sugeriu me casar com um de seus netos. O que você disse a ela? Diante franziu a testa e seus olhos se estreitaram novamente, como se ela estivesse tentando se lembrar daquele insulto em particular e quanto isso a danificaria agora.

Bati meus dedos nos lábios, como se procurando a resposta, depois os estalei. — Oh, sim! Você riu e disse que nunca casaria nenhum de seus netos comigo, uma humildemente simplória. E então você adicionou que qualquer bebê que eu tivesse não teria magia suficiente para fazer valer a pena o leite necessário para alimentar a criança. Mais suspiros ecoaram. Diante fez uma careta e abriu a boca, provavelmente para pedir desculpas, mas eu a encarei, e ela teve o bom senso de ficar quieta. Quando tive certeza de que ela seguraria a língua, olhei para os nobres na minha frente, bem como aqueles na varanda, que estavam inclinados em seus assentos, totalmente envolvidos no drama. — Deixe-me ser clara — disse eu, minha voz ecoando quase tão alto quanto a de Cho. — Vou escolher um consorte quando eu estiver pronta, e nem um momento antes. E se vocês pensam em me influenciar com presentes ou palavras bonitas, lembrem-se: eu não entrei em Seven Spire apenas na noite em que matei Vasilia. Eu estive aqui por quinze longos anos antes disso, então eu conheço cada um de vocês. Conheço seus pontos fortes, suas fraquezas, e especialmente os pequenos esquemas mesquinhos que vocês gostam de infligir uns aos outros. Os nobres se mexeram em seus pés e em seus assentos. Eles não esperavam que eu fosse tão franca, mas eu não me importava em ferir seus egos. Não mais. Eu já estava enjoada e cansada da porra dos jogos deles, e se eu não assumisse o controle da corte – deles – agora, nunca o faria. — Lembro-me de todos os insultos que vocês já lançaram em meu caminho, desde quando eu era criança até o massacre real. Não esqueci suas crueldades e certamente não vou recompensá-los por elas agora. — Então o que você fará? — perguntou Diante, embora sua voz estivesse baixa, e quase pensei ter visto um pouco de respeito relutante brilhando em seus olhos. — Existe um ditado antigo, do qual todos nos orgulhamos: os Bellonanos são muito bons em jogar o longo jogo. Todos assentiram, e várias pessoas se levantaram mais com orgulho. Bellonans eram bons em jogar o longo jogo, sendo paciente e esperando que

seus inimigos cometam um erro para que possam se mover e, finalmente, dizimá-los completamente. Ninguém jogava esse jogo melhor do que os nobres em Seven Spire, e eles me ensinaram a jogar também. — Durante anos, vocês jogam um longo jogo, tentando agradar Cordelia, Vasilia e até Madelena. Bem, estou aqui para lhe dizer que tudo foi perdido. Um som coletivo de acordo inquieto percorreu a sala. — Cordelia está morta, Vasilia está morta, e quaisquer acordos que elas fizeram com vocês também estão mortos. — Eu olhei de um nobre para outro. — Sou rainha agora e não serei oprimida, intimidada ou de qualquer forma acovardada ou insultada por nenhum de vocês. — Então, o que você fará? — perguntou Fullman, um sorriso de escárnio ainda em sua voz. Eu o encarei. — Serei honesta, e justa, e farei o melhor para Bellona. Para nos tornar fortes e prontos contra a crescente ameaça dos Mortans e de qualquer outra pessoa que seja estúpida o suficiente para foder com a gente. E se algum de vocês tiver algum problema com isso, poderá deixar o Seven Spire agora e nunca mais voltar. Eu o expressei em termos de reino, mas todos sabiam que eu realmente me referia a mim. Mais uma vez, o silêncio desceu sobre a sala e ninguém se mexeu ou falou. Os ecos duros das minhas palavras ainda ecoavam no ar, mas o cálculo frio já voltava para os rostos dos nobres enquanto pensavam na melhor estratégia para conseguir o que queriam. Bellonans se recuperavam muito rapidamente assim. Fui brutalmente honesta, mas também precisava ser razoável. Eu deveria dar algo aos nobres, alguma desculpa para pelo menos fingirem concordar comigo hoje, ou não teria um trono para voltar depois da minha viagem a Andvari. Olhei para Serilda e Xenia, que assentiram. Nós discutimos isso longamente. Então inclinei minha cabeça para Fullman e Diante. — Mas vocês dois estão certos sobre uma coisa. Preciso de ajuda para tornar Bellona forte novamente. E é por isso que estamos aqui hoje. Para garantir que suas

preocupações estão sendo abordadas, e todos podemos trabalhar juntos para fazer o melhor por Bellona e guiar nosso povo e nosso reino a uma prosperidade ainda maior. Olhei para um homem alto, com cabelo preto curto e encaracolado, olhos castanhos escuros e pele de ébano que estava de pé ao lado das mesas de buffet. Ele usava uma túnica azul de manga comprida como os outros trabalhadores, mas o símbolo da coroa de estilhaços costurada com fio de prata sobre o coração o marcava como o mestre da cozinha. Theroux, outro membro da trupe do Cisne Negro. — Mas nenhuma lei diz que precisamos fazer o que é melhor para o nosso reino com o estômago vazio — disse eu. Algumas pessoas riram educadamente da minha tentativa de piada, o que era mais do que eu esperava, considerando como eu as critiquei. Uma pequena vitória, mas aceitaria o que poderia conseguir. Fiz um gesto para o mestre da cozinha. — Theroux e sua equipe prepararam alguns refrescos deliciosos. Então, por favor, aproveite o trabalho duro deles enquanto eu me encontro com todos. Assenti para Theroux, que sussurrou para os criados ao seu redor. Eles pegaram suas bandejas de comida e bebidas e começaram a circular pela multidão novamente. Fiz o mesmo, passando de um nobre ao outro, e conversando sobre amenidades como eu fiz em centenas de outros eventos. Só que desta vez, as pessoas se moviam em vez de mim, o que foi um pouco avassalador e claustrofóbico, mas cerrei os dentes e continuei. Pelo canto do olho, vi Paloma franzindo a testa para mim. Tínhamos combinado que eu conversaria com os nobres, mas ela esperava que eu sentasse no estrado, não no meio da multidão. Mas havia muitas pessoas e muitos aromas, e eu não sabia dizer de onde vinha a raiva de jalapeño, a menos que eu me misturasse com todos. Se eu fizesse apenas uma coisa hoje, encontraria a pessoa que me queria morta.

Uma hora depois, dei uma volta pela sala e conversei com os nobres mais importantes, embora eu ainda não estivesse mais perto de identificar quem queria me matar. Mas a maioria dos nobres foi apaziguada, e eu estava prestes a ir para a varanda do segundo andar para ver se meu pretenso assassino poderia estar escondido lá, quando Diante tirou um copo de sangria da bandeja de um criado. Ela segurou o copo no alto e todos se acalmaram e a encararam. — Já faz muito tempo que brindamos ao reinado da rainha Everleigh — falou Diante. — Devemos? Olhei para Diante, que me deu um sorriso malicioso em troca. Ela não esqueceu como eu a humilhara, e estava deixando claro que ainda estava no jogo. Os outros nobres seguiram seu exemplo, até Fullman, e logo todos seguravam um copo de sangria. Uma criada jovem e loira correu para mim. Ao contrário dos simples copos de cristal dos quais todo mundo bebia, um cálice de prata incrustado com ametistas escuras estava empoleirado em sua bandeja. — Aqui está, Majestade — disse a mulher em uma voz alta e cantada. Ela deve ter buscado o cálice de onde quer que estivesse guardado, porque ela estava um pouco sem fôlego. Eu sorri. — Obrigada. Ela sorriu e mergulhou em uma estranha reverência. Ela deveria ser nova. Ou talvez estivesse nervosa em servir a rainha. Parte de mim ainda não conseguia acreditar que eu era realmente essa pessoa agora. A jovem se endireitou, sorriu de novo e estendeu a bandeja. Todo mundo olhou para mim, querendo que eu pegasse o cálice para que eles pudessem continuar brindando e supostamente comemorando meu reinado. Eu segurei um suspiro. Talvez a sangria de amora pelo menos fizesse o resto da sessão da corte suportável. Eu havia acabado de tocar no cálice, quando o cheiro de raiva jalapeño encheu meu nariz novamente. Para esconder minha surpresa, enrolei meus dedos ao redor da haste prateada e fingi admirar o cálice de joias. Perdi o perfume entre todos os perfumes e colônias e quase perdi a esperança de encontrá-lo novamente.

Minhas narinas se abriram e respirei fundo, deixando o ar rolar sobre a minha língua e sentir todos os aromas nela. E finalmente percebi que a raiva do jalapeño não emanava de um dos nobres – vinha da criada ao meu lado. Eu a estudei. Cabelo loiro, rosto bonito, sorriso educado, túnica azul. Ela estava vestida e agindo como os outros servos, mas duas coisas a diferenciavam. Um deles era a raiva de jalapeño que vinha dela em ondas de calor quente e cáustico. O segundo eram seus olhos, que eram de um roxo escuro e intenso, como as ametistas no cálice. Eu conhecia outra pessoa com olhos assim, e ela tentara me matar mais de uma vez. Maeven, a irmã bastarda do rei Mortan. Maeven havia trabalhado como admnistradora da cozinha em Seven Spire por meses, tudo para que ela pudesse eventualmente envenenar e assassinar a rainha Cordelia e o resto da família real Blair. E agora aqui estava outra mulher com olhos de ametista me oferecendo uma bebida, assim como Maeven uma vez. Isso não poderia ser uma coincidência. Eu me perguntei se essa garota havia trabalhado para Maeven na cozinha o tempo todo e ficara para trás depois que Maeven e Nox fugiram de Seven Spire. Também me perguntei se ela era uma das bastardas reais de Mortan, consignada a uma vida de realizar assassinatos e outras ações sujas por seus legítimos parentes. De qualquer maneira, ela não estava se safando. Ninguém me mataria hoje, especialmente não na minha própria sala do trono. Diante deve ter se cansado de segurar a taça, porque ela pigarreou, obviamente querendo que eu continuasse com as coisas. Gostaria de saber se ela sabia sobre o plano para me matar, mas não havia tempo de descobrir. Não se eu quisesse virar a mesa no meu pretenso assassino. Então eu peguei o cálice da bandeja. Mas, em vez de elevá-lo, sinalizei para outro servo e peguei um copo normal de sangria da bandeja. A mulher loira franziu a testa e recuou alguns passos, mas eu não a deixaria escapar tão facilmente. Eu me virei para ela. — Diga-me, garota, qual é o seu nome? Ela molhou os lábios. — Libby, Sua Majestade.

— Bem, Libby, me parece bobagem beber de um cálice tão bom quando todo mundo está usando taças normais. Embora eu odeie deixar que a boa sangria seja desperdiçada. Por que você não pega o cálice? Afinal, foi você quem buscou com tanto cuidado. Antes que ela pudesse protestar, empurrei o cálice na mão dela. A essa altura, Paloma, Cho, Serilda, Xenia e Auster perceberam que algo estava errado, e estavam discretamente abrindo caminho através da multidão em minha direção. Na varanda do segundo andar, Sullivan fazia o mesmo. Libby, se esse era mesmo o seu nome verdadeiro, poderia ter ficado surpresa por eu lhe entregar o cálice, mas ela se aproximou em oferecê-lo para mim novamente. — Ah não! Eu não poderia beber do cálice da rainha! — disse ela naquela voz alta, ofegante, inocente. Enrolei meus dedos ainda mais apertados em torno do vidro liso ainda na minha mão. — Engraçado. Eu estive na corte por anos, e não me lembro de haver um cálice especial para a rainha. Deve ser uma nova tradição. Talvez Vasilia tenha começado. Libby piscou, sem saber o que dizer. Dei de ombros. — De qualquer forma, estou dando a você como recompensa pelo seu excelente serviço. Então vá em frente. Beba. Levantei minha taça, como todos os outros, embora Diante, Fullman e os outros nobres estivessem franzindo a testa, se perguntando por que eu estava prestando tanta atenção a uma criada. Libby apertou o cálice, mas não bebeu o conteúdo. E eu sabia que ela não iria, especialmente porque agora eu podia sentir o cheiro suave e floral do veneno no cálice, apenas parcialmente mascarado pela sangria frutada. Levantei minha própria taça ainda mais. Todos ao meu redor fizeram o mesmo, exceto Libby. — O que há de errado, Libby? A sangria não é do seu agrado? — arqueei minha sobrancelha. — Ou talvez você simplesmente não quer beber o veneno que colocou na taça?

Suspiros chocados percorreram a multidão. Em algum lugar atrás de mim, Auster soltou uma maldição cruel, mas eu não precisava dele para me proteger. Surpresa brilhou nos olhos de Libby, mas ela não se deu ao trabalho de negar. Seus lábios torceram em um sorriso malicioso, e ela jogou a bandeja no chão. A bandeja caiu sobre a pedra, fazendo vários nobres suspirarem de novo e se afastarem, o que criou um círculo aberto de espaço ao nosso redor. Libby não me matou com o veneno, mas ela não iria desistir. Ela levantou a mão e um raio roxo surgiu na ponta dos seus dedos. — Morra, sua cadela Bellonan! — rosnou. Então ela recuou a mão e jogou sua magia em mim.

Capítulo 03 Bem, Libby tentou jogar sua magia em mim, mas eu fui mais rápida e joguei minha taça nela. Minha mira foi certeira, e eu a atingi no nariz. O copo não quebrou, mas a sangria espirrou em seu rosto como chuva de amora. Libby gritou de surpresa e cambaleou para trás. Ela perdeu o controle de sua magia e seu raio dissolvido em uma chuva de faíscas roxas. Ela também perdeu o controle sobre o cálice de prata, que bateu forte no chão. A sangria se espalhou e começou a fumegar no tapete azul. As pessoas gritaram e se afastaram. Paloma, Cho, Serilda e Xenia estavam correndo em minha direção, mas os nobres empertigados os empurravam de volta. — Guardas! — gritou o capitão Auster acima da comoção. — Protejam a rainha! Protejam a rainha! A última vez que eu o ouvi gritar essas palavras foi durante o massacre real, e ouvi-las novamente me levou de volta para aquele dia horrível. A sala do trono, os nobres, até Libby em pé na minha frente. Em um instante, todos desapareceram substituídos por mesas viradas, cadeiras estilhaçadas e corpos espalhados pela grama como bonecas ensanguentadas e quebradas. Muito sangue. Tantos corpos.

— Guardas! — gritou Auster novamente. — Protejam a rainha! Protejam Everleigh! O som do meu nome quebrou o feitiço, e voltei para o aqui e agora. Determinação surgiu através de mim. Eu sobrevivi àquela tentativa de assassinato. Eu sobreviveria a esta também. Tirei minha espada da bainha. A lâmina de tearstone parecia tão leve quanto uma pena de cisne na minha mão, mas o peso leve me firmou. Eu havia matado Vasilia com essa espada e faria o mesmo com este novo inimigo. Libby tirou a sangria dos olhos e levantou a mão novamente. Mais raios roxos explodiram nas pontas dos seus dedos, e eu podia sentir o cheiro quente e cáustico, mesmo acima do sabor frutado da sangria. Ela não era tão forte quanto Maeven, mas ainda era uma maga poderosa. — Maeven manda cumprimentos! — assobiou Libby. Então ela recuou e jogou sua magia em mim. Levantei minha espada para segurá-la na vertical, com a lâmina na frente do meu corpo, como se eu estivesse tentando usar a arma para me proteger do poder dela. De certa forma, era exatamente isso que eu estava fazendo, já que a espada de tearstone foi projetada para desviar magia. Mas a capacidade da espada de desviar a magia não era nada comparada à minha. Magos, metamorfoses e mestres podiam olhar sob o nariz para os simplórios, mas nós simplórios temos todos os tipos habilidades – força, velocidade, sentidos aprimorados. Mas eu tinha uma habilidade muito mais incomum e valiosa do que a maioria. Eu era imune à magia. Senti o poder ardente e crepitante dos raios de Libby no segundo em que disparou de sua mão. Um poder frio e forte surgiu dentro de mim em resposta, ansioso para atacar e estrangular completamente sua magia quente e crepitante. Então eu deixei. O raio de Libby bateu no meu corpo com uma força brutal e de tirar o fôlego. Minha espada de tearstone desviou um pouco da magia dela, assim como os estilhaços de pedra da minha pulseira, mas o calor elétrico de seu

poder dançou na minha pele, tentando me queimar viva. Então eu peguei minha própria magia, minha imunidade e usei-a para empurrar contra os raios. Deixei meu escudo de gladiador em meus aposentos, mas de certa forma, minha imunidade era um escudo ainda mais forte e melhor, essa barreira invisível que eu podia torcer, dobrar e moldar como quisesse. E agora, eu queria usá-la para controlar todos aqueles raios malditos. Imaginei minha imunidade como um punho contra a magia de Libby. Ela pode ser poderosa, mas minha magia era mais forte que a dela, e minha imunidade destruiu seu poder. O raio soprou contra meu corpo, mas apagou um instante depois, dissolvendo-se em uma chuva de faíscas roxas que caiu e começou a fumegar no tapete, assim como a sangria venenosa. A boca de Libby se abriu de surpresa. Ela obviamente pensou que um raio deveria ser mais do que suficiente para me matar, mas ela recuou a mão e lançou outro raio em mim. Dessa vez, usei minha espada de tearstone e a força da minha imunidade para jogar a magia no chão como se fosse uma bola que eu estava batendo em algum jogo de criança. O raio explodiu contra as lajes, enviando mais faíscas roxas disparando por toda parte e fazendo com que os nobres gritassem novamente e se afastassem ainda mais. Libby deve ter percebido que seu raio não faria o trabalho, porque ela alcançou debaixo da túnica e tirou uma adaga de prata das costas. — Morte à rainha Winter! — assobiou. Meu nariz se contraiu. Um suave aroma de lavanda soprou da adaga. Ao primeiro cheiro, era agradável suficiente, mas respirei fundo e senti a podridão suja à espreita no aroma enganosamente leve e doce. A lâmina estava envenenada, ainda mais do que a sangria. Eu posso ser imune à magia, mas eu não tinha ideia de que tipo de veneno estava naquela adaga, e não podia deixar que ela me arranhasse com isso. Libby atacou com a adaga, tentando enterrar a lâmina no meu coração. A música começou a tocar na minha mente, e deixei a batida rápida e constante me levar. Quando criança, nunca fui muito boa em lutar, apesar das repetidas tentativas do capitão Auster de me ensinar. Mas eu sempre amei música e

dança, e Serilda percebeu que a chave para me transformar em gladiador era tratar a luta pela minha vida como se fosse apenas uma dança elaborada que eu precisava aprender para um baile. Ela passou os últimos meses me treinando e agora eu podia me defender contra os melhores e mais habilidosos guerreiros. Meus pés, pernas, braços e mãos se moviam através dos padrões familiares dessa dança mortal, e desviei do caminho do ataque violento de Libby e depois avancei com minha própria espada em um brutal contraataque. Libby pulou para trás, virou e me encarou novamente. Ela se moveu para a esquerda e girei minha espada na minha mão, seguindo-a, combinando passo a passo. Nós dançamos em um círculo lento, analisando e catalogando os pontos fortes e fracos uma da outra. Um silêncio tenso e carregado caiu sobre a sala do trono. Ninguém disse uma palavra, e o único som era o fraco thud-thud-thud-thud dos nossos passos. Desta vez, em vez de fugir, os nobres avançaram, formando um anel ao redor de Libby e eu, e observando cada movimento nosso. Isso me lembrou de lutar em uma partida de círculo preto na arena do Cisne Negro. Bellonans adoravam seu esporte de gladiador, e os nobres mais do que a maioria. Eles não deixariam passar essa chance de me ver em ação novamente, apesar do perigo para eles mesmo. Isso se transformou de uma tentativa de assassinato em um teste. Enquanto circulava, vi o Capitão Auster, que havia empurrado seu caminho pela multidão, junto com meus amigos. Ele começou a se colocar entre o assassino e eu, mas Xenia agarrou o seu braço. Ele começou a se soltar, mas ela balançou a cabeça. — Está tudo bem, Auster — falei. — Não demorará muito tempo para matar essa assassina. Libby soltou uma risada zombeteira. — A única que morrerá é você. — Veremos. Continuamos circulando uma a outra. Ninguém falou e ninguém se mexeu, exceto Libby e eu. A sala do trono estava estranhamente silenciosa, mas eu ainda podia ouvir aquela música fantasma tocando em minha mente,

me guiando através dos passos que eu precisava concluir para terminar essa dança e matar meu inimigo. Libby se cansou do nosso círculo e pulou, me atacando com a adaga novamente. Mas ela não estava tentando me matar com isso. Não realmente. Agora ela estava apenas mirando meus braços e tentando chegar perto o suficiente para me cortar, para deixar a lâmina envenenada fazer seu trabalho sujo. Evitei seu golpe e me afastei novamente. Então, antes que ela pudesse recuar, avancei e movi minha espada em uma série de movimentos rápidos e violentos. Eu precisava tirar aquela adaga da mão dela primeiro, e então eu poderia enterrar minha espada em seu coração. Mas Libby percebeu o que eu estava fazendo e evitou meus ataques. Demos voltas e voltas, cada uma de nós avançando para atacar a outra ou bloquear. Isso durou quase três minutos. Libby obviamente treinara com sua adaga, mas eu fui ensinada por Serilda Swanson, uma das melhores guerreiras em todos os reinos, e lentamente comecei a desgastar a mulher mais jovem. Abri um corte no antebraço esquerdo de Libby. Então um ao longo de sua coxa direita. E, finalmente, um corte mais profundo no estômago que a fez gritar e tropeçar para trás. Libby olhou para mim, dor, fúria e magia brilhando em seus olhos de ametista. Esperei que ela jogasse seu raio em mim novamente, mas ela colocou uma mão sobre o estômago, tentando parar o sangramento, e apertou ainda mais a adaga na outra mão. — Termine com ela! — gritou Diante. — Mate-a! — concordou Fullman. — Estripe-a onde ela está! Mais gritos de encorajamento soaram dos nobres, tanto aqui no primeiro andar quanto na varanda. Todos estavam ansiosos para que esse esporte sangrento chegasse à sua inevitável conclusão. O olhar de Libby passou pelas pessoas reunidas ao nosso redor, como se só agora estivesse percebendo que se eu não a matasse, alguém mataria.

Além de Auster e dos guardas, Paloma tinha sua maça apertada nas mãos e um olhar assassino no rosto, assim como o ogro em seu pescoço. Serilda e Cho seguravam suas espadas, Xenia segurava sua bengala, e Sullivan estava ao lado da grade da varanda, com um raio azul estalando na palma da mão, pronto para jogar seu próprio poder nela. A magia vazou dos olhos de Libby, substituída pelo medo crescente. Ela olhou para o sangue jorrando entre as pontas dos dedos, e empalideceu, seu rosto subitamente pálido. Ela sangraria se não conseguisse ajuda em breve. — Acabou — disse eu. — Você falhou. Abaixe a adaga. Agora. Libby olhou para a lâmina na mão e depois olhou para mim novamente. Algo surpreendente encheu seus olhos. Medo – medo completo, absoluto e paralisante. Mais medo do que eu já vi em alguém antes. Mais medo do que eu já cheirei em alguém. O afiado e acobreado aroma rolou dela em ondas, ainda mais forte do que sua raiva jalapeño foi mais cedo. — Eu não posso voltar — sussurrou. — Não para ele. Lágrimas encheram seus olhos, e tive a sensação de que eram lágrimas de medo, em vez de dor. Ela continuou olhando para mim, debatendo suas opções. Ela tinha apenas duas – rendição ou morte. — Largue a adaga — repeti. — Apenas abaixe. Libby sacudiu a cabeça e recuou mais um passo. — Você não sabe o que ele faz com as pessoas quem falham. Não posso voltar — sussurrou novamente. Então sua mandíbula se apertou e seu rosto endureceu. — Eu não vou voltar. Ela colocou as duas mãos ao redor da adaga e a levantou. Eu fiquei tensa, esperando que ela tentasse me atacar novamente, mas Libby tinha algo muito pior em mente. Ela levantou a adaga e a mergulhou no próprio estômago. — Não! — gritei, avançando em direção a ela. Mas eu estava muito atrasada. Gritando o tempo todo, Libby torceu a adaga ainda mais profundamente no estômago, em seguida, arrancou-a. A

lâmina escorregou da mão dela e caiu no chão. Suas pernas dobraram e ela caiu ao lado da adaga. Os nobres ofegaram enquanto meus amigos xingavam. Corri e caí de joelhos ao lado de Libby. O sangue já havia se acumulado sob seu corpo, manchando a pedra de um vermelho liso e brilhante. O cheiro quente e acobreado me deu um soco no estômago. Combinava com o cheiro do seu medo. Libby olhou para mim. A dor vidrou seus olhos de ametista, mas seus lábios se voltaram para um sorriso sombrio. — Eu sou apenas a primeira. Tem... mais de... nós... — Quantos mais? — exigi. — Quem são eles? Onde eles estão? Eles já estão dentro de Seven Spire? — Estão... em toda parte... — murmurou. Libby riu, como se suas palavras enigmáticas fossem altamente divertidas, embora suas risadas se transformassem em uma tosse que enviou sangue borbulhando de seus lábios e escorrendo pelo queixo. Comecei a agarrar seus ombros para tentar tirar algumas respostas dela, quando percebi que o sangue escorrendo do rosto dela não era vermelho – era tão preto quanto podia ser. Respirei fundo. Eu ainda podia sentir o cheiro acobreado de seu sangue, mas outro aroma mais forte afogou o aroma enganosamente doce, suave e lavanda do veneno em sua adaga. Isso estava se espalhando por suas veias e matando-a rapidamente, ainda mais do que a ferida horrível que ela infligiu a si mesma. Libby piscou algumas vezes e lágrimas vazaram de seus olhos. — Não é... tão ruim... — murmurou. — Não dói... tanto quanto... como outras coisas... Ela estava falando sozinha em vez de comigo, embora depois de alguns segundos, seu olhar se fixou no meu novamente. Outro sorriso sombrio curvou seus lábios. — Não se preocupe... Eu não... morrerei sozinha... — murmurou. — Ele está vindo... por você também...

Comecei a perguntar quem ele era, mas mais uma vez, era tarde demais. Libby exalou, seus olhos ficaram fixos e congelados e seu corpo relaxou, ainda mais sangue jorrou de sua ferida no estômago. Minha pretensa assassina estava morta – e ela me deixou com muito mais perguntas do que respostas.

Capítulo 04 Ninguém se mexeu ou falou, embora todos assistissem para ver o que eu faria em seguida. Eu me perguntava isso também. Mudei de joelhos, fazendo minha sombra se mover no chão. Meu olhar travou no contorno escuro, especificamente na coroa na minha cabeça, e cuidadosamente estendi a mão e toquei a fina faixa de prata. Calandre estava certa. A coroa não caiu ou se moveu, apesar da minha vigorosa luta com a assassina. Estremeci e deixei minha mão cair. Passos soou, e uma sombra caiu sobre mim, apagando a minha própria grotesca. Capitão Auster se agachou do outro lado de Libby. Ele olhou para mim, certificando-se de que eu estava bem, depois para ela, certificando-se de que ela estava morta. A adaga prateada estava caída no chão onde ela a largara. Auster começou a alcançá-la, mas estendi meu braço, parando-o. — Não toque nisso. Está envenenada. Auster inclinou a cabeça. — Sim, minha rainha. Sim, minha rainha. Essas três palavras suaves e simples apunhalaram meu coração como a espada mais afiada, lembrando-me mais uma vez que eu era a causa dessa situação horrível. Nojo me encheu. Não porque Maeven enviara alguém para me assassinar. Eu esperava isso há semanas. Não, o que realmente me enojou

foi que alguém – o ele – havia assustado essa mulher, essa garota, o suficiente para fazê-la se matar ao invés de se render. Que porra de vida! Mas Libby fez sua escolha, e não havia como trazê-la de volta. Soltei um suspiro longo e cansado e me levantei lentamente. Afastei-me da mulher morta e percebi que ainda tinha um problema. Os nobres. Agora que a luta terminou, todo mundo estava olhando para mim – ou melhor, para a espada na minha mão. Fullman, em particular, estava olhando para a arma de tearstone com interesse óbvio e faminto. Todos me viram usar a lâmina para amortecer os raios de Libby, e parecia que todos pensavam que essa era a fonte do meu poder. As pessoas ainda não sabiam como eu consegui sobreviver ao raio de Vasilia durante o desafio real. Oh, rumores voaram rápidos e furiosos, e todo mundo especulou sobre que tipo de magia eu poderia ter. Ervas, amuletos de proteção, joias cheias de glamour, runas antigas. Eu ouvi todas essas teorias e uma dúzia de outras que eram ainda mais ridículas. Mas ninguém parecia saber da minha imunidade, e os nobres ainda pensavam que eu era uma simplória com um olfato aprimorado e nada mais. Agora, eles provavelmente assumiriam que minha espada me salvou dos raios de Libby e dos de Vasilia também. Que minha arma tinha algum poder especial ou propriedade que a diferencia do tearstone normal. Isso era melhor do que eles tentarem usar minha magia para seus próprios fins, mas eu teria que ter cuidado com ladrões de agora em diante. Eles não apenas desejariam a minha espada, mas também a adaga no meu cinto, a pulseira no meu pulso e o escudo nos meus aposentos. Apertei mais a minha espada, como se não quisesse soltar, mesmo que o perigo tivesse passado. Ainda mais fome despertou no olhar de Fullman, bem como de alguns dos outros nobres. Bom. Toda mentira em que eles acreditassem me dava uma vantagem sobre eles. Quanto mais eu olhava para os nobres, especialmente o rosto presunçoso de Fullman, mais irritada eu ficava. Eu totalmente esperava que Maeven continuasse tentando me matar, por um representante ou

pessoalmente, até que uma de nós estivesse morta. Alguém sempre queria matar a rainha. Esse era o meu fardo, quer eu gostasse ou não. Mas o que me deixou realmente lívida foi que nenhum dos nobres se importaria se eu vivesse ou não. Se o assassino tivesse me matado, eles nem esperariam até que meu corpo estivesse frio antes de começarem a planejar para ver qual deles poderia assumir o trono. Eu sempre teria que lutar contra Maeven e os Mortans, mas não lutaria com meu próprio povo também. Não mais. — Vocês gostaram do show? — falei. — Gostaram de assistir aquela garota se matar após falhar em me matar? Ninguém respondeu, mas eu não queria que fizessem. A raiva fria tomou conta de mim e não tentei esconder. Não dessa vez. Em vez disso, apunhalei minha espada no corpo da garota. Algumas gotas de sangue voaram da ponta da lâmina e espirraram no chão aos pés de Fullman e dos outros nobres, mas também não me importei com isso. Deixe eles se encharcarem no sangue de todas as pessoas que tiveram que matar da mesma forma que eu. Deixe que ouçam os gritos de seus entes queridos mortos ecoando em seus ouvidos. Que tenham pesadelos sobre todas as pessoas inocentes que eles viram ser massacradas. Talvez, então, entenderiam quem era nosso verdadeiro inimigo. — É isso que estou enfrentando — rosnei. — É isso que todos estamos enfrentando. Vocês acham que os Mortans vão parar só comigo? Eles querem todos nós mortos. Qualquer pessoa em Bellona que possa ser uma ameaça para eles está em risco. Isso inclui muitos de vocês, percebam ou não, junto com seus filhos e cônjuges e todo mundo com quem vocês se importam. Eu me virei em um círculo, olhando primeiro um nobre, depois outro. — Estou indo para Andvari. E vou garantir um novo tratado de paz com o rei Heinrich. Enquanto eu estiver fora, vocês têm uma decisão a tomar. Podem deixar de lado suas diferenças insignificantes e lutas de poder e parar de foder seus jogos. Podem ficar do meu lado e me ajudar a proteger Bellona contra os Mortans. Ou vocês podem sentar, não fazer nada, e esperar para serem abatidos, assim como os Blairs foram massacrados. A escolha é de vocês.

Dei aos nobres mais um olhar de enojado, depois me virei e saí da sala do trono. *** Eu esperava que alguém viesse atrás de mim. Paloma, talvez, ou Capitão Auster. Mas meus amigos devem ter percebido que eu precisava de alguns minutos sozinha, porque não ouvi nenhum passo. Realmente não pensei para onde ia, apenas que queria me afastar do sangue, da morte, e da política venenosa. Caminhei por alguns corredores, virei uma esquina e empurrei algumas portas de vidro. Acabei no gramado real. Eu parei, meu corpo tenso, e meu olhar foi cortado para a esquerda e para a direita. Por um momento, senti como se houvesse voltado no tempo, para o massacre nove meses atrás, e eu meio que esperava ver um grupo de guardas vira-casaca correndo para me derrubar, exatamente como eles fizeram naquele dia horrível. Levei alguns segundos para perceber que não havia guardas, viracasaca ou outra coisa, e que eu era a única pessoa aqui. Tomei várias respirações lentas e profundas, tentando controlar minha raiva e lembranças. Eram meados de setembro, os últimos dias minguantes do verão, embora o sol da manhã já estivesse assando o ar. A grama perfeitamente cuidada se estendia por centenas de metros, enquanto os caminhos de pedra serpenteavam passando por árvores altas e enormes canteiros de flores cheios de flores coloridas e brilhantes. Abelhas zumbiam através do ar carregado e pegajoso, passando de uma flor para outra, e o cheiro de pólen misturado com os perfumes inebriantes das flores fizeram cócegas no meu nariz. Todos se reuniram na sessão da corte, então o gramado estava deserto. Nenhum guarda vagava ao longo dos caminhos e ninguém descansava nos bancos pretos de ferro forjado. Bom. Eu queria ficar sozinha agora. Avancei, sem ter certeza de onde estava indo, além de me afastar de todos dentro do palácio. Mas minha trégua seria breve, na melhor das hipóteses. A rainha nunca era deixada sozinha. E já que alguém acabara de

tentar me matar, Paloma e o Capitão Auster provavelmente apareceriam a qualquer segundo, junto com vários guardas. Mas eu estava determinada a aproveitar esse momento de relativa paz e quietude pelo maior tempo possível, então eu continuei, colocando ainda mais distância entre o Palácio e eu. Por fim, saí do caminho e parei em um ponto na grama. Foi aqui que o massacre da realeza ocorreu e onde tantas pessoas morreram, incluindo Isobel, a mestre de cozinha que foi como uma segunda mãe para mim. Evie! Evie! Os gritos de Isobel soaram em minha mente, e eu quase pensei sentir seu cheiro – açúcar em pó misturado com canela. Pelo menos, esse era o cheiro dela antes de um guarda vira-casaca empurrar a espada no peito dela, encharcando Isobel em seu próprio sangue. De repente, o sol não estava tão claro e o dia não estava tão insuportavelmente quente. Em vez disso, um calafrio me varreu, e tive que envolver os braços em volta de mim para segurar um calafrio. Eu me apressei. Acabei no muro baixo de pedra que isolava o gramado da queda de sessenta metros abaixo. O palácio Seven Spire projetava-se para fora da montanha com o mesmo nome, e o gramado oferecia vistas deslumbrantes do rio Summanus, que descia das montanhas circundantes da torre e corria em direção ao mar do sul. Lá embaixo, sete pontes de paralelepípedos se arqueavam sobre o rio e levavam a Svalin. Edifícios de todas as formas e tamanhos se estendiam por quilômetros, incluindo a enorme cúpula da arena Black Swan, perto da orla da cidade. Mas não importa quão grandes ou pequenos, bem conservados ou degradados, todos os edifícios ostentavam pináculos de metal nos cantos de seus telhados. As pontas afiadas e esbeltas representavam espadas e a tradição dos gladiadores de Bellona, e também imitavam as sete torres altas de tearstone que cobriam o palácio e deram o nome de Seven Spire. Normalmente, eu adorava a vista do rio e da cidade, mas agora, as torres pontiagudas brilhando na luz do sol me lembraram da adaga envenenada de Libby. Mais uma vez, não pude deixar de sentir nojo que a jovem desperdiçou sua vida tentando acabar com a minha.

Mas meus pensamentos rapidamente mudaram de Libby para Maeven, já que eu sabia que ela era a verdadeira arquiteta dessa trama de assassinato, exatamente como ela fora do massacre em Seven Spire. Eu me perguntava onde Maeven estava, e especialmente o que ela estava fazendo. Ela estava em Svalin? Escondida em alguma bela casa e esperando a notícia do meu assassinato chegar aos seus ouvidos? Ou estava mais longe? Talvez até de volta a Morta? Eu não sabia, e supunha que realmente não importava onde estava Maeven, apenas o que ela faria quando percebesse que seu plano para me matar havia falhado. Mas, infelizmente, eu sabia a resposta para essa pergunta – ela mais uma vez tentaria me matar assim que possível. — Uma coroa pelos seus pensamentos? — murmurou uma voz baixa. Meu coração disparou com o som da sua voz. Eu respirei fundo, deixando seu perfume frio e limpo de baunilha encher meus pulmões. De repente, meu coração estava batendo tão forte e rápido que pensei que poderia sair do meu peito e cair sobre as rochas, mas não me importei. Em vez disso, respirei fundo, deixando seu perfume penetrar profundamente nos meus pulmões e usá-lo para afastar o cheiro persistente do sangue e veneno da assassina. Lucas Sullivan parou na parede ao meu lado e olhou para a cidade. Enquanto ele admirava a vista, eu o admirava, bebendo avidamente seus cabelos castanhos escuros, penetrantes olhos azuis e a barba por fazer que se agarrava à sua mandíbula. Eu estava tão ocupada lidando com várias crises e tentando garantir o trono que não o vi nas últimas semanas. E nunca assim, quando era apenas nós, sozinhos. — Olá, Sully — disse eu demoradamente. — Serilda enviou você para me checar? Para ter certeza de que eu não estava tentada a dar ouro mergulho de cisne nos penhascos e me livrar da minha própria miséria? Um sorriso torto ergueu seus lábios. — Não, Serilda não me enviou. Eu mesmo queria verificar você. Meu coração gaguejou novamente com a preocupação óbvia em sua voz, mas me forcei a controlar minha atração e especialmente meus sentimentos. Sullivan havia deixado absolutamente claro que nunca

poderíamos estar juntos, um príncipe bastardo e uma rainha, e eu respeitaria seus desejos, não importa o quanto eles nos machucassem. Ele se virou para mim. — Você fez bem hoje. Arqueei uma sobrancelha. — Você quer dizer, porque eu sobrevivi a ser envenenada e assassinada pela segunda vez este ano em Seven Spire? Ele balançou a cabeça. — Não. Eu quis dizer que você se saiu bem durante a corte. Lidando com os nobres. Você é boa nisso. — Você parece surpreso. Ele balançou a cabeça novamente. — Eu não deveria estar. Eu sei que você morou no palácio depois que seus pais foram mortos, quando era mais jovem. Mas a maneira como você lidou com Fullman e Diante... Isso foi muito hábil. Eu não poderia ter feito isso. — Você é o mago executor da trupe do Cisne Negro. Certamente disputar com alguns nobres intrigantes não é mais difícil do que manter gladiadores e seus enormes egos sob controle. Outro leve sorriso ergueu seus lábios. — Você sabe tão bem quanto eu que as coisas eram muito mais simples no Cisne Negro e que os gladiadores podiam descontar sua raiva e frustração um no outro na arena. Eu preferiria lidar com um gladiador raivoso com uma espada na mão e fúria no coração do que um nobre com palavras astutas na língua e esquemas em abundância em sua mente. Eu não poderia discutir com isso. — Além disso, eu nunca fui muito bom em estar na corte, em... lidar com pessoas. — Um olhar sombrio e distante encheu seus olhos, como se estivesse pensando em suas próprias experiências na corte real andvariana. — O que aconteceu? Foi seu pai? Ele te tratou... mal? — Não. Ele era realmente muito bom para mim e para minha mãe também. Tínhamos nossos próprios aposentos no palácio, e sempre fomos incluídos com a rainha e seus filhos, meus meio-irmãos. Tudo sempre foi igual, exceto pela maneira como as outras pessoas nos tratavam. Sua mandíbula apertou. Eu podia imaginar como os nobres andvarianos tentaram usá-lo, e sua mãe também, para promover seus próprios planos.

Sullivan deu de ombros, como se tentasse aliviar sua raiva, junto com suas más lembranças. — Os jogos do palácio nunca pareciam incomodar minha mãe, mas eles me enfureceram. Eu sempre me perguntei por que as pessoas não podiam simplesmente dizer o que queriam dizer e fazer o que prometeram. — Foi por isso que você foi embora? —

Parcialmente.

Havia

também

algumas...

circunstâncias

extenuantes. Essas circunstâncias devem ter sido bastante extremas, dada a tensão em sua voz e o cheiro de desgosto cinzento que girava em torno dele. Eu esperei, esperando que ele elaborasse, mas ele não fez. — E agora você está voltando para Andvari, de volta à corte real de Glitnir — disse eu. — Tudo por minha causa. Ele assentiu. — Você estava certa antes. Garantir uma aliança entre Andvari e Bellona é a coisa mais importante agora. Se não estivermos unidos, cairemos para os Mortans. — É por isso que você planejou a viagem? Assim que matei Vasilia, comecei a pensar na melhor maneira de reparar as relações entre nossos reinos. Para minha surpresa, Sullivan se ofereceu para entrar em contato com o pai, e intermediou o acordo para eu viajar para Andvari. Ele deu de ombros novamente. — Mais ou menos. Mas também quero ver minha mãe e Gemma. Quero verificar se elas estão realmente bem. Gemma era sobrinha de Sullivan e neta do rei. A menina fizera parte do contingente andvariano que esteve em Seven Spire durante o massacre, e ela era a única deles que sobreviveu ao abate. Eu me perguntei se ela tinha pesadelos sobre isso assim como eu. Provavelmente. Simpatia me encheu, e coloquei minha mão em cima da dele, que estava apoiada no muro de pedra. Sullivan estremeceu, como se meu toque suave tivesse queimado, mas ele não puxou sua mão da minha e se afastou como fez no passado. Em vez disso, ele inclinou em minha direção, um olhar faminto nos olhos. Combinava com a fome dolorida e sem fôlego percorrendo meu próprio corpo.

Uma rajada de vento assobiou das montanhas, chicoteando meu cabelo preto ao redor do meu rosto. Sullivan levantou a mão, como se fosse pentear meu cabelo para trás, mas então seu olhar se desviou e concentrou na minha coroa. O leve peso de repente pareceu tão pesado quanto uma pedra esmagando minha cabeça, e meu coração junto com isso. Os lábios de Sullivan torceram, e ele deixou a mão cair para o lado e afastou a outra debaixo da minha. Estendi minha mão para agarrá-la novamente, mas pensei melhor e enrolei meus dedos em um punho apertado em vez disso. Por um momento, eu ainda podia sentir o calor de sua pele contra a minha, mas outra rajada de vento nos varreu e arrancou isso também. Sullivan pigarreou, fingindo que não havia notado meu estender de mão e afastou o olhar do meu. — O que é isso? — perguntou ele. — Lá, em cima do muro? Olhei para baixo. Dois grandes corações foram esculpidos em uma das pedras, juntamente com as iniciais J + K gravada no centro, onde os corações se sobrepunham. Fiz uma careta. Eu não percebi onde eu estava, mas deveria. Eu sempre gravitava em direção a este local. — Oh — disse eu em voz baixa, tentando afastar suas perguntas. — É apenas uma escultura. Nada importante. Sullivan ergueu as sobrancelhas. — As pessoas só dizem isso quando algo é realmente muito importante. Ele não deixaria passar, então eu suspirei, depois bati meu dedo nos corações. — Alguma vez ouviu a história da Rainha Johanna Blair e seu amante, Killian? Sullivan balançou a cabeça. — É uma famosa história de amor de Bellonan. Johanna era a irmã mais nova de Jocelyn, a princesa da coroa, e Killian era um ferreiro do palácio. Eles

costumavam

brincar

juntos

quando

crianças,

e

acabaram

se

apaixonando. A mãe de Johanna, Rainha Deborah, não aprovou o relacionamento de sua filha com um humilde ferreiro, mas foi tolerado porque Johanna não herdaria o trono. Sullivan fez a pergunta óbvia. — Mas?

— Mas Jocelyn morreu em um acidente de barco e Johanna se tornou a princesa. Você sabe tão bem quanto eu, que se espera que todo nobre se case bem e garanta maiores e melhores fortunas, terras, títulos e alianças para sua família. Isso é especialmente verdade quando se trata da realeza. Desta vez, Sullivan fez uma careta. Ele disse algo semelhante na noite em que me disse que nunca poderíamos ficar juntos. Mesmo que ele estivesse certo naquela época, e ainda estivesse agora, isso não fez com que as palavras doessem menos, e não aliviou minha mágoa, frustração ou desejo. E ele estava certo sobre outra coisa. As coisas eram muito mais simples no Cisne Negro, quando ele era apenas um executor mago e eu era apenas uma gladiadora, do que elas jamais seriam aqui, especialmente quando se tratava dos nossos sentimentos e nosso maldito dever de ignorá-los. — Deixe-me adivinhar — disse Sullivan em voz baixa e tensa. — A rainha escolheu outra pessoa para Johanna se casar, e Killian ficou com o coração partido. — Claro. Killian não suportava ver Johanna se casar com outra pessoa, então ele deixou o palácio e conseguiu um emprego na cidade. Mas esse não é o fim da história deles. — Apontei para um ponto à distância. — Vê aquela ponte? Chama-se Pureheart. Todas as pontes têm nomes, mas eu particularmente gosto dessa. Sullivan olhou de soslaio nessa direção. As sete pontes que se arqueavam sobre o rio Summanus eram praticamente iguais, mas a ponte para a qual eu apontava tinha uma característica extra e notável – um sino enorme que ficava do outro lado. Uma vez, o sino foi de prata polida brilhante, mas o tempo o manchou lentamente para um cinza opaco e normal. — Killian não era um mero ferreiro — continuei. — Ele era um mestre do metalstone e fazia todos os tipos de coisas incríveis, mas sua especialidade eram instrumentos musicais – flautas, assobios, harpas. Uma vez que o noivado de Johanna foi anunciado, Killian foi contratado para fazer o Heartsong – um belo sino para tocar no casamento do casal. Mas ele teve outras ideias. — Os heróis sempre fazem — disse Sullivan.

— Killian fez o Heartsong como instruído, até todas as espadas, flores, trepadeiras e corações que a rainha queria esculpidos na prata, e então ele a carregou em uma carroça. Mas em vez de entregar no palácio, alguns amigos o ajudaram a montar o sino do outro lado da ponte, onde fica até hoje. — Então o que aconteceu? Eu sorri. — Então ele começou a tocar. Sullivan franziu a testa. — O quê? Por quê? — Killian tocou e tocou e tocou aquele sino. O canto do coração fez jus ao seu nome e os sinos ecoaram por toda a cidade. Todos vieram ao rio para ver o que estava acontecendo. A Rainha Deborah e a Princesa Johanna também ouviram a comoção e saíram para este local. — Fiz um gesto para a ponte novamente. — Assim que a rainha e Johanna apareceram, Killian parou de tocar o sino. Com todo mundo assistindo, ele caminhou até o meio da ponte, declarou seu amor por Johanna, e implorou à rainha que o deixasse casar com ela. Killian disse que faria o que a rainha quisesse se ele pudesse ficar com Johanna. — E o que a rainha disse? — perguntou Sullivan. Eu sorri — Ela fez uma das suas coisas favoritas. Ela fez um teste para ele. Ele bufou. — A rainha disse a Killian que se ele realmente amava Johanna, ele deveria ir buscá-la. — Isso não soa muito como um teste. Eu apontei para baixo. — Ela disse a Killian para vir buscar Johanna dessa maneira. Sullivan se inclinou e nós dois olhamos para baixo. Varandas, terraços e colunas adornavam grande parte do lado de fora de Seven Spire, mas essa seção do gramado real dava para as falésias íngremes e irregulares que caíam até o rio sessenta metros abaixo. — A rainha disse a Killian que se ele fosse corajoso o suficiente, forte o suficiente para subir as falésias e alcançar Johanna, então eles poderiam se casar. — E ele fez?

— Claro. — Bati meu dedo nos dois corações e nas iniciais. Johanna e Killian esculpiram isso no dia do casamento. De acordo com os contos, os dois se casaram e foram felizes até morrerem, e o reinado de Johanna foi longo e próspero. Sullivan balançou a cabeça. — Vocês Bellonans certamente amam seus esportes de espectador. Eu sorri. O conto de Johanna e Killian era um dos meus favoritos, principalmente porque o deles não era o fim da história – era apenas o começo. — Nós amamos nossos esportes para espectadores e também amamos nossas tradições. — Apontei para outra pedra alguns metros de distância que também apresentava dois corações sobrepostos, junto com as iniciais. — Graças a Johanna e Killian, várias pessoas escalaram Seven Spire para estar com seus amores. E não apenas aqueles da família Blair. Outros membros da realeza, nobres, servos e guardas o fizeram. Nós chamamos isso de julgamento Pureheart. O olhar de Sullivan passou de uma pedra para outra, olhando os corações e as iniciais ligadas. A boca dele torceu um pouco, como se desejasse nunca ter perguntado sobre a talha. Parte de mim gostaria que ele não tivesse perguntado também, uma vez que apenas destacou as diferenças entre nós. Andvarian, Bellonan, bastardo, rainha. Coisas que nenhum conto de fadas sobre subir em penhascos realmente mudariam. Limpei minha garganta. — Mas é claro que nem sempre termina feliz. — Não? Fiz um gesto para outra pedra que apresentava um coração quebrado em dois, junto com duas iniciais. — Esse é para um nobre chamado Elric. Ele morreu durante a escalada. Sullivan fez uma careta. — Elric é o único que realmente morreu — continuei. — Embora muitas pessoas tenham quebrado braços e pernas. Ele olhou para os penhascos irregulares novamente. — Não consigo imaginar o porquê. — A escalada também terminou de outras maneiras. — Fiz um gesto para outra pedra que apresentava um único coração com um grande S

esculpido no meio. — Esse é da Sabrina, uma das minhas primas de Blair. Ela era uma órfã como eu, sem família ou dinheiro de verdade. Ela subiu até o topo. — O que aconteceu? Dei de ombros. — O amante de Sabrina estava esperando aqui em cima, mas ela decidiu não se casar com ele, afinal. Ela disse que se ele estava mais preocupado em ser deserdado do que perdê-la, ele poderia manter o dinheiro sangrento e ela se casaria com alguém que realmente a amava, alguém que lutaria por ela, alguém que escalaria os penhascos por ela, e não o contrário. Ela é a pessoa mais famosa a concluir o julgamento Pureheart, além de Killian. Essa história finalmente colocou um sorriso de volta no rosto de Sullivan, e um pouco da tensão diminuiu de seus ombros. — As pessoas ainda escalam os penhascos para declarar seu amor? — Na verdade não. A última vez que alguém tentou foi cerca de trinta anos atrás. Um homem começou a subir, mas ficou com medo. Sua amante ficou tão brava que ela lhe disse para fugir como o covarde que ele era, e aquele homem nunca mais foi visto, nem se ouviu falar dele. Sullivan riu. Eu me concentrei no som baixo e rouco, tentando imprimir em minha mente da mesma maneira que eu sentia o cheiro dele, a cor gelada de seus olhos e a curva de seu rosto sempre que ele sorria. — Bem, uma coisa é certa — murmurou ele, olhando para os penhascos novamente. — O quê? — Você precisa estar desesperadamente apaixonado para fazer algo tão estúpido e perigoso. Ele manteve o olhar fixo nos penhascos, mas meu coração ainda estava apertado. As histórias podem ser grandiosas e românticas, mas nós dois sabíamos que o amor nem sempre consertava as coisas. Às vezes, apenas as tornava piores. — Você deveria voltar para dentro, alteza. — Sullivan inclinou a cabeça para a direita. — Sua narrativa atraiu uma audiência.

Olhei por cima do ombro. Vários nobres estavam agora circulando pelo gramado, fingindo admirar as flores enquanto não tão secretamente me espiavam. Fullman e Diante estavam entre os observadores, e nenhum deles parecia satisfeito em me ver com Sullivan. Fullman olhava para o mago enquanto os braços de Diante estavam cruzados sobre o peito. Os dois nobres ainda tinham aspirações de me casar com um de seus parentes. Para minha surpresa, Serilda também estava aqui, descansando em um banco com um copo de sangria de amora, enquanto Cho estava ao lado dela, comendo bolos de uma pequena bandeja. Ambos me observando com expressões divertidas. Sem dúvida, eles viram esse tipo de drama acontecer dezenas de vezes durante seus anos como guardas da Rainha Cordelia. Infelizmente, o amor condenado era uma história bastante universal, independentemente da posição ou reino em que você nasceu. Incluindo os seus próprios. Serilda e Cho obviamente se preocupavam profundamente um com o outro. Eu até pensava que eles se amavam, e eu não tinha ideia do que os impedia de ficar juntos. Talvez a mesma mistura de deveres, honra e orgulho que ficaram entre Sully e eu. Apesar de seu sorriso, os olhos de Serilda se estreitaram em pensamento, e pude sentir o mais fraco traço de magia flutuando dela. Além de ser uma feroz guerreira, Serilda também era uma especia de maga do tempo, embora ela não tivesse visões do passado ou do futuro como outros magos. Em vez disso, ela via possibilidades, maneiras diferentes pelas quais as pessoas podiam agir e reagir, e coisas diferentes que podiam acontecer com base nas escolhas que as pessoas faziam. Eu me perguntei o que ela viu quando olhou para Sullivan e eu. Desgosto, provavelmente. Isso é tudo que eu podia ver quando olhava para ele. Serilda drenou a sangria, colocou o copo no banco e se levantou. Cho colocou o último bolo na boca e afastou a bandeja vazia. Suspirei, sabendo que minha breve pausa havia terminado e que era mais uma vez a hora da Rainha Everleigh cumprir seu dever. — Eu devo ir.

— Obrigado por me contar essas histórias — disse Sullivan em uma voz suave. Nossos olhares travaram, e eu respirei fundo, sentindo o cheiro dele novamente. Cheio de arrependimento mentolado, assim como o meu. Sullivan estendeu os dedos, como se fosse cobrir minha mão com a dele, mas no último momento, ele fechou a mão em punho, exatamente como eu fizera antes. Ele não me tocaria assim, não com tantas pessoas assistindo, não importa o quanto ele quisesse. Eu olhei para as nossas mãos, as dele de um lado dos corações esculpidos e as minhas do outro. Tão perto, ainda tão distantes. É assim que sempre seria entre nós. E isso machucou meu coração mais do que eu jamais pensei ser possível.

Capítulo 05 Deixei Sullivan em pé na parede e fui até Serilda e Cho, que me encontraram no meio do gramado. — Desculpe incomodá-la — disse Cho num tom alegre —, mas achamos melhor vir buscá-la antes que seus súditos leais decidam cercar você novamente. Eu olhei para os nobres. Fullman ficou olhando para Sullivan, enquanto Diante conversava com seus netos e gesticulava para mim, como se estivesse tentando convencer um ou todos eles a tentarem me conquistar. — Acho que devo agradecer que Fullman e Diante não exigiram que eu me casasse com alguém naquele momento e ali na sala do trono. — Pena que eles não fizeram — demorou Serilda. — Teria sido divertido assistir você dançar para sair disso. Dei a ela um olhar amargo. — Você está gostando demais do meu sofrimento. Foi você quem me colocou nessa posição, lembra? Foi você quem me fez rainha. — Você se tornou rainha — corrigiu. — E não estou gostando do seu sofrimento. — Muito — acusei.

Ela sorriu. — Muito — concordou. — Mas sofrimento ou não, nosso trabalho é mantê-la viva. Lidar com os nobres e seus planos mesquinhos é com você, Evie. Suspirei. Às vezes, eu pensava que ser rainha era como tentar arrumar um lago cheio de patinhos que estavam constantemente gritando, nadando em círculos e tentando me afogar, tudo ao mesmo tempo. Quack, quack, quack. — Mas você lidou bem com os nobres. — Cho entrou na conversa, tentando dar uma guinada positiva nas coisas. Resisti ao desejo de erguer minhas mãos em exasperação. — Por que todo mundo parece tão surpreso com isso? Serilda deu de ombros. — Porque ninguém lembra que você esteve aqui o tempo todo, assistindo aos nobres, aprendendo seus jogos e sobrevivendo aos seus planos. Mas depois de hoje, nenhum deles esquecerá novamente. Ouvi vários deles lá dentro, sussurrando e tentando freneticamente se lembrar de todas as coisas más e desagradáveis que eles já disseram ou fizeram para você. Eu bufei. — Bem, isso deve mantê-los ocupados por um bom tempo. Cho riu. — Sim, deve. Examinei o gramado, procurando o resto de nossos amigos. — Onde estão os outros? Você descobriu alguma coisa sobre a assassina? — Theroux está questionando a equipe da cozinha, tentando descobrir há quanto tempo aquela garota trabalhava aqui — disse Serilda. — Auster está fazendo o mesmo com os guardas, tentando rastrear seus movimentos através do palácio e determinar se ela alguma vez entrou na cidade. Xenia está procurando no quarto da menina, e eu pedi a Paloma que fizesse Sullivan examinar o cálice e a adaga, para ver se ele conseguia descobrir que tipo de veneno ela usou. Ao longe, uma das portas de vidro se abriu. Paloma caminhou para fora e foi em direção a Sullivan. Voltei-me para Serilda e Cho. — E o que vamos fazer? — Nós vamos obter algumas respostas sobre sua suposta assassina, Maeven, e tudo mais — respondeu Serilda.

— Como faremos isso? A garota está morta. — Sim, mas há mais alguém em Seven Spire que ainda está muito vivo. — Ela sorriu de novo, mas desta vez sua expressão era fria e predatória, em vez de calorosa e amigável. — E estou muito ansiosa por obter respostas dele – de uma maneira ou de outra. *** Segui Serilda e Cho de volta ao palácio. Andamos até o final de um corredor, atravessamos uma porta e descemos um lance de escada. Depois outro conjunto de escadas, depois outro. Não demorou muito tempo para eu perceber para onde estávamos indo. A masmorra do palácio. Localizados no nível mais baixo de Seven Spire, no fundo da barriga da montanha, esses corredores eram escuros e vazios. O único som era o leve ruído de nossas botas contra as lajes, mas as sombras escuras e o silêncio misterioso me acalmaram. Pelo menos ninguém estava conspirando contra mim aqui. Nossa rota de torcer e virar nos levou a um grande buraco aberto em uma das paredes. Serilda, Cho e eu paramos e espiamos pela abertura. Uma linda porta de vitral costumava ficar aqui, em frente à oficina de Alvis, o joalheiro real de quem fui aprendiz por anos. Xenia me disse que ela e Gemma fugiram para cá durante o massacre e que Alvis havia usado sua magia de metal para desmoronar a parede e o teto para impedir os guardas vira-casaca de alcançá-los. Então, os três escaparam usando uma passagem secreta na oficina de Alvis. Em algum momento do breve reinado de Vasilia, as pedras esmagadas foram removidas, assim como as joias, ferramentas e mesas que encheram a oficina de Alvis, deixando uma concha vazia e inútil. Respirei fundo, mas não conseguia mais sentir o sabor metálico de sua magia. A tristeza tomou conta de mim, junto com a raiva por Vasilia ter tirado algo de mim, mesmo que ela estivesse morta, mas empurrei as emoções de

lado. As coisas mais importantes eram que Alvis estava vivo e bem e que eu veria ele e Gemma durante minha viagem a Andvari. Serilda não disse nada, mas o cheiro de sua dor salgada encheu o ar. Ela não gostou de ver a oficina de Alvis assim também. Cho estendeu a mão e apertou o ombro dela. Ela assentiu para ele, depois seguiu em frente, e Cho e eu a seguimos. Alguns minutos depois, chegamos a uma porta no final de um longo corredor. Em vez de uma porta comum, esta era um enorme domo redondo, como se metade de um escudo de prata tivesse sido colocado na parede. Uma única figura estava incrustada no centro do metal – uma mulher com uma trança por cima do ombro e uma espada na mão, que parecia olhar furiosamente para quem ousasse se aproximar. Outra imagem de Bryn Blair, minha ancestral e a primeira rainha de Bellona. Dois guardas que reconheci como gladiadores da tropa Cisne Negro estavam postados do lado de fora da porta, e eles ficaram em sentido quando Serilda caminhou na direção deles. — Alguma mudança? — perguntou ela. — Não — disse um dos gladiadores —, ele ficou quieto até agora. Os dois guardas seguraram o anel grande colocado no metal e usaram sua força combinada de simplório para abrir a porta. O barulho alto do deslize pelo chão me fez estremecer, e o som áspero ecoou pelas paredes e sacudiu o corredor. Serilda entrou pela abertura. Eu a segui, mas Cho ficou do lado de fora com os guardas. Andamos por um amplo corredor com portas de metal de tamanho normal embutidas nas paredes. As celas na parte da frente da masmorra estavam vazias e entramos em outro corredor. Mais celas se alinhavam nas paredes aqui, mas elas também estavam vazias, e passamos por elas até o fundo da masmorra, que se abriu em uma única sala grande. Barras de tearstone isolavam o terço da parte de trás da área. Três celas separadas foram colocadas na parede, mas apenas a do centro estava ocupada. Palha cobria o chão ali, amolecendo a pedra, embora tivesse molhado

semanas

atrás,

dadas

as

gotas

de

água

que

escorriam

continuamente pela parede dos fundos como lágrimas escorrendo do rosto de alguém. As únicas peças de mobiliário, se você pudesse chamá-las assim, eram um pequeno catre de armação de metal sujo, cobertores puídos que não cobriam o colchão igualmente sujo, e dois baldes de madeira colocados em cantos opostos. Um dos baldes continha água, enquanto o outro era usado como penico. Meu nariz estremeceu e meu estômago revirou com o cheiro azedo e pungente. Um homem estava encolhido na cama, usando o braço como travesseiro para a cabeça. Ele estava virado para a parede traseira, longe de nós, embora seus pés estivessem pendurados na lateral da cama, como se não quisesse que suas botas ridiculamente de salto alto sujassem o colchão. Ou talvez ele não quisesse que o colchão sujasse suas botas. Difícil de dizer. — Olá, Felton — falou Serilda. O prisioneiro lentamente levantou a cabeça e sentou-se para ficar de frente para nós. Ele era um homem baixo e magro, que ficou mais magro durante os meses que passou aqui. Seu cabelo preto ainda brilhava sob os fluorestones, embora tivesse perdido seu brilho, e uma barba despenteada crescera em torno de seu bigode, uma vez perfeitamente arrumado e estilizado. Ele estava vestindo as mesmas roupas que usava na noite em que matei Vasilia, embora o fio de ouro de sua túnica e calça pretas estivesse desgastado e perdido seu brilho elegante, assim como o resto dele. A única parte dele que não era uma bagunça suja era suas botas pretas, que ainda estavam surpreendentemente limpas e brilhantes, apesar da imundície mofada que revestia a cela. Felton fora secretário pessoal da Rainha Cordélia e ajudara Vasilia, Nox e Maeven a assassiná-la e ao resto dos Blairs. — Serilda — murmurou ele. — Finalmente pronta para começar a me torturar? Ela encolheu os ombros. — Isso depende de quão acessível você é. E, é claro, dos desejos da minha rainha. Felton se concentrou em mim, e seu olhar negro se aguçou. — Rainha? — rosnou. — Ela não é uma maldita rainha.

— Acho que a coroa na cabeça dela diz o contrário, mas quem sou eu para fazer tais julgamentos? — respondeu Serilda. — Você sempre disse que eu não era nada além da filha de um mineiro estúpido e humilde, cujas ambições eram mais altas que o direito de primogenitura. O rosto de Felton se torceu em um sorriso de desprezo por aquele insulto de muito tempo atrás. Eu não sabia tudo o que aconteceu entre eles durante os anos em que ambos serviram Cordelia, mas Serilda e Felton se desprezavam. Ela sentira grande alegria em levá-lo para a masmorra, depois que Cho o capturou durante o desafio real, e Felton estava apodrecendo nesta cela desde então. — Mas insultos à parte, viemos aqui para obter informações — disse Serilda. — Informações que tenho certeza de que você tem, Felton. Os olhos dele se estreitaram. — E que informação seria essa? Ela gesticulou para mim. — Quem tentou envenenar a rainha hoje. — — Tentou? — Ele olhou para mim novamente. — É uma pena que eles não tenham conseguido, Everleigh, e acabaram com sua farsa miserável de reinado. Mesmo que ele estivesse atrás das grades, suas palavras ainda me atingiam como um tapa no rosto. Elas ecoaram meus próprios medos, de que eu era uma fraude fraca e miserável, em vez de uma forte e verdadeira rainha Winter. Felton sempre se destacou em distribuir insultos, especialmente para mim. Posso ser boa em esconder minhas emoções, mas Felton me conhecia há muito tempo, e ele percebeu exatamente o quanto suas palavras me machucavam. Outro sorriso zombeteiro torceu seu rosto, e um rubor quente e envergonhado escaldou minhas bochechas, apesar do ar frio e úmido. — Encare isso, Everleigh — disse ele em um tom malicioso. — Você nunca será metade da rainha que Vasilia era. — Você quer dizer que eu não mandarei matar minha mãe, irmã e primos reais? — Minha voz era tão fria quanto as paredes de pedra. — Se for esse o caso, ficarei feliz em não seguir os passos de Vasilia. Felton revirou os olhos com a minha tentativa lamentável de zombar dele com suas próprias palavras, mas ele se levantou e caminhou até as

barras. — Por que vocês vieram aqui? Caso não saibam, estou ocupado contando as rachaduras nas paredes. — Você estava em aliança com Maeven — disse Serilda. — Eu quero saber tudo o que ela já disse para você, especialmente sobre os bastardos reais de Mortan. Ele arqueou uma sobrancelha. — Ah, então um desses que tentou matar a doce e pequena Everleigh. Um dos muitos parentes de Maeven. Deixeme repetir meu sentimento anterior: é uma pena que eles não tenham tido sucesso. Eu cerrei os dentes para não responder. Eu nunca ganharia uma guerra de palavras com Felton, apesar de sua situação atual. — Você deveria ser mais gentil com sua rainha — retrucou Serilda, sua voz assumindo um tom duro. — Ela é a única razão pela qual você está desfrutando de suas acomodações atuais, em vez de sangrar por todos os orifícios. Ela acenou com a mão para uma mesa no canto coberta de espadas, punhais e ferramentas. Eu podia sentir o cheiro de sangue velho e seco sobre eles por todo o caminho. Curiosamente, mais sangue revestia as ferramentas do que as armas. Ou talvez isso não tenha sido curioso, considerando onde estávamos. Serilda se aproximou e pegou um pequeno martelo. Então ela começou a lançá-lo de ponta a ponta em sua mão, como se estivesse sentindo a ferramenta da mesma maneira que faria com uma espada. Os movimentos fizeram um pequeno pingente brilhar no oco da garganta – um cisne feito de lascas de ambar preto com um olho e bico de tearstone azul. Outro dos desenhos de Alvis, assim como a pulseira no meu pulso, a espada e punhal amarrados à minha cintura. — Certamente você não esqueceu a rapidez com que posso fazer alguém falar — ronronou Serilda. — Depois de tudo, você ficou aqui muitas vezes e me viu trabalhar com aqueles que teriam feito um grande dano a Cordelia e Bellona.

O olhar de Felton se fixou no martelo. Ele engoliu em seco e se afastou das barras da cela, como se lembrando de quão cruel ela era em defender sua rainha e seu reino. Eu sabia que os guardas do palácio apelidaram Serilda de Cisne Negro anos atrás por causa de todas as mortes que ela trouxe para os inimigos de Cordelia, mas não percebi que ela havia torturado esses inimigos por informações também. Não fiquei surpresa, no entanto. Após Serilda lhe dar sua lealdade, ela era sua por toda a vida. Embora Cordelia a tivesse expulsado de Seven Spire por ousar sugerir que Vasilia um dia mataria a rainha, Serilda continuara ajudando Cordelia o melhor que podia de longe. — Não há necessidade de ameaças — disse eu. — Eu sei como afrouxar os lábios de Felton. — Você? — Ele zombou de mim novamente. — Me quebrar? Por favor. Você é ainda mais ilusória do que eu pensava, Everleigh. Fui até o lado oposto das barras dele. — Você parece esquecer que passei os últimos quinze anos sendo torturada por você todos os dias. Você não se lembra de todos aqueles chás chatos, recitais e almoços de caridade, que você teve um prazer tão óbvio e alegre ao mandar-me comparecer? Porque eu certamente faço. Também me lembro de todas as coisas desagradáveis que você me disse. Todas as vezes que você zombou da minha aparência ou falta de magia ou de qualquer outra coisa que você achava de errado. O desprezo escorregou de seu rosto e ele me deu um olhar muito mais cauteloso. — O que isso tem a ver com qualquer coisa? — Passei muito tempo nesses eventos sonhando acordada em como me vingaria de você, se a chance surgisse. — Estendi minhas mãos. — E esse dia fortuito finalmente chegou. Felton sacudiu a cabeça, como se afastando o medo. —E o que você fará, Everleigh? Ao contrário de Serilda, você não tem estômago nem coluna para tortura. Bati minha mão contra as barras. Felton pulou com o estrondo agudo, arruinando sua tentativa de permanecer calmo e despreocupado. — E é aí que você está errado, sua pequena doninha cruel — assobiei. — Eu felizmente cortaria você em fitas pelo que você fez com Isobel. Sem

mencionar todas as outras pessoas que morreram durante o massacre. Parte de mim quer fazer isso, de qualquer maneira. Não por qualquer tipo de informação, mas apenas para fazer você se machucar, apenas para vê-lo sangrar, só para ouvir você gritar. Felton engoliu em seco novamente. Ele viu a raiva fria no meu rosto e ouviu a fúria gelada na minha voz. Bom. Eu poderia ser uma pretensa rainha, mas não fingia quando se tratava disso, e essas não eram ameaças vazias. — Mas, felizmente para mim, não preciso me banhar em seu sangue para fazer você falar. Não tenho que te cortar com uma espada ou punhal. Preciso fazer apenas uma coisa simples. — E o que é? — sussurrou ele. Eu sorri. — Tirar suas botas. Os olhos pretos de Felton se arregalaram e seu olhar caiu para suas botas preciosas, o último vestígio restante de quem e o que ele foi. — A vaidade é uma fraqueza, Felton — disse eu com uma voz suave. — E eu nunca, nunca te vi sem essas botas. Quando era mais nova, eu pensava que havia algo errado com seus pés. Nos meus momentos mais gentis e fantasiosos, imaginei que você fosse um tritão, ou alguma outra criatura de conto de fadas, e que essas botas eram a sua maneira de esconder seus dedos palmados. Mas à medida que envelheci, percebi que você simplesmente não gostava de ser a pessoa mais baixa do cômodo. Afinal, isso torna muito mais difícil olhar sob o nariz para outras pessoas. De qualquer forma, acho que finalmente chegou a hora de satisfazer minha curiosidade, não é? — Você não ousaria — protestou ele. Inclinei-me para que ele pudesse ver exatamente o quanto eu falava sério. — Não tenho que ousar nada. Eu sou a rainha, e vou cortá-lo em pedaços por diversão. Ele olhou para mim e vi algo em seus olhos que nunca vi antes – medo. — Sua escolha, Felton. Você pode me contar tudo o que sabe sobre Maeven ou pode perder suas botas. E se isso não fizer você falar, bem, sempre podemos experimentar os métodos mais sangrentos de Serilda. Estou muito ansiosa para tentar.

Ele umedeceu os lábios e abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Dei a ele outro momento, mas ele ainda não falou, então me virei como se fosse sair e pisquei para Serilda. Os lábios dela estremeceram, mas ela conteve o sorriso. — Ok, ok! — gritou ele. — Vou contar o que sei. Apenas deixe minhas botas em paz. Eu me virei para ele e cruzei os braços sobre o peito. — Fale rápido, Felton. Tenho um reino para administrar. Seus lábios enrugaram como se ele não fosse me responder, então eu abaixei meu olhar para suas botas. Felton suspirou e cedeu. — Quem atacou você provavelmente era membro da Brigada Bastarda — disse ele. — É assim que os filhos bastardos da realeza Mortan chamam a si mesmos, segundo Maeven. — Quantos deles existem? — perguntei. Ele encolheu os ombros. — Não sei. Mas eu acho que pelo menos algumas dezenas, talvez mais. Todas as idades variadas, de crianças a idosos. A maioria deles tem algum tipo de poder, mas a maioria é mago, capaz de convocar relâmpagos, neve, vento, fogo e afins. Existem até alguns magos da mente. Maeven é a líder deles, já que ela é a mais forte em sua magia. Fiz uma careta. — Espere um segundo. Não existem muitos membros da realeza Mortan. O rei e seus filhos, e apenas alguns outros. Mas você está me dizendo que existem dezenas e dezenas de bastardos reais? Felton deu de ombros novamente. — Segundo Maeven, a realeza Mortan propositalmente tem apenas um ou dois filhos legítimos, para que a linha de sucessão seja sempre clara como cristal. Serilda bufou. — E então eles têm o maior número possível de filhos bastardos para fazer o trabalho sujo. Pelo que aprendi nos últimos meses, os bastardos reais de Mortan trabalhavam em reinos de todo o continente e nos demais, espionando, roubando e realizando assassinatos e outras conspirações mortais. Dessa forma, se os bastardos fossem pegos, o rei Mortan poderia negar saber o que eles faziam. Um esquema inteligente, embora cruel.

— Os membros da realeza Mortan pensam que há força nos números — disse Felton. — Pelo menos entre os bastardos. — Mas não entre os filhos legítimos — disse Serilda, continuando sua linha de pensamento. — Filhos legítimos são apenas mais uma competição pelo trono. Ele assentiu. — Sim, é assim que os Mortans o veem. — E os bastardos não são iguais à realeza legítima — murmurei, pensando na minha conversa com Sullivan. — Não da maneira que realmente importa. Ainda assim, Maeven não me parece o tipo de se curvar e seguir alguém, nem mesmo seu próprio rei. — O rei é o irmão mais velho dela — disse Felton. — Aparentemente, os dois foram criados juntos e se dão bem o suficiente. Ou pelo menos estão unidos o suficiente em sua ganância, ambição e ódio por Bellona para trabalharem juntos para destruí-la, para destruir você. Não se engane, Everleigh. O assassino de hoje é apenas um de dezenas na Brigada Bastarda dedicada a conquistar este continente para Morta. Eles não se importam com quem eles têm que trabalhar, ou o que tem a prometer a essa pessoa, ou quanto tempo leva para que alguém fique do seu lado. E eles especialmente não se importam com quem eles têm que machucar e matar para poder alcançar seu objetivo. — Eu me pergunto como Maeven se sente ao fazer o comando de seu irmão — murmurei. — Como ela se sente sobre ficar tão longe de casa por meses e arriscar sua vida enquanto o rei fica em segurança e seguro em seu trono em Morta. — Quem diabos se importa com os sentimentos de Maeven? — zombou Felton. — Ela é apenas mais uma bastarda, e o rei a usará até que ela morra, assim como os Mortan fazem há gerações. Minha mente se agitou, pensando em tudo que eu sabia sobre Maeven. Apesar do meu ódio por ela, eu tinha admitir que ela era inteligente, ardilosa, astuta, paciente e excepcionalmente forte em sua magia. Eu nunca conheci o rei Mortan, mas ele não poderia ser muito mais poderoso do que ela com seus raios. Maeven poderia facilmente ter sido a rainha de Morta. Talvez ela fosse um dia.

Talvez tenha sido minha conversa anterior com Sullivan, mas me ocorreu um pensamento sobre bastardos e membros da realeza e toda essa situação. Quanto mais eu pensava na ideia, mais fios eu conseguia ver – fios que poderiam se tornar fortes o suficiente um dia para estrangular o rei Mortan. — Por que você está sorrindo? — murmurou Felton. — Apenas um jogo que eu posso jogar — murmurei. Ele franziu a testa, assim como Serilda, mas não expliquei minhas palavras enigmáticas. O pensamento ainda era novo demais e frágil para dar voz a ele. Além disso, eu não tinha como implementar minha ideia. — E Nox? — perguntou Serilda. — Ele é um bastardo também? Felton sacudiu a cabeça. — Não, Nox é um legítimo Mortan da realeza. Um dos sobrinhos do rei. Aparentemente, ele queria provar a si mesmo ao rei e a Maeven, e é por isso que ele veio para Seven Spire e passou todos esses meses fodendo Vasilia e fingindo ser seu guarda. — É isso? — retrucou Serilda quando ele ficou em silêncio. — Isso é tudo que você sabe sobre Maeven e os Mortans? Felton cruzou os braços sobre o peito. — Ao contrário de Vasilia, Maeven nunca se soltou com suas palavras, e ela certamente não foi muito acessível com seus grandes planos. Mesmo depois que Cordelia morreu, Maeven teve muito cuidado em manter as aparências e continuou trabalhando como mestre da cozinha até o dia da coroação de Vasilia. Isso soou exatamente como a Maeven que eu conhecia, sempre conspirando, sempre planejando e nunca, nunca revelando o que ela realmente estava fazendo até depois de você ter tropeçado em sua armadilha. Era uma força dela, mas eu começava a me perguntar se poderia ser uma fraqueza também. Ou talvez eu pudesse transformá-la em uma fraqueza sem ela perceber – até que fosse tarde demais. — Obrigada, Felton. Você foi muito útil. — Olhei para Serilda. — Certifique-se de que os guardas venham e tirem as botas dele. Ela sorriu. — Alegremente.

Felton avançou e passou as mãos pelas barras. — O que? Não! Você disse que me deixaria manter minhas botas se eu te ajudasse! Dei a ele o mesmo sorriso frio e fino que ele sempre me deu antes de ordenar que eu fizesse algo particularmente desagradável. — Eu menti. Você não merece manter suas preciosas botas, Felton. Você não merece nada. Não quando orquestrou os assassinatos de tantas pessoas inocentes, incluindo Isobel. Você tem sorte de eu não deixar Serilda te cortar em pedaços, e tem ainda mais sorte que eu não faça isso sozinha. Ele abriu a boca, mas levantei meu dedo e ele realmente engoliu seus protestos. — Se você disser mais uma palavra, eu mesmo cortarei essas botas e os dedos dos pés junto com elas — assobiei. Os olhos de Felton se estreitaram e a fúria brilhou em seu olhar negro. Então ele deu outra olhada no meu rosto. O que quer que ele tenha visto lá deve ter convencido quão sério eu falava, porque ele se afastou lentamente das barras, como se não quisesse estar perto de mim. Homem inteligente. — Adeus, Felton. Espero que você aproveite seu tempo nessa cela. Você ficará aí pelo resto do sua vida miserável. Dei a ele outro olhar frio, então eu o deixei apodrecer.

Capítulo 06 Serilda e eu voltamos para Cho e os guardas posicionados na entrada da masmorra. Eu disse a eles para remover as botas de Felton e não ser gentil com isso. Os guardas sorriram e foram em direção a sua cela. Felton começou a gritar menos de um minuto depois. Eu deixei os doces sons de seu sofrimento mergulhar no meu coração, então saí. Passei o resto do dia lidando com as consequências da tentativa de assassinato.

Encontrando-me

com

os

nobres

e

apaziguando

suas

preocupações, revisando a equipe e os procedimentos da cozinha com a Theroux, e fazendo o mesmo com o Capitão Auster e os guardas. Meus amigos também investigaram, mas não descobriram muito. Libby estava trabalhando na cozinha por cerca de três meses, o que significava que Maeven provavelmente a mandara para o palácio assim que eu me tornei rainha. Então a garota apenas esperou chegar perto o suficiente para tentar me matar. Xenia pensou que mais Mortans já poderiam estar dentro de Seven Spire, esperando por oportunidades para me matar, mas eu duvidava disso. Como Felton havia dito, Maeven era cuidadosa. Ela pode ter colocado Libby na equipe da cozinha, mas não tentaria o mesmo truque duas vezes. Além disso, ela deve ter percebido que, se a tentativa de assassinato falhasse, questionaríamos todas as pessoas no palácio.

Então eu duvidava que houvesse outros Mortans aqui. Não, Maeven faria outra coisa na próxima vez que tentasse me matar. Algo pior. Mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então mudei para algo que eu poderia controlar – minha viagem para Andvari. Durante o jantar com meus amigos, eu disse a eles que queria ir o mais rápido possível. Eu não queria dar a Maeven outra chance de tentar me matar antes de negociar um novo tratado com o rei Heinrich. Sullivan concordou em contar ao pai sobre a mudança de planos. Quando terminamos o jantar, eu estava exausta, então me retirei para meus aposentos, onde Calandre e suas irmãs esperavam. As duas garotas arrancaram os alfinetes do meu cabelo e, em seguida, Calandre, misericordiosamente, levantou a coroa da minha cabeça e colocoua sobre a penteadeira. Eu resisti ao desejo de massagear o peso pesado e persistente dela no meu couro cabeludo. A faixa de prata brilhava sob as luzes, enquanto os estilhaços de tearstone pareciam pequenas espadas azuis sobressaindo do metal. Toquei um dos cacos. A ponta afiada picou meu dedo como uma agulha, tirando uma gota de sangue. Estremeci e afastei minha mão da coroa. Eu deveria saber melhor. Eu deveria saber melhor sobre assumir o trono em primeiro lugar, mas afastei

aqueles

pensamentos

traiçoeiros.

Era

tarde

demais

para

arrependimentos. Calandre e suas irmãs tiraram minhas botas, junto com minhas roupas, depois me envolveram em um robe azul suave. Paloma ficou ao lado da penteadeira com a maça apoiada no ombro e observou a mestre de linha e as duas adolescentes para garantir que não me apunhalassem com uma adaga escondida na manga ou passassem uma escova envenenada no meu cabelo. Pensei que as duas meninas desmaiariam com os olhares suspeitos que Paloma e seu ogro interior continuavam dando a elas, mas elas prepararam um banho quente para mim e foram embora junto com Calandre.

Depois que elas se foram, Paloma rondou pelos meus aposentos, certificando-se de que não havia assassinos escondido atrás das cortinas ou escondido debaixo da cama, embora ela já tivesse feito isso no momento que entramos pela primeira vez. Depois de ter certeza de que o quarto estava seguro, ela saiu, embora tenha dito a Alonzo e Bowen, os dois guardas postados do lado de fora, para estar vigilante e não me deixar ir a lugar algum sem chamá-la. Tomei um banho, vesti minha roupa de dormir e me arrastei para a cama. Coloquei minha espada debaixo de um travesseiro e minha adaga embaixo do outro. O escudo correspondente estava apoiado na minha mesa de cabeceira de fácil acesso. Somente quando estava cercada por armas, eu finalmente me recostei nos travesseiros. Para minha surpresa, adormeci rapidamente, embora meus sonhos fossem tão perigosos quanto meu dia... — Não é adorável? — perguntei em voz alta e animada. Ansel, meu tutor, olhou para a sala. — Mmm. Sim, suponho que sim. Estávamos no refeitório principal de Winterwind, a propriedade da minha família nas Montanhas Spire no norte de Bellona. Normalmente, na hora do jantar, o salão estaria vazio, exceto eu, meus pais e Ansel, mas esta noite, dezenas de pessoas se reuniram para comemorar o décimo quinto aniversário de casamento dos meus pais. Chamas crepitavam na lareira enquanto velas tremeluziam sobre a lareira, banhando o salão em um brilho suave e dourado. Yuletide estava a apenas algumas semanas de distância, e fluorestones vermelho, verde e prata já foram amarrados na cornija e ao redor da lareira, acrescentando mais luz e muita alegria às festividades. Pinheiros também foram montados em estantes de metal nos quatro cantos do salão, embora nenhuma decoração de vidro adornasse seus galhos. Uma mesa grande corria pelo centro da sala e um banquete foi preparado para que todos pudessem desfrutar. Frango assado com pimenta e limão, purê de batatas com alho, cenouras com damasco, bolos de kiwi, tortas de cranberry e maçã. Todos os meus favoritos. Respirei os aromas deliciosos.

As risadas de meu pai soaram e eu me concentrei em meus pais, que estavam parados ao lado da lareira, cumprimentando seus convidados. Lady Leighton Larimar Winter Blair, minha mãe, tinha os mesmos cabelos pretos e olhos azuis acinzentados que eu, enquanto Jarl Sancus, meu pai, era um homem alto, com cabelos castanhos e olhos azuis. Eles formavam um casal bonito, e claramente se amavam, dado o modo como seus olhos se aqueciam e seus rostos se suavizavam toda vez que lançavam um olhar de adoração um ao outro. A raiva apimentada encheu meu nariz, dominando os aromas do banquete, e percebi que o perfume e a emoção vinham de Ansel. Olhei para o meu tutor, que olhava para meus pais. Meu pai passou o braço pela cintura da minha mãe e os lábios de Ansel enrugaram. Ele provavelmente não gostava que eles fossem tão abertamente afetuosos, já que sempre era tão frio, remoto e distante. Ansel chegara a Winterwind três meses atrás, depois que meu antigo tutor se aposentara. Ao contrário do resto da equipe, que ria e brincava um com o outro, Ansel se manteve afastado. Ele passava a maior parte do tempo na biblioteca, preparando ou ensinando minhas lições ou lendo junto à lareira durante a noite. Minha mãe era a única cuja companhia ele gostava, e era a única pessoa que conseguia arrancar um sorriso dele. Mas Ansel não ficou sem seus admiradores. Giselle, uma das trabalhadoras da cozinha alguns anos mais velha do que eu, se aproximou e se plantou na frente dele. Ele tentou olhar além dela para meus pais novamente, mas ela se moveu nessa direção, cortando sua visão deles. — Você quer alguma coisa, Giselle? — perguntou Ansel em um tom irritado. — Pensei que você poderia tomar uma bebida. — Ela ofereceu a ele o copo de vinho de amora em sua mão. — Não, obrigado — respondeu ele. — Tem certeza de que não quer um pouco? — murmurou Giselle, tomando um gole de vinho e depois lambendo os lábios. — Ou talvez você esteja interessado em outra coisa. Algo mais... robusto?

Ela brincou com a renda peekaboo na frente de seu vestido azul, como se seu significado ainda não estivesse claro o suficiente. Enruguei meu nariz. Ewww. Claro, Ansel era bonito com seus cabelos loiros, olhos violeta e corpo alto e musculoso, mas ele também estava na casa dos quarenta, assim como meus pais. Ele tinha facilmente o dobro da idade de Giselle. Ansel lançou-lhe uma careta irritada. — Não — repetiu ele com uma voz muito mais severa. — Agora, por que você não corre e brinca junto com as outras garotinhas? As bochechas de Giselle coraram. Ela engoliu o resto do vinho, como se para provar que não era uma garotinha, então saiu em disparada. Ansel observou Giselle mais um momento, depois pegou o relógio de bolso de bronze enganchado a uma corrente curta presa ao colete. Ansel sempre carregava o relógio, que ele constantemente verificava. Eu não sabia o motivo. Não era como se as horas mudassem mais rápido quanto mais ele olhasse para isso. Mas fiquei curiosa sobre o relógio e dei uma olhada nele um dia, quando ele colocou na mesa durante a minha lição. Para minha decepção, era um relógio de bronze simples, sem magia ou glamour. Ansel deve ter comprado em alguma loja de segunda mão, já que um grande e cursivo M estava gravado na capa, em vez do seu próprio A. Ansel assentiu, como se algo sobre o tempo o agradasse, então deixou o relógio cair contra o colete. — Venha, Everleigh. Vamos cumprimentar seus pais. Apesar de todo mundo estar se preparando para o jantar o dia inteiro, Ansel ainda me fez terminar minhas aulas como de costume. Estávamos entre os últimos a chegar, e tivemos que abraçar a parede para chegar até a lareira. Várias pessoas falaram saudações a Ansel, mas ele assentiu e seguiu em frente, nunca tirando o olhar dos meus pais. Estávamos quase neles quando ele estalou os dedos para um dos criados e pegou um copo de vinho de amora na bandeja do homem. Pensei que ele poderia tomar um gole, mas ele apenas o segurou na mão. Finalmente, chegamos aos meus pais. Tivemos que esperar até que terminassem de falar com um nobre antes de meus pais virarem para nós.

Meu pai estendeu a mão e me abraçou com força contra ele. — Aqui está a minha Evie. Sorri e o abracei. — O que você diz de fugirmos amanhã cedo e descermos até a mina? Abrimos uma nova câmara de tearstone que quero lhe mostrar. A mina de meu pai estava localizada na extremidade de Winterwind, e eu adorava explorar as cavernas escuras e frias e cinzelar lascas de tearstone lacrimal, fluorestone e muito mais nas paredes ásperas e irregulares. Eu o abracei novamente. — Sim! — Jarl — disse minha mãe em uma voz suave e de censura. — Você sabe que Evie tem que acabar com as lições antes que ela saia com você. Ansel se aproximou da minha mãe. — Ah, eu acho que Evie pode pular a lição de amanhã. Pisquei com sua inesperada generosidade. Às vezes, eu pensava que Ansel daria aulas para mim o tempo todo se pudesse. Minha mãe sorriu e colocou a mão no braço dele. — Obrigada, Ansel. Isso é muito gentil. Ele olhou para a mão dela, depois limpou a garganta e se afastou. — De nada, minha senhora. Antes que eu pudesse gritar e agradecer, Ansel se adiantou e estendeu a taça de vinho na mão para o meu pai. — Aqui, Senhor Jarl. Parece que você poderia tomar uma bebida. — De fato, sim. — Meu pai piscou para o outro homem, então pegou o copo e tomou um grande gole de vinho. Para minha surpresa, um pequeno sorriso enrugou o rosto de Ansel, e ele parecia quase... feliz. Estranho. Nada parecia fazer meu tutor, sério e estóico, feliz. — Bom — disse meu pai. — Está combinado. Evie e eu partiremos para a mina amanhã logo cedo... Ele virou a cabeça e soltou uma tosse alta. Meu pai pigarreou e abriu sua boca, mas tudo o que saiu foi outra tosse. Meu nariz se contraiu. Eu não havia notado antes, mas um fedor sulfúrico flutuava pelo ar, ficando cada vez mais forte, apesar do aroma fresco

dos pinheiros na sala. Respirei fundo, tentando descobrir de onde vinha o cheiro. Meu pai continuou tossindo, cada som mais alto, mais longo e mais severo que o anterior. A preocupação enrugou o rosto da minha mãe. — Jarl? Você está bem? Meu pai tentou sorrir, mas começou a tossir novamente. E desta vez, ele não parou. Ele tossiu tão violentamente que a taça escorregou de sua mão e quebrou no chão. Aquele fedor sulfúrico e repugnante subiu novamente, ainda mais forte do que antes. Levei um momento para perceber que o aroma áspero vinha do vinho derramado e exatamente o que era, mas a compreensão doentia rapidamente me encheu. Veneno – meu pai foi envenenado. Respirei fundo para gritar as palavras, mas meu pai entrou em colapso. — Jarl! — gritou Minha mãe e caiu de joelhos ao lado dele. — Jarl! Ele a olhou. Tossiu novamente, e sangue borbulhou de seus lábios e gotejou pelo rosto. E isso foi apenas o começo. Mais sangue escorreu dos cantos de seus olhos, nariz e até unhas. O fedor de cobre abafou o veneno. Ao nosso redor, as pessoas gritavam e corriam, tentando descobrir o que estava errado. — Chame o mestre dos ossos! — gritou minha mãe. Mas era tarde demais. Meu pai tossiu uma última vez, e então sua cabeça inclinou-se para o lado. Ele olhou para mim e tentou sorrir, mas seus lábios viraram para baixo em vez de para cima, e ainda mais sangue saiu do nariz e escorreu pelo rosto. Seus olhos azuis ainda estavam fixos em mim, mas agora eram largos e vítreos, e ele não estava mais me vendo. Meu pai estava morto. Meu estômago revirou e bati as mãos sobre a boca para não vomitar. — Jarl! — gritou minha mãe novamente, sacudindo seu ombro. — Jarl! Ela abriu a boca para gritar novamente quando um estrondo ecoou, junto com um tremor violento que sacudiu a mansão e me fez tropeçar contra a lateral da lareira. O barulho e o tremor desapareceram um instante depois, e um silêncio tenso e carregado caiu sobre a sala de jantar.

— O que foi isso? — sussurrou alguém. Como se respondesse, passos soaram no corredor do lado de fora, ficando mais altos e mais próximos. Gritos soaram também, junto com o clashclash-clash de espadas batendo juntas. — Mortans — sussurrou minha mãe, o medo estalando em sua voz. — Os bastardos de Mortan vieram para nós. Homens e mulheres carregando espadas e escudos correram para a sala de jantar. Eles soltaram gritos e berros selvagens e avançaram, balançando suas armas em cada pessoa que poderiam alcançar. Atrás deles, uma mulher vestindo uma capa roxa da meia-noite e segurando uma bola de raio roxo rodopiante em sua mão deslizou para frente. Em vez de emanar calor elétrico, o raio dela parecia amargamente frio, como se fosse congelar você imediatamente. A mulher acenou com a mão e o que parecia granizo roxo disparou das pontas dos dedos, crescendo em tamanho, mesmo quando as bordas ásperas se afiaram em espessas adagas. As pedras de granizo acertaram um golpe no peito do guarda mais próximo como estrelas congeladas, matando-o. Cambaleei para trás como se tivesse sido atingida, e a horrível realidade do que estava acontecendo invadiu minha mente. Winterwind estava sob ataque... Meus olhos se abriram e respirei fundo. Por um momento, eu ainda podia sentir o poder frio de Mago do tempo, e ainda podia sentir o cheiro forte e acobreado do sangue de meu pai. Mas então o ar quente de verão tomou conta de mim enquanto o aroma mais suave e agradável das velas de baunilha aglomeradas na mesa de cabeceira enchia meu nariz. Outro presente de boasvindas de um dos nobres. Esfreguei minhas mãos no meu rosto. Não foi a primeira vez que acordei de um pesadelo. Desde o massacre, meu sono ficou mais inquieto e perturbado do que nunca, com todo tipo de escuridão, coisas sem forma tentando me matar, assim como meus amigos. Ontem à noite, eu sonhei que Maeven havia queimado Sullivan até as cinzas bem na minha frente.

Supus que a tentativa de assassinato de hoje tivesse feito minha mente voltar para a noite em que meus pais morreram. Infelizmente, ver meu pai engasgar até a morte com seu próprio sangue e a tempestade de Mortans na sala de jantar não foram as piores coisas que aconteceram em Winterwind. Nem mesmo perto. Esfreguei minhas mãos sobre meu rosto novamente, desejando poder tirar as terríveis lembranças da minha mente. Eu sentia que não poderia mais ter um momento de paz sangrenta, nem mesmo durante o sono. Permaneci na cama até minha respiração se acalmar, meu coração parou de acelerar e o suor esfriou no meu corpo. Durante todo o tempo, eu olhei para o teto sobre a cama da rainha, minha cama agora, embora levasse alguns minutos para eu realmente me concentrar nisso, em vez de minhas horríveis memórias. Ao contrário da sala do trono, com detalhes em metal e joias, esse teto era liso, com apenas um único símbolo esculpido na pedra – a mão de uma mulher empunhando uma espada. Fiz uma careta. O símbolo era mais um lembrete de todas as rainhas que vieram antes de mim, que pareciam ser mais fortes, mais inteligentes e mais poderosas

do que eu jamais poderia imaginar, especialmente

considerando o fato de eu quase ter sido assassinada em minha própria sala do trono hoje. Ainda assim, o símbolo também me lembrou do meu dever. Para o bem ou para o mal, eu era a rainha de Bellona até eu morrer de velhice ou alguém me matar. No momento, eu apostava na segunda opção, mas isso não significava que eu precisasse facilitar para meus pretensos assassinos. Se eu não conseguia dormir, poderia muito bem me levantar e lutar. Suspirei, afastei as cobertas e saí da cama.

Capítulo 07 Coloquei perneiras e botas pretas, junto com uma túnica azul lisa, sem nenhum bordado prateado de Calandre. Também vasculhei na pilha de roupas no canto mais próximo, peguei uma capa azul da meia-noite, e a vesti, certificando-me de puxar o capuz por cima da minha cabeça para cobrir meu cabelo e sombrear meu rosto. Então peguei minha espada e minha adaga debaixo dos meus travesseiros e amarrei-as no meu cinto. A essa altura, já era quase meia-noite, o que significava que todos no palácio deveriam estar dormindo, exceto os guardas. Ninguém deve bater nas minhas portas até de manhã, muito menos entrar nos meus aposentos, mas ainda assim coloquei meus travesseiros embaixo das cobertas para parecer que eu estava dormindo, caso Paloma, Serilda ou outra pessoa me checasse. Também deixei as lâmpadas de fluorestone desligadas para vender ainda mais a ilusão. Oh, duvidava que o velho truque de travesseiro enganasse alguém por mais de alguns segundos, mas não queria que alguém colocasse a cabeça no meu quarto e entrasse em pânico quando não me vir. E eu especialmente não queria que ninguém soubesse que eu poderia deixar meus aposentos sem passar pelos guardas do lado de fora. Puxei as cobertas um pouco mais sobre os travesseiros, depois me esgueirei e coloquei minha orelha perto das portas, ouvindo. Em cada poucos

segundos, um leve rangido de couro soava, junto com o suave arranhar de botas nas lajes, indicando que os guardas ainda estavam acordados. Bom. Eles esperançosamente impediriam alguém de entrar antes de eu voltar. Depois de ter certeza de que os guardas não me ouviram, fui até a estante de ébano que ocupava a maior parte de uma parede. Dada a minha agenda agitada, ainda não tive tempo para limpar todas as coisas de Vasilia dos meus aposentos e retratos pintados da minha prima ainda estavam nas prateleiras. Claro que os funcionários se ofereceram para remover os itens, mas decidi fazer isso sozinha, caso Vasilia tivesse deixado para trás quaisquer notas ou outras informações confidenciais. Peguei uma moldura dourada e olhei para os cabelos loiros de Vasilia, belos traços e olhos azul-acinzentados. Olhos Blair, assim como os meus. Olhos tearstone, algumas pessoas os chamavam, por causa de todo o tearstone que meus antepassados escavaram em Seven Spire e nas montanhas circundantes. No retrato, Vasilia usava uma coroa de ouro cravejada de diamantes rosa em forma de flores de louro. Passei meus dedos sobre a coroa e depois em seu rosto. Vasilia estava sorrindo e satisfação encheu seus olhos, mas quanto mais eu estudava sua imagem, mais parecia que seus lábios se contorciam em zombaria e seus olhos se estreitavam, como se ela estivesse zombando de mim sobre a terrível rainha que eu era – e quão curto seria o meu reinado. Ela provavelmente estava certa sobre isso. Suspirei e recoloquei a foto na prateleira. Apesar do meu ódio por ela, tive que admitir que Vasilia teria sido uma rainha muito melhor do que eu, especialmente

quando

se

tratava

de

política

do

palácio.

Ela

iria

magistralmente jogar os nobres um contra o outro durante a sessão da corte até conseguir exatamente o que queria deles, em vez de se debater e perder a paciência como eu. Suspirei novamente, mas ainda havia trabalho a ser feito, então agarrei um livro azul meia-noite com um título prateado na lombada – Uma História de Bellona e Suas Rainhas Gladiadoras. Eu inclinei o topo do livro para trás,

então soltei e observei ele avançar. Um clique fraco soou, e a estante se afastou da parede, revelando uma passagem secreta. Muitos dos antigos túneis de mineração ainda permaneciam no palácio. Este foi cercado para criar uma maneira de a rainha escapar secretamente de seus aposentos, se necessário. Eu descobri sobre os túneis anos atrás, durante uma das minhas aulas de história. O tutor real deu a mim, Vasilia, e nossos primos Blair um mapa do palácio e nos desafiou a encontrar o maior número de passagens secretas quanto possível. Passei dias explorando cada canto e acabei tropeçando nesta passagem, embora ninguém mais tivesse. Quando eu era mais jovem e Vasilia e as outras crianças eram particularmente cruéis, eu costumava me esconder em algumas das passagens menos conhecidas até minhas lágrimas secarem, minha mágoa e vergonha desaparecerem, e eu me sentir forte o suficiente para voltar e enfrentá-los novamente. Às vezes, Isobel me persuadia dos corredores escuros da cozinha com canecas de chocolate quente e pratos de biscoitos de amêndoa e cereja. Mas Isobel estava morta, e eu estava sozinha esta noite. Serilda, Cho e o Capitão Auster provavelmente sabiam dessa passagem secreta,



que

passaram

tanto

tempo

guardando

Cordelia.

Xenia

provavelmente também sabia, dado quão bem informada ela sempre foi. Mas duvidava que algum de meus amigos percebesse que eu sabia sobre a passagem. Então eu deixei minha mão na espada e entrei no túnel. A porta se fechou, mergulhando-me na escuridão total e implacável. Cuidadosamente dei um passo à frente. Assim que meu pé tocou a próxima laje, um fluorestone em forma de espada ganhou vida no teto acima da minha cabeça, fornecendo alguma luz necessária. Olhei em volta, mas a passagem parecia a mesma que eu lembrava – um corredor estreito com teto baixo e paredes ásperas cobertas por grossas teias de aranha cinza. Estudei o chão, mas nenhum passo manchava a poeira nas lajes, e o ar cheirava a mofo, velho e quieto. Apenas as aranhas vagavam por aqui agora.

Dei mais alguns passos à frente e o primeiro fluorestone desapareceu, embora um segundo com a forma de um escudo se iluminou no teto à frente. Um por um, a espada e o escudo de fluorestones acenderam e depois apagaram enquanto eu caminhava. Desci cerca de nove metros pela passagem antes de outro corredor se abrir à minha direita. Quatro metros depois, outro corredor se curvava para a esquerda. Mas em vez de pegar uma das ramificações, eu permaneci no corredor principal até terminar em um conjunto de degraus estreitos e íngremes. Subi os degraus até o quinto andar e segui por outro corredor. Esta passagem terminava em uma porta de pedra. Mais uma vez, me esgueirei até a porta e coloquei meu ouvido perto, mas não ouvi sussurros de movimento do outro lado, então girei a alça de metal. Outro leve clique soou e a porta se abriu. Olhei pela porta, mas o corredor estava vazio. Então eu pisei na laje de pedra e a fechei, esperando o leve clique da fechadura. A porta se misturou perfeitamente com o resto da parede. Diferentemente das áreas comuns do primeiro andar, com corredores amplos, tetos altos e vitrines cheias de tesouros deslumbrantes, esse corredor era muito menor e mais curto, com apenas algumas tapeçarias nas paredes. Ouvi de novo, mas tudo permaneceu quieto e não senti nenhum perfume ou colônias que indicariam que alguém estava por perto. Depois de ter certeza de que estava sozinha, corri pelo corredor, ansiosa por continuar com a minha missão, mesmo que isso acabe sendo um erro idiota. Algumas voltas e mais voltas, cheguei a uma porta de madeira no final do corredor. Nenhum número, armas ou símbolos foram esculpidos na madeira, mas essa porta era talvez a mais importante do palácio, dado o que estava além dela. Nenhum guarda foi colocado aqui, embora eu pudesse sentir o cheiro da magia de Sullivan, indicando que ele havia usado seu poder de mago para trancar a porta. Claro que ele fez. Suspirei. Isso ia doer. Mas não havia outra maneira de superar sua magia, então dei um passo à frente e estendi a mão. Raios azuis brilharam em vida no segundo em que meus dedos envolveram a maçaneta da porta.

O raio explodiu com intensidade furiosa, me chocando repetidamente e tentando queimar minha mão em cinzas, junto com o resto de mim. Cerrei os dentes contra a dor ardente e queimadura, alcancei minha imunidade e a atirei na magia de Sullivan. Suor escorria pelo meu rosto, minha mão tremia com a tensão e eu tive que ranger os dentes para não gritar, mas minha imunidade finalmente afogou o poder de Sullivan, e seus relâmpagos azuis desapareceram em uma nuvem de faíscas brilhantes. Levei alguns segundos para afrouxar minha mandíbula e tirar meus dedos da maçaneta. Balancei a persistente picada de seu poder da minha mão e limpei o suor da minha testa. Então virei a maçaneta, abri a porta e passei para o outro lado. Assim como a passagem secreta, fluorestones ganharam vida no segundo em que entrei no cômodo e fechei a porta. Um a um, todos os quatro cantos se iluminaram, junto com uma fileira de fluorestones correndo no centro do teto, iluminando tudo claramente. A parte da frente apresentava um sofá de veludo roxo ladeado por duas cadeiras, junto com uma mesa, tudo disposto ao redor da lareira. Havia uma escrivaninha coberta com canetas, papéis e livros, estava ao lado da lareira, com um espelho alto e independente, aninhado no canto. Uma cama de dossel, junto com uma mesa de cabeceira e um armário, dominava a parte de trás do cômodo. Uma penteadeira estava entalada entre o armário e uma porta que dava em um banheiro feito em azulejo branco. Pelos padrões de Seven Spire, era um cômodo muito modesto, mesmo para um administrador do palácio, e os móveis eram perfeitamente comuns. Mas este não era um espaço modesto, e essas não eram coisas comuns. Este era o quarto de Maeven. Era ali que Maeven morava enquanto se disfarçava de mestre da cozinha, e foi onde ela conspirou contra a Rainha Cordelia e o resto dos Blairs. Maeven usou sua magia para escapar, junto com Nox, na noite em que eu matei Vasilia, mas ela deixou seu quarto para trás, junto com todas as suas coisas.

É claro que Serilda, Cho e o Capitão Auster revistaram a área, mas não encontraram nada digno de nota. Sullivan também o examinou, procurando por armadilhas ou sinais óbvios de magia, mas também não descobriu nada. Até Theroux visitara para ver quais papéis ou notas Maeven poderia ter rabiscado sobre suas obrigações como administradora da cozinha, mas não encontrou nada fora do comum também. Eu ainda não tive chance de vir aqui, mas depois da tentativa de assassinato, parecia o momento certo. Além disso, era a última chance que eu teria antes de partirmos para Andvari. Talvez eu visse algo que os outros perderam, ou talvez eu saísse tão decepcionada e frustrada quanto eles. De qualquer maneira, vasculhar o quarto de Maeven parecia um uso melhor do meu tempo do que jogar e virar na cama, e me preocupar com que novo plano ela provavelmente já estava tramando contra mim. Fiz um circuito lento do cômodo, procurando por qualquer coisa que me dissesse mais sobre Maeven. Examinei todos os móveis, batendo em todas as mesas e cadeiras, junto com a escrivaninha, a mesa de cabeceira, o armário e até a estrutura da cama, procurando por compartimentos secretos, mas não encontrei nada. Móveis, travesseiros, cobertores, canetas, livros. Tudo era o que parecia ser e nada mais. Felton estava certo. Maeven foi muito cuidadosa, mesmo aqui em seu próprio quarto, onde ninguém a observava. Para minha surpresa, Maeven levara sua posição de mestre da cozinha muito a sério, e descobri vários cartões de receitas sobre a mesa, juntamente com menus e notas sobre quais vinhos combinavam melhor com certos pratos. Claro que ela levara a sério sua posição. Maeven dedicou muito tempo e esforço para matar Cordelia, e ela não gostaria de ser demitida por não fazer seu trabalho antes que pudesse atacar. Mas Maeven parecia ter um lado caprichoso também, já que vários livros de histórias estavam misturados com todo o resto, além de mapas de lugares dos quais eu nunca ouvi falar. Eu não sabia dizer se os mapas vieram com os livros de histórias ou se eram reinos distantes que os Mortans queriam eventualmente conquistar. A única outra coisa remotamente interessante era uma caixa de joias na penteadeira. A caixa de madeira em si não era nada de especial, mas as

joias eram magníficas. Brincos com gostas de cristais, colares que mais pareciam fios delicados de renda do que metal duro. Eu fui aprendiz de Alvis por quinze anos, então eu podia dizer que as peças foram projetadas com requinte e minuciosamente trabalhadas por um mestre de metalstone. Cada item, desde o menor brinco até a pulseira mais larga valia uma pequena fortuna. Maeven aparentemente adorava joias ainda mais do que mapas e livros de histórias. Passei o dedo por algumas ametistas embutidas em uma gargantilha de prata. Os Magos usavam ametistas para aumentar seu próprio poder, e eu podia sentir e cheirar o aroma de seu raio fluindo através das pedras. Sem glamour de beleza ou outras magias suaves e sutis para Maeven. Cada joia em sua caixa de joias praticamente pingava com poder bruto e brutal. Eu meio que esperava que as ametistas dessem choque em meus dedos, mas claro que não fizeram. Verifiquei a caixa como fiz com todo o resto. Tirei todas as joias dos vários espaços e senti ao redor do veludo roxo lá dentro, mais uma vez procurando por compartimentos secretos. Eu realmente não esperava encontrar nada, mas então meus dedos roçaram um pequeno botão escondido dentro do veludo, e uma gaveta apareceu na parte inferior da caixa. Abri e olhei para o item dentro. Um anel de sinete. Peguei o anel e segurei-o contra a luz. Pequenas penas foram gravadas na faixa de prata, enquanto um círculo pequeno e plano de âmbar preto estava incrustado no centro. Um M cursivo chique foi gravado em prata no âmbar e rodeado por ametistas roxas da meia-noite. Meu nariz se contraiu. As ametistas cheiravam a magia de Maeven assim como o resto de suas joias. Eu me perguntava o que o M significava, no entanto. Maeven? Morta? Ambos? De qualquer maneira, Maeven escondera esse anel por um motivo. Oh, duvidava que houvesse alguma pista real, mas coloquei-o no bolso de qualquer maneira. Talvez fosse mesquinho, mas eu queria tirar algo dela para variar.

Esse era o único compartimento secreto na caixa de joias, então eu procurei pelo resto da penteadeira, mas nada nela me disse mais sobre Maeven. Além de suas túnicas de cozinha, ela tinha mais alguns itens pessoais no armário, incluindo um lindo vestido de baile lilás, enquanto bálsamos de baga, sombras cintilantes e loções perfumadas estavam alinhados no balcão do banheiro. Mas eram apenas roupas e maquiagem. Seda e linha costurada, e óleos e pós coloridos pressionados em tubos de metal, e não havia nada digno de nota ou sinistro neles. Eu estava quase pronta para admitir a derrota e retornar aos meus próprios aposentos quando o cheiro de magia soprou pelo cômodo. No começo, pensei que estava imaginando o cheiro quente e cáustico ou que havia andado muito perto da caixa de joias novamente. Mas respirei fundo e o aroma se intensificou, forte o suficiente para queimar meu nariz. Agarrei minha espada, girei e examinei tudo novamente. Sullivan verificara por armadilhas mágicas, mas meu nariz me disse que ele havia perdido alguma coisa. E foi aí que eu percebi que o espelho no canto estava brilhando. Eu já verifiquei o espelho independente, um vidro longo e oval alojado em uma moldura de ébano simples. Mas agora a superfície brilhava e ondulava como se fosse feita de prata líquida. Meus olhos se estreitaram. Era um espelho Cardea. Os espelhos receberam o nome de Cardea, o mestre de vidro que supostamente os criara. Os espelhos permitem que as pessoas se comuniquem entre si a grandes distâncias, ou às vezes até mover fisicamente objetos de um espelho – e de um lugar – para outro. Eu devo ter feito algo para desencadear sua magia. Meu olhar foi para o relógio na parede. Ou talvez meia-noite fosse o horário marcado para uma reunião entre alguém no palácio e quem estava do outro lado do vidro. De qualquer maneira, eu queria saber quem tinha uma janela para Seven Spire, então puxei minha espada e me pressionei contra a parede para que eu pudesse olhar no espelho, mas quem estava do outro lado não pudesse me ver. E então eu esperei.

O brilho prateado ficou mais e mais brilhante, e a superfície começou a ondular ainda mais violentamente, como se fosse um lago sendo assaltado por ventos fortes. O fedor quente e cáustico de magia encheu o quarto e tive que torcer o nariz para segurar um espirro. Alguns segundos depois, o brilho prateado esmaeceu, as ondulações se suavizaram e uma mulher apareceu no espelho. Maeven. Seu cabelo loiro estava preso em um coque simples e elegante, e seus olhos brilhavam como duas ametistas escuras contra sua pele impecável. Suas feições eram bastante encantadoras, embora o franzir de lábios perpétuo e descontente a fizesse parecer muito mais velha do que seus quarenta e poucos anos. Uma gargantilha de prata, cravejada de ametistas e moonstones, brilhava em sua garganta, embora fosse tão larga e apertada que parecia mais uma coleira do que uma joia. Um anel de ametista e moonstone correspondente brilhava em seu dedo. Estudei o bordado de fio de prata em seu vestido lilás, mas não vi símbolos nos laços e redemoinhos. Os bastardos provavelmente não conseguiram usar o brasão real de Mortan. Maeven se inclinou. Prendi a respiração, me perguntando se poderia ser um espelho Cardea que você poderia realmente passar de um lado para o outro, mas ela ficou onde estava. — Libby? — A voz baixa e sedosa de Maeven ecoou no espelho. — Você está aí? Está feito? Claro. Eu deveria ter percebido o que era isso no momento em que ela apareceu. Ainda segurando minha espada, dei um passo à frente para ficar em frente ao espelho, onde ela poderia me ver. — Sinto muito te decepcionar, mas eu sobrevivi à sua tentativa de assassinato. O rosto de Maeven endureceu. — E Libby? — Ela se matou com uma adaga envenenada depois que não conseguiu me matar.

Maeven encolheu os ombros, como se a morte da garota não a incomodasse, mas seus lábios enrugaram novamente e as narinas queimavam de raiva. Talvez os bastardos de Mortan não fossem tão descartáveis quanto eu pensava. Pelo menos não um para o outro. Arquivei as informações para uso futuro. Enquanto Maeven digeria minhas notícias, estudei tudo o que pude ver no espelho ao seu redor. A Maga parecia estar em seus aposentos particulares, embora tudo o que eu pudesse distinguir do mobiliário fosse uma escrivaninha coberta com papéis e vasos de plantas, apoiados em uma prateleira próxima. As plantas não pareciam muito, raminhos verdes com algumas flores, mas os vasos foram pintados com ricos tons de joias e dispostos em fileira do opala mais leve ao âmbar mais escuro, e todas as cores do arco-íris no meio. — Estou surpresa que demorou tanto tempo para tentar me matar de novo — falei, quebrando o silêncio. — Suponho que você queria que eu baixasse minha guarda e pensasse que estava segura aqui em Seven Spire. Você deveria saber melhor do que isso. — Talvez — murmurou Maeven. — Terei isso em mente na próxima vez. — Mas estou curiosa sobre uma coisa. — E o que é? — Que tipo de veneno Libby usou? — Por que isso importa? — murmurou. — Especialmente desde que ela falhou? Dei de ombros. — Eu só estava curiosa sobre que tipo de veneno lhe causou tanta agonia. Libby não teve uma morte fácil. Mas tenho certeza de que você percebeu isso, já que provavelmente você foi quem lhe deu o veneno. Diga-me, foi você também quem disse a ela para se matar em vez de se render? Maeven recuou, como se minhas palavras a tivessem ferido, e levou um momento para afastar sua surpresa. — Onde está sua coroa, rainha Everleigh? — perguntou ela, uma nota zombeteira rastejando em sua voz. — Ou seus compatriotas já a tiraram de você?

— Ainda não — respondi —, mas pelo menos eu tenho a chance de usá-la. Infelizmente, não posso dizer o mesmo de você. Os olhos dela se estreitaram. — O que você quer dizer? — Estive na masmorra conversando com Felton. Você se lembra de Felton, não? O cúmplice que você deixou tão sem cerimônia na noite em que você e Nox fugiram de Seven Spire? — Esperei que ela respondesse, mas ela não disse nada, então eu continuei. — Ele tem sido uma fonte de informações sobre você e sua Brigada de Bastardos. Um músculo tiquetaqueava na mandíbula de Maeven, e suas narinas ardiam de raiva novamente, mas ela não respondeu. Parei um momento, planejando cuidadosamente meu próximo ataque verbal. Este era o começo do meu longo jogo com a maga, e eu não podia me dar ao luxo de errar, nem mesmo uma única palavra, e revelar minhas verdadeiras intenções. Comecei a andar de um lado para o outro na frente do espelho. — Antes do massacre, eu planejava deixar Seven Spire para sempre. Eu iria pedir a permissão de Cordelia durante o almoço. Mas então você e Vasilia colocaram em ação seu plano de assassinato, e tudo mudou para mim. — Por que você estava indo embora? — perguntou Maeven, sem se preocupar em manter a curiosidade longe de sua voz. — Eu odiava minha vida aqui. Odiava ser o fantoche real, a substituta real. Meus primos Blair estavam sempre fazendo coisas muito mais nobres, coisas muito mais importantes, em vez de sentar através de eventos sociais chatos como eu precisava. Era como se eu fosse uma pobre serva presa em um conto de fadas, só que minha fada madrinha nunca apareceu para me ajudar a sair da minha própria vida miserável. — Parei de andar e olhei para ela. — Embora, dadas as minhas circunstâncias atuais, alguém possa argumentar que você foi a minha fada madrinha, cadela assassina. Maeven bufou e cruzou os braços sobre o peito. — Ainda assim, por mais que meus primos olhassem para mim, era ainda pior para você, não era? — Fiz uma pausa. — Sempre é, quando você nasce bastardo. Seus lábios enrugaram mais uma vez, mas ela não respondeu à minha provocação, então retomei meu ritmo, pensando sobre o que dizer a seguir e

a melhor maneira de mergulhar outra faca verbal profundamente em seu coração. — Felton não sabia exatamente quantas pessoas estão na sua Brigada de Bastardos, mas na verdade isso não importa. — E por quê? — retrucou Maeven, finalmente caindo na minha isca. Eu parei e olhei para ela novamente. — Porque nenhum de vocês jamais sentará no trono de Mortan. Então quem se importa se as ordens do seu rei matam você e seus primos como ovelhas? Ela piscou, como se nunca tivesse pensado assim. Sua testa franziu e seus braços caíram lentamente para os lados. — Por mais miserável que tenha sido minha vida aqui, Cordelia nunca ordenou que eu fizesse algo mais árduo do que ter uma conversa educada. Mas você? Nem consigo imaginar as coisas horríveis que você fez pelo seu rei. Como é? Ir de um lado para o outro sob as ordens de seu irmão e fazer o trabalho sujo dele enquanto ele está sentado no palácio dele em Morta? — Balancei a cabeça e estalei a língua com falsa simpatia. — Não parece como muita vida para mim. Por outro lado, não creio que muitos na Brigada Bastarda consigam amadurecer até a velhice. Encare isso, Maeven. Sua vida não importa e nem a vida de seus parentes bastardos. Não para o seu rei. Mas meus insultos certamente importaram muito para Maeven. Raiva brilhou em seus olhos e manchou suas bochechas de um vermelho escuro e feio. Suas mãos se fecharam em punhos, e raios roxos estalaram ao longo de suas juntas, como se ela estivesse pensando em me explodir com sua magia. Eu não sabia se o raio dela realmente atravessaria o espelho, mas aumentei meu aperto na espada e alcancei minha própria imunidade, pronta para me defender. — Importa, nós importamos, eu importo porque tenho orgulho de servir! — assobiou Maeven. — Morta é mais forte do que Bellona jamais será, e em breve iremos esmagá-la e engolir seu reino patético! Dei a ela um sorriso curto e afiado. — Veremos isso. Embora eu sempre tenha me perguntado exatamente por que é tão importante para Morta conquistar todos os outros reinos. E por que visar especificamente Bellona e

a família Blair? Vocês têm muitas terras, magia e recursos. Por que não ser feliz com tudo o que vocês têm? Maeven inclinou a cabeça para o lado, me estudando como se eu fosse uma criatura exótica em um zoológico, que ela nunca viu antes. Ela soltou uma risada suave e sinistra. — Você ainda não sabe, não é? O que ser uma rainha Winter realmente significa? — Então me diga. — Desta vez, fui eu quem não conseguiu manter a raiva, as perguntas e a frustração longe da voz. Os nobres podem não perceber que eu era uma farsa, mas Maeven certamente o fez. Ela sabia que eu era rainha por causa da arrogância de Vasilia e por não ter me matado durante o massacre. Ela riu novamente, e o som zombeteiro raspou contra a minha pele como uma lixa. — Oh, não, Everleigh. Você terá que descobrir isso sozinha. Embora você estará morta muito antes de saber o que realmente significa ser uma rainha Winter, e muito menos se tornar uma. Tornar-me uma? Como eu poderia me tornar algo que já era? Cada palavra que ela dizia apenas me confundia mais. Maeven abriu a boca, como se fosse me provocar novamente, mas depois olhou à direita para algo que eu não conseguia ver através do espelho. Ela assentiu, quase como se estivesse sinalizando para alguém, depois focou em mim novamente. — Por mais que eu goste da nossa conversinha, tenho outras coisas a tratar — ronronou. — Mas vou deixar um conselho – você deve usar a coroa o mais frequentemente possível. Não pude deixar de fazer a pergunta óbvia. — E por quê? Ela se inclinou, de modo que seu rosto estava perto do espelho. Magia estalou em seus olhos de ametista e um sorriso zombeteiro curvou seus lábios. — Porque você não estará viva para usá-la por muito mais tempo, Rainha Everleigh. Fui até o espelho, mas antes que eu pudesse fazer algum comentário inteligente e cortante, Maeven acenou com a mão. Uma luz prateada explodiu no centro do espelho, tão brilhante que eu tive que me afastar dele.

Quando olhei para o vidro novamente, a luz havia desaparecido, levando Maeven junto com ela, e o espelho era apenas um espelho novamente. Minha inimiga se foi, mas eu sabia que não demoraria muito para Maeven e sua Brigada de Bastardos tentarem me matar novamente.

Parte 02 A SEGUNDA TENTATIVA DE ASSASSINATO

Capítulo 08 Partimos para Andvari três dias depois. Eu estava no pátio principal do palácio, vendo baús sendo carregados em carroças. Calandre e suas irmãs voavam de um baú e carroça para o próximo, certificando-se de que continham as roupas, os tecidos e outros suprimentos necessários. Eu disse a Calandre que ela e suas irmãs não precisavam ir a Andvari, mas ela disse que nunca se perdoaria se me deixasse ir para outra corte real sem os servos e roupas adequados. Meus amigos também estavam aqui. Sullivan e Xenia estavam conversando e bebendo canecas de mochana, enquanto Serilda, Cho e Paloma conversavam com alguns dos gladiadores que se tornaram guardas e estavam hospedados em Seven Spire. — Você deveria me deixar ir com você — disse Auster. — É meu dever protegê-la. Olhei para o capitão, que vinha argumentando nos últimos cinco minutos. — Eu preciso que você fique aqui, Auster. Os nobres respeitam você. Melhor ainda, eles temem você, junto com seus guardas. Preciso que você mantenha a paz entre Fullman, Diante e todos os outros e garanta que o palácio permaneça seguro. Não me ajudaria a mediar um tratado com os andarianos se eu não tiver um trono para voltar. Auster abriu a boca para protestar, mas eu o interrompi.

— Além disso, não é como se eu estivesse indo sozinha. Serilda, Cho e o resto dos meus amigos cuidarão bem de mim. Eles fizeram isso até agora. Confio neles para me proteger, e você também deveria. Auster encarou Serilda e Cho, que ainda estavam conversando com os gladiadores que se tornaram guardas. Orgulho encheu seu rosto, suavizando suas feições severas. — Serilda e Cho são dois dos melhores guardas que já serviram Bellona. Se alguém pode protegê-la desta Brigada Bastarda, são eles. Mas isso não significa que eu ainda não vou me preocupar. — Ele fez uma pausa, como se estivesse tendo problemas para expressar seus pensamentos. — Já perdi uma rainha. Não quero te perder também, Everleigh. Auster nunca foi loquaz, e os meses de tortura que sofreu nas mãos de Vasilia o tornou ainda mais quieto. Então eu sabia que esforço era para ele compartilhar sua preocupação. Apertei seu braço. — Você não me perderá. Eu sobrevivi à minha primeira sessão com os nobres. Lidar com o Rei Heinrich será tão fácil quanto assar uma torta em comparação. Ele sorriu da minha piada, mas seus olhos continuaram escuros e perturbados. Eu sorri para ele, mas minha expressão era tão forçada quanto a dele. — Cumprirei meu dever e manterei o palácio até você voltar — disse Auster. — Esteja segura, minha rainha. Ele se curvou no estilo tradicional de Bellonan, e devolvi o gesto com uma reverência formal. Auster se endireitou e me deu outro sorriso forçado, depois se aproximou para falar com os gladiadores que se tornaram guardas, junto com Serilda e Cho. Passos raspou na pedra, e Paloma caminhou até mim, com sua maça apoiada no ombro. — Você está pronta para isso? Suspirei. — Sinto que você me pergunta isso todos os dias. — Porque há algum novo desafio, crise ou conspiração desonesta com a qual você precisa lidar todos os dias. — Ela balançou a cabeça. — Ser guarda pessoal da rainha não é tão divertido quanto eu pensei que seria. Tudo o que faço é ficar parada e assistir enquanto você tenta não perder a paciência com pessoas.

— Sinto muito por aborrecer você — disse eu. — Não luto contra ninguém há semanas. Não é como os outros gladiadores — resmungou, e o ogro em seu pescoço realmente fez beicinho. Muitos membros da trupe do Cisne Negro estavam agora trabalhando em Seven Spire. Theroux assumira o cargo como o mordomo da cozinha, Aisha era a chefe dos mestres dos ossos, e vários gladiadores trabalhavam também como guardas. Serilda não dissolveu sua tropa – ela e outras pessoas ganhavam muito dinheiro para fazer isso – então os gladiadores e outros se revezavam trabalhando no palácio e realizando habituais shows de fim de semana na arena do Cisne Negro. Paloma claramente desejava voltar à ação. Não poderia culpá-la por isso. Ela era gladiadora muito antes de nos tornarmos amigas. — Você deve se esquecer de ser gentil e me deixar quebrar alguns crânios. — Paloma levantou a maça de seu ombro e girou-a para frente e para trás como um pêndulo de relógio, fazendo os espetos assobiar através do ar. — Um par de pancadas na cabeça faria os nobres se alinharem. Calandre e suas irmãs escolheram aquele momento para passar, então é claro que ouviram as palavras de Paloma. Calandre fungou, enquanto suas irmãs soltavam os suspiros chocados de sempre. Dei a elas um sorriso tranquilizador, mas Calandre arqueou a sobrancelha em resposta e conduziu as irmãs para uma das carroças. Meu sorriso falso se transformou em uma careta muito real. — Não estamos mais na arena, o que significa que você não pode bater nas pessoas com sua maça, e não posso atravessá-las com minha espada, não importando o quanto eu gostaria disso — falei, murmurando as últimas palavras. — Oh, ainda estamos na arena. Você só precisa lutar com palavras agora, em vez de armas. — Paloma pensou a respeito. — Mas isso não muda o fato de que eu estou certa e que é terrivelmente chato. Como você aguenta? Dei a ela um olhar amargo, mas ela sorriu, assim como o ogro em seu pescoço. Observamos enquanto algumas coisas finais eram carregadas nos vagões, e então estava na hora de eu subir também.

Auster sugeriu que eu andasse em um vagão fechado como todos os outros, a fim de tornar mais difícil para qualquer candidato a assassino me atingir, mas eu recusei. Isso me faria parecer fraca e covarde, especialmente desde que eu estava escondida em Seven Spire desde a noite em que matei Vasilia. As pessoas precisavam ver sua nova rainha parecendo bem e forte, então eu subi em uma carruagem ao ar livre na frente da nossa procissão. Cho estava no banco do motorista, com Paloma andando ao lado dele. Serilda, Sullivan e Xenia seguiam no vagão atrás da minha carruagem. Cho olhou por cima do ombro para mim. Eu assenti, dizendo a ele que estava pronta. Ele bateu as rédeas nos cavalos, e a carruagem saltou para frente. Mesmo esperando o movimento violento e agitado, ainda quase escorreguei do assento de couro liso. No último segundo, consegui segurar em uma barra de metal encaixado na lateral da carruagem e manter minha posição. Não pude deixar de pensar que era o exemplo perfeito de como eu mal segurava tudo agora, incluindo o trono. Mas essa viagem foi ideia minha, e não havia como voltar. Os portões do palácio se abriram e saímos de Seven Spire, atravessamos a ponte e entramos na cidade. A viagem a Andvari não foi formalmente anunciada, também para ajudar a reduzir os possíveis assassinos, mas tantos vagões saindo do palácio ao mesmo tempo deixavam as pessoas curiosas e saíram de suas casas e para alinhar nas ruas e assistir o comboio passar. Sentei-me mais reta e alta possível na carruagem saltitante, esperando silenciosamente que Calandre tivesse colocado pinos suficientes no meu cabelo para impedir que a coroa de prata caísse, batendo nos paralelepípedos, e rolando pela rua. Não é exatamente a mensagem que eu queria enviar. Entramos em uma das muitas praças espalhadas por toda a cidade. A água subia e descia varrendo ondas em uma fonte de pedra cinza em forma de dois amantes se abraçando que ficava no centro da ampla área aberta. Algumas pessoas estavam jogando moedas na fonte, fazendo desejos, mas a

maioria das pessoas reuniu-se em torno das barracas de madeira que ladeavam a praça, vendendo pão fresco e pedaços de carne. Assim que a carruagem apareceu, todos se viraram para encarar nossa procissão. — A rainha! — gritou alguém sobre o firme clomp-clomp-clomp-clomp dos cascos dos cavalos. — É a nova rainha! Em um instante, todos deixaram as bancas para trás e correram. As pessoas pulavam na borda da fonte, e uma garota particularmente rápida e habilidosa atravessou a água e subiu na dobra dos braços dos amantes para que tivesse a melhor vista possível. Cho olhou por cima do ombro para mim novamente. — Vou dar algumas voltas! Deixe-os realmente ver você! Fiz uma careta, mas assenti. Cho guiou os cavalos pela fonte, mas em vez de sair pela rua do outro lado da praça, ele puxou as rédeas e circulou a fonte novamente. Abri um sorriso no rosto, levantei a mão e acenei. As pessoas perceberam o que Cho estava fazendo e aplaudiram em apreciação. Algumas pessoas também gritaram, aplaudiram e assobiaram, mas a carruagem ia devagar e estava perto o suficiente da borda da multidão que trechos de conversas chegaram até mim. — Ela não é muito bonita, não é? Não era como Vasilia. Ela parecia uma rainha de verdade. — Ela nem está usando a coroa da rainha. Você mal consegue ver aquela pequena faixa na cabeça dela. — Não insulte a pobre mulher. Ela provavelmente estará morta em mais um mês. Tive que cerrar os dentes para evitar que o sorriso escorregasse do meu rosto. O povo de Bellonan não tinha mais confiança em mim do que Maeven. Eu me perguntava se eles estavam fazendo apostas sobre por quanto tempo eu seria rainha, como os servos e guardas do palácio. Provavelmente. Cho deu mais duas voltas ao redor da fonte e depois conduziu a carruagem para fora da praça.

No momento em que a multidão estava atrás de nós, minha mão despencou para o meu lado, o sorriso caiu do meu rosto, e afundei contra as almofadas. Naquele momento, eu não queria nada além de me deitar na tábua do chão, encolher-me em uma bola e me esconder pelo resto do percurso, mas eu não podia fazer isso. A rainha de Bellona nunca se encolheria. Então, quando Cho entrou na próxima praça, eu me endireitei, coloquei outro sorriso no rosto e acenei para todos. Durante todo o tempo, tentei ignorar os comentários duros que especulavam sobre minha morte iminente, junto com meu próprio medo de que meu povo estivesse certo e que minha morte chegasse mais cedo ou mais tarde. *** Devido a todas as voltas nas várias praças, levamos quase uma hora para chegar à estação ferroviária no orla da cidade. Normalmente, por causa do clima quente do final do verão, teríamos conduzido as carroças para Andvari, especialmente devido à minha considerável comitiva de amigos, criados e gladiadores que se tornaram guardas. Mas Serilda e Cho haviam apontado que a última vez que levamos carroças para as montanhas, um mago meteorológico desencadeou uma nevasca que quase matara toda a trupe do Cisne Negro. Não correríamos o risco de ficar presos assim novamente, então estávamos pegando o trem para Andvari. Uma linha ferroviária ia de Svalin até Glanzen, capital de Andvari, embora a partir dos relatórios que ouvi, poucas pessoas viajavam para lá desde que Vasilia culpou falsamente os andvarianos pelo massacre. Por isso, eu também esperava que pegar o trem convencesse outras pessoas a começar a fazer o mesmo e ajudar a restaurar um nível mais normal de viagens e comércio entre os dois reinos. Os trabalhadores estavam alinhados do lado de fora do trem, junto com o líder da guilda ferroviária, todos curiosos para me ver como estiveram as pessoas nas praças. Desci a fila deles, apertando as mãos, perguntando

sobre seus empregos e famílias, e fazendo gracejos. Os trabalhadores foram educados, mas não pareciam muito satisfeitos em me ver, e o banqueiro ignorou minha tentativa de marcar uma reunião quando eu voltasse para Bellona. Todos eles provavelmente pensavam que eu estaria morta em breve, como todo mundo. Finalmente, todas as bagagens e pessoas foram carregadas a bordo, e eu entrei no vagão particular da rainha na parte de trás. A única outra vez em que andei de trem foi quando cheguei a Svalin pela primeira vez depois que meus pais foram assassinados e fiquei agradavelmente surpreendida com os sofás, cadeiras e outros móveis confortáveis. Mas a maior surpresa foi que tudo ainda estava envolvido nas cores vermelho e dourado de Cordelia, e seu símbolo do sol nascente ainda adornava os móveis. Vasilia deve ter tido coisas mais importantes a fazer do que redecorar o trem em suas cores berrantes de fúcsia e dourado e o símbolo de espada e louros. Ainda assim, meu coração doía quando segui meus dedos sobre o sol nascente esculpido em uma das mesas. Cordelia deveria estar aqui, e ela deveria ter feito esta viagem. Mais uma vez, senti como se tivesse acabado de tropeçar em ser rainha, e tive que resistir ao desejo de arrancar a coroa da minha cabeça e jogá-la pela janela. Quinze minutos depois, o motor a vapor gritou e o trem saiu lentamente da estação. Eu sentei em um assento ao lado das janelas e espiei a paisagem que passava. Meus amigos se moveram pelo vagão e entraram nos que estavam além, verificando as coisas. Eu deveria estar trabalhando também, revisando estratégias para lidar com o Rei Heinrich com Xenia, falando sobre segurança com Serilda e Cho, ou mesmo apenas tentando rir e relaxar com Paloma, mas eu precisava de um tempo para mim, então fiquei no meu lugar. Os outros devem ter sentido meu humor, porque me deixaram em paz – exceto Calandre. Suas irmãs estavam viajando em outro vagão, mas ela embarcou neste, embora estivesse encolhida no canto até agora, desenhando em um caderno de desenho. Finalmente, ela criou coragem para vir até mim. Parecendo pouco à vontade, Calandre pigarreou. — Minha rainha? Posso me sentar?

Acenei minha mão em direção ao assento oposto, e ela sentou nele. Examinamos silenciosamente uma a outra por quase um minuto antes dela limpar a garganta novamente. — Eu queria perguntar uma coisa que está em minha mente há várias semanas. Acenei minha mão novamente, dizendo para ela continuar. — Não leve a mal — disse ela. — Fiquei muito honrada em ser escolhida para ser a sua mestre de linhas pessoal... — Mas você está se perguntando por que eu escolhi você? Calandre assentiu. — Sim. Eu só me tornei mestre de linhas da Rainha Cordélia porque o homem que a servia adoeceu e ninguém mais estava disponível. Mas Cordelia nunca foi muito particular sobre o que ela usava ou como parecia, e me manteve por causa da rotina e da conveniência. Ela fez uma careta, como se o que ela estava prestes a dizer em seguida a machucasse. — E Cordelia não se importava que meu pai fosse um alfaiate comum que se casou com uma nobre menor e que nenhum deles tivesse muito dinheiro. Ela também não se importava que eu não tivesse tanta magia quanto os outros na corte. Suas bochechas coraram, e eu sabia que ela estava pensando no insulto de Fullman. — Após a morte de Cordelia, Vasilia escolheu outra pessoa como mestre de linhas, e fui banida para uma pequena oficina no sétimo andar. Embora eu esperasse algo assim, ainda foi... humilhante ser demitida assim abruptamente. Mas como você sabe, nunca fui particularmente poderosa ou popular na corte. — Nem eu... e olhe para mim agora. O olhar azul de Calandre levantou para a coroa na minha cabeça. — Você certamente tem... prosperou nos últimos meses. Arqueei uma sobrancelha. — É uma boa maneira de dizer que matei minha prima. Ela fez uma careta novamente. — Talvez você deva me dizer se há algo especial que você precise de mim ou de minhas irmãs enquanto estamos em Andvari. — Ela apontou para o caderno de desenho em uma mesa no canto.

— Eu já comecei a desenhar um vestido para o baile real que o rei fará em sua homenagem. Eu ficaria feliz em mostrar a você. — Não há necessidade. Eu sei que você fará algo adorável. Calandre fez uma careta. — Adorável não é bom o suficiente para a rainha de Bellona. Você precisa de algo espetacular e não sei se posso dar a você. — Adorável é mais do que suficiente para mim — disse eu com uma voz firme. — Vou deixar espetacular para os pavões envaidecidos da corte. Ela sorriu um pouco com isso, mas suas feições continuaram perturbadas, como se estivesse preocupada com o fato de eu de repente a dispensar do meu serviço. A sorte dela deve ter caído ainda mais do que eu imaginava quando Vasilia escolheu alguém como seu mestre de linhas. Estudei a outra mulher, imaginando o quanto eu podia confiar nela. Mas eu precisava começar a confiar em outras pessoas, mesmo que só um pouquinho. Meus amigos já estavam espalhados demais tentando me ajudar a segurar o trono, e eu precisava de mais aliados. — Você se lembra do baile real de que falei durante a sessão da corte? Ela assentiu. — Aquele em que Tolliver a insultou. — Tolliver não me insultou — respondi. — Ele pisou na bainha do meu vestido e me fez tropeçar. Todo mundo me viu cair, e rasguei meu vestido e esfolei minhas mãos, o que só fez Tolliver e seus amigos rir mais. Levantei-me e corri para o banheiro mais próximo. Eu ia ficar lá até que o baile acabasse e eu pudesse voltar sorrateiramente para o meu quarto, mas outra garota entrou. E a coisa mais estranha aconteceu... ela usou sua magia para consertar meu vestido e me ajudou a me limpar. Entendimento surgiu no olhar de Calandre. — Eu disse a todos na corte que me lembro de cada insulto, todas as coisas cruéis e malvadas que eles fizeram para mim. Ela franziu a testa, sem entender meu ponto de vista. — Então? Dei de ombros. — Então, eu lembro das pequenas gentilezas também. As sobrancelhas de Calandre se franziram, e ela me deu um olhar incrédulo, como se não pudesse acreditar que eu a escolhi agora por causa de

como ela teve pena de mim todos aqueles anos atrás. Ela não falou por alguns segundos. — Obrigada por responder à minha pergunta — disse ela. — Avise-me se você precisar de mais alguma coisa, minha rainha. Acenei com a mão, dispensando-a. Calandre acenou para mim novamente, depois se retirou para o canto dela, abriu o caderno e voltou ao desenho. E então eu estava sozinha de novo – até Sullivan se sentar à minha frente. Mesmo que eu o tivesse visto no pátio mais cedo, ainda o admirei. A maneira como a luz do sol fazia seus cabelos castanhos escuros brilharem como mogno polido. Como seus olhos podiam parecer tão frios como gelo ou quente como estrelas, dependendo do humor dele. A barba negra que sempre me fazia querer passar minha mão sobre sua mandíbula. A maneira como seu longo casaco cinza cobria perfeitamente seus ombros largos e musculosos. Às vezes, eu me perguntava se algum dia me cansaria de olhar para ele. Eu duvidava disso. Sullivan olhou para mim, depois olhou pelas janelas, ainda me dando algum espaço, mas eu não tinha tempo para pensar. Não mais. Além disso, esta viagem era tão importante para ele quanto para mim. — Como é a sensação? — perguntei. — Ir para casa? Ele encolheu os ombros. — Não é diferente de todas as outras vezes em que voltei ao longo dos anos. Eu sempre visitei minha mãe quando a trupe do Cisne Negro estava perto de Glanzen. Ela ainda mora no palácio. — E seu pai? Você sempre o visitou também? Um sorriso sem humor levantou os lábios de Sullivan. — Às vezes. Todos os tipos de sentimentos sombrios e significados ocultos escorriam dessa única palavra. Esperei que ele elaborasse, mas Sullivan manteve seus pensamentos para si mesmo. Talvez ele não quisesse que o relacionamento dele com o pai colorisse o meu. Então, tentei uma tática diferente para fazê-lo se abrir. — E Dominic, seu irmão mais velho?

— Você quer dizer o amado príncipe herdeiro? Aquele apelidado de Príncipe Encantado? — O sorriso dele se transformou em uma careta. — Às vezes. Mais uma vez, todos os tipos de sentimentos e significados foram agrupados nessa única palavra e, mais uma vez, ele não elaborou. — Mas eu sempre passo tempo com Gemma, filha de Dominic. — A expressão tensa de Sullivan se transformou em genuína felicidade. — Ela é minha sobrinha favorita. — Ela é sua única sobrinha — apontei. — Estou ansiosa para vê-la. E Alvis. — E eles estão ansiosos para vê-la também, alteza. Você é tudo o que Gemma fala toda vez que converso com ela através do espelho Cardea. Sullivan tinha um espelho em seu quarto em Seven Spire que era semelhante ao que eu descobri nos aposentos de Maeven, embora eu não tenha contado a ele ou a ninguém sobre minha conversa com ela. Depois que ela desapareceu, tentei fazer o espelho funcionar novamente, mas sem sucesso. Maeven deve ser a única capaz de sentir e acionar sua magia. Eu queria usar o espelho de Sullivan para falar com Gemma, especialmente Alvis, e me certificar de que eles estavam bem. Mas Sullivan teve dificuldade para conseguir que seu pai me hospedasse, e eu não queria aumentar a tensão, conversando com alguém pelas costas do rei. Além disso, eu veria Gemma e Alvis em breve. Mas eu me forcei a colocar meus sentimentos de lado e pensar como uma rainha, o que significava escolher os pensamentos de Sullivan sobre o rei Heinrich. — Você acha que seu pai concordará com um novo tratado de paz? — Fiz a pergunta que vinha pesando em minha mente por semanas. Eu havia feito tudo o que pude para acalmar as coisas com Heinrich, incluindo restaurar imediatamente acordos comerciais com Andvari e denunciar veementemente os Mortans como os responsáveis pelo massacre em Seven Spire. Também enviei uma carta a Heinrich pedindo desculpas pelas ações e expressando minhas mais profundas simpatias e condolências pela perda de seu filho, seu embaixador e seus compatriotas.

Eu não ouvira nada em troca. Heinrich não me enviou uma carta e não fez nenhum comentário público sobre os Mortans. O silêncio dele me preocupou. Se o rei não concordasse com um novo tratado, eu teria viajado por todo esse caminho por nada, e retornar a Seven Spire de mãos vazias apenas enfraqueceria ainda mais minha posição com meu próprio povo. Eu precisava voltar com alguma coisa, algum novo tratado ou acordo comercial que convencesse os nobres a trabalhar comigo em vez de contra mim. Se não, então era apenas uma questão de tempo até Fullman, Diante, ou alguém me desafiar pelo trono, ou Maeven tentar me assassinar novamente, ou ambos. Não apenas isso, mas falhar em minha primeira missão diplomática reforçaria minha própria crença de que eu não era digna de ser rainha, muito menos uma rainha Winter, o que for que isso realmente significava. A incerteza no rosto de Sullivan me encheu ainda mais de preocupação. — Não sei, alteza. Eu simplesmente não sei. Meu pai sempre foi... difícil. Por outro lado, não fiquei no palácio e me casei uma boa garota andvariana como ele queria, então talvez seja por isso que nosso relacionamento tenha se desgastado nos últimos anos. Mas agora que Frederich está morto... Sua voz sumiu, mas ele não precisou terminar o pensamento. Nós dois sabíamos quão delicada era a situação entre Bellona e Andvari. Eu aguardei, esperando que Sullivan pudesse oferecer mais algumas ideias sobre seu pai, mas ele se voltou para a janela, perdido em seus próprios pensamentos. Naquele momento, desejei poder protegê-lo disso. Que eu poderia tê-lo poupado de voltar para casa e enfrentar toda a dor claramente esperando por ele lá. Mas não podia proteger Sullivan de suas emoções ou de seu passado, assim como eu não conseguia me proteger do meu. Por isso, olhei pela janela também, observando as milhas passando e me perguntando que novo tormento nos esperava em Andvari.

Capítulo 09 Eu esperava que Maeven montasse outra armadilha em algum lugar ao longo do caminho, talvez até tentasse atrapalhar o trem, mas nossa jornada prosseguiu sem incidentes. Três dias depois, nosso trem entrou na estação principal em Glanzen. Serilda, Cho, Sullivan e Xenia já haviam saído para garantir nossa rota para o palácio, mas eu ainda estava no vagão da rainha com Paloma. Ela abriu a boca, mas apontei meu dedo para ela. — Se você me perguntar se estou pronta para isso, vou gritar — murmurei. Paloma sorriu, assim como o ogro no seu pescoço. Olhei para ela por mais um momento, mas depois revirei os olhos, e um sorriso relutante apareceu no meu rosto. Este foi o último momento que eu teria com minha amiga por horas e não iria desperdiçá-lo ficando irritada, especialmente porque eu não sabia o que me aguardava no palácio. Fora do trem, a marcha real de Blair começou a tocar. Paloma apertou meu braço, desejando silenciosamente boa sorte, então saiu pela porta lateral, me deixando sozinha. A marcha continuou tocando, e usei o tempo para verificar meu reflexo no espelho no canto. Calandre e suas irmãs passaram a maior parte da manhã me arrumando, desde que estava programado para eu seguir direto da estação de

trem para a sala do trono de Glitnir para me encontrar com o rei Heinrich. Calandre tentou me fazer vestir um vestido, mas eu insisti em usar minha túnica azul comum, perneiras pretas e botas, e amarrei minha espada e punhal de tearstone no meu cinto de couro preto, como de costume. A mestre de linhas suspirou com a minha falta de senso de moda, mas eu disse a ela que minha roupa era um mal necessário e que eu pelo menos queria poder lutar caso fosse atacada. Meu pragmatismo sobre outra tentativa de assassinato finalmente a fez ceder, mas ela ganhou uma pequena batalha ao me fazer usar uma túnica nova com fios de prata nas mangas, que apresentava uma coroa de estilhaços borbada no meu peito. O símbolo poderia muito bem ter sido um alvo, dizendo aos assassinos onde mirar, mas eu não queria magoar os sentimentos dela, então lhe disse que era adorável. Calandre também tentou fazer com que eu usasse uma das coroas mais elaboradas que ela embalara, mas eu me recusei a usar a mesma fina coroa de prata com pequenos fragmentos de tearstone azul que eu ostentava em Seven Spire. Glitnir era a corte de Heinrich, e eu não queria ofuscá-lo de forma alguma. As coisas já estavam tensas e difíceis o suficiente entre nossos reinos, e eu precisava muito da ajuda dele para ofendê-lo, especialmente fazendo algo tão bobo quanto usar uma coroa maior que a dele. Camille, irmã mais nova de Calandre, era mestra em pintura e trabalhou sua magia no meu rosto, usando sombra prateada para fazer meus olhos parecerem mais cinzentos do que azuis e adicionando bálsamo de frutas aos meus lábios. Meus cabelos pretos na altura dos ombros caíam em ondas soltas, e minha única joia era a pulseira de coroa e espinho que Alvis me dera o dia do massacre. Do lado de fora, a marcha real finalmente parou, e as últimas notas barulhentas desapareceram. Então a voz estrondosa de Cho soou. — Apresentando Sua Majestade Real, a Rainha Everleigh Saffira Winter Blair, de Bellona! — Sua voz soou como um trovão, e a porta do vagão deslizou lentamente para trás. Respirei fundo, depois soltei e caminhei para fora.

A plataforma parecia com aquela da qual partimos em Svalin – uma plataforma de pedra pontilhada de bancos de ferro com a principal estação ferroviária à distância. Dei alguns passos à frente e parei, e foi aí que percebi que as pessoas aqui não eram ferroviárias e florins. Eles eram guardas reais andvarianos. Mais de três dúzias de homens e mulheres formaram um semicírculo ao redor da plataforma. Eles estavam vestido com túnicas cinzas de mangas compridas, enfeitadas com fio preto, juntamente com perneiras e botas pretas, de acordo com as cores da família real Ripley. Normalmente, durante uma visita oficial, os guardas usariam espadas cerimoniais com punho de joias e bainhas de couro cravejadas com arabescos de metal. Hoje não, não para mim. Cada guarda tinha uma espada normal na mão e uma adaga presa ao cinto. Eles também usavam couraças de prata opaca que provavelmente eram muito mais fortes do que pareciam. Mas talvez as coisas mais reveladoras fossem a maneira como os guardas me encaravam e a raiva quente e apimentada que saía deles em ondas fortes e contínuas. Eu não deveria ter ficado surpresa. Afinal, eu era a personificação de Bellona, o lugar, as pessoas, e especialmente a família que havia assassinado seu amado príncipe e embaixador, e quase matou a neta do rei. Eu não esperava uma recepção calorosa, mas esperava um pouco menos de ódio e hostilidade. Meus amigos não estavam mais felizes com a situação. Sullivan estava em profunda discussão com uma mulher andvariana, enquanto Serilda, Cho e Xenia estavam de pé ao lado. Calandre e suas irmãs estavam atrás dos meus amigos, estudando nervosamente todos ao seu redor. Paloma estava a alguns metros de distância, com os gladiadores de Bellonan que se tornaram guardas. A mão dela estava enrolada em volta da maça em seu cinto, e seus olhos âmbar se estreitaram, junto com os do ogro no seu pescoço, como se desafiasse silenciosamente os andvarianos a me atacar. Tensão pairava no ar como um cobertor frio e úmido, sufocando qualquer pretensão de calor ou amizade.

Mas não havia como voltar, então eu coloquei um sorriso no rosto e fui em direção a Sullivan. Na minha abordagem, ele murmurou algumas palavras finais para a mulher, depois voltou. Mas em vez de se juntar aos nossos amigos, ele ficou sozinho em uma pequena bolha de espaço, claramente preso entre dois mundos. Ele definitivamente não era um Bellonan, mas também não era um Andvariano. Eu me concentrei na mulher. Ela tinha mais ou menos a minha idade, vinte e poucos anos, olhos de topázio, linda pele de ébano e cachos pretos na altura dos ombros, afastados de seu rosto por pinos de cristal cinza. Ela usava uma túnica cinza, e uma espada e uma adaga pendia de seu cinto, o mesmo que os outros guardas. Mas o símbolo real de Ripley – um rosto de gárgula rosnando – estava costurado em fio preto sobre o coração, indicando sua importância. A mulher não sorriu. Eu realmente não esperava que fizesse, dada a situação, mas o ódio cru e nu que preencheu seus olhos me surpreendeu, assim como o forte cheiro de tristeza cinzenta que flutuou sobre ela. Esta mulher me desprezava completamente. Não era um grande presságio do que estava por vir. Ela apertou o punho contra o coração e curvou-se no tradicional estilo andvariano. — Rainha Everleigh, bem-vinda a Glanzen. Sou Rhea, capitã dos guardas reais. — Ela recitou as banalidades habituais em uma voz fria e plana, não expressando uma única palavra. — Olá, Capitã Rhea. Quero agradecer a você e seus guardas por sua generosa hospitalidade. — Fiz minha voz calorosa e agradável, seguindo o roteiro de protocolo padrão. A mandíbula de Rhea se apertou, mas ela baixou a cabeça, reconhecendo minha polidez. — Eu vou acompanhá-la até o Palácio. O Rei Heinrich está ansioso para conhecê-la. Aposto que ele está. Mantive meu pensamento sarcástico para mim, no entanto. Com Rhea liderando o caminho, e os guardas andvarianos nos cercando, minha comitiva e eu deixamos a plataforma, atravessamos a estação ferroviária e saímos na rua. De lá, subimos em uma carruagem

fechada.

Paloma

entrou

comigo,

enquanto

dois

guardas

Bellonan

empoleiravam-se em cima do veículo. E então fomos embora, rolando pelas ruas de Glanzen. Eu já estive em Glanzen uma vez com meus pais, mas minhas lembranças daquela viagem de infância eram fracas e turvas, então espiei pela janela, tentando ver tudo de uma vez. Glanzen era semelhante a Svalin, com suas ruas de paralelepípedos, praças largas e fontes borbulhantes, mas tudo aqui era mais velho e muito mais refinado, polido e elegante. Os andvarianos são altos, casas e lojas esbeltas faziam com que os prédios mais baixos e irregulares de Bellona parecessem

imitações

pálidas

e

conchas

brutas

e

quebradiças

em

comparação. E não foram apenas as formas e tamanhos diferentes. Cada estrutura apresentava trabalho de pedra requintado e complexo, desde as vinhas que fluíam através dos degraus curvos até as flores que adornavam os arcos lisos às colunas caneladas que sustentavam muitos dos edifícios. Era como se toda a cidade tivesse sido trabalhada com o máximo cuidado por uma legião de mestres, e alguma nova maravilha de pedra, metal, madeira e vidro esperava em cada esquina. Como Bellona, a mineração era uma das principais indústrias de Andvari, graças às Montanhas Spire, que corriam através de grande parte do reino. Mas enquanto Bellona era conhecida por seu fluorestone, tearstone e carvão, as minas andvarianas estavam cheias de metais preciosos e joias. Esse brilho decorava muitas das estruturas, seja folha de ouro que reveste as janelas, bronze martelado ao redor de uma coluna, ou granadas, moonstones e outras joias envoltas na borda de uma fonte. Mas talvez a diferença mais marcante entre os dois reinos tenha sido a que adornava os edifícios. Em Bellona, pináculos de metal decoravam todos os quatro cantos de qualquer casa ou empresa. Mesmo as arenas enormes e abobadadas, como o Cisne Negro, apresentavam pináculos, como uma homenagem às espadas, lanças e outras armas usadas nos atuais combates de gladiadores e aquelas da história de Bellonan. Não havia tais pináculos em Glanzen, e algo mais espreitava nos telhados daqui.

Gárgulas. As criaturas de pedra em movimento, respirando e vivas agachavamse em muitos dos telhados, variando de rochas não maiores do que caládrius a brutamontes enormes do tamanho de cavalos puxando a carruagem. Independentemente de sua forma e tamanho, quase todas as gárgulas tinham chifres curvos na cabeça, asas nas costas e garras afiadas nas patas, além de bocas cheias de dentes longos e irregulares que eram perfeitos para rasgar e depois esmagar qualquer coisa – ou qualquer pessoa – infeliz o suficiente para atrapalhar. Vi duas gárgulas voando para frente e para trás do outro lado da rua. As criaturas voavam pelo ar com tanta frequência e casualmente quanto as águias que cruzavam o rio Summanus nos arredores de Seven Spire procurando peixes para tirar da água. As lendas andvarianas alegavam que as gárgulas serviam como protetores, não apenas dos prédios em que se aninhavam no topo e nas minas em que se enterravam, mas de todo o reino. Claro que havia gárgulas em outros reinos, mas foram encontradas naturalmente apenas em Andvari, e havia alguma magia, alguma peculiaridade da natureza que tornava as gárgulas aqui muito mais poderosas do que aquelas que viviam em outros lugares. As criaturas foram uma das principais razões pelas quais Morta ainda não conseguiu conquistar outro reino menor. As gárgulas eram os inimigos ferozes e naturais das strixes, enormes pássaros semelhantes a falcões com penas roxas que os soldados de Mortan costumavam montar em batalha. Ainda assim, as gárgulas e a magia que possuíam provavelmente eram outra razão pela qual o rei de Mortan cobiçava Andvari, junto com as minas do reino. A carruagem parou para deixar outro tráfego atravessar a rua e uma sombra caiu sobre o veículo, bloqueando a luz do sol. Olhei para cima novamente e percebi que uma gárgula estava empoleirada em um telhado próximo, olhando para mim. A criatura era aproximadamente do tamanho de um cachorro grande, com dois chifres afiados que se projetavam como espadas curvas de sua testa cinza escura e uma cauda longa com o que parecia uma flecha de pedra. Os

olhos da gárgula ardiam em um azul-safira brilhante, e seu olhar se afiou lentamente enquanto me estudava, como se estivesse pensando qual seria meu sabor no jantar. Gárgulas principalmente comiam cascalho e outras pequenas pedras, junto com ratos, roedores, pássaros e coisas do gênero, mas este parecia querer se ramificar e lanchar meu sangue e ossos. Estremeci e recostei-me nas almofadas. Trinta minutos depois, a carruagem diminuiu e eu espiei pela janela novamente. Chegamos a Glitnir, o coração cintilante de Andvari. O palácio era feito de mármore claro que ficava entre branco e cinza, e brilhava como uma enorme opala ao sol do meio-dia. Varandas, terraços e ameias adornavam as alas e torres do palácio, além de grandes janelas em forma de diamante. Fitas de ouro, prata e bronze martelados fluíam através da pedra e enrolavam em muitos degraus, paredes e arcadas, enquanto gemas preciosas adicionavam pequenas manchas aqui e ali, como se fossem flores desabrochando no mármore e abrindo suas pétalas de joias para o céu azul. A peça central do palácio era uma ala alta e larga, encimada por uma enorme cúpula que se erguia acima de todos os outros níveis. Várias torres pontiagudas se projetavam para fora da cúpula, fazendo com que parecesse uma coroa de espadas. Gárgulas voavam de uma torre para a seguinte e vice-versa, embora não tanto quanto eu esperava. Talvez as criaturas tenham preferido explorar a cidade ou as colinas arborizadas da paisagem circundante durante o dia antes de voltar ao palácio para se esconder à noite. Minha carruagem parou no pátio principal. Eu saí, com Paloma me seguindo, a mão na maça novamente. Serilda, Cho, Sullivan e Xenia saíram da carruagem, enquanto o resto dos servos e guardas Bellonan desciam de seus veículos. Todos andamos ao redor do pátio, estudando tudo ao nosso redor. Especialmente os guardas reais andvarianos. Guardas se alinharam nas paredes do pátio, todos armados com espadas e olhares furiosos destinados a mim. Maeven não precisava enviar outro assassino da Brigada Bastarda atrás de mim. Aqui não. Qualquer um desses guardas provavelmente ficaria mais do que feliz em enfiar uma lâmina

nas minhas costas para vingar seu príncipe e embaixador assassinado. Eu teria que ter ainda mais cuidado aqui do que em Seven Spire. Mas eu não era a única que os guardas olhavam. Eles também estavam de olho em Sullivan... bem, eu não sabia do que chamar. Alguns dos guardas sorriram e assentiram, parecendo felizes em vê-lo. Enquanto outros lhe davam olhares quase tão sombrios e assassinos quanto os que dirigiam a mim. Sullivan educadamente devolveu os acenos, embora seu rosto permanecesse uma máscara em branco. Eu podia sentir o cheiro das emoções saindo dele, no entanto. Muita raiva quente e apimentada, e tensão de vinagre, misturada com uma quantidade surpreendente de arrependimento mentolado e desgosto cinza. Os dois primeiros faziam sentido, mas eu me perguntava sobre os outros. Por que Sullivan se arrependeria de voltar para casa? E o que – ou quem – aqui havia quebrado seu coração? A Capitã Rhea foi até mim. — O Rei Heinrich está esperando na sala do trono. Em vez de me dar uma chance de responder, Rhea se virou e se afastou. Ah, sim. Ela definitivamente me odiava. Ainda assim, tudo que eu podia fazer era segui-la. Meus amigos se uniram a mim. Paloma, Serilda e Cho me cercaram por três lados, suas mãos nas armas. Sullivan estava do outro lado de Cho, mais uma vez, não muito conosco, mas não com os andvarianos também. Xenia estava a alguns metros atrás de nós, apunhalando sua bengala no chão várias vezes. A batida aguda e firme foi estranhamente reconfortante. Olhei por cima do ombro. Calandre e suas irmãs andavam atrás de Xenia, junto com o resto da comitiva Bellonan. Os andvarianos ergueram a retaguarda,

com

as

mãos

nas

armas

também,

conduzindo-nos

constantemente ao palácio. Não havia escapatória agora. Saímos do pátio, atravessamos um amplo arco e entramos no palácio. O interior de Glitnir era ainda mais ornamentado que o exterior, e ouro, prata e bronze brilhavam em toda parte, desde os fios dos finos tapetes sob os pés até as pinturas emolduradas que cobriam as paredes e a moldura da coroa que revestia os tetos. Folhas de ouro, prata e bronze também rodeavam as

janelas, enquanto lustres feitos de pedras preciosas escorriam como pingentes de arco-íris agarrados ao teto. Eu sabia que Andvari era um reino rico, muito mais rico que Bellona, e até Morta, mas algo brilhava e cintilava em todos os corredores e em cada esquina. A opulência pura, deslumbrante e luxuosa era avassaladora, e eu me senti como uma garotinha monótona andando por uma caixa de joias em tamanho real de uma rainha rica e olhando boquiaberta para todas as facetas bonitas. Finalmente, chegamos ao final de um longo corredor e paramos em frente a um conjunto de enormes portas que se estendiam do chão até o teto. O brasão real de Ripley – um rosto de gárgula rosnando – foi esculpido na pedra e estendido pelas duas portas. Esta estava cravejada com safiras e diamantes maiores que meus punhos, indicando que havíamos chegado à sala do trono. Capitã Rhea olhou para mim. — Seus amigos, servos e guardas entrarão por outra entrada e estarão sentados na varanda do segundo andar com os nobres menores. Você caminhará direto pelo comprimento da sala até onde o Rei Heinrich está esperando no estrado na outra extremidade. Entendeu? Eu me irritei com seus comandos frios, mas engoli meu aborrecimento. Agora não era hora de lembrar a todos que eu era rainha – não quando eu estava cercada por tantos guardas hostis. Além disso, a ordem da capitã era a mesma coisa que eu fiz em Seven Spire durante a sessão da corte e uma prática comum durante visitas de membros da realeza estrangeira, então havia poucas razões para me opor a ela. Mas ouvi a ameaça subjacente na voz de Rhea. Qualquer desvio de suas ordens poderia resultar em algumas consequências muito desagradáveis para mim. Rhea me deu outro olhar duro de aviso. — Bom. Vamos prosseguir. Ela gesticulou para os meus amigos. Serilda, Cho, Paloma e Xenia me deram um encorajador aceno de cabeça, então seguiram Rhea por outra porta na parede a uma curta distância. Isso me deixou sozinha no corredor com Sullivan, com os guardas andvarianos nos flanqueando.

Sob os olhares atentos, vigilantes e desconfiados dos guardas, Sullivan finalmente fechou a distância entre nós. — Meu pai respeita a força acima de tudo — murmurou ele em voz baixa. — E Dominic seguirá a liderança do meu pai. Então seja você mesma, alteza, e tudo deve ficar bem. Ele me deu um sorrisinho torto que fez meu coração apertar com desejo e outras coisas que eu não podia pensar no momento. — Obrigada pelo conselho — sussurrei. Seu sorriso desapareceu e ele balançou a cabeça. — Não me agradeça até que termine. Eu ansiava por enfiar meus dedos nos dele, para sentir a força quente e tranquilizadora de sua mão pressionando a minha. O desejo era tão forte que eu tive que enrolar minha própria mão em um punho para evitar alcançálo. Em vez disso, limitei-me a um único aceno educado. Sullivan olhou para mim por mais um momento, seu olhar azul queimando no meu, depois se virou e desapareceu pela mesma porta que os outros passaram. Agora eu estava realmente sozinha, exceto, é claro, pela minha escolta de guardas reais. Olhei de um rosto Andvariano para o próximo, mas todos me olhavam de volta, como antes. Multidão resistente. Fiquei no corredor, olhando para as portas fechadas, por quase dez minutos. Os guardas se mexeram e sussurraram entre si, mas fiquei perfeitamente imóvel e quieta. Talvez eu devesse estar com raiva, mas o atraso não me incomodou. Eu passei os últimos quinze anos em Seven Spire esperando por um chá, um recital ou outro evento chato começar. Além disso, o atraso me deu alguns minutos extras para me convencer de que de alguma forma eu poderia ganhar o favor do rei e ganhar sua confiança, junto com um novo tratado – ou pelo menos tentar me convencer de que eu poderia fazê-lo. Talvez eu não achasse que merecia ser rainha, ou que possuía as habilidades, força ou magia para ser verdadeiramente uma Rainha Winter, mas era meu dever fazer o que era melhor para Bellona. Um bom desempenho na corte de Heinrich seria um importante passo adiante, não apenas para o meu reino, mas para mim pessoalmente. Seria um sinal de que talvez meu

status de farsante pudesse se transformar lentamente em uma verdadeira confiança e poder. Essa era minha esperança, de qualquer maneira. As linhas de abertura da marcha real de Blair soaram, embora as portas grossas abafassem a música alta e alegre. A marcha tocou e tocou, mas as portas ainda não se abriram. Enquanto esperava, toquei minha espada no cinto, depois minha adaga ao lado e, finalmente, a pulseira de prata no meu pulso. Talvez fosse bobo, mas sentir os estilhaços de tearstone e as distintivas pontas das coroas sob as pontas dos meus dedos me acalmou. Nos últimos meses, eu fiz tantas coisas que antes pareciam totalmente impossíveis. Sobrevivi a um massacre, venci uma partida de gladiadores de círculo negro e triunfei em um desafio real até a morte. O que era um rei enraivecido e enlutado e uma corte cheia de nobres hostis comparado com tudo isso? A marcha real de Blair terminou. Ao longe, um rangido fraco soou, ficando lentamente mais alto e mais alto, quando as portas duplas abertas, revelando a sala do trono além. Coloquei meu rosto em uma máscara agradável e benigna, depois avancei para meu desempenho mais importante como rainha até agora. Hora do show. *** Entrei pelas portas abertas, meu olhar passando para a esquerda e para a direita, absorvendo tudo ao meu redor. De muitas maneiras, a sala do trono de Glitnir era como a da Seven Spire. Um espaço enorme e cavernoso com colunas aqui e ali, uma varanda no segundo andar que envolvia três lados da área e um trono empoleirado em um estrado elevado. Mas é aí que as semelhanças terminam. Um amplo tapete preto levava das portas até o estrado, no extremo oposto da sala. O brasão de gárgulas Ripley feito com brilhantes fios de prata

marcharam pelo centro do tapete, repetindo-se, enquanto bandeiras pretas com o mesmo brasão de prata pendiam de muitas das colunas. Mas essas não eram as únicas gárgulas na sala do trono. Os

rostos

das

criaturas

estavam

esculpidos,

estampados

ou

enaltecidos em praticamente tudo, do chão às paredes e nas colunas. A maioria das gárgulas era prateada, com joias reluzentes nos olhos e as facetas brilhantes e piscantes faziam parecer que as criaturas estavam olhando para mim, a Bellonan traiçoeira no meio deles. Olhei para cima, meio esperando ver gárgulas reais circulando acima, prontas para descer e me rasgar em pedaços, mas o teto apresentava apenas lustres feitos de âmbar, juntamente com padrões alternados de diamantes brancos e cinza. Levei alguns segundos para olhar além das joias deslumbrantes e perceber que os lustres também tinham o formato de enormes rostos de gárgulas, os quais pareciam me encarar. Eu fiz uma careta e baixei o olhar. Eu sempre pensei que a sala do trono das Seven Spire era grande, mas fui lembrada mais uma vez o quanto Andvari era mais rico que meu próprio reino. E a riqueza não estava limitada ao mobiliário. Também estava em exibição total nas pessoas. Nobres alinhavam-se dos dois lados do tapete, todos vestidos com belas sedas e veludos, e praticamente pingando ouro e pedras preciosas. O cheiro de glamour de beleza e outras magias suaves e sutis se apegavam as suas joias, e eu tive que torcer o nariz para segurar um espirro. Nobres ainda mais finamente vestidos estavam sentados na varanda do segundo andar. Guardas segurando lanças de prata estavam espaçados ao longo dos dois lados do tapete. Eu me perguntava quem os guardas deveriam proteger – eu ou os nobres. Difícil dizer, já que os nobres estavam me dando os mesmos olhares assassinos que os guardas. Mantive meus ombros para cima e minha cabeça erguida enquanto caminhava, tentando parecer real, confiante e majestosa. Meu olhar se concentrou nas pessoas no estrado elevado no extremo oposto da sala. Eu vi pinturas da família real, então eu sabia quem eles eram.

Rei Heinrich Aldric Magnus Ripley estava sentado à frente e no centro de um grande trono feito de âmbar polido. Diamantes brancos e cinza foram embutidos no topo do trono, encaixando-se para formar a crista da gárgula. Heinrich parecia estar na casa dos cinquenta anos e tinha o mesmo cabelo castanho escuro, mandíbula forte e penetrante olhos azul de Sullivan. O rei usava uma túnica preta, juntamente com perneiras e botas, e uma jaqueta curta, cinza e formal coberta com medalhas e fitas esticadas sobre os ombros. Ele era um homem bonito, embora seu rosto parecesse pálido, e grandes mechas cinza brilhassem em seus cabelos. Uma coroa de prata cravejada de pedaços de âmbar, junto com diamantes brancos e cinza, repousava sobre sua cabeça. Era facilmente três vezes o tamanho da minha própria coroa. Respirei fundo, sentindo o gosto do ar. Apesar da distância entre nós, eu ainda podia captar facilmente o perfume do rei – baunilha fria misturada com uma pitada de magia cáustica. Não é surpreendente, pois Heinrich era um mago, assim como Sullivan. Meu olhar mudou para o homem ao lado de Heinrich. Ele estava na casa dos trinta, alguns anos mais velho que Sullivan, e também tinha o cabelo castanho escuro do pai, mandíbula forte e olhos azuis. Príncipe herdeiro Dominic também usava uma jaqueta cinza, juntamente com uma espada e uma adaga, e também cheirava a baunilha e magia. Outro mago, como Heinrich e Sullivan. Para minha surpresa, uma mulher estava à direita do rei, embora estivesse muito mais atrás no estrado. Ela devia estar na casa dos cinquenta anos, o mesmo que Heinrich, embora sua bela estrutura óssea e a adorável pele bronzeada a fizesse parecer muito mais jovem. Seu cabelo preto estava preso em um coque alto, e seus olhos verdes escuros eram da mesma cor que seu vestido. Um medalhão de ouro em forma de coração pendia de uma corrente em volta do pescoço. Eu nunca vi um retrato dela, mas ainda sabia quem ela era: Dahlia Sullivan, a amante do rei. Uma quarta e última pessoa estava em pé no estrado ao lado de Dominic. A menina tinha cerca de treze anos, com olhos azuis e cabelos castanhos escuros, presos em uma bonita trança. Princesa da Coroa Gemma,

a filha de Dominic e a garota que eu ajudei a salvar durante o massacre em Seven Spire. Ela cresceu tanto desde a última vez que a vi naquele dia horrível, e parecia muito mais madura do que eu me lembrava. Mais alta, mais forte e mais confiante também. Ao contrário de todos os outros, Gemma estava sorrindo, e ela continuava pulando na ponta dos pés, como se mal pudesse conter sua excitação. Os movimentos rápidos fizeram sua saia azul escura balançar. O sorriso no meu rosto ficou muito mais fácil de segurar e muito mais genuíno quanto mais eu olhava para Gemma. Eu pisquei para ela, e ela sorriu para mim. Uma das mulheres nobres se aproximou, aproximando-se do tapete a alguns metros de distância do fundo do estrado. Ela parecia ter mais ou menos a minha idade e era uma das mulheres mais bonitas que eu já vi. Seus cabelos ruivos caíam em ondas soltas em cascata pelos ombros, enquanto uma sombra esfumaçada acentuava seus brilhantes olhos verdejade. Sua pele impecável era um topázio adorável, e seus lábios formavam um coração vermelho perfeito em seu rosto. Ela usava um vestido deslumbrante feito de seda verde enfeitada com fios de ouro em forma de videiras e flores e esmeraldas quadradas brilhavam na gargantilha de ouro que rodeava seu pescoço. Mesmo sem todos os outros acessórios, suas roupas e joias eram excelentes, e eu podia dizer que ela estava entre os nobres mais ricos. Só a gargantilha teria comprado facilmente uma pequena ilha no Blue Glass Sea. Ela continuou olhando ao redor, como se procurasse por alguém. Eu passei pela mulher. Eu estava quase abaixo do tablado quando um homem saiu da multidão e parou na beira do tapete, mesmo além de onde os guardas estavam posicionados. Várias pessoas franziram a testa, imaginando o que ele estava fazendo, mas ele só tinha olhos para mim e eu para ele. Ele era um homem mais velho, com quase 60 anos, com pele de ébano, olhos castanhos e cabelos pretos ondulados salpicados com uma quantidade generosa de cinza. Ele usava uma túnica cinza escura e uma capa preta estava caída sobre os ombros. Seus traços eram tão familiares para mim quanto os

meus, e ainda mais preciosos, desde que eu pensei que ele estivesse perdido para mim para sempre. — Alvis — sussurrei. Eu esperava que o ex-joalheiro de Seven Spire estivesse aqui, mas esse conhecimento não diminuiu o impacto de finalmente vê-lo novamente. Meu coração deu um pulo, minha respiração ficou presa na garganta e meus pés pararam. Eu fiquei lá, congelada no meio do tapete, olhando para ele. Alvis olhou para mim com sua expressão severa e inescrutável de sempre. Então seus olhos se enrugaram, seu rosto suavizou e ele abriu os braços. De alguma forma, eu consegui engolir o soluço subindo na minha garganta. De repente, eu não estava pensando em protocolos adequados ou os guardas com suas lanças. Meus pés se moveram por vontade própria, e eu corri para ele. Suspiros soaram e vários guardas se adiantaram e abaixaram as lanças, mas eu continuei. Deixe que eles me ataquem. Deixe que eles me apunhalem. Nada importava além de chegar a Alvis. Eu me joguei, envolvendo-o em um abraço apertado e esmagador de ossos. Eu respirei fundo, e o cheiro dele – aquele forte e metálico sabor mágico que era exclusivamente dele – encheu meus pulmões. Foi quando eu soube que era realmente ele e que eu não estava apenas imaginando isso como havia feito tantas vezes antes. Alvis me abraçou com a mesma força. Mais suspiros chocados e sussurros agudos soaram, enquanto os nobres fofocavam sobre a nossa reunião improvisada, mas não me importei. Eu perdi Isobel e pensei que Alvis se foi também, então eu apreciaria esse momento pelo maior tempo possível, não importando as consequências. Que os nobres me considerassem fraca, que o rei me considerasse uma tola exagerada. Eu não me importava com nada disso – nem um pouco. — Tudo bem, tudo bem. É o suficiente — resmungou Alvis em voz baixa que só eu podia ouvir. — Rainhas Winter não deveriam ser tão abertamente emocionais. Especialmente em um lugar tão perigoso como este.

Eu o abracei novamente, ainda não me importando com o quão emocional eu estava sendo, então abaixei meus braços e dei um passo para trás. — Preciso te perguntar sobre ser uma rainha Winter — murmurei. — Eu preciso perguntar sobre muitas coisas. Discretamente, estendi a mão e bati no bracelete de prata no meu pulso – o que ele havia feito. Seu olhar focou no bracelete, depois foi para a espada e a adaga amarradas na minha cintura. Uma sombra escureceu o rosto de Alvis. — Eu sei. Mas agora, você tem um rei para cumprimentar. Ele se curvou para mim e depois recuou. Eu me virei e encarei o rei novamente. Então, respirei fundo e caminhei até que eu estava no centro do tapete, na parte inferior do estrado. Dois guardas se levantaram, como se estivessem com medo de que eu subisse os degraus e tentasse assassinar o rei, mas Dominic acenou com a mão e os guardas mantiveram suas posições. Interessante que ele sinalizasse para os guardas em vez do rei. O príncipe herdeiro deve ter mais poder e influência do que eu percebi. O Rei Heinrich olhou para mim por vários segundos. Finalmente, ele inclinou a cabeça um pouquinho, e fiz a perfeita reverência de Bellonan, como o protocolo ditava. Eu segurei a reverência por muito mais tempo do que o necessário, silenciosamente me desculpando pelas ações cruéis e perversas de Vasilia. Então eu me levantei e olhei para o rei novamente. Heinrich me estudou da cabeça aos pés, absorvendo tudo, desde minha túnica modesta, minhas armas de tearstones até minhas botas pretas. Eventualmente, seu olhar travou na fina coroa na minha cabeça. Uma carranca enrugou seu rosto, como se não tivesse muita certeza do que pensar de mim, embora suas feições derretessem rapidamente em uma expressão mais neutra. Não era amigável, mas também não era hostil. O melhor que eu poderia esperar, dada às circunstâncias. — Rainha Everleigh, bem-vinda a Glitnir — disse Heinrich em uma voz alta e estrondosa. — Obrigada por me receber, Rei Heinrich. Você e seu povo me honram com sua hospitalidade.

Vários nobres soltam bufos irônicos e ruidosos. — Talvez devêssemos mostrar a ela a mesma hospitalidade que sua prima mostrou a Frederich — murmurou uma voz baixa e irritada. Olhei para a minha direita. Para minha surpresa, não era um dos nobres que havia falado – era a Capitã Rhea. Eu não a vi entrar, mas ela estava agora no pé do estrado, perto de Dominic. Ela percebeu que eu a ouvi, que todos a ouviram, mas em vez de abaixar a cabeça constrangida, ela levantou o queixo e me lançou um olhar venenoso. Ela obviamente guardava rancor pelo que aconteceu com os andvarianos. Eu esperava isso, mas ela parecia levar a morte muito pessoalmente. Eu olhei para Rhea, deixando-a saber que eu não estava intimidada pelo ódio queimando em seus olhos, então enfrentei o rei novamente. Eu não disse nada, nem ele. Os segundos se passaram e a tensão cresceu e aumentou. Olhei para a varanda do segundo andar. Serilda, Cho, Xenia e Paloma estavam reunidos, junto com o resto da comitiva de Bellonan, todos cercados por guardas andvarianos. Sullivan estava sozinho no canto, mais uma vez não fazendo parte de nenhum dos grupos. Pela primeira vez, percebi quão precária era minha posição. Meus amigos não poderiam me ajudar, dada a distância entre nós, e eu estava completamente exposta e vulnerável na frente do estrado. Com uma palavra, um movimento de seu dedo, o Rei Heinrich poderia ordenar que seus guardas avançassem e perfurassem com as lanças deles no meu coração. Abri minha boca para quebrar o silêncio e tentar aliviar a tensão quando o cheiro de ansiedade azeda e suada encheu meu nariz. Não era um perfume incomum, considerando todos os esquemas que provavelmente eram planejados no palácio diariamente, mas o aroma era muito mais forte do que deveria ter sido. Então eu respirei fundo, e um segundo perfume se juntou ao primeiro – raiva de jalapeño quente. O aroma penetrante e ardente sobrepôs todos os outros, indicando um profundo poço de emoção que pertencia a uma única

pessoa. E, assim como em Seven Spire, eu sabia exatamente o que isso significava. Alguém aqui me queria morta.

Capítulo 10 Respirei fundo, sentindo o ar novamente, mas os aromas continuaram os mesmos – ansiedade azeda, suada e raiva quente de jalapeño. Quanto mais me concentrava nos aromas, mais percebia que o mais forte era a raiva. Meu olhar cortou para a esquerda e para a direita, imaginando quem me odiaria tanto. Mas havia simplesmente muitas pessoas para eu descobrir exatamente a quem o perfume pertencia, a menos que eu andasse e começasse a cheirar as pessoas como um cão de caça. Agora isso realmente daria aos andvarianos algo para fofocar. Capitã Rhea olhou para mim novamente, depois olhou para o rei. — Ainda não sei por que você a deixou vir aqui. — Ela cuspiu as palavras. — Você deveria ter me deixado matá-la no momento em que ela saiu do trem. Não permitir sua entrada na sala do trono como se nada tivesse acontecido com seu filho. Como se meu pai e o outros não foram assassinados. Meu estômago apertou. O pai dela fora massacrado em Seven Spire? Não é à toa que ela me odiava. — Seu pai era um amigo querido e um grande embaixador para o nosso povo — disse Heinrich. — Eu não esqueci o que aconteceu com ele. Fiz uma careta. Ele falava sobre Lorde Hans. Então esse era o pai de Rhea. Fazia sentido que a filha do embaixador ocupasse uma posição tão alta em Glitnir.

— Mas seus insultos e performace teatral não vão adiantar para os mortos. — Heinrich se inclinou e lançou a ela um olhar frio. — Eu sou o rei, e eu tomo as decisões. Não você, Rhea. Seria sábio se lembrar disso. Ela corou com a repreensão afiada e ardente, mas isso não resolveria o meu problema. Eu precisava fazer algo para mostrar a todos que eu não tinha medo de Heinrich, Rhea ou dos guardas. Caso contrário, Maeven não seria a única tentando me matar, e minha missão estaria condenada antes mesmo de começar. — Talvez haja uma maneira de resolver esse desentendimento — disse eu. — De uma vez por todas. — E o que você sugeriria? — falou Dominic, seu olhar azul travado no meu. — Conte-me, Rainha Everleigh, o que poderia fazer o assassinato de meu irmão e a tentativa de assassinato da minha filha menos desagradável? Sua voz era fria e autoritária enquanto ele zombava de mim com minhas próprias palavras. Ele pode ser apelidado de Príncipe Encantado, mas certamente não estava sendo isso para mim. Tanto quanto eu queria retrucálo, eu me concentrei no rei novamente. Heinrich era quem importava agora, não Dominic. — Vim aqui para me desculpar formalmente e publicamente pelas ações que levaram à morte de seu filho, o Príncipe Frederich, e seu embaixador, Lorde Hans, assim como o resto da comitiva. Heinrich olhou para mim com uma expressão ilegível, depois acenou com a mão, dizendo-me para continuar. Que gracioso da parte dele. — Mas as ações de Vasilia não foram minhas — disse eu com uma voz ainda mais alta e forte. — Não tive parte no massacre, e eu nunca quis ver nenhum dano aos andvarianos. Eu me virei e olhei em volta, focando primeiro um nobre, depois outro. — Mas enquanto vocês estavam aqui, seguros em Andvari, eu estava no massacre. Eu estava lutando pela minha vida, e conheço os horrores daquele dia muito melhor do que qualquer um de vocês. Com minhas palavras duras e acusadoras, alguns dos nobres realmente estremeceram.

— Vocês não foram os únicos que perderam entes queridos. Nobres, guardas, servos. Todos foram mortos sem sentido. Minha rainha, meus primos, minha família morreu naquele dia, incluindo uma mulher chamada Isobel, que era como uma segunda mãe para mim. Olhei para Alvis. Lágrimas brilhavam em seus olhos, e um músculo pulsava em sua mandíbula. Ele também estava pensando em Isobel. Olhei para a multidão novamente. — Mas o que vocês fizeram sobre o massacre? Nada, absolutamente nada. Fui eu quem vingou seu príncipe, seu embaixador e todas as outras pessoas – Andvarian e Bellonan – que foram assassinadas. Fui eu quem desafiou Vasilia, e fui eu quem enfiou minha espada em seu coração traiçoeiro. Então talvez vocês devessem pensar nisso, em vez de me condenarem por um crime que não cometi. Cho estava me ensinando como projetar minha voz, e minhas palavras explodiram como um trovão. Mas elas rapidamente desapareceram e o silêncio tenso desceu sobre a sala novamente. — Conhecemos seus atos heróicos durante o massacre — disse Heinrich. — Gemma me contou como você, Lady Xenia e Sir Alvis ajudaram a colocá-la em segurança. O fato de você ter salvo minha neta é o único motivo para você ainda estar respirando. Sua voz estava ainda mais fria do que antes, e seu rosto estava tão duro quanto o trono em que estava sentado. Mas então seus olhos se estreitaram, e o cheiro de seu interesse afiado e alaranjado chegou até mim. Depois de alguns segundos, a mínima sugestão de um sorriso curvou seus lábios, e a satisfação brilhou em seus olhos azuis, como se eu tivesse passado em algum tipo de teste que eu nem sabia que ele estava me dando. Eu já vi esse mesmo olhar no rosto da Rainha Cordelia muitas vezes, sempre que ela manobrava um nobre antes da outra pessoa perceber que havia caído em sua armadilha. Um sentimento de afundamento encheu meu estômago. Heinrich não me deixou ir a Glitnir apenas para me desculpar. Não, o rei queria algo de mim, e eu quase podia ver os cálculos em sua mente enquanto ele pensava na melhor maneira de obtê-lo.

Rhea deu um passo à frente novamente, as mãos fechadas em punhos cerrados. — Você pode dizer todas as palavras bonitas que quiser — retrucou. — O fato é que você está viva e o Príncipe Frederich está morto. Que meu pai está morto. Sua voz quase quebrou com a última palavra, e o cheiro de seu desgosto cinza me deu um soco no intestino. Ela estava com raiva, mas também estava sofrendo. Ambas eram emoções que eu conhecia muito bem. E percebi quão cruéis e impensadas foram minhas palavras. Pelo menos eu tive a chance de vingar Isobel e todo mundo – uma chance que Rhea nunca teria. A menos que eu pudesse dar a ela. E percebi exatamente como eu poderia mostrar a Heinrich, Dominic e todo mundo que eu era forte, que Bellona ainda era forte. Palavras não ajudariam nessa situação, mas eu conhecia algo que faria, algo que quase sempre fazia. No mínimo, todo mundo iria gostar do show. — Você está certa — disse eu. — Não posso mudar o que aconteceu ou o fato de que seus entes queridos estão mortos. Mas ainda podemos resolver nossas diferenças – do jeito Bellonan. Rhea me olhou com suspeita aberta. — E como é isso? — Com uma partida de círculo preto. — Estendi meus braços abertos. — Aqui e agora. Suspiros chocados percorreram a multidão e todos começaram a sussurrar. Ninguém esperava que eu fizesse algo tão ousado. Não, eles esperavam que eu me curvasse, rasteasse e me desculpasse até que eu ficasse com o rosto azul. Talvez eu devesse ter feito. Mas isso não me conquistaria o respeito de ninguém, muito menos a cooperação deles. Além disso, Sullivan havia dito que seu pai valorizava a força e nada mostrava quão poderoso você era mais do que ganhar uma luta até a morte. — Você é a capitã da guarda real — disse eu. — Certamente, já esteve em uma ou duas lutas de gladiadores. E suponho que você saiba lutar. Ou essas armas bonitas são apenas para decoração?

Rhea respirou fundo, como se eu tivesse acabado de lhe dar um tapa no rosto. Ela olhou para mim por mais um segundo, então enfrentou o trono. — Meu rei — disse ela entre dentes. — Com sua permissão, eu gostaria de aceitar a generosa oferta da Rainha Everleigh para separar sua cabeça do resto do corpo. Heinrich olhou para Rhea, depois para mim. Cálculos mais frios encheram seus olhos, embora ele mantivesse seu rosto em branco, como se não lhe importasse quem ganharia. — Muito bem — disse ele. — Os Bellonans sempre amaram sua tradição bárbara de gladiadores. Assim, se é uma luta que você quer, Rainha Everleigh, uma luta você terá. *** Heinrich pediu um breve intervalo para deixar Rhea e eu nos prepararmos para nossa batalha improvisada. Fui para um lado do estrado e os nobres se espalharam como ratos, me deixando sozinha. Nenhum dos andvarianos queria algo comigo. Nenhuma surpresa lá. O que foi surpreendente foi que Dominic desceu do estrado, afastou Rhea e começou a falar com ela. No começo, eu pensei que ele falava com ela como qualquer príncipe faria com um capitão prestes a entrar em batalha – até que ele gentilmente tocou o braço dela. Os príncipes definitivamente não faziam isso com os capitães, e sua preocupação de limão fez cócegas no meu nariz. Dominic estava muito mais preocupado com ela do que deveria. Rhea estremeceu, como se o toque dele a machucasse, mas ela ainda se inclinou para ele e olhou para o príncipe herdeiro como se ele fosse a coisa mais linda que ela já viu. Eu respirei fundo, e o suave e doce aroma de seu amor róseo chegou até mim. A capitã da guarda real apaixonada pelo príncipe herdeiro? Agora isso era interessante.

Eu não era a única que notou a pequena conversa. Heinrich observouos por um momento, depois começou a falar com Dahlia, que se aproximou dele. Gemma foi até o canto do tablado que era o mais próximo de mim. Ela mordeu o lábio e me deu um olhar preocupado, depois gesticulou para Alvis, que foi até ela. Os dois começaram a sussurrar um para o outro. Calandre e o resto dos servos e guardas de Bellonan permaneceram no andar de cima, mas Serilda, Cho, Xenia e Paloma desceram da varanda e se reuniram ao meu redor. Sullivan também deixou a varanda. — O que você pensa que está fazendo? — Xenia bateu com a bengala no chão em óbvio desagrado. — Escolher uma briga com os andvarianos não é a melhor maneira de começar esta viagem. — Especialmente com a capitã da guarda real. — Paloma olhou para a outra mulher. — Rhea parece saber lutar. — Isso é porque ela sabe lutar — disse Cho. — Algo que Serilda passou bastante tempo ensinando-a como fazer. Minha cabeça virou para ela. — Você ensinou Rhea? Como você me ensinou? — Não exatamente. — Serilda se pôs de pé. — Rhea já era uma excelente lutadora. Eu apenas a ajudei a melhorar suas técnicas na última vez que a trupe do Cisne Negro viajou por Glanzen. — Então você a tornou ainda mais mortal do que ela já era. Ótimo — murmurei. — Simplesmente fantástico. Rhea olhou e me deu um sorriso presunçoso, como se soubesse exatamente o que Serilda estava me dizendo. Cho colocou a mão no meu ombro. — Você é tão boa quanto ela. Você pode vencê-la. — Não se preocupe, Evie. — Paloma entrou na conversa, colocando a mão na maça. — Se ela te matar, então eu ficarei mais do que feliz em vingála. Podemos não estar mais no Cisne Negro, mas sempre seremos gladiadores. De alguma forma, eu segurei um gemido. Minha morte já seria ruim o suficiente, mas Paloma tentar matar Rhea depois só pioraria as coisas. Abri a boca para dizer a minha amiga que, sob nenhuma circunstância ela tentaria

me vingar, mas Paloma me lançou um olhar intenso, assim como o ogro no pescoço dela, e segurei minhas palavras. Olhei em volta, esperando que Sullivan se aproximasse de nós, mas não o vi. Xenia percebeu que eu procurava por ele e discretamente apontou o dedo para a direita. Eu olhei nessa direção. Sullivan estava no chão da sala do trono, indo em direção ao estrado, como se fosse falar com o seu pai. Mas alguém entrou na frente dele – a mulher bonita de cabelos ruivos que eu notei mais cedo. A mulher sorriu para Sullivan e pude ver o interesse em seu rosto tão facilmente quanto as gárgulas maciças esculpidas nas colunas. Sullivan deulhe um breve aceno de cabeça em troca. Meu coração apertou forte. — Quem está falando com Sully? — perguntei. Cho pigarreou antes de responder. — Essa é Helene Blume. Ela é de uma antiga e prestigiada família nobre. Muito dinheiro, muita terra, muito poder e influência na corte. Xenia estudou a outra mulher, assim como o ogro em seu pescoço, e os dois rostos se contraíram em pensamentos, como se tentassem se lembrar de algo. Então o rosto de Xenia relaxou, assim como o de seu ogro interior. — Helene Blume. Ah, sim. Noiva do príncipe Frederich. Pisquei de surpresa. — O quê? — Ela era a noiva do Príncipe Frederich. Os dois deveriam ter se casado... bem agora. Em algum momento do início do outono. — Xenia fez uma pausa. — Pelo menos até Heinrich interromper seu noivado e oferecer Frederich a Cordelia e Vasilia. — Que horrível para ela — disse eu. Xenia deu de ombros. — Você sabe como essas coisas funcionam. Um partido é apenas um partido até alguém melhor apareça. — Eu não me preocuparia com Helene — interveio Cho. — Ela sempre parece cair de pé. Serilda apontou o cotovelo para o lado dele, como se ele tivesse dito algo que não deveria. — Como assim? — perguntei.

Os dois trocaram um olhar. Então Cho me deu um sorriso brilhante, embora o dragão em seu pescoço fizesse uma careta. — Oh, nada realmente. Só que ela é uma nobre com muito dinheiro, poder e oportunidades. — Ele hesitou. — Se você realmente quer saber mais sobre Helene, deve conversar com Lucas. Depois de tudo, ele é... familiarizado com todos aqui. Certo, Serilda? As palavras de Cho faziam todo o sentido, mas Serilda olhou para ele como se ele tivesse dito algo que não deveria. Os dois obviamente não estavam revelando tudo o que sabiam sobre Helene. O que havia de tão especial na outra mulher? — Helene não importa agora — disse Serilda. — Você precisa se concentrar em derrotar Rhea. Antes que eu pudesse questioná-los mais, Xenia começou a tocar sua bengala de prata no chão, como se estivesse usando o movimento para movimentar ainda mais sua memória. — Heinrich, romper o noivado de Frederich com Helene, causou bastante escândalo — disse Xenia. — O pai dela, Marcus Blume, ficou absolutamente furioso e pressionou Heinrich a casar Dominic com Helene para suavizar as coisas. Pelo menos, até Marcus ser morto em um acidente de equitação vários meses atrás. Mas há rumores de que Helene ainda pode acabar com Dominic. Sua esposa morreu há mais de dois anos, e há muita pressão dos nobres para que ele escolhesse uma nova esposa, especialmente agora que Frederich está morto. Olhei para o príncipe herdeiro, que ainda conversava com Rhea. Com seu cabelo castanho escuro, olhos azuis e figura alta e musculosa, Dominic era muito bonito, e mais de uma nobre olhava para ele com admiração, embora ele parecesse inconsciente da aparência delas. Sem dúvida, as mulheres na corte constantemente competiam por sua atenção. Claro, Gemma um dia seria rainha, mas se casar com príncipe herdeiro e ser seu consorte oficial seria a coisa mais próxima. Dominic tocou o braço de Rhea novamente, depois caminhou para o estrado. Ela o viu ir com uma expressão triste e ansiosa. Eu me perguntava o que ela pensava dos rumores de que Dominic poderia se casar com Helene.

Rhea deve ter sentido meu olhar, porque ela se virou na minha direção. Ela percebeu que eu havia testemunhado seu desejo por Dominic, e seu rosto endureceu. Ela não gostava de ninguém vendo seu desejo por ele. Não poderia culpá-la por isso. Os príncipes da coroa não se casavam com capitãs da guarda, por mais habilidosas e bonitas que fossem. A capitã caminhou para o centro do tapete preto, claramente querendo continuar com o negócio de me matar. Também não podia culpá-la por isso. Paloma abriu a boca, mas apontei meu dedo para ela. — Não me pergunte se estou pronta para isso — murmurei. Ela sorriu, assim como o ogro no seu pescoço. Aparentemente, eles pensavam que a nossa pequena piada interna era hilária. Olhei para Sullivan. Ele ainda estava ao lado de Helene, embora estivesse olhando para mim. Ele me lançou um sorriso breve e encorajador, mas a preocupação rapidamente encheu seu rosto. Gostaria de saber se era por Rhea ou por mim. Ou talvez fosse por nós duas. De qualquer maneira, eu me forcei a sorrir para ele, então caminhei até a capitã. Rhea sacou a espada da bainha e a estendeu pela lâmina, conforme a tradição andvariana de deixar seu inimigo – eu – ver exatamente que tipo de armas e magia eles estavam enfrentando. Várias peças de âmbar estavam embutidas no punho prateado, além de três rubis grandes e redondos. Âmbar desviava a magia, enquanto rubis aumentaram a força de alguém. Respirei fundo, sentindo o gosto do ar. Esses rubis estavam cheios até a borda com magia, o que tornaria a capitã muito, muito mais forte do que eu. Um forte cheiro de magia também emanava de Rhea, indicando que ela provavelmente era uma simplória com força aprimorada. Formidável. Apenas fantástico. Mas tudo o que eu podia fazer agora era levar isso até o fim – e espero que eu não tenha que morrer. Então puxei minha própria espada e estendi para ela pela lâmina. Seu olhar de topázio se fixou nos estilhaços azuis da meia-noite embutidos no punho. — Esses pedacinhos de tearstone podem ter deixado você sobreviver a Vasilia e seu raio, mas eles não vão proteger você de mim.

Ela pegou a espada pelo punho e começou a girá-la na mão. Eu fiz o mesmo com a minha própria arma, espelhando seu movimento por movimento. — Se você sabe muito sobre como matei Vasilia, deve saber que não preciso proteger, especialmente não de você. — Veremos isso — assobiou Rhea. Os nobres se calaram e avançaram silenciosamente, formando um semicírculo ao nosso redor. Heinrich ainda estava sentado em seu trono, com Dominic de pé de um lado e Dahlia do outro. Gemma permaneceu na beira do estrado, com Alvis de pé abaixo na escada. De muitas maneiras, isso era exatamente como a luta do círculo negro que eu disputei na arena Cisne Nero e minha luta mais recente com Libby em Seven Spire. Gostaria de saber se os nobres aqui apostariam no resultado como as pessoas faziam na arena. Provavelmente não. Eles pareciam muito abafados para isso. Nós Bellonans poderíamos ser bárbaros, mas pelo menos éramos honestos em nossa ganância, avareza e sede de sangue. Eu preferia isso do que os Andvararianos com seus olhos ardilosos, sorrisos maliciosos e julgamentos silenciosos. Rhea começou a me circundar e balançar a espada. Ainda não estava me atacando, mas sentindo como me movia, reagia e segurava minha própria espada. O tempo todo, ela me estudou, provavelmente debatendo as melhor maneira e a mais rápida de me matar. Eu fiz a mesma coisa, inspirando respiração após respiração e provando todos os aromas no ar. Ela era definitivamente uma simplória com força impressionante, dado o cheiro de magia que queimou meu nariz. Ela não precisava

daqueles

rubis

bonitos em

sua

espada

para me

matar.

Provavelmente eram apenas para mostrar e impedir que as pessoas percebessem como ela era realmente poderosa, o que significava que ela era inteligente e forte. Mas talvez o mais curioso seja que o perfume de Rhea não continha a ansiedade ácida, suada e quente de raiva jalapeño que eu senti antes. Ela me odiava com certeza, mas não era ela quem veementemente me queria morta,

o que me incomodou muito mais do que se ela estivesse gritando maldições e jurando me matar. Um inimigo secreto sempre era muito mais perigoso do que um bem na sua frente. Finalmente, Rhea se cansou de me circundar. Com um grito, ela levantou a espada, pulou para frente e atacou. A música e os movimentos que Serilda passou tanto tempo perfurando em mim encheram minha mente, e levantei minha espada. Nossas armas bateram juntas, lançando algumas faíscas em brasa que caíram no tapete preto e rapidamente sumiram. Rhea empunhou a espada, usando sua força superior para tentar arrancar a arma da minha mão. Fiz uma careta, como se já estivesse tendo problemas com o poder dela, e comecei a cair em um joelho. Rhea pressionou sua vantagem, como eu esperava, e eu rapidamente girei, virei para o lado e me ergui, tudo em um movimento suave. Ela não esperava que eu me afastasse, e tropeçou, quase caindo de cara no chão. — Eu te disse antes — falei. — Não preciso me proteger. Rhea virou, soltou um rosnado furioso e atacou novamente. De um lado para o outro lutamos em nosso semicírculo, cortando e atacando uma a outra com nossas espadas. Serilda estava certa. Rhea era uma excelente lutadora, que combinava comigo movimento por movimento. Eu não sabia quão boa capitã ela era antes do treinamento de Serilda, mas agora ela era quase tão boa quanto Serilda. Cada golpe que Rhea pousava ameaçava derrubar minha própria arma da minha mão. Minha lâmina de tearstone e os estilhaços no punho absorveram alguns dos impactos duros e contundentes, junto com sua força mágica, mas não o suficiente. Cabia a mim, fazer o resto. A maior vantagem de Rhea era sua força, e ela confiava nela para vencer batalhas, ainda mais do que nos rubis em sua espada. Ela não saberia o que fazer se eu retirasse sua magia. Ela hesitaria, e então eu teria a vantagem, pelo menos por um momento. Tudo que eu deveria fazer era chegar perto o suficiente para tocá-la. Tudo que eu precisava era de um breve toque

da minha pele contra a dela, e eu conseguiria extinguir o poder dela com a minha imunidade. Mas, por mais que tentasse, não consegui forçar Rhea a abaixar sua espada ou romper suas defesas por tempo suficiente para avançar e realmente tocá-la. Eu não queria revelar o segredo da minha imunidade, mas também eu não queria morrer. Então eu continuei ouvindo aquela música fantasma tocando em minha mente, aguardando e esperando por uma abertura. Não queria pensar no que faria se não conseguisse isso. A luta se arrastou por mais um minuto, depois dois, depois três. Rhea não conseguiu uma clara vantagem sobre mim, mas eu também não consegui superá-la. Finalmente, depois de uma troca particularmente furiosa, ela se retirou, tentando recuperar o fôlego. — Já acabou? — perguntei em voz alta e zombeteira. — Parece que eu trabalho mais em ser rainha do que você faz em ser capitã. Eu queria deixá-la com raiva o suficiente para fazer algo imprudente, e definitivamente consegui. Raiva assassina brilhou nos olhos de Rhea, e erguendo a espada, ela atacou novamente. E desta vez, ela não parou. Ela atacou com golpe após golpe forte e pesado, e levou tudo o que podia para impedi-la de afastar minha espada. Ainda assim, eu consegui bloquear seus ataques. Até que eu tropecei. Eu não estava certa do que aconteceu. Eu estava avançando para outro ataque quando um cheiro súbito e penetrante encheu meu nariz, como se alguém estivesse usando magia. Um instante depois, minha bota pegou o tapete preto, apesar de estar perfeitamente plano. Eu tropecei, embora conseguisse me controlar, e só caí sobre um joelho em vez de bater de cara no chão. Rhea gritou de alegria, levantou a espada e correu para matar. Essa música fantasma rugiu em minha mente, a batida frenética e forte me dizendo para mover, mover, mover, mas eu sabia que não seria capaz de me levantar a tempo de evitar seu ataque mortal e sibilante.

Com a mão direita, ergui minha espada para bloquear a dela. Sem nem mesmo pensar no que estava fazendo, levantei minha mão esquerda, desejando desesperadamente poder empurrar minha imunidade para fora do meu corpo da mesma forma que um mago poderia fazer com seu fogo, gelo ou raio... A espada de Rhea colidiu com a minha, mas o golpe não foi tão forte quanto eu esperava, e a arma dela não cortou minhas defesas e mergulhou no meu peito como eu previra. Ela franziu a testa, imaginando o que eu havia feito para impedir seu ataque. Fiquei me perguntando isso também, mas me recuperei muito mais rapidamente do que ela. Apoiei-me no joelho e chutei com o outro pé, acertando a capitã na lateral do joelho. Ela gritou, com a perna dobrada e caiu no chão, sobre as mãos e os joelhos. Antes que pudesse se recuperar, muito menos levantar sua espada novamente, eu avancei e apoiei minha lâmina contra a garganta dela. Rhea congelou, assim como todos os outros. O silêncio desceu sobre a sala do trono, e os únicos sons eram nossas respirações ásperas e roucas. — Você se rende? — perguntei com uma voz suave. Fúria brilhou nos olhos da capitã. Ela não podia acreditar que eu a venci, mas ela não estava pronta desistir. A mão dela apertou a espada e uma raiva quente e apimentada saiu dela. Pressionei minha lâmina um pouco mais profundamente em seu pescoço, não cortando sua pele, mas deixando-a saber que eu poderia facilmente cortar sua garganta antes mesmo dela levantar a arma do chão. Rhea congelou novamente. Desta vez, a surpresa encheu seu rosto. Ela não podia acreditar que eu não a matei já. Talvez eu devesse ter feito. Certamente estava dentro do meu direito, já que Rhea estava tentando me matar. Se nada mais, teria provado que eu era tão forte e cruel quanto Vasilia, e que os andvarianos deveriam pensar duas vezes antes de foder comigo. Mas já havia derramamento de sangue mais do que suficiente entre nossos reinos, e eu estava cansada de pessoas morrendo apenas para provar um ponto. Até pessoas como Rhea, que me odiavam. — Você se rende? — repeti com uma voz mais alta. — Suponho que você me matará se não o fizer — murmurou Rhea.

— Bem, eu preferiria não sujar minha túnica com seu sangue e arruinar o trabalho dura da minha mestre de linha. — Eu me inclinei, deixando-a ver como meus olhos estavam frios. — Mas isso depende inteiramente de você. Ficamos congeladas no lugar, nós duas de joelhos, com minha espada ainda contra a garganta dela. Pelo canto do olho, notei alguns guardas se aproximando de mim com suas lanças. Paloma soltou um rosnado baixo e zangado, colocou a mão na maça e deu um passo à frente, colocando-se entre eu e os guardas. Os dois homens pararam. Eles não queriam lutar contra uma metamorfo ogro, nem mesmo aqui, na sala do trono de seu próprio rei. Voltei minha atenção para Rhea. — Vou perguntar mais uma vez: você se rende? Por um momento, pensei que ela iria cuspir maldições e que eu teria que matá-la de qualquer forma. Mas a tensão lentamente se esvaiu do seu corpo, e ela afrouxou o aperto na espada que ainda estava no chão. — Sim, eu me rendo — murmurou. Olhei para ela por mais um segundo, certificando-me de que ela não estava tentando me enganar, depois afastei minha espada da sua garganta e fiquei de pé. Inclinei-me e ofereci minha mão a ela, mas ela ignorou e ficou de pé sozinha. A mão dela apertou a espada, como se fosse me atacar novamente, mas, em vez disso, ela se virou e olhou para seu rei. Heinrich tinha uma expressão pensativa no rosto e parecia mais intrigado do que zangado que sua capitã não me derrotou. Dominic e Gemma pareciam aliviados, enquanto o rosto de Dahlia era uma máscara em branco e agradável, como se nada de notável tivesse acontecido. Rhea ergueu os ombros, andou a passos largos e caiu de joelhos na parte inferior do tablado. Então ela apoiou sua espada no chão. — Sinto muito, meu rei — disse ela em voz baixa e tensa. — Se você deseja tirar-me da minha posição, entregarei minha espada e deixarei o palácio imediatamente. Heinrich olhou para ela, depois olhou para mim e ergueu as sobrancelhas. Fiquei surpresa que ele estava pedindo minha opinião, mas dei

de ombros, dizendo a ele que não ligava para o que ele fazia. Depois de um momento, ele acenou com a mão. — Não há necessidade disso, Capitã Rhea — disse ele. — Você lutou bem e deixou seu pai e Andvari orgulhosos. Você pode retomar suas funções normalmente. — Obrigada, Majestade — disse ela em uma voz aliviada. Rhea pegou sua espada, levantou-se e me encarou. Mais uma vez, ela apertou a mão ao redor da arma, como se quisesse balançar na minha cabeça novamente. Sem dúvida, ela queria, mas eu estava cansada – cansada da longa jornada, cansada de todo mundo me encarando, e especialmente cansada de lutar no que deveria ser uma viagem de boa vontade. — Não sou seu inimigo — disse eu. Ela bufou, apesar do fato de eu ter poupado sua vida. Então olhei para Heinrich. — Quero que trabalhemos juntos para lutar contra o rei de Mortan. Ele é o único responsável pela morte do seu filho, ele é quem está tentando nos colocar um contra o outro, e é ele que devemos combater, não um ao outro. Minhas palavras ecoaram pela sala, mas o silêncio tenso rapidamente as engoliu. Fiquei olhando para o rei. Depois de vários segundos, Heinrich inclinou a cabeça, cedendo meu argumento, mas não terminei. — Podemos permanecer unidos e derrotar os Mortans juntos, ou podemos ficar separados e assistir nossos povos serem massacrados e nossos reinos caírem. A escolha é sua, Rei Heinrich. Espero que você faça o certo. Minha mensagem foi entregue, embainhei minha espada, virei-me e saí da sala do trono.

Capítulo 11 As portas duplas do outro lado da sala ainda estavam abertas, e eu segui direto em direção a elas. Mantive minha mão na minha espada, olhando ao redor em busca de problemas. Eu poderia ter derrotado Rhea, mas sem dúvida eu havia irritado os guardas que a serviam, junto com os nobres. Pensei que derrotar a capitã provaria minha força e melhoraria as coisas, mas agora eu queria saber se acabei de piorar a situação. Então, novamente, essa parecia ser minha especialidade. Eu estava quase na porta quando os dois guardas postados lá deram um passo à frente e cruzaram suas lanças, me impedindo de sair. Encarei o primeiro, depois o outro, dando o meu melhor olhar de rainha, o que vi Cordelia usar mil vezes. Os guardas engoliram em seco, mas mantiveram suas posições. — Deixe-a ir. — A voz de Heinrich falou atrás de mim. Os guardas abaixaram as lanças. Olhei para eles novamente, depois avancei. Gritos de raiva se levantaram atrás de mim. — Aonde ela vai? — Como ela ousa sair daqui! — Ninguém desrespeita nosso rei assim!

Fiz uma careta. Ah, sim. Eu definitivamente havia piorado as coisas. Sem mencionar o fato de que eu não descobri quem exatamente na sala do trono queria me matar. Mas mesmo que eu quisesse, não poderia voltar e pedir desculpas. Não sem parecer fraca, o que era algo que eu mal podia pagar neste palácio hostil tão longe de casa. Então eu continuei andando, olhando pelos corredores e salas por onde eu passava. Eu não andei mais de trinta metros quando os passos soaram, e Paloma correu até o meu lado, junto com alguns dos guardas de Bellonan. Xenia também estava com eles, embora caminhasse em seu ritmo natural e apunhalasse a bengala no chão a cada poucos passos. — O que você está fazendo? — perguntou Paloma. — Onde você vai? — Não tenho nenhuma ideia sangrenta — rosnei, parando no meio do corredor. — Todos esses corredores cheios de joias têm a mesma aparência. Ela sorriu, assim como o ogro no pescoço. Ver os sorrisos deles aliviou um pouco do meu desgosto e raiva, e dei a ela um encolher de ombros tímido em troca. — Eu direi isso para você, Evie — disse Xenia. — Você certamente sabe como fazer uma saída dramática. Ela se aproximou de Paloma e também tinha uma expressão divertida no rosto, assim como seu ogro interior. Talvez fosse o fato de que elas estavam juntas e sorrindo, mas pela primeira vez eu notei o quanto Paloma e Xenia se pareciam. Claro, o cabelo de Paloma era loiro, enquanto o de Xenia era vermelho acobreado, e Paloma era décadas mais jovem que a mulher mais velha, mas ambas tinham os mesmos olhos de âmbar dourados e pele bronzeada, e os rostos de ogro no pescoço eram assustadoramente semelhantes. Por um momento, me perguntei se estava imaginando as semelhanças, mas o ogro no pescoço de Paloma era quase exatamente o mesmo que o de Xenia, até o modo como os olhos das criaturas me estudavam e as mechas de cabelo se enroscavam em seus rostos. Estranho. Muito estranho.

Eu me mexi, tentando descobrir o que fazer a seguir. Paloma e Xenia me encararam, assim como os guardas, esperando que eu lhes desse alguma ordem, para levá-los adiante. Mas eu não sabia o que dizer, muito menos o que fazer. Eu não queria que a viagem terminasse, mas não vi como poderia continuar. E talvez a pior parte foi que eu ainda não tive a chance de falar com Heinrich em particular, de verdadeiramente oferecer minhas condolências pela morte de seu filho e tentar estabelecer um novo tratado de paz entre Bellona e Andvari. Esta era a minha primeira missão diplomática como rainha e, até agora, foi um infeliz fracasso em vez do sucesso estimulante que eu esperava secretamente, que eu precisava desesperadamente para ajudar com meus próprios problemas em Seven Spire. Mais passos soaram, e Serilda e Cho apareceram, com Sullivan atrás deles. O mago parou a alguns metros de distância, mais uma vez mantendo distância. — O rei deseja convidá-la para jantar com a família real esta noite — disse Sullivan em uma voz rígida e formal. Pisquei de surpresa. — Ele não está enviando Rhea e os guardas para me expulsar do palácio? Ele deu de ombros, o que realmente não era uma resposta. — Meu pai me pediu para transmitir seus mais sinceros desejos que você se junte a ele para jantar e que aceite sua hospitalidade e fique em Glitnir como planejado. Ele respirou como se houvesse mais que ele queria dizer, mas fez uma careta, claramente infeliz por ser colocado nessa posição embaraçosa. Eu me forcei a ignorar os sentimentos de Sullivan e pensar em suas palavras. Mesmo que eu tivesse derrotado seu capitão, Heinrich ainda queria que eu ficasse em Glitnir. Por quê? Então eu lembrei do cálculo frio nos olhos do rei. Eu queria um novo tratado com Andvari, mas Heinrich também queria algo de mim, algo importante o suficiente para ignorar como eu havia derrotado Rhea. Mas o que poderia ser isso? Eu não tinha ideia do que era e isso me preocupava. Eu não poderia jogar se não soubesse as regras ou especialmente

as apostas. Ainda assim, eu vim até aqui e não sairia sem fazer todo o possível para conseguir o que eu queria e fazer o que era melhor para Bellona. Então, em vez de ir embora de novo, refreei minha raiva e preocupação. — Diga ao rei que eu terei prazer em jantar com ele. Sullivan assentiu. — Como quiser. Ele olhou para mim, seu olhar azul procurando o meu, e mais uma vez tive a impressão de que ele queria me contar algo. Em vez disso, ele se virou e foi embora, seu longo casaco cinza girando em torno dele. Ainda assim, quando o vi voltar para a sala do trono, não pude deixar de pensar que acabei de entrar ainda mais em problemas ao aceitar o convite do rei. *** Sullivan saiu da minha linha de visão, mas alguém saiu da sala do trono para tomar seu lugar – Rhea. Apesar de ainda estar claramente chateada, a capitã caminhou até mim, junto com vários guardas andvarianos. A mão de Paloma desceu para a maça novamente, e Rhea deu-lhe um olhar plano antes de me olhar. — Se você me seguir, Rainha Everleigh — disse Rhea entre dentes —, eu lhe mostrarei seus aposentos. Seus servos e guardas também serão levados para os alojamentos apropriados. Ela deu meia-volta e se afastou. Olhei para meus amigos, mas eles deram de ombros, e eu não tinha escolha senão seguir a capitã. Pelo menos ela sabia para onde ia. Rhea nos levou através de corredor após corredor, cada um mais ornamentado e luxuosamente mobiliado que o último. Eu me perguntei se ela escolhera esse caminho em particular para lembrar mais uma vez da impressionante riqueza de Andvari. Provavelmente. Mas o deslumbrante palácio com joias não era tão fascinante quanto as gárgulas que o habitavam. Enquanto passávamos de um corredor para o outro, percebi que várias sombras de formatos estranhos continuavam deslizando no chão ao meu lado. No começo, eu não conseguia descobrir o que eram as sombras ou de onde

elas vinham. Então nós entramos em um corredor com um teto de vidro abobadado, e vi as gárgulas pairando do lado de fora. Elas eram de todas as formas e tamanhos, e pareciam olhar para mim com seus brilhantes olhos em tons de joias, assim como a criatura fez anteriormente durante minha viagem pela cidade. Estremeci e me apressei, não querendo dar às gárgulas nenhuma desculpa para atravessar o teto e me atacar. Por fim, subimos um conjunto de escadas que subiam em espiral até uma das torres do palácio e paramos em frente a portas duplas no final de um longo corredor. Rhea tirou uma chave esqueleto do bolso e abriu a fechadura. Ela sinalizou para dois guardas, que seguraram os anéis de metal e abriram as portas pesadas. A capitã não disse uma palavra durante toda a nossa caminhada e entrou no quarto sem quebrar seu silêncio zangado. Mais uma vez, não tive escolha a não ser segui-la. Como tudo em Glitnir, as câmaras eram primitivas e espetaculares. O lado esquerdo do cômodo apresentava poltronas e cadeiras de veludo cinza dispostas em volta de uma lareira, enquanto o lado direito ostentava uma escrivaninha, junto com outras mesas e cadeiras menores. Uma enorme cama de dossel coberta com um edredom cinza e montes de travesseiros pretos dominava a parte de trás do quarto, junto com um armário, um criado-mudo e uma penteadeira que era ainda maior que a dos aposentos da rainha em Seven Spire. Um conjunto de portas duplas à esquerda se abria para uma grande varanda de pedra, enquanto uma porta à direita levava a um banheiro feito em azulejo cinza e preto. Uma banheira de porcelana cinza montada em cabeças gárgula prateadas ocupava a maior parte do banheiro, junto com um balcão comprido, uma pia e um vaso sanitário, todos enfeitados com prata. Joias brilhavam e cintilavam em todos os lugares que eu olhava, desde as maçanetas de safira nas gavetas da escrivaninha até as alças de diamante no armário, e os rubis embutidos na moldura de madeira que circulava o espelho da penteadeira. A área era ainda mais opulenta que os corredores e certamente mais rica do que qualquer coisa em Seven Spire, incluindo os

aposentos da rainha. Ora, somente aquelas maçanetas de safira facilmente valiam mais do que a coroa na minha cabeça. — Vários guardas serão postados do lado de fora, caso você precise de alguma coisa, Sua Majestade. — Rhea cuspiu as palavras. — Você deve descansar e se preparar para o jantar. Seu significado era claro – eu não deveria deixar os aposentos até que Heinrich me convocasse. Rhea não esperou por uma resposta antes de sair do quarto. Os guardas andvarianos seguiram-na, embora vários deles tenham ficado para trás no corredor do lado de fora e olhado para os guardas Bellonan com clara hostilidade. — Considerando todas as coisas, fomos muito bem — murmurei. — Pelo menos ela não tentou cortar minha cabeça com a espada novamente. — Oh, sim — falou Xenia lentamente. — Que incrível progresso diplomático você fez. Uma batida soou em uma das portas abertas, e Calandre entrou rapidamente, junto com suas irmãs e vários criados carregando minha bagagem. Sob os olhos atentos de Calandre, os criados rapidamente desembalaram minhas coisas. Eu disse a mestre de linhas sobre o convite para jantar de Heinrich, e ela prometeu voltar para ajudar a me arrumar. Calandre deixou os aposentos, com suas irmãs e servas atrás dela. Dois guardas Bellonan deram um passo à frente e fecharam as portas. Agora que estávamos sozinhos, Serilda, Cho, Xenia e Paloma relaxaram em cadeiras na frente da lareira, mas comecei a andar de um lado para o outro e novamente, olhando para as portas fechadas toda vez que eu passava por elas. — Calandre e o resto dos servos e guardas estarão a salvo lá fora? — perguntei preocupada. — Seguros o suficiente — disse Serilda. — Nosso povo receberá seus próprios quartos ao lado dos outros servos e guardas. Pode haver algumas escaramuças entre nosso povo e os andvarianos, mas Heinrich honrará sua oferta de hospitalidade. Rhea seguirá as ordens dele e dirá ao seu pessoal para

fazer o mesmo. Heinrich não fará mal a você ou a ninguém na comitiva Bellonan enquanto estivermos em Glitnir. — Mas isso não significa que alguém não resolva o problema com suas próprias mãos — ressaltou Cho. — Todo mundo ainda está com muita raiva do assassinato de Frederich. Vou dizer aos servos e guardas para tomar cuidado, e todos faremos o mesmo. Serilda, Paloma e Xenia assentiram. — Pensei que quando matei Vasilia também havia matado a crueldade dela. Mas esse não é o caso. Ela ainda está me fodendo, mesmo do outro lado da cova. — Suspirei e olhei para Xenia. — O que posso fazer para convencer Heinrich de que eu não tive nada a ver com o massacre? Xenia deu de ombros. — Eu não acho que você pode. Pelo menos, não até você mostrar o que aconteceu. Mesmo assim, ele ainda pode não acreditar em você. Tudo o que você pode fazer é ver como Heinrich age no jantar. Então, talvez você possa dizer se ele concorda com um novo tratado. — E se ele não concordar? Ela deu de ombros novamente. — Então vamos fazer as malas, voltar para Bellona e pensar em outra maneira de lidar com os Mortans. Não era o que eu queria ouvir, mas dizer verdades duras era o trabalho de Xenia como minha conselheira. Ainda assim, eu continuei andando em frustração. — Bem, estou preocupada com outra coisa — disse Serilda. — Passei muito tempo em Glitnir e nunca vi Heinrich assim. Cho assentiu, concordando com ela. — Nem eu. — Assim como? — perguntei. Serilda bateu os dedos no braço da cadeira. — Não sei exatamente. Heinrich não é o mesmo que eu me lembro. Ele quase parece... indisposto. — As sobrancelhas dela se uniram, e seu olhar azul ficou escuro e distante, como se estivesse tentando usar sua magia para examinar todas as possibilidades que poderiam explicar sua inquietação. — Seu filho foi assassinado, junto com seu embaixador e seus compatriotas — ressaltou Paloma. — Somos um lembrete forte disso, especialmente Evie. Isso é o suficiente para deixar alguém abatido.

— Sim, isso é — murmurou Xenia. — Sim. Sua voz baixa e tensa fez parecer que ela falava por experiência própria, assim como o cheiro de desgosto cinza que a inundou. Mas como poderia ser isso? Até onde eu sabia, Xenia não tinha filhos. Por outro lado, eu também não percebi que ela era uma espiã, muito menos uma prima da rainha Ungerian. Eu me perguntava se algum dia veria a verdadeira Xenia, quem quer que ela fosse. Ela balançou a cabeça, como se estivesse afastando as lembranças, assim como qualquer dor que elas trouxeram. — De qualquer forma, precisamos estar no palácio reunindo informações, não sentados aqui. — Xenia se levantou. — Vou relatar quando souber mais, Evie. Serilda também se levantou e lançou um olhar afiado a Xenia. — Assim como eu. Xenia e Serilda tinham uma história longa e complicada que eu não entendia, mas tudo sempre era uma competição entre elas. Às vezes, eu me sentia como uma pequena figura de gladiador presa em um diorama da arena, relegada a ficar de pé e assistir enquanto as duas jogavam um jogo perpétuo de cabo de guerra comigo. Xenia e Serilda prometeram relatar quando soubessem mais e foram embora. Cho foi com elas para garantir que Calandre e os outros servos estivessem sendo bem tratados. Paloma também foi em direção às portas abertas. Comecei a segui-la pelo corredor, mas ela estendeu a mão, me parando. — Vou checar os guardas — disse ela. — Você precisa ficar aqui. — O quê? Por quê? — Porque a Capitã Rhea tentou matá-la há menos de uma hora, e ela disse para você ficar parada até o jantar – ou então — disse Paloma em seu tom irritante e prosaico. — Você pode ter derrotado Rhea, mas é melhor não tentar o destino dando-lhe outra chance sobre você. Não se preocupe. Vou ajudar Cho a ter certeza que todo mundo está bem cuidado, e direi ao nosso pessoal para não começar brigas estúpidas com os Andvarianos. Levantei minhas mãos em frustração. — Mas eu sou a maldita rainha! Esse é o meu trabalho. Não o seu.

Paloma encolheu os ombros. — E é meu trabalho como sua guarda pessoal mantê-la segura. E você estará muito mais segura aqui do que percorrendo os corredores onde um guarda irado poderia empurrar uma espada em suas costas ou um dos nobres poderia cortar sua garganta. Vou buscá-la quando for a hora de jantar. Até lá, tente relaxar, Evie. Você já lutou por sua vida uma vez hoje. Isso não é isso suficiente? Antes que eu pudesse protestar, ela saiu e sinalizou para os guardas fecharem as portas. Não apenas isso, mas assim que as portas se fecharam, ouvi um clique alto e revelador. — Oh, não, você não fez! Sacudi um dos anéis, mas as portas estavam trancadas por fora, confirmando minha suspeita. Olhei para as portas fechadas, incrédula. Meus amigos realmente me trancaram no meu quarto como se eu fosse uma criança rebelde com a qual não tinham paciência. Frustração me inundou, no entanto eu resisti à vontade de gritar e bater meus punhos contra a pedra. Isso teria sido inútil. Além disso, eu não sabia quem poderia estar do outro lado da porta, e não queria que eles me ouvissem ser petulante. Suspirando, fui até a penteadeira e me sentei. Calandre mais uma vez fez um excelente trabalho prendendo minha coroa na cabeça e levei alguns minutos para remover todos os pequenos grampos do meu cabelo, colocá-los de lado e tirar a tiara. Esfreguei meu polegar sobre a ponta da coroa de estilhaços no centro da prata, imaginando como as coisas saíram tão erradas e tão rapidamente. Os estilhaços azuis da meia-noite brilhavam para mim como sete pequenos olhos estreitos, silenciosamente me acusando de ser a razão de todos esses problemas. Suspirei, sabendo que era a verdade. Mais uma vez, fiquei tentada a jogar a coroa no chão e depois pisar nela por uma boa medida. Mas isso teria sido tão infantil e inútil quanto bater nas portas trancadas, então eu a deixei em cima da mesa. Eu não tinha nada para fazer até que Calandre e suas irmãs voltassem para me ajudar a me preparar para o jantar, então eu andei, estudando os

móveis e verificando se Rhea – ou outra pessoa – não deixou nenhuma surpresa desagradável para mim. Uma jarra de vinho envenenado, junto com as outras garrafas em uma mesa ao longo da parede. Um fio para tropeçar amarrado ao longo do chão do banheiro, o que lançaria uma flecha da besta voando pelas sombras. Uma víbora coral escondida na minha cama, esperando que eu deslizasse sob os lençóis para que pudesse atacar. Verifiquei por todas essas coisas e uma dúzia de outras, mas não encontrei venenos, fios para tropeçar ou armadilhas. Também procurei por compartimentos escondidos nos móveis e passagens secretas nas paredes, esperando poder sair dos meus aposentos sem ser detectada, mas não achei o menor cubículo na escrivaninha ou um armário escondido no banheiro. Claro que esses aposentos não teriam uma passagem secreta. Heinrich gostaria que seus convidados – especialmente os da realeza – ficassem parados e não perambulassem sem supervisão. Minha busca levou trinta minutos e ainda faltavam horas para o jantar. Frustrada e desesperada, fui até as portas de vidro que davam para a varanda, imaginando se poderia sair dos meus aposentos dessa maneira. Eu esperava que estivessem trancadas por fora, mas as maçanetas giraram facilmente. Afastei as portas e saí. As portas se abriram para uma grande varanda de pedra que se curvava para fora como uma coroa. Infelizmente, não havia degraus, e eu não via uma maneira de sair da varanda, a menos que quisesse tirar os lençóis da minha cama e fazer uma corda grossa com eles. Mesmo assim, eu estava no terceiro andar e duvidava que tivesse lençois suficientes para alcançar o chão. Então, eu estava presa aqui. A varanda pode não ter degraus, mas possuía duas espreguiçadeiras almofadadas dispostas ao redor de uma mesa que exibia uma jarra de limonada gelada e vários copos. Bolos de kiwi, tortas de morango e mousse de chocolate foram dispostos em uma bandeja de prata, enquanto outra continha uvas, bolachas e queijos. Um pequeno cartão branco também estava apoiado na mesa. Bemvinda foi escrito no cartão com tinta preta espessa, enquanto um grande e cursivo D foi gravado em folha de ouro no canto superior direito. Eu tracei

meus dedos sobre a carta, me perguntando a quem eu deveria agradecer por isso. Príncipe Dominic? Dahlia Sullivan? Outra pessoa? Quem quer que fosse, havia feito a lição de casa, já que a mesa apresentava algumas das minhas comidas favoritas. Eu não sabia se ficava lisonjeada ou preocupada. Ambos, provavelmente. Meu estômago roncou, lembrando-me que não comi o dia todo, então servi um copo de limonada e cheirei-o cuidadosamente. Também alcancei minha imunidade, mas não senti nenhuma magia. A bebida estava limpa, então tomei um gole. A limonada gelada estourou na minha língua, a mistura perfeita de doce e azedo das amoras, limões e açúcar, juntamente com um leve toque refrescante de hortelã. Também comi vários bolos, uvas, biscoitos e queijos. A comida estava excelente e era o lanche perfeito e refrescante para ter até o jantar. Eu teria que agradecer ao misterioso D por sua consideração – e perguntar exatamente como ele sabia o que eu gostava de comer e beber. Eu me servi de outro copo de limonada, depois andei pela varanda, examinando a pedra requintada, bem como os coloridos vasos de barro cheios de ervas e flores alinhados nos trilhos, aproveitando o sol da tarde. Nunca fui muito de plantas, então a única coisa que reconheci foi a hortelã, já que era o mesmo tipo de raminho que flutuava na jarra de limonada. Ainda assim, eu fiz uma careta ao tocar as folhas de hortelã. Algo sobre os vasos e plantas me deixou desconfortável, mesmo que fossem apenas pedaços inocentes de argila e cor. Talvez fosse porque as folhas me lembravam do wormroot que Vasilia usara durante o massacre real, ou como meu pai, Jarl, fora assassinado com a mesma planta sórdida. Estremeci, abaixei a mão e me afastei dos vasos. Fui até o centro da varanda, que se curvava para fora e formava o topo em forma de coroa. Eu nunca havia notado isso antes, mas a varanda dava para o famoso Edelstein Gardens. O outono já havia se firmado aqui em Andvari. Árvores resplandecentes com folhas vermelhas, laranjas e amarelas se elevavam sobre canteiros repletos de flores azuis, roxas e rosas, enquanto caminhos alinhados com bancos pretos de ferro forjado passavam pelas belas flores.

E, como todo o resto em Glitnir, os jardins eram muito mais impressionantes do que o gramado real em Seven Spire. As árvores eram mais altas, as flores mais brilhantes, os caminhos mais largos. Sem mencionar todas as outras características. Uma área ostentava lagoas cobertas com nenúfares, enquanto o espaço ao lado estava cheio de areia listrada e rochas banhadas pelo sol. Em outra seção, a rede preta estava amarrada como teias de aranha nas copas das árvores para conter as borboletas voando abaixo. Joias e metais ainda mais preciosos foram tecidos com a vegetação. Árvores feitas de ouro, prata e bronze brilhavam aqui e ali, enquanto rosas com hastes de esmeralda, espinhos de ônix e folhas de rubi foram colocados no chão ao lado das flores vivas reais. Moonstones redondas alinhavam-se nos caminhos, enquanto pedaços de prata cobriam os bancos pretos. A mistura de metais e árvores, pedras preciosas e flores, pétalas macias e pedras duras tornaram a área ainda mais impressionante. E havia a peça central dos jardins – um enorme labirinto de sempreverde. Apertei os olhos pelo sol, tentando ver o padrão que os caminhos formavam. A parte superior curvava-se em dois lugares separados, quase como chifres. Mais dois espaços vazios pareciam olhos gigantes, e o espaço abaixo parecia estar cheio de dentes irregulares... Fiz uma careta. O labirinto tinha a forma do rosto de uma gárgula. Claro que sim. Uma cúpula grande e redonda se erguia onde o nariz da gárgula estaria. Parecia que havia um gazebo ali, no centro dos jardins, isolado de todo o resto. Sem dúvida, era uma maravilha da arquitetura e coberta com metais e joias, e vendo que era sua recompensa por navegar através do complicado labirinto. Um caminho passava pela minha varanda, então me apoiei no parapeito e observei as pessoas abaixo. Funcionários principalmente, carregando caixas, travessas e muito mais. Alguns guardas também passeavam, certificando-se de que tudo estava acontecendo normalmente. Mas Glitnir parecia funcionar tão bem quanto um relógio Ryusaman, assim como em Seven Spire, e logo me cansei de espionar.

Eu estava prestes a entrar e tirar uma soneca antes do jantar, quando Sullivan apareceu no caminho abaixo. Ele caminhou até a entrada do labirinto, que ficava em frente à minha varanda, depois parou e começou a andar de um lado ao outro. Ele ainda vestia seu longo casaco cinza, e as extremidades estalavam ao redor de suas pernas, como se o tecido estivesse espelhando a óbvia frustração em seu rosto. Ia começar a gritar e, brincando, pedir que ele me resgatasse da minha prisão alta, incrustada de joias, mas uma mulher saiu de debaixo da minha varanda e foi até ele. Helene Blume. O sol da tarde trouxe à perfeição a sua pele impecável de topázio, junto com os intensos fios vermelhos em seus gloriosos cabelos ruivos. Ela parecia ainda mais bonita agora do que na sala do trono. Helene observou Sullivan andar por alguns segundos, depois parou na frente dele. — Eu sei que você ainda está chateado comigo. — Até sua voz era linda: suave, leve e feminina, com uma pitada de sotaque. — E sei que disse isso antes na sala do trono, mas quero me desculpar novamente. Por tudo. Sullivan soltou uma risada dura e amarga, deu a volta nela e retomou o passo. Mas Helene não devia ser negada, e mais uma vez ela parou na frente dele, parando-o. — Eu realmente sinto muito, Lucas — murmurou. — Por tudo. Eu nunca quis te machucar. Essa era a última coisa que eu queria fazer. Ele olhou para ela. — Assim você diz. Mas você interrompeu nosso noivado de qualquer maneira. Suas palavras perfuraram o meu peito como uma adaga, e todo o ar deixou meus pulmões em uma corrida doentia. Noivado? Os dois estiveram noivos? Quando? Por quanto tempo? E por que eles não se casaram? Então outra percepção me atingiu – isso deveria ser o que Serilda e Cho estavam escondendo quando eu perguntei sobre Helene anteriormente. Por que eles não mencionaram que ela esteve noiva de Sullivan? Em vez disso, Serilda me disse para focar na luta com Rhea, enquanto Cho sugeriu que eu perguntasse a Sullivan sobre a outra mulher. Talvez meus amigos pensassem

que a informação teria sido menos surpreendente vindo dele. Bem, eu estava conseguindo isso dele agora, e ainda era muito chocante. Helene suspirou, e uma expressão cansada encheu seu rosto, como se essa fosse uma discussão que eles tiveram muitas, muitas vezes. — Você sabe que foi o meu pai quem fez. Não eu. Eu queria me casar com você. Sullivan soltou outra risada dura e amarga. — Seu pai nunca gostou de mim. Mas, mais do que isso, ele queria que você se casasse com um príncipe de verdade, um príncipe legítimo, em vez de um pretendente bastardo como eu. Ele começou a se virar, mas Helene agarrou seu braço, segurando-o no lugar. — Eu nunca me importei com nada disso — disse ela. — Eu me importava com você. Eu te amei, Lucas. Ninguém mais. Ele olhou para ela, com o rosto duro, mas o aroma carbonizado de seu coração partido rodopiou pelo ar, dominando as árvores e flores. Sullivan também a amou, e profundamente, dado o aroma forte e afiado. Helene olhou em volta, como se quisesse ter certeza de que estavam sozinhos. Os servos e guardas desapareceram dentro do palácio, e eram apenas os dois – junto comigo. Eles não me notaram espreitando na varanda acima, e eu certamente não diria para eles. Talvez fosse mesquinho, mas eu queria saber mais sobre o relacionamento deles – e especialmente como Sullivan se sentia agora por Helene. Quando ficou satisfeita com o fato de estarem sozinhos, Helene inclinou a cabeça para o lado, fazendo o cabelo cair lindamente por cima do ombro. Seus lábios vermelhos se curvaram em um sorriso. — Você se lembra de como nos divertíamos esgueirando dos bailes reais? Seu tom leve e provocador tirou parte da tensão, e o rosto de Sullivan se suavizou. — Eu cumpria meu dever. Eu sorria, ria, dançava e flertava com todos os pretendentes que meu pai queria que eu encantasse — disse Helene. — E então, assim que eu podia, escapava e me escondia aqui. — E eu a seguia — respondeu Sullivan em voz baixa e tensa.

— Sim, você faria. — Ela se aproximou dele, estendeu a mão e brincou com um dos botões de prata em seu casaco cinza. — E então você me encontraria e me beijaria. Ele não respondeu, mas seu olhar caiu para seus lábios perfeitos em forma de coração. — E eu te beijaria — murmurou Helene, aproximando-se ainda mais dele. — E então nós entrávamos nos jardins e passávamos o resto da noite juntos. Sullivan ainda não respondeu, mas um músculo tiquetaqueava na mandíbula e seus olhos se estreitaram, como se ele estivesse silenciosamente lembrando todas essas mesmas coisas. Helene deu a ele outro sorriso suave e provocador. — E houve aqueles momentos em que eu não queria encontrar um local escuro e isolado nos jardins. Todas as vezes que eu mal podia esperar para ficar com você. — Ela passou a mão pelo casaco dele e arrastou os dedos no peito dele. — Se a memória servir, um daqueles momentos foi aqui, neste mesmo local. Quando ficamos noivos. Aquela foi uma das minhas noites favoritas com você. Suas palavras sedosas e guturais me apunhalaram no estômago como uma espada. Lucas Sullivan era um homem bonito, um poderoso mago e um príncipe bastardo. Claro que ele teve amantes. Mas ainda doía ouvir uma dessas amantes falar sobre a paixão que compartilharam. E não apenas qualquer amante, mas alguém que teve o seu coração também. Alguém que ainda o tinha, a julgar pelo olhar angustiado no rosto de Sullivan. Helene segurou sua mandíbula com a mão. — Você se lembra daquela noite, Lucas? Porque eu certamente lembro. — Claro que eu lembro. — Sua voz era tão rouca quanto a dela. Lembro-me de tudo naquela noite. A cor do seu vestido, como você arrumou o cabelo, como se sentia contra mim, como eu estava feliz quando você concordou em se casar comigo. Suas palavras bateram no meu peito como um escudo de gladiador, cada sílaba suave cortando o meu coração em pedaços cada vez menores. Ele balançou para frente, como se fosse se inclinar e beijá-la, e tive que resistir ao

desejo infantil de apertar meus olhos com força para não ver isso. Ou pior, ele a levando para o labirinto, como aparentemente já havia feito tantas vezes. Mas no último segundo, logo antes que seus lábios encontrassem os dela, Sullivan balançou a cabeça, forçando Helene a afastar a mão da mandíbula dele. Ele se afastou dela. — Ah, sim. Lembro-me de tudo naquela noite. — Seu rosto endureceu. — Também me lembro da manhã seguinte, quando você devolveu meu anel e interrompeu nosso noivado. Os lábios de Helene pressionaram juntos em uma linha apertada. — Eu já disse uma dúzia de vezes. Meu pai me forçou fazer isso. Ele ameaçou me deserdar, junto com minhas irmãs mais novas, se eu não fizesse o que ele queria, se eu não casasse com quem ele queria. Eu não me importava com o dinheiro, mas não podia deixar minha família sofrer por minha causa. — Sim, eu sei o quão poderoso seu pai era, e quão mesquinho e vingativo. Embora eu tenha que admitir que fiquei surpreso quando soube do seu noivado com Frederich. — Mais mágoa percorreu a voz de Sullivan, e o cheiro do seu coração quebrado em cinza encheu o ar novamente. — Embora conhecesse a ambição de seu pai, eu não deveria ter ficado surpreso. Pela primeira vez, um pouco de raiva cintilou nos olhos de Helene. — Você está me culpando por isso? Você foi quem fugiu e se juntou a uma tropa de gladiadores. Eu não tinha ideia de quando – ou se – você voltaria. Então, sim, Frederich teve pena de mim e começamos a passar tempo juntos. Claro que meu pai viu isso como uma oportunidade de convencer Heinrich de que eu deveria me casar com Frederich. — Até meu pai decidir romper seu noivado e casar Frederich com Vasilia para garantir um tratado com Bellonan — disse Sullivan. — Deve ter sido uma pílula amarga para você, e especialmente para o seu pai, engolir. Ela balançou a cabeça. — Meu pai ficou furioso, é claro, mas fiquei aliviada. Frederich era um querido amigo, mas eu nunca quis casar com ele. Há apenas um príncipe em Glitnir que eu realmente desejei. Helene olhou para ele, deixando claro que ele era o príncipe escolhido. Ela estendeu a mão em direção a ele novamente, mas Sullivan balançou a cabeça e se afastou ainda mais dela.

— Tenho trabalho a fazer. Ela arqueou uma sobrancelha. — Para a rainha Bellonan? Eu vi você falando com ela fora da sala do trono. Ela parece gostar muito de você. Os olhos dele se estreitaram. — Você está com ciúmes? Ela encolheu os ombros. — Claro. Ela é uma rainha, afinal. Fiz uma careta. Se ela apenas soubesse que eu estava trancada no meu quarto e testemunhando ela tentando seduzir o homem que eu não poderia ter. Eu duvidava que ela ficasse tão ciumenta então. — Não me importo com o tipo de relacionamento que você tem com a Rainha Everleigh — declarou Helene. — Não me importo se você é apenas o conselheiro dela, ou se fala algo doce no ouvido dela, ou se você está transando com ela toda noite. Nada disso importa para mim. É apenas o negócio de ser nobre. — Talvez eu não goste desse tipo de negócio — rosnou. Ela soltou uma risada divertida. — Goste ou não, é o negócio em que você nasceu, e é o que você fará até o dia em que morrer. Assim como eu. Então é melhor tirarmos o melhor proveito disso juntos. Helene deu um passo à frente. Sullivan começou a se afastar dela novamente, mas ela estendeu a mão e agarrou seu casaco cinza, segurando-o no lugar. Ela olhou para ele, com o rosto sério. — A única coisa que me interessa é que tipo de relacionamento que você e eu podemos ter. Eu nunca parei de amar você, Lucas. E agora que meu pai está morto, eu sou o chefe da minha família e posso casar com quem eu quiser. Então pense nisso, e especialmente naquela noite, você se lembra de me foder tão bem enquanto estiver ao serviço – e servindo – sua nova rainha. Ela ficou na ponta dos pés e deu um beijo suave na bochecha dele, deixando uma mancha vermelha em forma de coração em sua pele. Sullivan permaneceu imóvel, embora suas mãos estivessem cerradas, como se estivesse tentando evitar puxá-la em seus braços. Mais dor inundou meu coração, mas não podia culpar Sullivan por sua reação. Ele não fez promessas para mim. Muito pelo contrário. E ele amara Helene, talvez até a amasse ainda.

Helene deu um passo atrás. Ela esperou um momento, claramente esperando que Sullivan a alcançasse. Mas quando ficou claro que ele não iria, ela voltou para o palácio. Sullivan a observou sair com um olhar desesperado e faminto no rosto que me feriu muito mais do que as palavras e insinuações de Helene. Após alguns segundos, ele soltou um suspiro longo e tenso, passou a mão pelos cabelos e caminhou para longe na direção oposta. Ele voltou para dentro do palácio e desapareceu de vista, mas eu permaneci congelada no lugar na varanda, desejando ter ficado dentro de meus aposentos. Desejando nunca ter ouvido o que havia acontecido entre Sullivan e Helene, especialmente o quanto ele a amava. Mas eu não era a única que os assistia. Um vislumbre de vidro chamou minha atenção e olhei para a esquerda. Outra varanda se curvava para fora do terceiro andar a cerca de trinta metros da minha. Uma mulher estava parada lá, bebendo uma bebida. Dahlia, mãe de Sullivan. Bem, agora eu sabia quem era o misterioso D. Dahlia deve ter ordenado que as bebidas fossem instaladas na minha varanda. Como amante do rei, ela poderia fazer isso facilmente. Apreciei sua pequena gentileza, embora estivesse mortificada por ela ter me pego espionando seu filho e Helene. Mas Dahlia parecia divertida com a situação embaraçosa, e sorrindo, me deu um aceno amigável antes de desaparecer dentro de seus aposentos. Fiquei imaginando sua reação benigna, mas não tinha como interpretar o que isso significava. Eu teria que perguntar a Serilda, Cho e Xenia o que eles sabiam sobre a mãe de Sullivan. De qualquer maneira, meu apetite havia desaparecido e coloquei meu copo de limonada na mesa com o restante das guloseimas. Comecei a voltar para dentro dos meus aposentos quando uma sombra caiu sobre mim. Um segundo depois, um barulho alto de baque soou na varanda atrás de mim, junto com o nítido e distinto scrape-scrape-scrape de garras contra pedra. Minha respiração ficou presa na garganta, mas deixei minha mão cair na minha espada e me forcei a virar devagar e não fazer movimentos bruscos. Uma gárgula estava na varanda.

Paloma estava errada. Eu não estava segura em meus aposentos. Eu já estava com o coração partido e agora corria o risco de ser comida viva.

Capítulo 12 A gárgula era do tamanho de um cachorro grande, embora muito mais espessa, compacta, e perigosa. Era de pedra cinza sólida e tinha uma aparência áspera e desgastada pelo tempo, embora sua pele parecesse estranhamente flexível. Dois chifres brotaram de sua testa, enquanto dentes pontudos se curvavam para cima e para fora da sua boca. As pontas afiadas como adagas nos chifres e dentes combinavam com as das garras negras que se projetavam de suas patas, e sua longa cauda terminava em uma única pedra mortal em forma de flecha. A gárgula inclinou a cabeça para o lado, me estudando com brilhantes olhos ardentes de safira, e percebi que era a mesma criatura que esteve me observando dos telhados da cidade antes. Era Maeven fazendo isso? Ela de alguma forma encantou a gárgula e ordenou que ela me matasse? Minha mão apertou em torno da espada e alcancei minha imunidade. Eu não sabia quanta magia as gárgulas tinham, mas eu não seria comida viva sem lutar. Os olhos da criatura se estreitaram e ela soltou um rosnado baixo e raivoso, como se soubesse exatamente o que eu estava pensando... O rosto de uma garota apareceu por trás da asa direita da gárgula, e tive que segurar um grito surpreso. — Já chega de rosnar, Grimley. Eu acho que você está assustando-a.

A garota se moveu em torno da asa da gárgula e saiu onde eu podia vê-la. Cabelo marrom escuro, olhos azuis, feições bonitas. — Gemma? — perguntei. — O que você está fazendo aqui? Ela olhou para mim, piscando e piscando como se não pudesse acreditar que eu estava realmente aqui. Então ela soltou um suspiro longo e irregular, correu e me abraçou. Seu abraço apertado e entusiasmado me surpreendeu e me jogou contra a grade. Grimley estreitou os olhos e soltou outro grunhido baixo de aviso, me dizendo o que ele queria que eu fizesse. Eu rapidamente coloquei meus braços em volta de Gemma e a abracei. — Estou tão feliz que você está bem! — Ela me abraçou novamente. — Eu estava tão preocupada com você! Lágrimas encheram meus olhos e, desta vez, meu abraço foi totalmente imperfeito e completamente genuíno. — Eu também estava preocupada com você. Pensei que ela estava morta, e Alvis e Xenia junto com ela, mas não havia necessidade de lhe dizer isso. Gemma e eu ficamos ali por quase um minuto, nos abraçando. Um arrepio ondulou através do corpo de Gemma, como se ela estivesse se lembrando de tudo o que aconteceu naquele dia terrível em Seven Spire. Sim, eu também. Ela me segurou por mais um momento, depois soltou os braços e deu um passo para trás. — Eu queria te encontrar na estação ferroviária, mas meu pai e meu avô não permitiram. — Ela revirou os olhos. — Protocolo estúpido. Eu sorri. Gemma parecia gostar tão pouco de protocolo quanto eu. — Compreendo. — Fiz uma torta para você, no entanto. Maçã-amora, assim como as que você fez em Seven Spire. Eu ia trazer para você... — estremeceu —, mas Grimley comeu. A gárgula abriu a boca e soltou um rosnado curto e agudo que parecia suspeitosamente como um arroto, como se confirmasse suas palavras. Gostaria de saber se ele comeu apenas a torta ou se ele engoliu a bandeja junto. Eu olhei seus dentes afiados. Provavelmente ambos.

— Está tudo bem. — Olhei para a gárgula e depois para a varanda e a queda íngreme abaixo. — Então você... voou até aqui em cima da gárgula? — Claro, boba. De que outra forma eu poderia subir aqui? — Gemma revirou os olhos novamente, depois se aproximou e começou a esfregar a cabeça de Grimley logo atrás de uma das orelhas triangulares. A gárgula resmungou de prazer, depois caiu, rolou de costas com as pernas curtas e grossas no ar para que Gemma pudesse se inclinar e coçar a barriga como se fosse um cachorrinho de tamanho grande. Feito de pedra. Com chifres afiados. E garras. E dentes que poderiam rasgar ou esmagar completamente quase qualquer coisa em pedaços. — Grimley é seu... animal de estimação? — perguntei. A gárgula fixou seus brilhantes olhos azuis em mim novamente e soltou outro rosnado baixo e raivoso. — Calma, Grimley — disse Gemma, ainda esfregando a barriga como se não estivesse a segundos de pular de pé e me comer. — Ela não quis dizer isso. Grimley não gosta da palavra animal de estimação. Ele é meu amigo. Todas as gárgulas do palácio são meus amigos, mas Grimley é o meu favorito e eu sou o seu humano favorito. Foi por isso que ele veio comigo das Montanhas Spire quando fugimos de Bellona após o massacre. A gárgula a seguiu desde as montanhas até Glitnir? Gemma realmente deve ser seu humano favorito para ele percorrer uma distância tão grande. Xenia não me contou sobre a gárgula. Por outro lado, ela não falou muito sobre sua viagem com Gemma e Alvis. Mas eu estava tendo a impressão de que os três tiveram mais aventuras – e eles correram muito mais perigo – do que eu imaginava. Grimley soltou um pequeno resmungo feliz e Gemma sorriu e coçou sua barriga novamente. Eu ouvi falar de pessoas que têm conexões especiais com gárgulas, juntamente com strixes e caladriuses, e vi algumas dessas conexões com os treinadores que trabalhavam com as criaturas na tropa Cisne Negro. Mas mesmo com os treinadores, sempre havia a leve preocupação de que as gárgulas e as strixes iriam atacá-los um dia, já que as criaturas sempre seriam animais selvagens no coração, não importando quanto tempo eles passassem em torno dos humanos.

No entanto, não senti isso de Gemma e Grimley. Ela estava totalmente sem medo da gárgula, e ele parecia completamente dedicado a ela. Talvez ela tivesse alguma magia que lhe permitisse ter um vínculo mais profundo com a criatura, ou talvez fosse parte de seu sangue real. Lendas diziam que os Ripleys foram os primeiros a fazer amizade com gárgulas. De qualquer maneira, eu não queria ficar do lado ruim de Grimley, então fui até lá, agachei-me e lentamente estendi minha mão. A gárgula cutucou seu nariz e cheirou meus dedos. — Assassina... de magia — murmurou ele em voz baixa, o que me lembrou o cascalho triturando sob os pés. Pisquei de surpresa. — Ele pode falar? Gemma riu. — Claro que pode falar. Todas as gárgulas podem falar. Strixes também. Mas nem todos podem ouvi-las. — Mas você pode. Ela assentiu e sorriu para mim. — E você também pode. Isso faz com que você tenha muita sorte. Eu não sabia disso, mas mantive minha mão onde estava, pois Grimley ainda cheirava meus dedos. — Assassina de magia — ronronou ele novamente, suas narinas tremendo. — Mestre de magia. Então ele olhou para mim, abanou o rabo e lambeu minha mão como se fôssemos velhos amigos. A língua áspera de pedra raspou minha pele como uma lixa, mas não desagradavelmente. Eu me perguntei sobre suas palavras, no entanto. Assassina de magia? Mestre de magia? Ele falava da minha imunidade? Ou alguma outra coisa? Eu não sabia, mas ele parecia gostar de mim, então eu cautelosamente estendi a mão e arranhei o local no meio da testa, entre os chifres. Gemma sorriu para mim novamente. — Veja? Ele gosta disso. Eu sabia que vocês dois seriam amigos, assim como Grimley e eu somos. Ela jogou os braços em volta do pescoço da gárgula e a abraçou, enquanto Grimley abanou o rabo novamente. Era talvez a amizade mais estranha que eu já vi, mas eu sabia o quão importante era ter um amigo em quem confiar completamente, mesmo que esse amigo fosse feito de pedra.

Gemma abraçou o pescoço de Grimley novamente, depois recuou. Nesse ponto, nós duas estávamos sentadas no chão com a gárgula. Outra sombra caiu sobre mim, e olhei para cima e percebi que Grimley não era a única gárgula aqui. Outros navegavam pelo ar acima dos jardins, assim como eles voaram sobre o teto de vidro dentro do palácio mais cedo. Gemma acenou para eles, e as criaturas resmungaram para ela. — Você realmente é amiga de todas as gárgulas — disse eu. — É claro — respondeu ela. — E alguns dos da cidade também. Mas Grimley sempre será meu favorito. E ele é o líder deles agora, embora ele tenha nascido nas montanhas em vez de aqui no Palácio. — Assim como você será a líder de Andvari algum dia. Ela encolheu os ombros. — Eu suponho. Só espero poder ser uma rainha tão boa quanto você. Ouvi tudo sobre suas aventuras de Alvis. Segurei um bufo irônico. Eu? Uma boa rainha? Dificilmente. Gemma precisava escolher outro herói. Mas eu não queria magoar os sentimentos dela, então mudei de assunto. — Você e Alvis parecem ser bons amigos. Ela assentiu. — Ele e Xenia me ajudaram a escapar de Seven Spire. Nós três passamos semanas juntos viajando para Glanzen. Fiquei tão feliz quando Alvis decidiu ficar em Glitnir e abrir sua oficina de joias. Alvis tinha uma nova oficina? Um sorriso levantou meus lábios. Era bom saber que algumas coisas nunca mudariam. — Estou tentando convencer Alvis a me tornar sua aprendiz, assim como você, mas ele ainda não disse que sim. Ela fez beicinho por um momento, mas a determinação brilhou em seus olhos. Alvis pode não perceber ainda, mas ele estava travando uma batalha perdida com essa garota. — E estou tão feliz que Xenia veio com você. Eu não a vi em pessoa desde que ela foi para o castelo em Unger, embora tenha conversado bastante com ela desde então. — Você conversou com Xenia? Como? Ela deu de ombros novamente. — Alvis tem um espelho Cardea em sua oficina. Ele fala com Xenia o tempo todo. Ele também fala com a outra mulher

que veio com você, aquela com os cabelos loiros e a cicatriz no rosto. — Gemma estremeceu. — Ela parece uma guerreira feroz. Pensei em todas as longas horas, dias e semanas que Serilda passou me treinando. — Você não tem ideia. — Não entendo por que meu pai estava tão chateado por você vir para Glitnir — disse Gemma. — Eu disse a ele como você me salvou durante o massacre, mas por algum motivo, ele não queria que você viesse aqui. Rhea também não. Acho que essa é uma das razões pelas quais ela foi tão desagradável com você. Fiquei quieta, deixando-a falar e analisando suas palavras. Então o príncipe Dominic não queria que eu viesse para Glitnir. Por que não? Além de me culpar pelas mortes de Frederich e Hans, como Rhea e os nobres fizeram. Então, novamente, isso era motivo suficiente. — Fiquei tão feliz que o tio Lucas veio com você também — continuou Gemma. — Ele nunca visita ou fica por tempo suficiente. Desde que Helene partiu seu coração e ele escapou para se juntar àquela tropa de gladiadores um par de anos atrás. Foi um grande escândalo, ele sair do palácio no meio da noite sem contar a alguém. O vovô Heinrich estava com raiva, mas Dahlia estava completamente furiosa. Ela está tentando fazer com que ele volte para casa desde então. Fiquei quieta, ainda absorvendo suas palavras e todas as suas implicações. Então todos em Glitnir sabiam que Helene havia terminado o noivado com Sullivan. Eu podia entender por que ele havia partido. Eu também não iria querer ficar por aqui e ser lembrada de meu amante me humilhando. E com ele sendo um bastardo e ela ficando noiva de Frederich, um dos príncipes legítimos... a humilhação teria sido ainda mais difícil de suportar, junto com a pena de todos. — Mas tudo ficará bem agora que o tio Lucas está aqui, e você também. — Gemma me deu um olhar astuto e conhecedor. — Eu estava no telhado da torre com Grimley agora a pouco. Eu vi você observando ele e Helene. Fiz uma careta. Estou aqui há apenas algumas horas, mas Gemma já sabia como eu me sentia sobre Sullivan. Eu me perguntava quem mais teria notado. Provavelmente mais pessoas do que eu gostaria. Eu teria que ser

cuidadosa com o modo como interagia com Sullivan, embora provavelmente já fosse tarde demais. Sem dúvida, os nobres já estavam fofocando sobre o que poderia estar acontecendo entre nós, e se ele estava fodendo comigo ou não. — Mas você não deve se preocupar com Helene — acrescentou Gemma. — Por que não? — murmurei. — Ela parece inteligente e realizada, sem mencionar rica e bonita. Mais bonita do que qualquer outra mulher na corte, e muito mais bonita do que eu. Todos os meus primos Blair eram adoráveis, com vastas fortunas e mestres de linhas e pinturas altamente qualificados para resaltar ao máximo sua boa aparência natural. E é claro que Vasilia e Madelena, as duas princesas, eram bastante impressionantes. Mas Helene Blume estava em uma liga sozinha, com o tipo de beleza épica e célebre que fazia todo mundo parecer maçante em comparação, como se ela fosse um diamante cintilante e impecável, e o resto de nós éramos pedaços de carvão deformados agrupados ao seu redor. — Oh, Helene é definitivamente inteligente, esperta e bonita. — Mas? — Mas ela partiu o coração dele — disse Gemma com uma voz sábia e séria. — Tio Lucas nunca a perdoará por escolher a família e o dinheiro do pai sobre ele. Além disso, eu vi o jeito que ele olha para você. — E como é? Ela deu de ombros novamente. — Do jeito que meu pai costumava olhar para minha mãe antes que ela morresse. E do jeito que ele e Rhea se entreolham agora quando acham que ninguém está observando. Fiquei imaginando o que aconteceria com o desejo de Dominic e Rhea quando ele fosse forçado a se casar com outra pessoa. — Meu pai e Rhea realmente deveriam saber melhor. — Gemma balançou a cabeça. — Alguém está sempre assistindo na corte. — Isso te incomoda? Seu pai e Rhea? — Claro que não. Minha mãe se foi, mas ela gostaria que meu pai fosse feliz. — Seu nariz torceu. — Bem, tão feliz quanto qualquer um pode ser na

corte. Mas meu pai não será feliz com Rhea. Meu avô quer que ele se case com outra pessoa. Eu os ouvi discutindo sobre isso outro dia. — Ela suspirou. — É apenas mais um protocolo estúpido que só acabará partindo o coração de todos. Diversão me encheu. — Você é muito jovem para saber muito sobre protocolo e corações partidos. Em vez de sorrir com a minha provocação, Gemma virou a cabeça, olhando para o leste, e um olhar distante e sonhador encheu seus olhos azuis. — Eu conheci um garoto nas montanhas quando estávamos fugindo de Bellona. — E o que há de tão ruim nisso? — perguntei, ainda brincando com ela. — Um garoto Mortan — sussurrou, como se não ousasse dizer as palavras muito alto. — Ele tentou me matar e eu tentei matá-lo. Oh. Minha boca formou a palavra, mas nenhum som escapou dos meus lábios. — Eu ainda sonho com ele — sussurrou Gemma na mesma voz baixa e extasiada. — Às vezes, eu falo com ele nos meus sonhos, e ele fala comigo. Também não sabia o que dizer, mas não queria bisbilhotar, então fiquei apenas sentada, oferecendo a ela meu suporte silencioso. Eu sabia tudo sobre como sonhos e memórias poderiam assombrá-la. Mas o mais curioso foi a magia que flutuava em torno de Gemma, leve e frágil como uma asa de borboleta, como se ela realmente estivesse vendo aquele garoto Mortan, onde quer que ele estivesse. O perfume era intenso e sutil ao mesmo tempo, como a pedra mais dura misturada com o lilás mais suave. Eu nunca cheirei magia assim antes, mas eu tinha uma ideia do que era – do que ela era. Depois de mais alguns segundos de contemplação silenciosa, a magia desapareceu e Gemma balançou a cabeça, enquanto forçosamente bania o garoto de seus pensamentos. — Então me conte. Quem mais se olha da maneira que Dominic e Rhea olham? — disse eu em voz baixa, tentando distraí-la.

Ela sorriu, mas sua expressão tinha uma ponta dura. — Você quer saber todas as fofocas da corte. Apesar de seu comportamento aparentemente feliz, Gemma ainda era da realeza, ainda era a princesa, o que significava que ela estava sempre no meio das intrigas da corte. Sem dúvida, os nobres Glitnir eram tão coniventes e cruéis como os de Seven Spire. Dei de ombros. — Fofoca é informação, e informação é sempre útil, especialmente na minha situação. No caso de você não ter notado, você e Grimley são as únicas pessoas em Glitnir que gostam de mim. Não mencionei a raiva de jalapeño que senti na sala do trono, ou como de repente, inexplicavelmente tropecei durante minha briga com Rhea, ou minha suspeita de que alguém aqui me queria morta. Gemma esteve no massacre das Seven Spire, então sabia os perigos de ser da realeza, especialmente de ser rainha. Alguém sempre queria matar a rainha. Gemma assentiu, depois se acomodou contra o lado de Grimley, como se ele fosse um travesseiro grande demais. Não vi como isso poderia ser confortável, mas não parecia incomodá-la. Ela deu um tapinha no local ao lado dela, e eu também me acomodei no lado da gárgula. Não era tão ruim quanto eu esperava, embora ainda parecesse que eu estava encostada em pedra sólida, se fosse uma pedra que por acaso estivesse surpreendentemente quente e flexível. — Agora — disse Gemma, sorrindo. — Deixe-me contar sobre a vida em Glitnir. A princesa era uma fonte de conhecimento. Ela pode ter apenas treze anos, mas suas observações eram nítidas e perspicazes, e aprendi mais com ela do que com Serilda, Cho e Xenia em todas as nossas semanas de preparação. Passamos a tarde juntas, sentadas na varanda, bebendo limonada e alimentando Grimley com uvas, biscoitos e queijos. Ele também engoliu o último dos bolos de kiwi. — E Dahlia? — perguntei. — Como ela se encaixa aqui? Qual é a história dela?

— Heinrich e Dahlia cresceram juntos na corte. Ele era o príncipe herdeiro, e ela trabalhava na cozinha, mas eles ainda se apaixonaram loucamente. Mas meu avô foi prometido a minha avó, Sophina, que veio de uma família rica, e ele se casou com ela em vez de com Dahlia — disse Gemma. — Mas Dahlia ainda amava meu avô, então ela ficou no palácio como amante dele. Minha avó, eventualmente, teve meu pai e tio Frederich, enquanto Dahlia teve tio Lucas. — E eles eram uma grande família feliz? Ela bufou. — Claro que não. Todo mundo diz que minha avó desprezava Dahlia e que o sentimento era mútuo. Mas minha avó morreu quando Frederich era pequeno, e Dahlia entrou e ajudou a criar ele e Dominic. — Mas o rei nunca se casou com ela — murmurei. — Não. Aparentemente, ele pediu que ela se casasse com ele várias vezes depois que minha avó morreu, mas Dahlia sempre disse que não. Mas os dois parecem felizes o suficiente, então ninguém realmente diz nada sobre ela mais. Ela é como uma avó para mim, e até meu pai a trata como se ela fosse parte da nossa família. Curioso e curioso. Gostaria de saber por que Dahlia não se casou com o rei depois que sua primeira esposa morreu. Afinal, isso teria melhorado muito a posição dela e de Lucas na corte. Abri a boca para fazer outra pergunta a Gemma quando uma batida soou nas portas principais do aposento. — Minha rainha? Posso entrar? — A voz de Calandre flutuou para dentro. — É hora de se preparar para o jantar. Como se eu tivesse alguma escolha no assunto, já que era eu quem estava trancada aqui. Mas respondi para ela. — Só um minuto! Eu me levantei, assim como Gemma e Grimley. Estendi meus braços e Gemma me abraçou novamente. Ela deu um passo para trás e me inclinei, dando um tapinha na cabeça de Grimley. Ele sacudiu o rabo e, de repente, um movimento forte derrubou os vasos de barro da grade e os jogou no chão. Gemma estremeceu. — Não se preocupe. Vou limpá-los antes que os criados os encontrem. E vou te ver no jantar.

Ela sorriu para mim novamente, depois subiu nas costas de Grimley como se ele fosse um pônei. A gárgula bateu as asas de pedra e subiu no ar. Gemma acenou para mim, e então os dois mergulharam embaixo da varanda, fora da vista. — Minha rainha? — Calandre bateu novamente, e o som característico de uma chave girando na fechadura soou. Suspirei, depois saí da varanda e entrei para me preparar para o jantar. *** Calandre, Camille e Cerana passaram a hora seguinte se preocupando comigo. Eu mais uma vez me recusei a usar um vestido, mas a mestre de linha me fez vestir uma túnica nova. Eu também insisti em usar minha espada e punhal. Calandre não gostou, mas ela mal podia argumentar, dada a minha luta anterior com Rhea. Em vez disso, ela suspirou e pegou mais alguns grampos na penteadeira. — Bem, pelo menos vamos garantir de que sua coroa não caia e bata na tigela de sopa. Ela espetou ainda mais alfinetes no meu couro cabeludo, me fazendo estremecer, mas eu também não podia discutir com ela. Eu já atraíra atenção suficiente sem fazer algo tão estúpido quanto perder minha coroa durante o jantar. Calandre deslizou mais alguns grampos no meu cabelo, depois me declarou apta para a companhia real. Ela e suas irmãs deixaram os aposentos e eu as segui pelas portas abertas. Paloma esperava no corredor, junto com vários guardas de Bellonan e Andvarian. Todos os guardas estavam com as mãos nas espadas e se entreolhavam com hostilidade mal contida. Aparentemente, eu derrotar a Capitã Rhea criou ainda mais tensão entre os dois grupos. Formidável. Apenas fantástico. Sob os olhares tensos e vigilantes dos andvarianos, Paloma e os guardas Bellonan me escoltaram pelos corredores. Passamos pelas portas

abertas que levavam à sala do trono. As luzes estavam apagadas lá dentro, mas eu ainda conseguia distinguir o símbolo real – aquele rosto de gárgula rosnando – brilhando nos diamantes brancos e cinza embutidos na parte superior do trono de âmbar. Eu só esperava que o jantar desta noite fosse melhor do que o meu primeiro encontro com o rei. Por fim, paramos na frente de outro conjunto de portas duplas que também estavam abertas. Respirei fundo, depois soltei e segui em frente. A sala de jantar privada do rei era muito menor e mais simples do que eu esperava. Mesas se alinhavam nas paredes, enquanto uma mesa maior e mais comprida ocupava o centro da sala. Alguns fios de prata brilhavam nos rostos de gárgulas esculpidos nas colunas e um lustre de diamante em forma de uma grande coroa pairava sobre a mesa principal, mas esses eram os únicos enfeites. Mais de três dezenas de pessoas estavam reunidas lá dentro, incluindo Serilda, Cho, Xenia e Sullivan, e parecia que eu era a última a chegar. Claro. Eu era a única que esteve trancada no quarto a tarde toda. Heinrich estava sentado na cabeceira da mesa central e assentiu, reconhecendo minha presença. Eu fiz o mesmo. Comecei a ir até o rei, mas Xenia se aproximou de mim. — Devemos primeiro dar uma volta pela sala — murmurou. — E tentar acalmar as coisas com os nobres. Eu já sugeri a Sullivan, e ele concordou em dizer ao pai. Você e Heinrich podem conversar durante o jantar. Suspirei, mas a segui obedientemente, sorrindo e trocando um papo chato com os nobres Andvarian. Todos foram educados o suficiente, mas raiva e desconfiança persistentes encheram seus rostos, e todos cheiravam a tensão de vinagre e relutância de leite azedo. Eles não gostavam mais de mim do que os guardas. Capitã Rhea também estava aqui, encostada na parede atrás da cadeira do rei. De vez em quando ela me lançava um olhar desagradável, mas não se aproximou de mim. Provavelmente era melhor para nós duas. Mas eu não estava brava com ela. Não mais. Desde que percebi que o pai de Rhea havia morrido durante o massacre de Seven Spire e que ela estava apaixonada pelo príncipe herdeiro.

Meu olhar foi para Sullivan, que conversava com Heinrich, Dominic e Gemma. Eu poderia entender e simpatizar com um amor que nunca poderia ser. Eventualmente, meu caminho me levou até Dahlia, que estava bebendo champanhe e conversando com Helene. As duas eram as últimas pessoas que eu queria ver agora, mas teria sido rude ignorá-las, então coloquei um sorriso no rosto. — Lady Sullivan, Lady Blume. — Inclinei minha cabeça para elas. — Que bom ver vocês novamente. — E você também. E acho que as circunstâncias hoje à noite serão muito melhores do que eram antes, eh? — Dahlia sorriu, seus olhos enrugando com o que parecia ser um calor genuíno. — E, por favor, me chame Dahlia. Qualquer amigo de Lucas é meu amigo. — Obrigada. E, por favor, me chame de Everleigh. E obrigada pelas bebidas que estavam esperando nos meus aposentos. Isso foi muito atencioso. Dahlia me brindou com sua taça de champanhe. Eu me virei para Helene. — E, Lady Blume, por favor, me chame de Everleigh também. — Obrigada, e, por favor, me chame de Helene. Lady Blume me lembra muito minha mãe. — Ela franziu o nariz, o que de alguma forma a fez parecer ainda mais bonita. — É uma honra conhecê-la, Everleigh. Gemma está nos regalando com histórias de sua bravura há semanas. — A princesa é muito gentil — murmurei. Olhei para a mesa. Gemma piscou para mim e eu pisquei para ela. Ela era a única jovem aqui, mas parecia mais do que capaz de se segurar. Por outro lado, princesas tendiam a crescer mais rápido que a maioria. Elas precisavam, a fim de sobreviver a todos os jogos cruéis que as pessoas queriam jogar com elas. — Diga-me, Everleigh, quais são seus planos durante a sua visita? — perguntou Dahlia. — Eu adoraria recebê-la para o café da manhã. Estudei-a, mas seu pedido parecia sincero. Além disso, eu mal podia dizer não, já que ela era a amante do rei e mãe de Sullivan. — Isso seria adorável.

Dahlia sorriu para mim, depois se virou para Helene. — E é claro que você também virá, minha querida. — É claro — disse Helene. — Estou muito interessada em ouvir suas histórias, Everleigh, especialmente sobre sua vida na tropa Cisne Negro. É verdade que você matou outro gladiador em uma partida de ringue? Felizmente, uma série de sinos tocou, me salvando de ter que responder. Todos tomaram seus lugares. Os nobres foram posicionados nas mesas ao longo das paredes, com a família real sentada à mesa do centro. Para minha surpresa, Sullivan estava sentado de um lado do rei, com Dahlia do outro. Helene estava ao lado de Sullivan, com Rhea na frente dela. E finalmente Gemma e Dominic estavam sentados ao meu lado, já que eu estava no lado oposto de Heinrich na mesa. Serilda, Cho, Paloma e Xenia foram relegados a uma das mesas com Alvis e os nobres. Respirei fundo, saboreando discretamente o ar, mas não cheirava a raiva quente e jalapeño que senti na sala do trono. Não parecia que a pessoa que me queria morta tivesse sido convidada para o jantar. Talvez meu inimigo secreto fosse apenas um nobre, servo ou guarda menor, alguém que poderia ser tratado com mais facilidade do que as pessoas ricas, poderosas e importantes daqui. De qualquer maneira, relaxei um pouco. Mais sinos tocaram e criados carregando tigelas e travessas entraram na sala. E assim o jantar começou. A comida estava excelente. Sopas frias e quentes, cheias de especiarias. Saladas leves e refrescantes com alface, legumes crocantes e molhos cremosos. Bandejas de queijos exóticos combinados com frutas doces e nozes crocantes. Cestas de baguetes duros e crocantes, cobertos com endro salgado e outras ervas. O prato principal era um bife com crosta de pimenta vermelha com purê de batatas com alho e abóbora assada polvilhada com canela e pincelada com manteiga de mel. Para a sobremesa, havia framboesa, sorvetes de amora e kiwi servidos com biscoitos finos e crocantes de baunilha. Foi uma das

melhores refeições que já fiz e aproveitei cada prato. Especialmente, porque nada foi envenenado. Durante a refeição, a conversa permaneceu leve e inócua. Todo mundo se esforçando para fingir que a luta na sala do trono não havia acontecido, e fui junto com eles, fazendo perguntas sobre a comida, o clima e todas as outras conversas comuns. De vez em quando, eu olhava para o outro lado da mesa e encontrava Heinrich me estudando com olhos estreitados. Ao meu lado, Dominic fez a mesma coisa, embora parecesse muito mais nervoso do que contemplativo como seu pai. Os dois definitivamente estavam planejando algo. Eventualmente, os pratos foram limpos e os nobres se despediram do rei e saíram pelo corredor, deixando as pessoas na mesa principal – Heinrich, Sullivan, Dahlia, Helene, Rhea, Dominic, Gemma e eu. Serilda, Cho, Xenia, Paloma e Alvis também ficaram, embora tenham assumido posições ao longo da parede ao lado dos guardas Bellonan e Andvarian. — Agora que desfrutamos de uma refeição requintada, é hora de começarmos a trabalhar — declarou Heinrich, me encarando. — Se isso é agradável para você, Everleigh. — Claro, Heinrich. Temos muito o que discutir. — Sim, nós temos. — Uma sombra passou por seu rosto. — Mas antes de tudo, gostaria de saber exatamente o que aconteceu com meu filho. Alvis me contou, é claro, e Gemma e Lady Xenia também, mas eu ainda gostaria de ouvir de você. Meu estômago apertou. Eu esperava que ele me perguntasse sobre o massacre e vim preparada. Mas ele não gostaria do que eu estava prestes a mostrar a ele. Nenhum dos andvarianos gostaria. — Talvez isso responda a algumas de suas perguntas. — Coloquei a mão no bolso da calça e puxei uma opala que era aproximadamente do tamanho da minha palma. — Uma pedra da memória? — perguntou Heinrich. — Sim. A Rainha Cordelia queria gravar o almoço antes de... tudo acontecer.

Inclinei-me e coloquei a pedra da memória na mesa onde todos podiam vê-la. Então, eu respire fundo e toquei a pedra três vezes para ativar sua mágica. A opala começou a brilhar com uma luz branca pura, e as manchas de azul, vermelho, verde e roxo na superfície subiram, brilhando como estrelas suspensas no ar antes de dar zoom e prender em um espaço aberto em uma das paredes. As manchas de cor ficaram maiores, mais brilhantes e mais nítidas antes de finalmente se fundir em uma imagem única e clara – meu rosto. A partir daí, o massacre real aconteceu como naquele dia no gramado de Seven Spire, e todos na sala de jantar viram Vasilia esfaquear o Príncipe Frederich e depois fritar Lorde Hans com o relâmpago. Gritos, gemidos, sangue, morte. A pedra da memória mostrava todos os horríveis, brutais, terríveis detalhes do massacre até minha mão fechar sobre a opala, cortando sua magia. Depois que a pedra terminou de tocar, eu bati nela mais três vezes para preservar as memórias dentro para visualizações futuras. Então me afundei na cadeira, subitamente exausta e com um nó no estômago, como se o massacre tivesse acontecido agora em vez de nove meses atrás. Eu me sentia assim toda vez que assistia as imagens. Sem dúvida, as lembranças renovadas em minha mente me perseguiriam durante o sono hoje à noite e me faria acordar gritando como antes. Dominic, Gemma, Helene, Dália. Todos tinham expressões igualmente horrorizadas, enquanto os aromas idênticos da tristeza cinzenta de Heinrich por seu filho morto e a dor salgada de Rhea por seu pai assassinado me apunhalavam no estômago. Dahlia lançou um olhar de simpatia para o rei, estendeu a mão e apertou a dele. Um breve agradecido sorriso cintilou no rosto de Heinrich, embora desaparecesse rapidamente, engolido por sua dor. Dahlia gesticulou para um criado segurando uma bandeja com um chá de prata. O criado colocou a bandeja em cima da mesa e deu um passo atrás. Dahlia derramou um pouco de chá fumegante em uma xícara, colocou um cubo de açúcar e mexeu a mistura. Seus movimentos eram suaves, graciosos

e sem pressa, como se ela realizasse esse ritual centenas de vezes, e tive a sensação de que ela fazia isso pelo rei a cada noite no jantar. Depois que o açúcar se dissolveu, ela entregou a xícara a Heinrich, que assentiu em agradecimento e começou a beber o chá. Estudei a mulher mais velha. Ela realmente parecia amá-lo. Surpreendente. Especialmente desde que ele se casou com outra pessoa. É verdade que era o dever de Heinrich como rei, mas ainda deve ter ferido Dahlia terrivelmente. Eu não sabia se poderia ter observado enquanto o homem que amava se casava com outra mulher, muito menos tinha filhos com ela – filhos legítimos com toda a riqueza, poder e privilégios do nome e herança da realeza de Ripley. Mas parecia que o amor de Dahlia por Heinrich, e o dele por ela, realmente era mais forte do que os deveres e obstáculos que se esforçavam para mantê-los separados. Bom para eles. Meu olhar foi para Sullivan. Mesmo tendo visto as imagens do massacre antes, ele ainda estava tão chateado quanto Heinrich, Dominic e Gemma pelo assassinato de Frederich. Eu esperava que ele fosse olhar para mim, para que eu pudesse sorrir ou acenar com a cabeça ou dar-lhe outro pequeno sinal dizendo que entendia sua dor. Mas ele não fez – ele nem olhou na minha direção. Helene se inclinou para mais perto de Sullivan, depois passou os dedos pelos dele, tentando confortá-lo. Da mesma maneira que Dahlia fez com Heinrich. Agora definitivamente não era hora de ciúmes, não com os gritos de mortos ainda ecoando em meus ouvidos, mas não pude deixar de desejar que eu estivesse segurando a mão dele. — Obrigado por me mostrar isso — disse Heinrich, quebrando o silêncio tenso e pesado. — Ver o que aconteceu com Frederich, Hans, e os outros tornam minhas decisões sobre muitas coisas mais claras e fáceis. Esperei que ele elaborasse, mas ele não fez, então eu falei. — Como você pode ver, Cordelia não teve absolutamente nada a ver com o massacre. Nem eu. Foi inteiramente obra de Vasilia, junto com Maeven e Nox, os dois Mortans.

Heinrich assentiu, concordando comigo, assim como todos os outros na mesa. Até Rhea me deu um assentir pequeno e relutante, e parecia muito menos hostil. Um pouco de confiança me encheu. Até agora, isso estava indo tão bem quanto eu poderia ter esperado. Talvez eu não fosse tão ruim em ser rainha como eu pensava. — Bellona e Andvari precisam se aliar um com o outro e com Unger também — continuei, tentando fechar o acordo que eu vim aqui para fazer. — Nossos três reinos precisam permanecer unidos, ou o rei Mortan invadirá nossas terras, matará nosso povo e nos conquistará um por um. Heinrich assentiu novamente. — Penso nessa aliança desde que descobri a verdade sobre a morte de Frederich. Você vir aqui e me mostrar o que aconteceu com meu filho só me deixa mais certo sobre o curso de ação que devemos tomar a seguir. — E que ação seria essa? O rei olhou para mim, seus olhos azuis tão frios e duros quanto lascas de gelo. Eu vi a mesma expressão no rosto de Sullivan mais de uma vez, especialmente quando ele seria particularmente difícil ou teimoso sobre alguma coisa. O que quer que ele quisesse de mim, Heinrich já havia decidido que ele entenderia – não importa o quê. Minha confiança

desapareceu, substituída por uma crescente

sensação de pavor, e fui novamente lembrada que eu era rainha por apenas alguns meses enquanto Heinrich governava há décadas. — Uma ação que melhor beneficia Andvari — respondeu ele. — Afinal, nós fomos os alvejados e massacrados, então somos nós que devemos parecer fortes agora, principalmente porque somos nós os mais próximos de Morta. Eu queria ressaltar que minha família foi abatida ao lado da dele e que Bellona e Unger também compartilhavam fronteiras com Morta, mas adotei uma abordagem mais diplomática. — O que você está propondo? — perguntei com uma voz cautelosa. — Um acordo simples — disse Heinrich. — Assinarei seu tratado e alinharei Andvari com Bellona e Unger... — Se?

O rei me deu um sorriso frio e tênue e gesticulou para o filho. — Se você se casar com Dominic.

Capítulo 13 Meu coração apertou, meu estômago caiu e um choque abrasou meu corpo como o raio de um mago. Eu? Casar com Dominic? De todas as coisas que Heinrich poderia ter dito, de todas as coisas que ele poderia ter proposto, de todas as coisas que ele poderia ter exigido, meu casamento com Dominic nunca passou pela minha cabeça. Talvez eu devesse ter esperado isso, dado o que aconteceu com Fullman e Diante em Seven Spire. Mas todos os andvarianos – incluindo Heinrich – foram tão hostis que eu mal tive esperança de um tratado, muito menos uma aliança maior e mais permanente. Certamente nunca pensei em casar com o filho do rei. Pelo menos, não esse filho. E eu estava dolorosamente consciente daquele outro filho, de Sullivan, sentado ao lado de seu pai, o mesmo choque nauseante em seu rosto que senti em meu próprio coração. Mais do que isso, eu podia sentir o cheiro da raiva quente e apimentada explodindo em ondas, já se misturando com pesar e resignação empoeirada. Sullivan pode ter ficado surpreso com a proposta de seu pai, mas ele já se preparava para minha resposta, e ele realmente pensava que eu concordaria com a ridícula demanda de seu pai. Ele realmente pensava que

eu diria sim sem lutar. E talvez o mais importante, ele realmente acreditava que eu seria cruel e sem coração o suficiente para me casar com seu irmão. Uma flecha de dor atingiu meu intestino que Sullivan pensava tão pouco de mim, mas minha própria raiva fria levantou-se rapidamente para congelar a dor. Raiva de Heinrich por ter lançado essa armadilha em mim na frente de uma sala cheia de pessoas. Raiva por ele exigir isso. Raiva por ele praticamente ordenar que eu fizesse isso, como se eu fosse um dos súditos dele, em vez de líder do meu próprio reino. Aparentemente, o pai pensava ainda menos de mim do que o filho. Por mais que eu quisesse ceder ao meu choque, mágoa e raiva, levantar e sair tempestuosamente da sala de jantar, forcei-me a ficar sentada e a manter o rosto calmo e vazio. Porque gostava ou não, eu era a Rainha de Bellona, e tinha um dever com o meu reino, meu povo, de pelo menos ouvir o que Heinrich tinha a dizer – por mais desagradável que fosse. Então eu me recostei na cadeira e juntei minhas mãos no meu colo, pressionando meus dedos um no outro para impedir que se enrolassem em punhos. — E o que eu tiraria desse casamento? — perguntei, tomando cuidado para manter minha voz firme e uniforme. Heinrich deu de ombros. — Você se casaria com Dominic aqui, em Glitnir, antes do final de sua visita. Então ele voltaria para Bellona com você. Olhei para Dominic, que encontrou meu olhar com um neutro. Seu rosto era tão calmo e inexpressivo como o meu, mas ele também cheirava a pesar mentolado e resignação empoeirada. Ele não gostava da ideia do pai, mas ele cumpriria seu dever pelo bem de seu reino. E depois havia Rhea. Seus lábios estavam pressionados em uma linha fina e apertada, e ela olhou para baixo da mesa em vez de olhar para mim, Heinrich, ou especialmente, Dominic. Ela também cumpriria seu dever, mesmo quando o cheiro de desgosto cinza se desprendia dela. Não entendo por que meu pai estava tão chateado por você vir para Glitnir... ele não queria que você viesse aqui. Rhea também não. — A voz de Gemma sussurrou em minha mente. — Mas meu pai não será feliz com Rhea. Meu avô quer que ele se case com outra pessoa. Eu os ouvi discutindo sobre isso outro dia.

Pensei que ela estivesse apenas compartilhando algumas fofocas suculentas. Eu nunca esperava que essa fofoca me envolvesse ou tantas outras pessoas nesta sala – ou que isso nos machucaria tanto. — Então, eu me casaria com Dominic antes do final da minha visita, e ele retornaria a Bellona comigo. — Repeti as palavras do rei para me dar mais alguns segundos para pensar. — E onde Gemma moraria? O olhar de Heinrich foi direto para a neta. — Aqui em Glitnir. Para não atrapalhar os estudos dela. O rosto de Gemma empalideceu e ela olhou do pai para o avô e de volta. Depois de vários segundos, quando ela percebeu que Heinrich falava sério, ela se concentrou em Dominic. Gemma abriu a boca, provavelmente para pedir ao pai para não ir, ou pelo menos levá-la com ele para Bellona, mas Dominic balançou a cabeça em um aviso claro e nítido. A princesa recostou-se na cadeira e abaixou a cabeça, mas não antes que eu visse o brilho de lágrimas nos seus olhos. Ela já havia perdido a mãe e não queria se separar do pai também. Meu coração torceu. Eu sabia quão horrível era perder seus pais, quão pequena, desamparada e à deriva isso fazia você se sentir. Eu não queria isso para ela. Eu não queria nada disso. — É uma proposta justa — disse Heinrich. — Dessa forma, nós dois conseguimos o que queremos. Eu não poderia culpar sua lógica. Um casamento real era uma das melhores maneiras de unir dois reinos. Cordelia tentou fazê-lo com Frederich e Vasilia, e agora Heinrich queria fazê-lo com Dominic e eu. O rei ficou em silêncio e todos voltaram sua atenção para mim, catalogando e analisando cada leve ascensão e queda do meu peito, toda mudança sutil do meu corpo, e especialmente toda expressão fraca que cintilou no meu rosto. Uma dura verdade me deu um soco no coração – que até agora eu estava apenas brincando de ser rainha. Lidando com os nobres e suas disputas mesquinhas, arrancando os guardas vira-casaca de Seven Spire, até sobrevivendo à tentativa de assassinato de Maeven. Todos esses ensaios foram apenas prática para esse momento, quando meus pensamentos, palavras e

ações realmente moldariam o que aconteceria com meu reino e o meu povo, talvez pelas próximas gerações. A coroa de estilhaços na minha cabeça nunca pareceu mais pesada. Ainda assim, fiquei em silêncio, tentando desesperadamente pensar, mesmo quando meu olhar passou de uma pessoa para outra, estudando suas reações, assim como eles ainda estudavam as minhas. Severo, confiante Heinrich. Tristes, resignados Dominic e Gemma. Rhea resoluta. Dahlia simpática. Helene, presunçosa e sorridente. Claro que ela ficaria feliz com isso. Eu não poderia ter um relacionamento com Sullivan se eu fosse casada com Dominic. Olhei além da mesa para meus amigos de pé ao longo da parede. Serilda, Cho e Alvis pareciam tão chocados como eu ainda me sentia, e Paloma estava com a mão na maça, como se estivesse pronta para agarrá-la e espancar quem tentasse me impedir de sair. Os lábios de Xenia estavam enrugados em pensamentos, assim como os do ogro em seu pescoço. Ela não ficou surpresa pela proposta, e provavelmente já estava pensando em como o meu sim ou não afetaria todos aqui, bem como nos reinos além. E, finalmente, havia Sullivan, que ainda estava sentado ao lado de seu pai. Eu não sabia exatamente o que ele estava pensando ou sentindo, já que ele olhava para a parede em vez de olhar para mim, mas um músculo tiquetaqueou em sua mandíbula como o ponteiro dos segundos de um relógio, e suas mãos apertaram os braços de sua cadeira, como se precisasse de algo sólido para se segurar, a fim de não desencadear o vulcão emocional borbulhando dentro dele. — Ouvi falar dos seus problemas com os nobres Bellonan — continuou Heinrich. — Como eles têm sido... menos do que satisfeitos com sua liderança. Casar com Dominic ajudaria muito a ganhar o apoio de seu próprio povo. Sim, sim, ajudaria. Fullman, Diante e os outros nobres talvez não quisessem que eu viesse a Andvari, mas até eles concordariam que me casar com o príncipe herdeiro era uma jogada astuta e vantajosa, especialmente devido a toda a riqueza e prosperidade que Dominic traria a Bellona na forma de novos acordos comerciais e similares. Todo esse dinheiro ajudaria a

acalmar a raiva dos nobres por eu não ter me casado com um deles, e dissiparia suas dúvidas sobre sua prosperidade contínua durante meu reinado. — Além disso, apresentaríamos uma frente totalmente unida aos Mortans — acrescentou Heinrich. — Não só agora, mas para as gerações vindouras. Mais choque tomou conta de mim, mas foi rapidamente abafado pela compreensão doentia. Heinrich falava sobre quaisquer filhos que eu pudesse ter com Dominic. Eu me forcei a estudar o príncipe herdeiro. Cabelo castanho escuro. Olhos azuis. Corpo forte e musculoso. Dominic era um homem bonito, e muitas mulheres provavelmente teriam ficado emocionadas em dormir com ele, mas a ideia me deixava com frio e nauseada. Ele não era quem eu queria. Ele nunca seria quem eu queria. Dominic conseguiu sorrir para mim, mas deve ter sentido meu desgosto porque a expressão desapareceu rapidamente. Voltei minha atenção para Heinrich. — Sua proposta certamente beneficiaria a ambos. Goste ou não, cada palavra que Heinrich havia dito era verdadeira. Casar com Dominic resolveria vários dos meus problemas mais imediatos e prementes. Iria apaziguar os nobres de Bellonan, me ajudar a proteger o trono, e unir nossos reinos contra os Mortans. Mas eu era um Bellonan e sabia jogar o longo jogo. Então eu pude ver como o casamento me beneficiaria agora – e quanto mais isso beneficiaria Heinrich e Andvari ao longo prazo. Heinrich já tinha dois herdeiros – Dominic e depois Gemma. Ele sacrificaria Dominic para mim e enviaria seu único filho legítimo e vivo para Bellona, mas manteria Gemma aqui em Glitnir e a prepararia para ser rainha de Andvari. Aparentemente, parecia uma troca simples – até você considerar qualquer filho que Dominic e eu tivéssemos. E essas crianças, bem, elas poderiam levar a outras possibilidades. Possibilidades muito sombrias e mortais.

— Bem? — perguntou Heinrich. — O que você diz, Everleigh? Vamos unir nossos reinos em casamento? Apesar de todas as minhas dúvidas, eu ainda considerava seriamente. Casar com Dominic poderia ser desagradável, assim como muitas outras coisas que eu fiz ultimamente e muitas outras coisas que faria como rainha. Pela primeira vez desde que assumi o trono, não procurei meus amigos em busca de orientação, apoio ou aprovação. Eu era a rainha e essa era minha decisão. Também tomei muito cuidado para não olhar para Sullivan novamente. Meus sentimentos por ele não poderiam ser um fator. Nem um pouco. Era sobre o que era melhor para Bellona, não para o meu coração. Pela primeira vez, tive uma noção do que realmente significava ser uma rainha Winter, e não se tratava de magia. Não, era sobre fazer as escolhas mais difíceis sob as circunstâncias mais difíceis para alcançar o bem maior. Inspirei e expirei, tentando desacelerar meu coração e acalmar meus nervos desgastados. Os nobres perfumes florais e colônias apimentadas enchiam meu nariz, junto com os aromas persistentes do jantar, mas havia outro aroma mais forte que me surpreendeu. Avidez azeda e suada, misturada com uma grande dose de desespero apodrecido – e vinha do rei. Eu olhei para Heinrich novamente e finalmente notei quão pálido e tenso estava seu rosto, apesar de sua expressão severa. Seus olhos azuis pareciam fracos e lacrimejantes também, e Dahlia continuava olhando furtivamente para ele, uma expressão preocupada em seu próprio rosto. Naquele momento, tomei minha decisão. — Não. Todo mundo ficou rígido, chocado com a minha recusa fria e direta, e aquele silêncio tenso e pesado caiu sobre o cômodo novamente. — Não — repeti com uma voz mais alta e forte —, eu não vou me casar com Dominic. Heinrich piscou algumas vezes, como se não tivesse certeza de ter me ouvido corretamente. Mas então minhas palavras afundaram e um rubor zangado varreu seu pescoço e inundou suas bochechas pálidas. — Talvez você deva reconsiderar, Everleigh. Afinal, você só é rainha há pouco tempo. Talvez

precise de mais tempo para refletir e realmente apreciar minha oferta generosa. Soltei uma risada pequena e amarga. — Oh, eu sou rainha há tempo suficiente para reconhecer uma armadilha. Embora, eu diria que a sua é uma das mais sutis e hábeis que já ouvi há muito, muito tempo. Mesmo os nobres de Seven Spire ficariam impressionados com isso, e acredite, eles não são facilmente deslumbrados. Os olhos de Heinrich se estreitaram. — Não sei o que você quer dizer. Apontei meu dedo para ele. — Você sabe exatamente o que eu quero dizer. O mesmo acontece com qualquer pessoa com meio cérebro. Você mantém Gemma aqui para ser sua rainha, enquanto meus filhos herdam o trono Bellonan. Mas eles também seriam seus netos, não é? E se algo infeliz acontecesse comigo, algum acidente trágico, bem, tenho certeza que o avô Heinrich ficaria mais do que feliz em dar um passo e criar meus filhos. Isso, em essência, daria a você não um, mas dois reinos. — Não era isso que eu tinha em mente — protestou ele. — Ah, acho que é exatamente o que você tinha em mente — retruquei. — Vasilia matou Frederich, e você quer vingança. Como você não poderia? Bellona levou seu filho para longe de você e agora você quer levar Bellona para longe dos Blairs, longe de mim. Não te culpo pelo seu desejo de vingança. Mas você não conseguirá o que deseja, e isso certamente não ajudará a proteger Andvari dos Mortans. Mais raiva manchou as bochechas de Heinrich de um vermelho ainda mais escuro e mais feio. — Se você não concorda em se casar com Dominic, então não haverá aliança entre Andvari e Bellona. Nem mesmo o menor acordo comercial. Dei de ombros. — Bem. Se é assim que você quer jogar este jogo. Heinrich bateu com a mão na mesa com força suficiente para fazer o chá escorrer da xícara. — Este não é um fodido jogo! Soltei outra risada, essa mais alta, mais severa e tingida com ainda mais amargura. — É tudo um fodido jogo. Eu sabia disso desde criança. Se você não percebe, não é tão inteligente como eu pensei que fosse.

— E você não é tão esperta quanto pensa — assobiou Heinrich. — Porque é assim que os negócios são feitos. Talvez você deva pedir a opinião de seus conselheiros antes de jogar fora tão imprudentemente minha oferta mais que generosa. Mais raiva fria tomou conta de mim e, desta vez, não tentei esconder. Coloquei meu cotovelo na mesa e me inclinei, olhando-o para baixo. — Não preciso consultar meus conselheiros. Eu sou a rainha. Encare isso, Heinrich. Você precisa de mim muito mais do que eu, e sua proposta cheira a desespero. Seus olhos azuis brilhavam de raiva. — Eu sou o Rei de Andvari, o reino mais rico deste continente. Não preciso da ajuda de ninguém, especialmente de alguma nobre humilde, sem dinheiro e sem magia, que só está no trono porque todos os outros parentes mais fortes estão mortos. As pessoas ofegaram com seus insultos, e suas palavras tão afiadas quanto uma espada mergulhando em meu coração. Heinrich acabara de expressar todas as minhas dúvidas e inseguranças, e todas as coisas que os nobres, os servos, e os guardas sussurravam nas minhas costas há meses em Seven Spire. Aquela incerteza doentia me encheu novamente e abaixei a cabeça, meio que esperando minha coroa cair e rolar para longe em concordância. Mas minha coroa não caiu – não se moveu. Ainda mais surpreendente, não parecia tão pesada como antes. De fato, pela primeira vez desde que a coloquei, parecia certa. Tudo o que Heinrich disse era verdade. Eu era apenas rainha por acaso, por acidente, mas eu era rainha. Não importava como eu chegara aqui, apenas o que fazia enquanto a coroa estava na minha cabeça. E isso significava sempre proteger Bellona e seu povo – e foder Heinrich e qualquer outra pessoa que fosse estúpida o suficiente para duvidar de mim ou tentar me impedir de cumprir meu dever como rainha. Mais dessa raiva fria me encheu, junto com forte e intensa confiança. Levantei minha cabeça e enquadrei meus ombros, me sentando ereta. Então sorri para Heinrich, mas não havia calor na minha expressão. — Você pode ter dinheiro, graças às suas minas de ouro e diamante, mas seu reino é pequeno, o que significa que sua população é pequena, o que

significa que seu exército é pequeno. E todos sabemos que o exército de Mortan não é pequeno. Os lábios de Heinrich se apertaram, mas ele não podia negar a verdade das minhas palavras, assim como não pude negar as dele. — Agora, você poderia usar parte de sua gloriosa riqueza para comprar legiões de mercenários para reforçar seu exército, mas os mercenários lutam apenas até o dinheiro acabar. O rei Mortan pode lançar seu exército em você por anos e lentamente suportar de suas próprias fileiras, juntamente com quaisquer mercenários, até que ele finalmente leve você à falência. Quando isso acontecer, os mercenários fugirão e Andvari ficará totalmente indefesa. Eu queria que o Capitão Auster estivesse aqui. Ele teria ficado tão orgulhoso de mim por finalmente colocar minhas lições de história militar em bom uso. Heinrich ficou olhando para mim e suas mãos se fecharam em cima da mesa, mas não terminei com ele. Não por um tiro longo. — Mais importante, seu reino é aquele que Morta invadirá primeiro, aquele que eles irão engolir primeiro, para obter toda a riqueza que você tanto se orgulha. E uma vez que os outros governantes virem isso acontecer, eu imagino que todos ficarão felizes em se aliar comigo. Fiz um gesto para Xenia, que ainda estava de pé ao longo da parede. — Lady Xenia é prima da rainha de Ungerian. Diga-me, Xenia: Você acha que sua prima seria mais propensa a se aliar com Bellona do que ao rei Heinrich? Xenia deu um passo à frente e balançou a cabeça, fazendo seu papel perfeitamente. — Claro, Majestade. Já falei com a rainha sobre uma aliança, a qual ela está ansiosa para fazer. Abaixei minha mão e recostei-me no meu lugar. — Uma aliança que não me custará nada, especialmente minha mão em casamento agora, e meu trono, vida e reino mais tarde. Então veja, Heinrich, você pode ter muita riqueza, mas no final, é tudo o que tem. Então, por que você não consulta seus conselheiros antes de jogar fora tão imprudentemente minha oferta mais que generosa. Meus insultos e demandas foram entregues, levantei-me, joguei meu guardanapo sobre a mesa e saí da sala de jantar.

*** Andei a passos largos pelo corredor, a raiva fria ainda correndo pelas minhas veias. Que cego, teimoso e idiota era Heinrich. Por que tentar me forçar a um casamento que nem seu filho, nem eu queria? Por que não se aliar comigo diretamente? Ele não viu que eu tentava fazer o que era melhor para Andvari e Bellona? Não percebeu que Morta era a verdadeira ameaça para nós, assim como para nosso povo? Mas eu supunha que isso não importava mais. Mais uma vez, eu deixei meu temperamento tirar o melhor de mim, e provavelmente insultei Heinrich demais para ele considerar qualquer proposta que eu pudesse fazer agora. Ao invés de ser uma boa rainha, uma rainha sábia e ajudar meu reino, eu simplesmente estraguei as coisas ainda mais. Eu não era uma mera pretendente – era um fracasso épico, puro e simples. Em momentos como esse, eu sentia muita falta da vida no Cisne Negro. As coisas na tropa de gladiadores eram preto e branco, mais ou menos, com apenas alguns tons de cinza. Trabalhar, treinar, lutar na arena. Simples, limpo, brutal. Ser rainha não era nada disso – exceto brutal – e havia tantos malditos tons de cinza que eu esqueci como preto e branco, errado e certo, fodidamente se pareciam. Fiquei com tanta raiva que não prestei atenção aonde ia e acabei em uma enorme biblioteca. As estantes do chão ao teto, cheias de livros, cobriam as paredes e se estendiam três andares até teto redondo e abobadado feito de vidro preto, branco e cinza que formava um rosto de gárgula. Um fogo estalava alegremente na lareira na parede, afastando um pouco do frio gelado, enquanto poltronas e cadeiras estavam espalhadas pelo resto da biblioteca, junto com mesas cobertas com livros e mapas. Eu deveria ter me virado e tentado encontrar meu caminho para meus aposentos, mas eu ainda estava com muita raiva para fazer isso, então caminhei até a parede oposta, feita de vidro e com vista para o Edelstein Gardens.

Eu não sabia quanto tempo fiquei lá, olhando para a noite escura e sombria, mas, eventualmente, passos soaram atrás de mim. Respirei fundo e um aroma familiar encheu meu nariz – baunilha misturada com especiarias. Suspirei de alívio. Sullivan estava aqui. Abri minha boca e me virei para falar uma saudação, mas as palavras morreram nos meus lábios. Porque Sullivan não estava na biblioteca – Dominic estava. — Posso entrar? — falou ele em voz baixa e cautelosa. Dei de ombros. — É a sua biblioteca. Ele caminhou até mim e, juntos, olhamos através do vidro. Lá fora, vários postes de fluorestone queimavam ao longo dos caminhos de paralelepípedos, tingindo as folhas metálicas das árvores em um ouro suave e brilhante. Mas logo me cansei de admirar a vista e estudei Dominic pelo canto do olho. Dominic parecia assustadoramente com Sullivan, mas ele era mais alto e mais magro que seu irmão mais novo, e o seu cheiro era mais tempero quente do que baunilha fria. Mas a diferença real era que ele não trazia um sorriso ao meu rosto ou fazia meu coração tropeçar em si mesmo como Sullivan sempre fazia. E ele nunca, jamais fria. — Sinto muito pelo meu pai — disse Dominic. — Não o vejo perder a paciência assim há muito tempo. Desde o dia em que percebeu que Sullivan havia deixado Glitnir. Sua escolha de tema me surpreendeu, mas decidi jogar junto. — E por que seu pai se importa tanto com isso? — perguntei. — Sullivan não é o príncipe herdeiro; ele não é o herdeiro. Não é como se você tivesse fugido e se juntado a uma tropa de gladiadores. Um leve sorriso curvou os lábios de Dominic. — Verdade. Mas como você viu no jantar, meu pai está acostumado a conseguir o que quer, e ele queria que Sullivan se casasse com outra família nobre andvarian. Todos nós amamos Sullivan, e todos sentimos pena dele quando Helene cancelou o noivado. Ele deveria ter ficado aqui. Nós poderíamos ter lhe ajudado através de sua dor no coração.

E essa foi provavelmente outra razão pela qual Sullivan foi embora. O mago orgulhoso não gostaria que alguém tivesse pena dele, especialmente não o seu próprio irmão. — Mas talvez as coisas finalmente funcionem para Sullivan e Helene agora que ele voltou para casa — continuou Dominic. — Seria bom se alguém por aqui finalmente conseguisse o que quer. Ele olhou para os jardins com uma expressão calma, mas não conseguia disfarçar a amargura que tingiu sua voz. — E o que você quer, Dominic? — Pedir desculpas pelo meu pai — repetiu. — E explicar. Meu pai não está... bem. A morte de Frederich e, em seguida, temer que Gemma também estivesse morta – tudo isso causou um grande prejuízo para ele. Pensei no rosto pálido e tenso de Heinrich e nos olhos frios e lacrimejantes. Pela primeira vez, senti um pouco de simpatia pelo rei. Perder o filho obviamente havia quebrado seu coração, e ele estava tentando lidar com sua tristeza e proteger seu povo da ameaça maior de Mortan ao mesmo tempo. Não é à toa que ele não estava bem. — Frederich era o mais novo — disse Dominic. — Ele sempre foi o mais leve, o mais feliz de nós, sempre jogando de pacificador entre Sullivan e eu, sempre rindo e brincando. Frederich era o favorito do papai por causa disso. Ele era o favorito de todos por causa disso, e sentimos sua falta terrivelmente. E então ver exatamente o que aconteceu na pedra da memória, como Vasilia apenas... Bem, eu não acho que ajudou meu pai. Não realmente. Certamente não me ajudou. Seus olhos escureceram, seu rosto escureceu e seus ombros caíram. O cheiro de tristeza cinzenta soprava dele, junto com um forte sentimento de culpa de alho. Fiz uma careta. O que ele tinha para se sentir culpado? — Mas talvez o pior seja que parte de mim está feliz por Frederich ter morrido — disse Dominic em voz baixa e áspera. — Melhor ele do que Gemma. Melhor meu irmão que minha filha. Quando pensei que ela se foi, quando pensei que ela estava morta...

Sua voz sumiu e ele não conseguiu terminar seu pensamento terrível. Ele esfregou a mão no rosto, mas o movimento não escondeu a angústia em seus traços. — Meu pai perdeu o filho, mas eu fiquei com minha filha. E estou feliz com isso – mais feliz do que você poderia imaginar. — Ele fez uma careta. — Isso me faz uma pessoa horrível? — Não — respondi com uma voz suave —, isso apenas te torna humano. Fiquei feliz por ter sobrevivido ao massacre, mesmo que todo mundo tenha morrido. Ainda estou feliz por estar viva. E culpada. E confusa. E me perguntando por que eu vivi. Por que eu, em vez de outra pessoa? Dominic não respondeu. Nenhum de nós tinha uma resposta para isso. — Não era minha intenção causar mais dor a você, seu pai ou Rhea, mostrando a pedra da memória — falei. — Sinto muito por tudo o que aconteceu com você e sua família. Verdadeiramente, realmente sinto muito. Por impulso, estendi a mão e coloquei-a em seu ombro. Dominic pareceu surpreso com o gesto e se virou para mim, seu olhar travando no meu. Cabelo castanho escuro. Olhos azuis. Feições fortes e bonitas. Mais uma vez, fui lembrada de como ele era estranhamente parecido com Sullivan, até na magia relâmpago que eu senti percorrendo seu corpo. De certa forma, Dominic era ainda mais bonito que seu irmão mais novo. Seu corpo era mais alto, seus ombros eram mais largos, o nariz era mais reto. Mas a proximidade dele não fez meu coração gaguejar, minha respiração não ficou presa na garganta ou meu corpo zumbiu com desejo. E talvez o mais importante de tudo, ele não me olhou com a mesma intensidade feroz que Sullivan sempre fazia, como se quisesse me abraçar e me devorar ao mesmo tempo. — Você tem olhos adoráveis — disse Dominic em voz baixa e rouca, estudando meu rosto. — Sempre ouvi sobre os olhos de Blair, os olhos de tearstone. Eles realmente são azul acinzentado, como as pessoas dizem. Apesar dos seus parecerem mais azuis agora, tão escuros quanto os cacos de tearstone em sua coroa.

Fiz uma careta ao lembrar que eu ainda estava usando a coroa, embora devesse estar agradecida por ela não ter caído quando saí da sala de jantar. — Você diz a todas as mulheres que encontra nas bibliotecas como seus olhos são bonitos? — Talvez fosse o brilho quente e romântico da lareira, ou o fato de que as pontas dos meus dedos ainda estavam apoiadas em seu ombro, ou sua semelhança com seu irmão, mas minha própria voz saiu um pouco mais rouca do que eu esperava. Um sorriso provocador curvou seus lábios. — Apenas aquelas que se recusam a casar comigo. Soltei uma risada, e um pouco da tensão entre nós diminuiu. Afastei minha mão do ombro dele, mas Dominic continuou me olhando, e eu fiz a mesma coisa com ele. Confissões emocionais à parte, eu era uma rainha, e ele era um príncipe, e nós dois estávamos tentando nos entender... Mais passos soaram, e eu me virei, esperando encontrar Paloma com a maça na mão. Mas mais uma vez, eu estava errada. Paloma não estava aqui. Sullivan estava. Ele estava ao lado da lareira. Sua boca estava aberta, como se fosse me chamar, mas seu queixo cerrou ao me ver tão perto de Dominic nas sombras escuras e sonhadoras. Eu sabia como era, o que Sullivan pensava que era. Eu podia ver a dor brilhando em seus olhos e cheirar sua raiva apimentada por todo o caminho. — Eu vim para te encontrar, alteza — rosnou. — Para me desculpar por como meu pai a tratou, mas vejo que Dominic já me venceu. Parece que ele está fazendo um trabalho admirável em consolá-la. Então, novamente, seu apelido é Príncipe Encantado. — Sully, espere... Ele se virou e saiu da biblioteca. Suspirei. Eu não o culpava por isso, ou por tirar conclusões. Mas tive outra surpresa doentia quando Sullivan marchou para o corredor. Ele não veio aqui sozinho. Helene estava do lado de fora da biblioteca, junto com Rhea. A julgar pelas expressões delas, as duas mulheres viram e ouviram tudo.

Helene me estudou por um momento. Então seus lábios se vincaram em um sorriso malicioso, e ela seguiu Sullivan. Rhea olhou para mim, depois se concentrou em Dominic. Um músculo bateu em sua mandíbula, e ela também deu a volta e se afastou, indo na direção oposta de Sullivan e Helene. Dominic e eu ficamos em silêncio por alguns segundos, ouvindo o som de seus passos desaparecendo. — Acho que isso não poderia ter sido pior — murmurei. — É claro que poderia ter sido pior — disse Dominic. — Sullivan poderia ter me explodido com seu raio, ou Rhea poderia ter me apunhalado com sua espada. Ou ambos. Bufei. — Acho que nós dois sabemos que eu sou a única que Rhea quer esfaquear. Nós olhamos um para o outro. Os lábios de Dominic se contraíram e ele riu. Sim, eu também. Melhor rir do que chorar, especialmente dada essa trágica comédia de erros e mal-entendidos. — Você parece se importar muito com Lucas — disse Dominic depois que nós paramos de rir. Não havia por que negar. — É tão óbvio? — Somente para todos — brincou. Revirei os olhos. Se ele fosse outra pessoa, eu teria dado um soco no braço dele, mas eu já estraguei bastante as coisas hoje à noite sem agredir o príncipe herdeiro. — Eu poderia dizer a mesma coisa sobre você e Rhea. Ele suspirou. — É tão óbvio? — Somente para todos — provoquei. Dominic sorriu um pouco com isso, mas não riu novamente. Ele não podia, e eu também não. — Quanto tempo? — perguntei. — Não sei exatamente. Fiquei arrasado quando Merilde, minha esposa, morreu, dois anos atrás. Rhea era a melhor amiga de Merilde, e nos ajudamos a lidar com a perda dela. Eventualmente, um dia, eu apenas... notei Rhea de uma maneira que eu nunca vi antes. E você e Lucas?

Dei de ombros. — Eu entrei na casa dele e roubei seu casaco, junto com um dos travesseiros dele. Ele me achou dormindo no canto na manhã seguinte. Não preciso dizer que ele não estava satisfeito. — Aposto que ele não estava. Lucas nunca gostou de alguém entrando em seu quarto ou pegando suas coisas sem perguntar, nem mesmo os brinquedos dele quando éramos crianças. Dominic sorriu novamente com essas lembranças, mas a expressão calorosa desapareceu rapidamente de seu rosto. — Mas não podemos pensar em Lucas ou Rhea. — Não, não podemos — sussurrei. — Não, não podemos. Ficamos ali em silêncio por um momento antes de Dominic pigarrear, mudando de assunto. — Você deveria pensar na proposta do meu pai. Recuei de surpresa. — Sobre me casar com você? Ele assentiu. — Você não me conhece, mas nós dois queremos a mesma coisa: proteger nossos reinos de Morta. Juntos, acho que podemos fazer isso. Respirei fundo, sentindo o cheiro dele, que estava cheio de veracidade da lima. Ele realmente queria proteger seu povo – e o meu – dos Mortans, e ele faria o que fosse necessário para isso acontecer. Eu admirava sua determinação e sua vontade de cumprir seu dever, mesmo que ele estivesse condenando a ambos no processo, junto com Sullivan e Rhea. Um leve sorriso curvou seus lábios. — Além disso, você parece agradável, e posso ser bastante encantador, caso você não ouviu. Acho que nos daríamos bem o suficiente. — Ah, sim. Eu ouvi isso sobre você, mas encantador só vai tão longe quando você está falando sobre casamento. Ele fez uma careta e seu sorriso desapareceu lentamente. — É verdade. Eu deveria voltar para a sala de jantar e verificar meu pai e Gemma. — Ele hesitou. — Somente... pense no que eu disse. Por favor, Everleigh? — Eu vou. — Fiz uma pausa. — E suponho que devo me retirar para meus aposentos antes de começar mais brigas esta noite.

Ele sorriu com o meu humor negro. Eu sorri para ele e, juntos, viramos para sair. Demos apenas alguns passos quando uma mulher loira entrou correndo na biblioteca. Por um momento, pensei que ela era um dos guardas do palácio. Mas a cabeça estava baixa, escondendo o rosto, e ela estava se movendo muito mais rápido que o normal. Mas o que realmente chamou minha atenção foi o fato de que sua espada estava apertada na mão em vez de no coldre no cinto. Vários outros guardas a seguiram até a biblioteca, cortando minha saída e a de Dominic. Respirei fundo. Todos os guardas cheiravam a suor azedo e nervoso, juntamente com a tensão do vinagre e um forte cheiro de magia. Eu já havia sentido essa combinação de aromas – nos guardas viracasaca que passeavam pelos corredores de Seven Spire no dia do massacre real. — Guardas? — Dominic chamou com uma voz confusa. — Algo está errado? Ele foi em direção à loira, mas eu agarrei seu braço, parando-o. — Esses não são seus guardas — disse eu. A mulher levantou a cabeça e foi quando eu percebi que ela tinha uma característica familiar – olhos ametistas. Ela sorriu, depois girou a espada na mão e avançou sobre nós. Os homens ao seu redor sacaram suas armas e fizeram o mesmo. Eles eram assassinos de Mortan – e estavam aqui para me matar.

Capítulo 14 Dominic estava lá, seus olhos arregalados, congelado no lugar, como se não pudesse acreditar que estava sendo atacado em seu próprio palácio. Eu poderia ter dito a ele que isso não era sobre ele e que Maeven enviara esses assassinos para me matar, já que ela não conseguiu em Seven Spire, mas não tive chance. Liderados pela mulher loira, os assassinos avançaram sobre nós, uma linha sólida de intenções mortais. No começo, me perguntei por que eles não avançavam, mas então percebi que eles estavam tentando nos prender contra a parede de vidro para que pudessem mais facilmente nos cortar em pedaços. Puxei Dominic para trás. Isso tirou o príncipe da surpresa e ele levantou a mão, um relâmpago azul escuro brilhando na ponta dos dedos. Aplaudi-me silenciosamente por não deixar Calandre me convencer a usar um vestido e puxei minha espada da bainha no meu cinto. — Você pega os da esquerda — murmurei. — Vou pegar os da direita. Não deixe que eles te prendam contra qualquer coisa. Sempre continue em movimento. Você para de se mover e está morto. Dominic assentiu e pegou ainda mais relâmpagos. Levantei minha espada mais alto e foquei no assassino mais próximo de mim, o tempo todo ouvindo as faixas de abertura da música fantasma que sempre tocava na minha mente sempre que eu estava em uma luta.

Então, com um pensamento, todos atacaram. Três assassinos convergiram para mim, gritando e balançando suas espadas. Esquivei do primeiro assassino, depois do segundo, mas o terceiro era um simplório com velocidade mágica, e mal consegui evitar o golpe forte e rápido. Ele era definitivamente o mais perigoso dos três homens, então, em vez de me afastar, eu girei, aproximei de seu corpo e agarrei seu pulso. E então eu o atingi com minha imunidade. Eu poderia não ter meu escudo de gladiador amarrado ao meu braço, mas de certa forma, minha imunidade era melhor do que qualquer escudo, e imediatamente apagou sua magia de velocidade. Ainda era estranho invocar ativamente meu poder em vez de escondê-lo, mas algo sobre empunhar minha magia como arma também parecia extremamente, satisfatoriamente certo. O assassino deve ter tido força melhorada também, porque a ponta da espada mergulhou no chão, como se a arma estivesse subitamente pesada demais para manejar. Ele lutou para levantar a lâmina, não entendendo por que sua magia desapareceu repentinamente. Soltei seu pulso, girei e cortei minha espada em seu peito. O sangue do assassino salpicou por todo o lado, mas acolhi o calor úmido e ardente no meu corpo e o forte e acobreado fedor no meu nariz. Essas duas coisas me disseram que ele estava morrendo e eu não. O assassino gritou e caiu no chão. Passei por cima do seu corpo se contorcendo e procurei o próximo inimigo a lutar. O primeiro assassino gritou e atacou novamente. Eu me abaixei para o lado no momento em que sua arma veio assobiando. Ele estava mais perto do que eu imaginava, e sua lâmina cortou a borda da minha túnica, expondo a pulseira de prata no meu pulso direito. Fiz uma careta. Calandre não ia gostar de arruinar seu bordado chique, mas imaginei – esperava – que ela gostasse ainda menos se eu morresse, então, mais uma vez, ataquei com minha espada, acertando o estômago do assassino. Ele também gritou e cambaleou para trás em uma das mesas, saltando e caindo de joelhos. Aquele assassino também estava sangrando, então arrisquei um olhar rápido para Dominic.

O príncipe herdeiro lançou uma grande bola de raio azul em um dos assassinos à sua frente. O assassino tentou evitar a explosão, mas o raio bateu em seu ombro, fazendo-o gritar e cair no chão. Sua espada caiu dos dedos carbonizados e enegrecidos e todo o braço direito agora era uma casca de carne derretida e borbulhante. O cheiro de cabelo chamuscado e pele queimada encheu meu nariz, dominando o sangue. Ouvi dizer que Dominic era um mago poderoso, mas não percebi que ele era quase tão forte quanto Sullivan. Dominic rosnou e jogou uma bola de raio em outro assassino avançando sobre ele. Aquele assassino evitou a explosão e balançou a espada contra Dominic, mas o príncipe evitou o golpe, girou para o lado e deu um soco no outro homem, fazendo sua cabeça recuar. Então Dominic arrancou a espada da mão daquele homem, virou-a e esfaqueou a lâmina no peito do assassino. Aquele homem também caiu no chão gritando. E foi tudo o que vi antes que outro assassino viesse até mim. Este homem viu o que eu fiz com os outros dois, então ele não avançou de forma imprudente. Em vez disso, seus olhos se estreitaram e ele estudou tudo em mim, assim como eu estava fazendo com ele. Enquanto nos circulávamos, aquela música fantasma começou a tocar mais alto e mais rápido em minha mente. O assassino se aproximou para atacar, e deixei as notas me varrer. A música tocou e tocou, e minhas mãos e pés se moveram no ritmo da batida enquanto eu executava perfeitamente os movimentos, os passos que eu precisava para permanecer viva e matar meu inimigo. Esquerda, direita, girar para um ataque... Esquerda, direita, evitar o contra-ataque... E assim continuou, até que o assassino levantou a espada um segundo tarde demais e passando por suas defesas, eu enterrei minha arma em seu estômago. O homem gritou e eu torci a lâmina mais fundo. Ele gritou novamente e puxei a espada do seu estômago, empurrando-o para longe. Ele se juntou aos outros dois assassinos que eu já matei.

Minha cabeça virou para a esquerda e para a direita, procurando por mais inimigos para lutar. E eu os encontrei – todos reunidos em torno de Dominic. Restavam quatro assassinos, junto com a mulher que os trouxe até aqui, e eles encurralaram o príncipe entre a lareira e a parede de vidro. Com uma mão, Dominic brandia sua espada roubada para eles. No outra, ele segurava uma bola de relâmpago, pronto para atirar em quem o atacasse primeiro. Os assassinos estavam tão determinados a matar o príncipe que não perceberam que eu ainda estava viva. E de repente percebi que vencer essa batalha não era a única coisa que eu precisava fazer – eu também precisava proteger o príncipe. Porque se eu sobrevivesse a essa tentativa de assassinato e ele não, então eu duvidava que sairia de Glitnir viva, rainha ou não. Os nobres diriam que Vasilia havia matado Frederich e que eu viera aqui e matara Dominic. As pessoas gritariam por sangue – meu sangue – e sem dúvida Heinrich ficaria feliz em dar isso a eles. Maeven montou uma armadilha inteligente. Matar Dominic e depois deixar os Andvarians me matar seria quase tão bom quanto me matar. Aumentei meu aperto na minha espada. Isso não aconteceria. Nada disso. Dominic me viu esgueirando atrás dos assassinos. Ele virou os olhos para a direita, me dizendo para me concentrar nos homens desse lado. Eu assenti, depois levantei minha espada e corri. Na minha frente, os assassinos atacaram Dominic, que atingiu um deles no rosto com um raio. Aquele homem caiu no chão, gritando e arranhando seus olhos ardentes e pele derretendo, mas os outros assassinos continuavam avançando para o príncipe. O assassino na minha frente ergueu sua arma, mas diminuí a distância entre nós, agarrei seu ombro e o puxei para mim – e a ponta da minha espada. A arma mergulhou no seu lado, fazendo-o gritar. Torci a lâmina mais fundo, então a puxei e o empurrei. Outro assassino girou em minha direção, mas eu já estava indo até ele, e cortando minha espada em seu peito, segui em direção a Dominic.

O príncipe atacou o homem restante com seu raio, depois encarou o assassino final – a mulher loira. Ela esteve recuando durante a luta, mas agora não havia ninguém entre ela e Dominic. Ele gritou e ergueu a espada, mas a mulher levantou as mãos e uma onda de ar saiu de suas mãos e bateu no príncipe, jogando-o contra a parede. Meus olhos se arregalaram. Ela não era uma assassina simplória comum – ela era uma maga do tempo que estava apenas esperando o momento certo para desencadear sua magia. A cabeça de Dominic bateu contra a parede, quebrando o vidro e deixando um spray de sangue nele. Sua espada caiu da mão e ele bateu no chão ao lado dela. Medo apertou meu peito e, por um momento, pensei que ele estivesse morto. Então Dominic soltou um gemido baixo de dor e lentamente se apoiou nas mãos e joelhos, embora estivesse claramente atordoado. Um sorriso maligno se espalhou pelo rosto da maga, seus olhos se iluminaram com poder e uma bola de raio roxa estalou em vida na palma da mão. Ela estava muito perto para errar, e Dominic não seria capaz de evitar o ataque ou afastá-la com sua própria magia. Eu corri nessa direção, com a mão livre estendida na minha frente, mesmo sabendo que seria tarde demais para diminuir a distância entre nós e que eu não seria capaz de tocar a maga a tempo de extinguir sua magia e impedi-la de matar Dominic. — Não! — gritei. A maga virou para mim. Seus olhos eram do mesmo roxo elétrico assustador que Libby tinha e o cheiro cáustico de sua magia também era o mesmo. Ela era outro membro da Brigada Bastarda. Por uma fração de segundo, pensei – esperava – que a maga jogasse seu raio mortal em mim em vez de no Dominic, já que ele já estava caído no chão, e eu ainda estava de pé e era a maior ameaça. Mas em vez disso, ela girou, determinada a matá-lo primeiro.

Desesperada, tirei minha adaga do cinto e joguei contra ela, mas correr estragou minha pontaria, e a lâmina navegou largamente e bateu em uma estante de livros em vez de nas suas costas. A maga não pareceu notar minha adaga voadora. Ela alcançou ainda mais sua magia, e o raio na palma da mão ardeu maior e mais brilhante. Eu me forcei a correr ainda mais rápido e esticar minha mão livre o máximo possível, esperando que eu pudesse pelo menos colocar um dedo nela. Uma pequena ponta do dedo em sua pele era tudo que eu precisava para liberar minha imunidade e estrangular sua magia. Eu ainda não estava perto o suficiente para tocá-la, mas algo estranho aconteceu. Sua magia desapareceu de qualquer maneira. Bem, talvez desapareceu não fosse a palavra certa. O relâmpago roxo crepitando na palma da mão vacilou, apenas por um momento, como se fosse uma chama de vela sendo ameaçada por uma forte rajada de vento. Surpresa, a maga olhou para sua mão, como se não soubesse o que havia de errado com seu poder. Eu também não sabia o que havia de errado com o poder dela e não me importava. Seu segundo de hesitação me deixou diminuir a distância entre nós e eu a afastei de Dominic e caí no chão. A maga gritou, e seus raios voaram de sua mão e bateram no meu peito. Eu gritei de dor e surpresa, e eu não conseguia impedir minhas mãos, braços e pernas de convulsionar quando o raio chiou através do meu corpo. Seu poder era tão forte que arrancou a espada de tearstone da minha mão e a arma deslizou pelo chão fora de alcance. A maga percebeu que tinha a vantagem e colocou a mão em volta do meu pulso direito e enviou outra onda de magia queimando através de mim. Desta vez, o cheiro horrível do meu próprio cabelo chamuscado e carne queimada encheu meu nariz, e eu podia sentir minha pele queimando, queimando, queimando pelo seu intenso poder. Não bastava que os membros da Brigada Bastarda estivessem determinados a me matar. Ah, não. Cada um deles também tinha que ser um maldito mago que queria me incinerar com a porra do relâmpago deles.

Eu estava realmente começando a odiar a família real Mortan, bastardos e tudo. A maga me deu choques repetidamente. O resto da biblioteca sumiu e tudo o que podia ver, ouvir, sentir, cheirar era seu maldito raio roxo atingindo o meu corpo. Tentei lutar contra isso, tentei recuar contra a magia dela com minha própria imunidade, mas eu não conseguia nem recuperar o fôlego por tempo suficiente para gritar entre os raios, muito menos agarrar o meu próprio poder. Sua magia estava a segundos de superar completamente minha imunidade e me queimar como uma batata frita carbonizada... De repente, a maga soltou um grito de raiva e voou para trás, para longe de mim. Por um momento, não entendi o porquê, mas então o cheiro de baunilha fria com apenas uma pitada de especiarias girou pelo ar, dominando todo o resto, e uma explosão de raios azuis atravessou o ar acima da minha cabeça. Meu coração acelerou. Sullivan. Ele avançou, seu casaco cinza comprido estalando ao redor das pernas e se colocou entre a maga e eu. Enquanto a outra mulher se levantava, Sullivan olhou para baixo, certificando-se de que eu ainda estava viva. Raiva assassina encheu seu rosto, e seus olhos brilhavam como safiras eletrificadas. Sem dizer uma palavra, ele se concentrou na maga de Mortan, levantou as mãos e a atingiu com um raio novamente. A maga do tempo era forte, mas Sullivan era mais forte, e ele cortou as defesas dela e a jogou no chão, atingindo-a com seu raio azul. A maga gritou e convulsionou como eu. Por alguns segundos, tudo o que pude fazer foi ficar quieta e respirar fundo uma e outra vez, tentando diminuir a velocidade do meu coração e impedir a contração muscular em meus braços e pernas. O tempo todo, Sullivan continuou acertando a maga com seu poder, como se ele nunca quisesse parar de machucá-la por como ela me machucou. E percebi que Sullivan não pararia – não até que ele a matasse. Por mais que eu quisesse que a maga sofresse pelo que ela fez comigo, e Dominic também, sua morte não me daria respostas sobre Maeven. Então,

eu me forcei a rolar em minhas mãos e joelhos e depois cambaleei para os meus pés. Eu tropecei e agarrei o braço de Sullivan. — Pare! — falei, embora minha voz saísse baixa e rouca, já que minha garganta estava um pouco queimada, junto com o resto de mim. — Sully, pare! Precisamos dela viva! Sullivan olhou para mim, um raio azul perigoso estalando em seus olhos, como aquele ainda sibilando e cuspindo na ponta dos dedos. Aumentei meu aperto em seu braço. — Por favor — murmurei. Seu olhar traçou meu rosto, como se ele estivesse checando duas vezes para ter certeza de que eu estava realmente de pé ao lado dele, e não uma casca queimada e morta no chão. Ele estremeceu, soltou seu poder, e deixou cair as mãos para os lados, embora a fumaça azul clara flutuasse das pontas dos seus dedos, trazendo o perfume inebriante de baunilha junto com ela. Eu queria dar um passo à frente, enterrar meu rosto em seu pescoço e apenas respirar aquele perfume – o cheiro dele – repetidamente, até apagar tudo o que acabara de acontecer. No chão, a maga finalmente parou de gritar, embora seus braços e pernas continuassem em convulsão, enquanto os últimos traços do poder de Sullivan passavam por seus músculos. Ela finalmente recuperou o fôlego, sentou-se, e olhou para nós com olhos cheios de ódio. — Seus idiotas — zombou. — Vocês realmente acham que podem parar a Brigada Bastarda? Vocês realmente acham que podem parar o poder de Morta? Vocês podem ter frustrado esta noite, mas continuaremos chegando e vindo até que todos vocês estejam mortos. Vocês me ouviram? Vocês já estão mortos! Todos vocês! Vocês simplesmente não sabem... Avancei e chutei a maga na cara. Seu nariz quebrou com um ruído alto e satisfatório sob a ponta da minha bota, sua cabeça estalou para trás e ela caiu no chão. Pairei sobre ela, certificando-me de que ela estava realmente inconsciente. Bom. Eu não queria mais ouvir o vangloriar dela. — Alteza! — disse Sullivan. — Você está bem?

Limpei o suor da testa com uma mão trêmula. — Mais ou menos. E Dominic? Olhei para o príncipe herdeiro, que ainda estava encostado na parede de vidro. Os olhos dele pareciam desfocados, mas ele estava piscando, e acenou frouxamente com o som de seu nome. — Você não está bem — disse Sullivan. — Você está machucada. Ele gentilmente segurou o que restava da manga da minha túnica e levantou meu braço onde nós dois poderíamos ver. Imediatamente desejei que ele não tivesse feito isso, já que todo o meu braço direito era uma bagunça de carne, exceto por um anel de pele lisa e perfeita em volta da minha pulseira. Mesmo agora, eu ainda podia sentir o poder frio pulsando através da ponta da coroa. Estremeci. Aqueles sete estilhaços de tearstone azuis foram as únicas coisas que impediram a maga de me queimar viva. Mas ainda era uma lesão horrível e dolorosa, e os raios da maga continuavam estalando através da minha pele como se nunca fosse parar. Respirei fundo, e o aroma acre da minha própria carne queimada encheu meu nariz novamente. Dada a minha magia de simplória, eu podia literalmente cheirar minha pele derretendo, derretendo, derretendo. Meu estômago revirou. Forcei a bile amarga subindo na minha garganta, mas estrelas brancas e cinza começaram a piscar na frente dos meus olhos. — Evie! — disse Sullivan. — Evie! Ele quase nunca me chamava de Evie, o que tornava ainda mais especial quando o fazia. Comecei a lhe dizer o quanto eu amava o som do meu nome em seus lábios, mas aquelas estrelas brancas e cinza escureceram em um preto ameaçador. Por mais que eu tentasse, não conseguia impedir aquelas estrelas negras, e o rosto preocupado de Sullivan foi a última coisa que vi antes que a escuridão me puxasse para longe dele. ***

Mãos agarraram meus ombros, me puxando para longe do corpo do meu pai. Enterrei meus pés no chão e estendi minha mão, mas não consegui alcançá-lo. Um soluço subiu na minha garganta, mas não importava que eu não pudesse alcançá-lo. Meu pai estava morto. As mãos me afastaram daquela visão horrível, mas fui recebida por outra – o rosto de pânico da minha mãe. — Fique atrás de mim, Evie! — gritou ela, embora eu mal pudesse ouvila sobre os gritos e berros enchendo a sala de jantar. Tudo o que eu pude fazer foi assentir. Minha mãe tentou sorrir, mas suas feições se contorceram de preocupação, e ela me empurrou contra a parede. Minha posição me deu uma visão clara da sala de jantar, embora eu desejasse que não acontecesse, já que todos estavam gritando, berrando, brigando e morrendo. Os Mortans escolheram o momento perfeito para atacar, e pegaram todo mundo de surpresa. Nossos guardas levantaram suas espadas e avançaram, tentando expulsar os invasores, mas os Mortans continuaram indo e vindo, como ondas batendo em uma praia, e eles cortavam nossos homens um a um. Um guarda realmente atravessou a linha mortal de Mortans e correu em direção ao mago na capa roxa meia-noite. O capuz da mulher estava levantado, escondendo grande parte do rosto, mas pude ver seus lábios. Eles foram pintados de um roxo escuro, quase preto, e curvava com prazer por todo o caos, morte e destruição. O guarda gritou, ergueu a espada e atacou a mulher, que observava-o avançar com a mesma expressão divertida. Logo antes que o guarda a cortasse, a mulher casualmente sacudiu os dedos, enviando mais de suas pedras de granizo afiadas e mortais girando em sua direção. As pedras de granizo perfuraram o peito do guarda, matando-o onde ele estava, e ele caiu no chão sem som. Outro soluço estridente subiu na minha garganta, junto com mais bile, mas engasguei os dois. A maga do tempo deve ter sentido meu olhar horrorizado, porque ela olhou para mim. Eu ainda não conseguia ver seu rosto, mas seus lábios roxos

recuaram em um sorriso mais amplo, expondo seus dentes brancos, e ela avançou em minha direção, atirando casualmente sua magia fria em quem ficava no seu caminho. Enquanto a luta continuava, minha mãe caiu de joelhos ao lado de meu pai. Ela envolveu o rosto dele em suas mãos, lágrimas escorrendo por suas bochechas. Então ela enxugou as lágrimas, estendeu a mão e puxou a espada e a adaga de meu pai de seu cinto. Ela ficou de pé e colocou a adaga na minha mão. — Aqui! Pegue isso! Meus dedos suados e trêmulos se enroscaram no punho frio e duro, e deslizei a arma no bolso do meu vestido para não deixá-la cair. Pelo canto do olho, vi um dos Mortans correndo em direção a minha mãe. — Cuidado! — gritei. Minha mãe virou e uma bola azul de magia irrompeu na palma da sua mão. Ela recuou a mão para lançar sua magia no assassino, mas ele cortou com a espada, forçando minha mãe a se inclinar para o lado e estragar sua pontaria. A bola da magia escorregou entre os dedos e caiu no chão, borrifando pedaços de neve e gelo em toda parte. Minha mãe bateu na parede e ricocheteou, perdendo o controle da espada do meu pai, que caiu no chão. Ela tropeçou em direção ao assassino. Ele gritou, levantou a arma, e começou a abaixá-la em sua cabeça... Clang! Uma espada empurrou para frente, parando a lâmina do assassino. De repente, Ansel estava lá. Os olhos do assassino se arregalaram de surpresa, mas Ansel friamente girou e acertou a espada do meu pai no peito do outro homem. Com um gorgolejo alto e ensanguentado, o assassino caiu no chão, pousando em cima do meu pai. Eu nunca vi meu tutor nem sequer segurar uma espada, e nunca sonhei que ele realmente sabia como usar uma. Mas outro assassino apareceu no lado esquerdo da minha mãe, e Ansel deu um passo à frente e cortou aquele homem tão facilmente quanto o primeiro. Ansel voltou-se para minha mãe, com um sorriso no rosto. Como ele poderia parecer tão feliz em um momento assim?

O cheiro de ansiedade ácida e suada explodiu em seu corpo, mas foi rapidamente dominado pelo fedor cáustico da magia. Minha cabeça virou para a direita. A maga Mortan estava puxando a mão para trás para jogar seu poder em Ansel. — Cuidado! — gritei novamente. Eu corri e o empurrei para fora do caminho. Uma densa bola de granizo roxo explodiu contra a parede onde ele estava. Algumas das pedras de granizo cortaram meu ombro, suas pontas afiadas cortando minha pele e me fazendo gritar. Cerrei os dentes e alcancei minha imunidade, usando-a para apagar o pior do frio ardente, embora não pudesse fazer nada sobre o sangue escorrendo pelo meu braço. — Evie! — Minha mãe correu para mim. Ela começou a agarrar meu braço machucado, mas depois pensou melhor. Em vez disso, ela pegou meu outro ombro, seu olhar procurando o meu. — Você está bem? Não precisei olhar para o meu braço para saber que ele estava muito cortado e queimado pelo frio. Eu ainda podia sentir o cheiro do poder da maga, e podia sentir todo o dano que ela fizera. Lágrimas escorriam pelo meu rosto por causa da dor intensa, mas cerrei meus dentes e me forcei a acenar para minha mãe. — Temos que sair daqui! — gritou Ansel. — Por aqui! Ele acenou com a mão para minha mãe, que me empurrou para a frente. — Siga Ansel! — gritou. — Depressa! Depressa! Coloquei meu braço machucado contra o peito e depois segui meu tutor. Ansel balançou a espada do meu pai em arcos cruéis, cortando todos os assassinos que entravam no caminho dele. Durante todo o tempo, ele foi em direção ao corredor que levava da sala de jantar a cozinha. Atrás de mim, minha mãe atacou qualquer um que se aproximasse de nós com sua magia de gelo. — Pegue os Blairs! — Ouvi a maga de Mortan gritar sobre o caos contínuo. — Não os deixe escapar! Ou o traidor! Traidor? Quem era um traidor? Mas não tive tempo para descobrir. O cheiro de magia encheu o ar novamente, e eu sabia o que estava por vir.

— Cuidado! — gritei. — Abaixe-se! Na minha frente, Ansel se abaixou e outra bola de granizo roxo sobrevoou sua cabeça e bateu em uma das tapeçarias da parede, cortando-a em pedaços. Ansel amaldiçoou e se fastou. Olhei por cima do ombro. A maga de Mortan estava parada no meio da sala de jantar, a magia agora girando nas duas mãos. Mesmo a essa distância, eu poderia sentir quão forte ela era. Ela facilmente tinha magia suficiente para matar nós três de uma vez. Minha mãe deve ter percebido isso também, porque ela me empurrou para frente. — Depressa, Evie! Entre no corredor! Agora! Ansel desapareceu no corredor. Apesar da dor ardente no meu braço, forcei a me mover mais rápido e segui-lo pelo corredor. Minha mãe correu atrás de mim. Ela começou a me empurrar para frente novamente, mas deslizei ao redor dela, me colocando entre ela e a maga. — Evie! O que você está fazendo? — gritou. Mas não tinha tempo de explicar. Em vez disso, empurrei minha mãe para frente enquanto alcançava minha imunidade, chamando-a para cima, para cima, exatamente como ela havia me ensinado. Imaginei minha imunidade como o escudo de um gladiador forte e resistente que cobria meu corpo... O poder da maga atingiu a parede ao meu lado e explodiu com um rugido estrondoso. Seu raio frio soprou sobre mim, mas desta vez eu estava pronta para isso, e cerrando os dentes, empurrei de volta com minha própria imunidade. Por um momento, não sabia qual de nós venceria – se eu poderia destruir o poder da Maga ou se isso me congelaria viva. Mas meu plano funcionou, e seus raios e granizos atingiram o escudo invisível da minha imunidade, se partiram em pedaços quebradiços e caíram no chão. — Evie! — Em pânico, minha mãe agarrou meu braço machucado desta vez. — Vamos! Assobiei com dor, mas não a impedi de me puxar atrás dela. Juntas, seguimos Ansel pelo corredor e entramos na cozinha. Ninguém estava lutando aqui; a área estava deserta, embora vários tachos e panelas fervessem sobre os fogões.

Surpresa passou por mim. Por que a cozinha estava vazia? Eu teria pensado que alguns dos empregados teriam se escondido aqui. Ou talvez eles tivessem fugido assim que a luta começou. De qualquer maneira, ninguém estava aqui para nos ajudar. — Por aqui! Por aqui! — assobiou Ansel. Ele atravessou a cozinha e abriu uma das portas laterais. Minha mãe o seguiu, ainda me arrastando atrás dela. Nós três corremos para fora na noite fria, com neve e luar. Ansel virou à direita. Mantendo-se baixo, ele correu ao longo da lateral da mansão. Minha mãe me empurrou para frente e fiquei atrás do meu tutor. Ansel nunca hesitou, nem por um segundo, e continuou avançando. Era como se ele soubesse exatamente para onde ir sem sequer olhar ao redor para ver onde os assassinos poderiam estar. Esquisito. Nós rapidamente dobramos a esquina da mansão e nos movemos para um dos celeiros. Ansel também nos levou ao longo do edifício. Ele parou no canto oposto e apontou o dedo para as árvores ao longe. — Os assassinos ainda estão na mansão. Nós podemos escapar pela floresta. Fiz uma careta para a certeza em sua voz. Como ele sabia que não havia assassinos na floresta? Minha mãe olhou para Ansel confusa, como se estivesse se perguntando as mesmas coisas que eu. Pela primeira vez, um pouco de aborrecimento e impaciência cintilou em seu belo rosto. — Seu marido está morto — assobiou. — E você também estará se não vier comigo. Por um momento, o cheiro do desgosto cinza da minha mãe dominou todo o resto, até o cheiro da minha própria pele queimada e congelada. Mais lágrimas escorreram por suas bochechas, e ela olhou para a mansão. Eu segui o seu olhar. Mesmo a essa distância, eu ainda podia ouvir pessoas gritando e berrando por dentro e pelas janelas, eu ainda podia ver nossos guardas lutando e morrendo enquanto os Mortans os cortavam. De vez em quando, um flash de raio roxo, seguido de estrondos quando um mago de Mortan liberava seu poder. A mansão estava perdida e todo mundo lá dentro seria morto.

Minha mãe deve ter percebido isso também porque ela estremeceu um pouco, depois olhou para Ansel novamente e assentiu. Ele sorriu amplamente, e uma luz estranha brilhou em seus olhos, fazendo-os queimar um violeta mais brilhante. Então ele pegou a mão da minha mãe e a arrastou em direção a floresta. Minha mãe plantou os pés na neve e voltou para mim. Eu corri ao lado dela, e ela colocou os dedos nos meus e me puxou em direção à floresta... Por um momento, eu ainda podia sentir o calor dos dedos da minha mãe contra os meus, ainda ver o medo e pânico em seus olhos, ainda cheirar seu desgosto cinza. Minha mão tremeu, mas minha palma deslizou sobre lençóis de seda em vez de sua pele. Meus olhos se abriram e meu olhar foi para a esquerda e direita. Levei um momento para reconhecer meu entorno e perceber que eu estava em uma cama no quarto de hóspedes em Glitnir. Estremeci uma respiração aliviada. Por alguns segundos, eu fiquei lá, apenas inspirando e expirando, tentando desacelerar meu coração e sacudir mentalmente minha memória de pesadelo... Um rangido suave soou. Alguém estava no quarto. Pânico me preencheu, mas depois respirei, e um perfume familiar encheu meu nariz – baunilha fria misturada com uma pitada especiarias. Sullivan estava aqui.

Capítulo 15 Eu me sentei, meu coração acelerando novamente. Sullivan estava sentado em uma cadeira perto da lareira, com as pernas esticadas sobre um otomano baixo. Sua espada estava colocada no colo, e ele havia arrumado a cadeira e o otomano para que ele estivesse entre a minha cama e quem pudesse passar pelas portas fechadas. O brilho quente e alegre do fogo destacava seus cabelos escuros e a barba por fazer. Sua cabeça estava apoiada em um canto da cadeira e roncos suaves ecoavam de sua boca. Me tocou que ele estivesse me guardando, me protegendo. Eu olhei para baixo. Alguém me limpou enquanto eu estava inconsciente, e agora eu usava pijama de seda azul. Com cuidado, toquei meu braço direito, que estava enfaixado da parte superior do meu ombro até as pontas dos meus dedos. Movi meu braço e flexionei meus dedos – tudo funcionava da maneira que deveria. Um dos mestres de ossos de Heinrich deve ter me curado. Respirei fundo e um leve aroma encheu meu nariz, como mel misturado com limões. Eu poderia cheirar e sentir algum tipo de pomada embaixo das bandagens. Provavelmente uma pomada para ajudar ainda mais a curar minhas queimaduras horríveis.

Olhei ao redor do quarto novamente. Alguém – Paloma, provavelmente – apoiou minha espada, punhal e escudo de tearstone em uma cadeira ao lado da cama, enquanto alguém mais – Calandre, provavelmente – colocou minha coroa na penteadeira, junto com minha pulseira. Sullivan deve ter me ouvido mexer, porque soltou um ruído repentino e curto, como se tivesse acabado de assustar-se com sua própria sonoridade, depois abriu os olhos. Ele olhou para as portas, como se quisesse verificar se elas ainda estavam fechadas e depois olhou para a cama. Ele piscou algumas vezes, e então seus olhos se arregalaram quando percebeu que eu estava acordada. Sullivan colocou a espada de lado, levantou-se e andou até o pé da cama. Então ele estendeu a mão e segurou uma das colunas da gárgula, como se não confiasse em si mesmo para se aproximar de mim. — Alteza! Como você se sente? — Estou bem. Apenas cansada e dolorida. — Apoiei alguns travesseiros nas costas. — O que está acontecendo? Onde está todo mundo? — Todo mundo está bem — disse Sullivan, correndo para me tranquilizar. — Serilda, Cho, Paloma e os guardas de Bellonan estão se certificando de que Calandre, suas irmãs e os outros criados estejam seguros. Xenia está fora fazendo o que for que ela faça. — E Dominic? — perguntei. — Ele também está bem. Ele tinha um corte desagradável na parte de trás da cabeça por bater naquela parede de vidro, mas um dos mestres de ossos curou seus ferimentos. Na última vez que verifiquei, Gemma e Rhea ainda estavam brigando por ele. Alguma da tensão drenou para fora do meu corpo. — Bom. O príncipe herdeiro havia sobrevivido, o que era a coisa mais importante agora, ainda mais importante do que minha própria sobrevivência. Embora eu não pudesse evitar a culpa que inundou meu peito. Maeven havia tentado me matar. Dominic foi infeliz o suficiente para atrapalhar o caminho dela, e ele quase pagou o preço final pela vingança dela contra mim. — E como Heinrich está lidando com as coisas? — perguntei.

Sullivan fez uma careta. — Você quer dizer com o fato de que outro filho dele quase foi assassinado enquanto você estava nas imediações? Nada bem. Ele ia expulsar você e os outros de Glitnir assim que você acordasse, mas minha mãe apontou que não foi sua culpa que os Mortan atacaram. Então ele deixará você ficar, por enquanto. Fiquei surpresa por não ter acordado na masmorra, ou por ter acordado. — Bem, suponho que seja melhor do que Heinrich pedir a Rhea para trazer minha cabeça para ele. Sullivan fez uma careta novamente. Ele não gostou do meu humor negro. Não agora. Sua mão apertou a coluna da cama e ele balançou, como se estivesse repentinamente desconfortável. Ele soltou um suspiro tenso e levantou o olhar para o meu. — Sinto muito — disse ele. — Por como eu agi antes na biblioteca. Talvez se eu tivesse ficado nada disso teria acontecido. — Não é sua culpa. Maeven me quer morta, e ela fará qualquer coisa para que isso aconteça, não importa com quem ela tenha que trabalhar ou quem tenha que machucar. Eu não pretendia, mas acabei de repetir o que Felton havia dito sobre os Mortans. Maeven e sua Brigada Bastarda já provaram que podiam chegar a qualquer pessoa a qualquer momento e em qualquer lugar, mas eu comecei a imaginar exatamente quantos deles se infiltraram em Glitnir. A resposta óbvia e mais preocupante foi que eles estavam trabalhando com alguém dentro do palácio. Quanto mais eu pensava na ideia, mais certa ficava, principalmente considerando a raiva jalapeño quente que eu senti na sala do trono mais cedo. Alguém em Glitnir me queria morta, e estava disposto a se aliar com os Mortans para que isso acontecesse. Por que eu? Claro, alguém poderia querer se vingar dos andvarianos massacrados em Seven Spire, mas o envolvimento de Maeven me fez pensar que isso era algo muito maior do que mera vingança. Mas como minha morte poderia beneficiar um dos andvarianos?

— Bem, eu ainda me sinto culpado — disse Sullivan, interrompendo meus pensamentos sombrios. — Ver você na biblioteca com Dominic, com o fogo crepitando e a luz da lua fluindo por todo o seu rosto... Lembrou-me de... uma situação semelhante. — Com Helene? — perguntei em uma voz suave. Ele recuou como se eu tivesse lhe dado um tapa. — O que você sabe sobre Helene? Fiz um gesto para as portas de vidro. — Eu estava na varanda mais cedo. Ouvi vocês conversando nos jardins. — Fiz uma pausa, escolhendo minhas próximas palavras com cuidado. — Você e Helene parecem ter uma história bastante interessante. Sullivan soltou uma risada amarga. — Essa é uma maneira de dizer. Mas se você nos ouviu conversando, então você sabe que eu fui noivo de Helene. Meu coração apertou, mas assenti. — Sim. Parece que terminou... de maneira ruim. — Essa é uma maneira de dizer — disse ele, ecoando suas próprias palavras duras. Sullivan colocou as mãos nos bolsos do longo casaco cinza e começou a andar. Ele deu alguns passos de um lado ao outro antes de falar novamente. — Os Blumes são uma das famílias mais ricas e poderosas de Andvari, então Helene cresceu na corte comigo e com meus irmãos. Estávamos todos um pouco apaixonados por ela uma vez ou outra. Dominic e Frederich eventualmente cresceram e se mudaram para outras mulheres, mas eu nunca fiz. Sempre a amei, e ela me amou. — Seus passos diminuíram. — Pelo menos eu pensei que ela amava. — Até que ela terminou o noivado de vocês. Ele assentiu e retomou o passo. — Quanto mais velhos meus irmãos e eu ficarmos, mais óbvio ficou que eu era o filho bastardo, o príncipe bastardo, e isso é tudo que eu sempre seria. Que meus irmãos sempre seriam considerados com mais respeito, que eu nunca teria qualquer poder ou influência real na corte, e que os outros nobres nunca me tratariam como

igual. Marcus, o pai de Helene, nunca gostou de mim, e ele queria mais para si e para sua filha, mais poder, dinheiro e influência do que eu jamais teria. — Então ele a forçou a interromper o noivado — disse eu. — Sim. Eu amava Helene e fiquei arrasado quando ela disse que não podia se casar comigo. Eu disse a ela que não ligava para o pai dela, nem para o dinheiro dele, nem para ter poder na corte, ou qualquer outra coisa – que eu só me importava com ela. Mais uma vez, seus passos diminuíram, e angústia encheu seu rosto. Levou um momento para retomar seu ritmo e sua história. — Então eu pedi a Helene para fugir comigo. Eu disse a ela que desde que nos amássemos tudo mais se resolveria. Mas é claro que o pai de Helene ficou sabendo disso e ameaçou deserdá-la, juntamente com suas irmãs mais novas. Ela me disse que não podia deixá-las sem nada. Eu entendi, realmente fiz, e provavelmente teria feito o mesmo por minha mãe, se nossas posições tivessem sido invertidas. — Mas? Ele soltou um suspiro tenso. — Mas parte de mim sempre pensou que Helene não queria acabar sem nada também. Que o dinheiro do pai dela significava um pouco mais para ela do que eu. A dor nua e crua em sua voz fez meu próprio coração doer, mas não respondi. Nada que eu pudesse dizer tiraria sua dor. — Depois que Helene se recusou a fugir comigo, eu arrumei minhas coisas e deixei o palácio — disse Sullivan. — Eu não tinha um plano ou destino real em mente, exceto me afastar tanto de Helene e Glitnir quanto possível. Algumas semanas depois, acabei em uma cidade onde a trupe do Cisne Negro estava se apresentando. Cho me viu na multidão. Ele sabia quem eu era e me chamou para tomar uma bebida com ele e Serilda. Depois do show. De alguma forma, acabei contando a eles toda a minha triste história. Serilda me pediu para participar da tropa naquela noite e estou com o Cisne Negro desde então. É claro que Cho reconheceu Sullivan e percebeu que sua magia, habilidades de combate e conexões fariam dele um ótimo complemento para a tropa. Mas eu estava disposta a apostar que a magia de Serilda também disse a ela muito mais sobre ele, que ela tivera alguma dica ou visão de como

Sullivan poderia influenciar eventos futuros. Afinal, Serilda sabia que Vasilia um dia mataria Cordelia, mesmo quando Vasilia era apenas uma garota. Gostaria de saber o que Serilda viu sobre Sullivan que a fez trazê-lo para sua trupe. — Eventualmente, soube que Helene estava noiva de Frederich. As notícias realmente não me surpreenderam, mas ainda doía, muito mais do que eu esperava. Foi apenas mais um exemplo em que fui preterido por um dos meus irmãos, por um dos príncipes legítimos. Sullivan balançou a cabeça, como se tentasse afastar suas más lembranças. — Voltei para Glitnir várias vezes ao longo dos anos para visitar minha mãe, mas apenas quando eu sabia que Helene não estava na corte. Mas agora estou aqui com Helene novamente, enquanto Frederich está morto. Ele soltou outra risada áspera. — Você estava errada antes no jantar, alteza. A vida não é um jogo. É uma piada de merda, e apenas os deuses estão rindo. Eu não queria causar mais dor a ele, mas precisava de uma resposta sobre algo, não apenas para minha cabeça, mas também para o meu coração. — Você tinha alguma ideia do que seu pai planejava? Que ele exigiria que eu me casasse com Dominic? Sullivan parou bruscamente e agarrou a coluna da cama novamente, como se precisasse de algo mais uma vez para se segurar. — Não — disse em voz baixa e tensa —, eu não sabia sobre o plano dele, mas não me surpreendi. De certa forma, meu pai é tão ambicioso e cruel quanto o rei Mortan. Lamento que ele tenha te surpreendido. — É assim que esses jogos da corte são disputados. Não foi sua culpa. Nada disso é culpa sua. Isto não é culpa de ninguém, exceto Maeven e sua maldita Brigada Bastarda. Fiz uma pausa, me perguntando se eu deveria fazer as outras perguntas em minha mente, mas não queria jogar com Sullivan, então expressei meus pensamentos. — Você e Dominic parecem estar em bons termos, no entanto.

Sullivan se afastou da coluna da cama, mas em vez de retomar o ritmo, foi até as portas da varanda, apoiou o braço contra uma delas e olhou através do vidro para a escuridão da noite. — Eu amo Dominic. Ele sempre foi um bom irmão. Ele e Frederich sempre me trataram como se eu fosse um deles, como se fôssemos todos iguais, mesmo sabendo que não éramos. Dominic foi o mais importante, pois ele era o herdeiro. Depois Frederich, já que ele era o substituto. E então lá estava eu, em algum lugar muito, muito abaixo. Simpatia me encheu, mas fiquei quieta. Tive a sensação de que, se eu interrompesse, ele pararia de falar, e eu queria saber mais sobre sua vida em Glitnir. Eu queria saber mais sobre ele. — E agora somos apenas Dominic e eu. Minha mãe diz que meu pai levou a morte de Frederich particularmente difícil. Que isso deixou Heinrich fisicamente doente e que ele simplesmente não consegue superar a dor. Se meu pai tivesse perdido Dominic esta noite também... — A voz de Sullivan parou, e ele balançou a cabeça. — Poderia ter o matado completamente. Ele ficou em silêncio, ainda olhando a noite, perdido em seus próprios pensamentos. Levou alguns momentos antes de falar novamente. — Às vezes, desejo que minha mãe nunca tivesse ficado na corte. Que ela tivesse vivido na cidade ou no campo. Qualquer lugar, exceto aqui. — Por quê? — Não me interprete mal. Adorei crescer com meus irmãos. — Sullivan bateu suavemente as juntas dos dedos contra a porta de vidro. — Mas sempre senti que estava do outro lado de uma porta, olhando através do vidro para Dominic

e

Frederich.

Eu

podia

vê-los,

mas

nunca

poderia

estar

verdadeiramente com eles; eu nunca poderia ser verdadeiramente um deles, não importa o quanto eu tentasse. Seu rosto permaneceu vazio, mas o cheiro de seu coração partido em cinza encheu a sala. Talvez eu não conseguisse protegê-lo de suas memórias, mas poderia ajudá-lo a lidar com a dor que vinha com elas. Então joguei as cobertas para trás, saí da cama e fui até ele. — Sinto muito — disse eu. — Por tudo o que aconteceu com você. Mas sinto muito por tudo que aconteceu com sua família por causa da minha.

— Não é sua culpa, alteza. Nada disso é culpa sua. Estamos apenas presos em uma situação impossível. Estendi a mão e apertei seu ombro, oferecendo-lhe todo o apoio e conforto que pude com esse pequeno gesto. Sullivan virou para mim, fome quente queimando e derretendo a dor gelada em seus olhos azuis. A mesma fome enrolou em mim, queimando minhas veias ainda mais brilhante e mais rápida que o relâmpago da maga queimou o meu corpo. Meus dedos se apertaram em torno de seu ombro, e eu desejava tocálo – realmente tocá-lo. Passar os dedos pelos cabelos dele e enrolar ainda mais do que já era. Rastrear as fracas linha de riso nos cantos dos olhos, deslizar minha mão pelo rosto e acariciar com as pontas dos dedos a barba por fazer que escurecia sua mandíbula. Alisar minhas mãos sobre a curva de seu pescoço, ao longo de seus ombros musculosos, e depois no peito, até que eu pudesse sentir seu coração batendo sob as pontas dos meus dedos. Mas acima de tudo, eu queria beijá-lo e tê-lo me beijando. Ter seus lábios e língua emaranhados com os meus. Passar minhas mãos sobre todos os músculos do seu corpo e lhe proporcionar o máximo de prazer requintado que pudesse, assim como suas mãos faziam o mesmo comigo. Sentir o comprimento quente e duro dele me pressionando contra as portas de vidro, ou afundando na cama macia comigo, ou até mesmo me puxando para o chão frio de pedra. Mas eu não queria transar com Sullivan, como Helene havia dito nos jardins mais cedo – eu também queria sentir o coração dele. Eu queria ver o calor, a paixão, nos olhos dele, o cuidado e a preocupação. Eu queria que sentíssemos, voássemos e caíssemos juntos até que nenhum de nós pudesse dizer onde um parava e o outro começava. Então eu arrisquei. — Estou bem aqui, Sully — murmurei em voz baixa e rouca. — Estou deste lado do vidro – com você. Eu sempre estarei aqui com você. Ele umedeceu os lábios e realmente balançou em minha direção, como se fosse abaixar a cabeça e pressionar seus lábios nos meus. Minha respiração

ficou presa na garganta e meus dedos se apertaram ainda mais em torno dos ombros dele. Ficamos ali, congelados no lugar, olhando nos olhos um do outro. — Você diz isso agora, mas nós dois sabemos que não é verdade — disse Sullivan. — Isso nunca pode ser verdade. Porque você é uma rainha e eu sou um bastardo, e nada mudará isso. Não importa quanto podemos querer. Um calafrio percorreu seu corpo, e ele se afastou de mim. Minha mão escorregou do seu ombro, e tive que apertar meus dedos em um punho apertado para não alcançá-lo. Sullivan se virou, colocando ainda mais distância entre nós, para que ele não visse o rubor envergonhado que escaldou minhas bochechas. Uma pequena vitória, mas eu aceitaria o que poderia conseguir, especialmente considerando a dor que machucava meu coração repetidas vezes, como as garras de um morph me rasgando em pedaços. Essa era a segunda vez agora que ele me rejeitava. Que tola gloriosa eu era. Talvez eu fosse mais como Maeven do que queria admitir. Ela continuou tentando me matar, e eu continuei tentando convencer Sullivan... bem, eu não sabia exatamente do que. Amar-me, talvez? Ou pelo menos dobrar seus princípios e me cobiçar da mesma maneira que eu fazia com ele. Mas Maeven continuava falhando em sua missão, e eu continuava falhando nisso... seja lá o que isso realmente fosse. Sullivan pigarreou e me encarou novamente. — Eu deveria ter lhe contado antes, mas todos os assassinos Mortan estão mortos, exceto pela maga do tempo. De volta aos negócios, então. Mais mágoa atravessou meu coração, mas a afastei. — Onde ela está? — perguntei. — Na masmorra. Rhea tem a questionado, mas até agora, a maga não disse nada. Rhea tentará de novo de manhã. Franzi o cenho, surpresa por a maga não ter se matado, como Libby em Seven Spire. Possivelmente, a maga ainda não teve a chance. Olhei para um relógio de esmeralda na mesa de cabeceira. Logo depois da meia-noite, o

que significava que aquela manhã estava a horas de distância. A determinação surgiu através de mim, e caminhei para o armário, abri as portas e comecei a pegar as roupas. — O que você está fazendo? — perguntou Sullivan. — Você deveria descansar. — Não há tempo para descansar. Quero falar com a maga antes que ela tente se machucar. Você pode me levar à masmorra? Ele assentiu. — Claro, deixe-me chamar Paloma e alguns dos guardas. Apontei meu dedo para ele. — Não... não Paloma, nem outros guardas. Nós vamos lá agora. Somente você e eu. Não quero que mais ninguém saiba o que estamos fazendo. Os olhos dele se estreitaram em entendimento. — Você acha que a maga está trabalhando com alguém dentro do palácio? Mais uma vez pensei na raiva quente e jalapeño que senti na sala do trono, junto com aquela rajada de magia quando tropecei e Rhea quase me espetou com sua espada. Não contei a ninguém o que senti e não contei a Sullivan agora. Eu queria manter minhas suspeitas para mim. Pelo menos até saber exatamente quem me queria morta e por quê. Dei de ombros, sem realmente responder à sua pergunta. — Quero saber exatamente como a maga do tempo e aqueles falsos guardas entraram no palácio. Então você pode me levar até lá? Ele assentiu. — Bom. Então deixe-me me vestir. *** Dez minutos depois, Sullivan abriu uma das portas dos meus aposentos. Ele olhou para fora, então abriu a porta totalmente, revelando o corredor vazio além. Serilda, Cho, Paloma e os guardas de Bellonan ainda deviam estar se certificando de que os servos estavam seguros. Sullivan e eu saímos dos aposentos, corremos pelo corredor e descemos um lance de escadas. De lá, esgueiramos pelo palácio, mantendonos nas sombras e saindo de um corredor para o próximo. Eventualmente,

entramos em uma pequena alcova cheia de estátuas de gárgulas para deixar alguns guardas andvarianos passar no corredor. — Você é muito bom em evitar os guardas — sussurrei. Ele sorriu. — Era um jogo que meus irmãos e eu costumávamos jogar. Nossos quartos estavam no mesmo corredor, e nós três nos esgueirávamos no meio da noite. Quem se afastava mais sem ser pego pelos guardas era o vencedor. Eu ganhei com mais frequência do que não. Os guardas passaram, saímos do esconderijo e seguimos em frente. descemos várias escadas até chegarmos ao calabouço. Dois guardas com lanças foram postados em frente a um arco aberto. Não havia como passar furtivamente por eles, então nem tentamos. Sullivan avançou, suas botas batendo contra as lajes, como se ele tivesse todo o direito de estar aqui. Eu andei atrás dele, minha cabeça abaixada e o capuz da minha capa azul-meia-noite puxado por cima do meu cabelo. Eu não coloquei minha coroa, então esperava que os guardas não olhassem muito atentamente e percebessem quem eu era. Mas os guardas definitivamente reconheceram Sullivan e inclinaram a cabeça. — Meu príncipe — disse um dos homens. — Como podemos te servir? — Quero ver a maga — disse Sullivan em voz alta e autoritária. — Rhea me enviou para ver se eu podia tirar algumas respostas para ela. — Ele levantou a mão e um raio azul brilhou na ponta dos dedos. Os guardas assentiram, abaixaram as lanças e se afastaram, deixando-o passar. Abaixei minha cabeça e o segui. Eu meio que esperava que os guardas me parassem, mas a ordem de Sullivan foi suficiente para eles me deixarem passar também. Assim como em Seven Spire, a masmorra aqui apresentava vários longos corredores com celas embutidas nas paredes, embora eu não pudesse dizer se alguém estava definhando dentro dos pequenos aposentos, dado as portas sólidas de metal na frente delas. Sullivan entrou em outro corredor e desceu até o outro extremo, onde o corredor se abria em uma sala muito maior na parte de trás da masmorra. Barras grossas de tearstone separavam parte do espaço, formando uma única

cela ao longo de uma parede. Alguns fluorestones fracos foram colocados no teto, mas havia luz suficiente para ver a maga deitada na cama em uma poça de sombras na parte de trás da cela. Sullivan se aproximou e tocou um painel na parede, fazendo as fluorestone brilharem inundando a área com luz. — Levante-se — retrucou. — É hora de você responder algumas perguntas. Mas assim que ele disse as palavras, eu sabia que não teríamos respostas. A maga do tempo estava deitada na cama, com a mão pendurada na lateral, logo acima de um copo caído no chão, como se tivesse escapado de seus dedos. A água escorreu do copo, formando uma pequena piscina. Seus olhos roxos estavam fixos e congelados, e sangue preto escorria pela boca, pelo lado do rosto, e respingava no chão ao lado do copo. A maga estava morta.

Capítulo 16 Sullivan gritou para os guardas buscarem um mestre de ossos, mas já era tarde demais. A maga estava tão morta quanto possível. Depois disso, a masmorra se tornou um circo de caos, com pessoas correndo e exigindo saber como isso aconteceu. Capitã Rhea estava entre os que entraram na masmorra, e ela continuou me lançando olhares desconfiados, como se achasse que eu tinha algo a ver com a morte da maga, mesmo que eu estivesse inconsciente em meus aposentos quando isso aconteceu. Enquanto todo mundo corria, gritando e acusando um ao outro, eu fiquei quieta no canto, estudando a maga morta. Além da cama e um balde de madeira no canto que fedia a dejetos humanos, a única outra coisa em sua cela era o copo no chão. Meu nariz se contraiu. Eu podia sentir o cheiro da lavanda suave e doce, juntamente com uma fraca corrente de podridão na água derramada. Não era wormroot, mas eu tinha certeza de que era o mesmo veneno que Libby tentou me dar na sala do trono em Seven Spire, e o mesmo veneno que estava na adaga que ela usou para se matar. Se a maga do tempo havia tomado o veneno por conta própria ou se alguém o colocou na água dela... Bem, isso era uma incógnita.

Mas eu colocaria meu dinheiro em alguém envenenando a maga. Alguém a ajudou e aos outros assassinos a entrar no palácio. Se eu fosse essa pessoa, eu teria vindo aqui e matado a maga na primeira chance que tivesse, para manter em segredo minha associação com os Mortans. De acordo com Sullivan, todo tipo de pessoa esteve entrando e saindo da masmorra desde que a maga foi trazida aqui. Heinrich, Rhea, os guardas, meus amigos. Todos tiveram acesso à maga, junto com dezenas de outros, e ninguém se lembrava de quem lhe dera o copo de água. De qualquer maneira, esse mistério não seria resolvido, pelo menos não hoje à noite, então voltei aos meus aposentos e me arrastei na cama. Adormeci quase imediatamente e não acordei até que uma mão sacudiu meu ombro na manhã seguinte. Meus dedos deslizaram sob o travesseiro e enrolaram na adaga enquanto eu abria meus olhos. Paloma estava debruçada sobre mim, um olhar preocupado em seu rosto. O ogro no pescoço tinha a mesma expressão preocupada. — Você está bem? Bati na porta e gritei, mas você não respondeu. Mesmo que eu não quisesse nada além de rolar, me esconder debaixo das cobertas e dormir o resto do dia, forcei-me a soltar minha adaga e me sentar. — Estou bem. Só cansada. O que há de errado agora? Paloma encolheu os ombros. — Nada realmente. Pelo menos nada novo. Mas se você quiser tomar café da manhã com Dahlia, então Calandre diz que você precisa se vestir. Eu gemi. Tomar café da manhã com a mãe de Sullivan era a última coisa que eu queria fazer, mas eu já estava com problemas suficientes sem insultar a amante do rei. Então saí da cama e deixei Calandre e suas irmãs fazerem sua magia em mim. Trinta minutos depois, com Paloma ao meu lado, bati em uma porta não muito longe dos meus aposentos. Os dois guardas andvarianos posicionados do lado de fora me deram olhares desconfiados, com as mãos em suas espadas, mas Paloma colocou a mão na maça com espinhos e os guardas pensaram melhor em me confrontar. — Entre — gritou uma voz leve e agradável.

— Vou esperar aqui fora — murmurou Paloma, ainda olhando para os guardas. Assenti, abri a porta e entrei. Os aposentos eram bem grandes, com o dobro do tamanho dos meus. Uma tela independente feita de preto bambu e cravejado de ametistas em forma de pássaros voando dividia a parte de trás da sala da frente, com uma cama de dossel espreitando por trás. Outra tela envolvida parte de um armário, formando uma área de vestir. À minha direita, uma porta aberta levava a um banheiro cravejado de acessórios de prata. Uma escrivaninha, uma penteadeira, cadeiras, sofás. Os móveis eram semelhantes aos dos meus aposentos, mas amostras de ouro e prata brilhavam em todas as superfícies, junto com pedras cintilantes. Mesmo quando comparados ao resto do palácio, esses objetos eram realmente deslumbrantes, como se alguém passou por Glitnir de quarto em quarto, pegou as melhores peças e trouxe todas aqui. Olhei para uma mesa coberta com um pano cinza claro empoleirado em frente à lareira. Um jogo de chá de porcelana cinza estampado com flores roxas foi colocado sobre a mesa, juntamente com travessas cheias de ovos, bacon, frutas e muito mais. Os aromas saudáveis do café da manhã fizeram meu estômago roncar. Dois criados estavam parados ao longo das paredes, mas eu me concentrei nas duas mulheres sentadas na mesa – Dahlia e Helene. Dahlia usava um vestido de seda verde e suas únicas joias eram um medalhão de ouro em forma de coração gravado com o mesmo D grande e extravagante que estava no cartão que ela deixara em meus aposentos com as bebidas ontem. Seu cabelo preto estava preso em um coque e maquiagem discreta acentuava seus olhos verdes. Dahlia parecia tão equilibrada e real como qualquer rainha, mas Helene estava absolutamente deslumbrante em um vestido violeta claro, o qual destacava os cabelos ruivos compridos e ondulados e os olhos verde-jade. Videiras delicadas feitas em fio de prata enrolavam nas mangas do vestido, antes de se espalhar pelo corpete e formar um jardim de flores. Ametistas e

esmeraldas piscavam no centro de muitas das flores, enquanto um anel de sinete prateado cravejado de esmeraldas brilhava em seu dedo indicador. Dahlia afastou a cadeira e caminhou até mim. — Everleigh! Muito obrigada por vir, especialmente depois de toda aquela terrível situação na noite passada. Eu me perguntava se ela falava sobre as ameaças e insultos que Heinrich e eu lançamos um para o outro durante o jantar ou a tentativa de assassinato depois. Provavelmente ambos. Apesar da esmagadora opulência, muitas coisas feias espreitavam nas sombras de Glitnir. Dahlia sorriu e deu um tapinha no meu braço. Meu nariz estremeceu, mas tudo que eu podia sentir era seu perfume de rosas. Normalmente, eu teria gostado do aroma agradável, mas Dahlia se banhou com o perfume, tornandoo incrivelmente doce. Meu nariz se contraiu novamente, e tive que trabalhar para não espirrar no rosto dela. Ela se virou e gesticulou para a outra mulher. — Espero que você não se importe, mas também convidei Helene. — Que bom — murmurei, combinando com sua polidez. Helene se levantou, se aproximou e beijou minhas bochechas no ar. Retornei o gesto com bem menos entusiasmo, embora felizmente seu perfume de lavanda fosse muito mais suave que o perfume de rosas de Dahlia, e não me fez querer espirrar. — Venha — gesticulou Dahlia para a mesa. — Sente-se. Coma. Relaxe. Fiz o que ela sugeriu. Os criados se adiantaram, empilharam vários pratos com ovos, bacon, e frutas, e os colocaram na minha frente. Tomei várias respirações discretas, mas não cheirei, nem senti qualquer magia. A comida não foi envenenada, mas ainda esperei que Dahlia e Helene começassem a comer antes de colocar a primeira fatia de bacon na boca. Também optei pelo suco de kiwi, em vez do chá de hibisco que as outras mulheres estavam bebendo. Dahlia e Helene se envolveram no bate-papo educado de sempre, me perguntando sobre Seven Spire, o clima, e outras coisas inofensivas e fúteis. Este era um jogo que eu joguei muitas vezes, e lentamente relaxei, embora eu só tenha respondido suas perguntas específicas e não tenha oferecido

nenhuma informação extra em troca. Mas a refeição passou agradavelmente e os servos acabaram tirando a comida da mesa e deixaram os aposentos. Depois que eles se foram, Dahlia sorriu. — Agora, podemos falar um pouco mais livremente. Helene se inclinou. — Sim, eu quero saber tudo o que aconteceu ontem à noite. Claro que eu vi você e Dominic na biblioteca, mas pensar que assassinos seriam tão ousados a ponto de atacar vocês lá dentro. — Ela estremeceu, como se simplesmente não pudesse imaginar uma coisa dessas. — Sim, foi bastante inesperado — disse eu em uma voz neutra. — Como foi posteriormente a morte da maga do tempo na cela dela. Eu ainda não tinha ideia de quem havia envenenado a maga, mas esse parecia um lugar tão bom quanto qualquer outro para começar a obter informações. Helene assentiu. — Sullivan me pediu para examinar seu corpo. Qualquer veneno que ela tomou foi quase imediatamente letal. Fiz uma careta. Helene não havia entrado na masmorra enquanto eu estava lá. — Por que Sullivan pediria a você para examinar o corpo do mago? — Helene é mestre de plantas — explicou Dahlia. — Então ela conhece tudo sobre plantas, assim como os venenos que você pode fazer com elas. A mulher mais jovem deu de ombros não tão modesta. — Os Blumes são mestres de plantas muito famosos em Andvari. Temos várias fazendas grandes no interior, onde cultivamos frutas e legumes, mas somos mais conhecidos por nossos jardins aqui na cidade. Usamos as plantas e flores para fazer cremes para o rosto, perfumes e similares, todos infundidos com glamour de beleza e outras magias. Meu pai faleceu há vários meses, então eu dirijo os negócios da família agora. Dahlia estendeu a mão e deu um tapinha na mão. — Helene também ajuda a manter os Jardins Edelstein. Você deveria ver a oficina da estufa dela. É quase tão adorável quanto os jardins. Um rubor satisfeito inundou as bochechas de Helene e ela sorriu para Dahlia. Helene Blume não era apenas incrivelmente bonita, mas também era extremamente inteligente e rica, e uma poderosa mestre de plantas. Não era

de admirar que Sullivan a amou. Até eu fiquei impressionada com ela, mesmo sem querer. Mas afastei meu ciúme e continuei procurando informações. — Então, o que você encontrou quando examinou o corpo da maga? Veneno wormroot? Eu sabia que não foi wormroot, mas queria ver o que Helene diria sobre o veneno. Helene tamborilou com os dedos na mesa. — Não, não era wormroot. Não sei o que era. Eu nunca o encontrei antes, mas os Mortans são conhecidos por encontrar maneiras inteligentes de matar seus inimigos. Sim, eles eram, e Maeven provavelmente estava mais motivada do que a maioria, especialmente desde que eu sobrevivi a três de suas tentativas de assassinato. O rei Mortan não poderia estar feliz com suas falhas contínuas em me eliminar. — Vou examinar alguns dos diários de meu pai na minha oficina e ver se consigo encontrar qualquer coisa útil — concluiu Helene, depois tomou um delicado gole de seu chá. — Existe alguma maneira de saber se o mago tomou o veneno espontaneamente? — perguntei. Helene piscou surpresa, enquanto as mãos de Dahlia se curvavam em torno de sua xícara de chá. — Bem, não, não realmente — admitiu Helene. — Mas a lenda diz que os assassinos de Mortan estão sob ordens rigorosas para se matar ao invés de serem capturados e questionados. Rhea e os guardas não encontraram qualquer coisa com a maga do tempo quando a revistaram, mas a maga poderia ter escondido esse veneno em um botão ou dente oco ou algo assim. Você sabe quão sorrateiros os Mortans podem ser. Dahlia murmurou concordando, depois serviu a Helene e a si mesma mais um pouco de chá, como se fechasse a porta desse assunto. A frustração me encheu, mas deixei que mudassem de assunto. Não achei que o mago tivesse se matado. Caso contrário, ela teria feito isso na biblioteca, no segundo em que percebeu que não escaparia, não esperar até depois de ter sido levada para a masmorra.

E mais uma vez, não pude deixar de imaginar quem em Glitnir estava trabalhando com os Mortans e por que essa pessoa me queria morta. O que alguém aqui tinha a ganhar com a minha morte? Apesar de todos os jogos mesquinhos e cruéis que eu já vi os nobres jogarem em Seven Spire, não consegui descobrir a resposta para minha pergunta. Ou talvez Maeven e seu cúmplice fossem simplesmente muito mais espertos que eu. De qualquer forma, eu não estava exatamente cheia de confiança, especialmente quando se tratava das minhas chances de conseguir voltar a Bellona viva. Então eu fiquei lá, repassando silenciosamente enquanto Dahlia e Helene conversavam sobre outras coisas, incluindo alguma nobre que estava se casando. Helene me deu um olhar malicioso. — Talvez esse não seja o único casamento que teremos de assistir. Ela obviamente falava sobre a insistência de Heinrich em que eu me casasse com Dominic. Tomei outro gole do meu suco para esconder minha careta e me dar mais alguns segundos para pensar em uma resposta inteligente. — Oh, eu duvido disso — demorei. — Dominic provavelmente nunca vai querer estar na mesma sala comigo novamente, dado o que aconteceu na biblioteca. Estar perto de mim é provavelmente um pouco mais perigoso para sua saúde do que ele gostaria. Dahlia e Helene riram educadamente da minha piada. Helene abriu a boca, provavelmente para fazer mais perguntas pontuais sobre Dominic, mas olhei para Dahlia. — Embora você e Heinrich pareçam muito felizes — disse. — Talvez vocês dois devessem planejar um casamento. Ver o rei feliz seria um grande incentivo para elevar a moral do povo andvarian. Dahlia soltou uma risada calorosa. — Oh, minha querida, não tenho desejo de me casar com Heinrich. Talvez quando eu era jovem e de olhos estrelados, mas não agora. — Mas você seria rainha — apontou Helene, com um beicinho bonito no rosto, como se não pudesse imaginar alguém recusando essa oportunidade em particular.

Dahlia deu de ombros. — Estou muito feliz com meu atual acordo com Heinrich. Além disso, eu não quero ser rainha. É muito trabalho para pouquíssima recompensa. Respirei fundo, mas ela cheirava a veracidade da lima. Foi o primeiro perfume, a primeira emoção que fui capaz de sentir além do seu forte perfume de rosas. Sua resposta me surpreendeu. Eu teria pensado que ela teria exigido que Heinrich se casasse com ela depois que a primeira rainha – a mãe de Dominic – morreu. Por outro lado, eu dificilmente era especialista em amor e relacionamentos. E Dahlia estava certa. Como rainha, ela teria que se envolver ainda mais nas disputas e jogos insignificantes dos nobres. Eu era rainha por apenas alguns meses, e já estava completamente cansada disso. Dahlia olhou para mim. — Everleigh sabe o que quero dizer. Ser rainha não é tão divertido quanto todo mundo pensa que é. Estou certa? — Bem, não quando você está se esquivando de assassinos à direita e à esquerda — falei, decidindo jogar as palavras dela como outra piada. — Isso tende a manchar a coroa. As duas mulheres riram educadamente de novo. Uma batida soou na porta, e um criado entrou e disse que Helene era necessária para lidar com alguns negócios em sua oficina. Ela abraçou Dahlia, beijou minhas bochechas novamente e saiu. Dahlia se levantou. — É uma manhã adorável. Vamos passear. Ela colocou a cabeça no corredor e disse aos guardas para nos encontrar lá embaixo, junto com Paloma. Então ela atravessou seus aposentos e abriu uma das portas de vidro. Eu a segui. Saímos para a mesma varanda onde eu vi Dahlia ontem. Ao contrário da minha varanda, agora desprovida de vegetação, graças a Grimley e sua enorme cauda, vasos de plantas e flores de todas as formas e tamanhos alinhavam-se na grade. — Que coleção impressionante você tem — disse eu. — Oh, eles não são meus. Não realmente. Helene me deu — respondeu Dahlia. Ela passou os dedos pelas plantas e flores enquanto caminhava pela varanda, fazendo as folhas verdes e flores brilhantes ondularem. Ela afastou

a mão por um momento, para que não tocasse as pontas espinhentas de um pequeno cacto cinza, depois passou os dedos pelo resto da vegetação apoiada no parapeito. — Não gosto muito de jardinagem, e as pobres coisas nem chegariam a ser regadas se os servos não estivessem por aí — confessou Dahlia. — Mas Helene sabe que eu amo flores, e ela muitas vezes me dá mudas da estufa dela. Ela é como a filha que eu nunca tive. Helene teria sido filha de Dahlia – ou pelo menos sua nora – se tivesse se casado com Sullivan. Eu me perguntava como Dahlia poderia ser tão amigável com a mulher que quebrou o coração do filho. Eu não acho que poderia ter conseguido. Ao contrário da minha varanda, esta apresentava um conjunto de escadas, e Dahlia e eu descemos em espiral. Os dois guardas estavam esperando abaixo, junto com Paloma. Dahlia partiu por um dos caminhos que levavam aos jardins. Eu andei ao lado dela, com os guardas e Paloma nos seguindo. Era um dia quente de outono, e nobres, servos e guardas conversavam sobre suas fofocas e deveres. Todos inclinaram a cabeça e murmuraram cumprimentos para Dahlia enquanto eu recebia olhares mais planos e desconfiados. Mas a caminhada foi agradável o suficiente, e Dahlia compartilhou pequenos fatos sobre os jardins, assim como de pessoas que passamos, quando nos mudamos para o labirinto. — Parece que você conhece todos em Glitnir, dos nobres aos servos — disse eu depois que ela parou para perguntar sobre o neto recém-nascido de um dos mestres da cozinha. Dahlia deu de ombros. — Suponho que sim. Foi aí que eu comecei, você vê. Na cozinha. — Você era uma serva? Xenia mencionou isso, mas eu queria ouvir a história de Dahlia. — Ah, sim. Fui enviada para trabalhar na cozinha do palácio ainda jovem, então cresci em torno de Heinrich e dos outros nobres. O que eu mais amei em Heinrich é que ele sempre me tratou como igual. Fiquei muito feliz que ele fez o mesmo com Lucas.

De tudo o que vi e ouvi, Heinrich era um rei bom, leal e justo – exceto por sua insistência em que eu me casasse com Dominic. — Você se saiu muito bem na corte — disse eu. — Seus aposentos são adoráveis, e todos parecem respeitá-la bastante. Dahlia sorriu, mas a expressão não alcançou seus olhos. — Sim, bem, ninguém quer irritar a amante do rei. Imagino que as coisas sejam semelhantes entre os nobres de Seven Spire. Não respondi, porque as coisas não eram semelhantes em Seven Spire. Oh, nós tivemos nossa parte de casos amorosos tórridos e ilícitos. Os corações e iniciais esculpidos na parede do gramado real provavam isso. Mas eu nunca vi nenhuma amante com a quantidade de respeito, poder e riqueza que Dahlia tinha. Ela era de fato a rainha de Glitnir, apenas sem o peso e as preocupações oficiais da coroa em sua cabeça. Aparentemente, ela encontrou uma maneira de ter o melhor dos dois mundos. Eu a invejei por isso. — Tenho certeza que você está se perguntando por que não casei com Heinrich, considerando há quantos anos a esposa dele morreu. — Dahlia deu de ombros. — Mas títulos oficiais nunca importaram muito para mim. — Então, o que importa para você? — A única coisa que realmente me importa agora é o que é melhor para Lucas — disse Dahlia em uma voz firme. Sorri. — Ele fala muito de você. Vocês dois parecem muito próximos. — Nós somos. Próximos o suficiente para ele ter falado comigo sobre você também. Meu estômago apertou, mas me forcei a fazer a pergunta óbvia. — E o que ele disse? Ela olhou para mim pelo canto do olho. — Meu filho é muito... afeiçoado a você, Everleigh. Ele falou sobre você com bastante frequência, mesmo antes de saber quem você realmente era, e de você se tornar rainha de Bellona. Não respondi, mas felicidade aqueceu meu coração. Dahlia fez um sinal para os guardas, que ainda estavam atrás de nós. Eles pararam e gesticularam para Paloma fazer o mesmo. Minha amiga olhou para mim, mas eu assenti, dizendo a ela que estava tudo bem.

Chegamos ao centro do labirinto – o nariz da gárgula que eu vi da minha varanda ontem. A área era muito maior do que eu imaginava de um jardim em si. Árvores e canteiros de flores circundavam grande parte do espaço circular, enquanto nenúfares pretos, cinzas e brancos balançavam em uma lagoa ao lado. Isso me lembrou da lagoa de Serilda no complexo do Cisne Negro, embora nenhum cisne negro estivesse deslizando pela água aqui. A peça central deste jardim dentro de um jardim era um enorme mirante. Madeira de ébano brilhante formava o chão e criava um belo padrão de treliça na parede baixa que circundava grande parte da estrutura. Brilhantes colunas de mármore branco cravejadas de faces de gárgula de prata com olhos de joias apoiavam o telhado redondo e abobadado, também feito de mármore. Diamantes brancos e cinza dispostos em forma de nenúfares brilhavam no teto, junto com cattails de âmbar, espelhando as flores reais e o lago à distância. Dahlia se acomodou em um dos bancos almofadados que se projetavam da parede e davam para a lagoa. Também me sentei e admiramos a cena pitoresca, bem como os flashes das pessoas movendo-se ao longo dos caminhos à distância. — Este local é chamado Coração de Gárgula — disse Dahlia, quebrando o silêncio sociável. — É bastante famoso como um ponto de encontro de amantes. Heinrich e eu costumávamos sair do palácio e nos encontrar no gazebo quando éramos jovens. Lucas também trouxe Helene aqui. E agora, aqui está você. Outra nobre, uma rainha, que chamou a atenção do meu filho. Meu coração se apertou com o pensamento de Sullivan e Helene, mas forcei meu ciúme de lado. Eu não tinha direto a ele – nenhum. Dahlia virou para mim, com o rosto sério. — Não quero que o coração do meu filho seja esmagado novamente. Lucas é muito... particular sobre como as coisas são, e ainda mais sobre como as pessoas o tratam. Eu aceitei meu papel em Glitnir há muito tempo, mas ele nunca se acostumou com o dele, por ser um dos filhos do rei, mas não completamente igual aos outros. Não da maneira que essas coisas importam na corte. Ele aprendeu seu erro

da maneira mais difícil com Helene, e é um erro que eu não queira que ele repita com você, Everleigh. Abri minha boca, mas Dahlia acenou com a mão, me cortando. O movimento fez o D em relevo no coração de ouro em volta do pescoço brilhar à luz do sol. — Posso ver que Lucas se importa com você e que você se importa com ele — continuou ela. — Mas você é uma rainha, e ele é um príncipe bastardo. Nós duas sabemos quão triste essa história acabará. Lucas já passou por esse desgosto com Helene e não quero que ele passe por isso novamente. Seria pior com você. Porque ele sabe que nunca poderá ter você. Não como ele tinha Helene. Não como ele teria tido Helene se o pai dela não tivesse interferido. Cada palavra que ela dizia era como uma adaga torcendo mais fundo no meu coração, principalmente porque era tudo verdade. — Eu me preocupo muito com Sully. Ele tem sido um bom amigo. — Respirei fundo. — Mas você está certa, e nós sabemos que é tudo o que ele pode ser. Ele também sabe disso, o que ele deixou perfeitamente claro. Dahlia me estudou, mas ela deve ter ouvido a concordância relutante em minha voz e visto a sinceridade dolorosa nos meus olhos. — Bom. Fico feliz que você e Lucas sejam claros sobre o que o futuro reserva. — E o que você acha que o futuro reserva para ele? Ela estendeu a mão e brincou com seu medalhão, deslizando o coração em sua corrente de ouro. — Lucas já está em turnê com a tropa de gladiadores há tempo suficiente. Está na hora de voltar para casa em Glitnir permanentemente. — Ela mordeu o lábio, como se não tivesse certeza de que deveria confiar em mim. — Você provavelmente percebeu que Heinrich não está... bem. Ele simplesmente não conseguiu se recuperar da morte de Frederich. Não que qualquer pai possa realmente se recuperar da perda de um filho, mas sua saúde em declínio me incomoda. — E os mestres dos ossos? — perguntei. — Eles não foram capazes de ajudá-lo? — Infelizmente, um coração partido é uma coisa que a magia simplesmente não pode curar. Eu me preocupo que Heinrich irá embora mais cedo ou mais tarde, e quero que Lucas passe o maior tempo possível com o

pai. Certamente, você entende quão importante é a família, Everleigh. Especialmente porque toda a sua se foi. Seus olhos verdes se cravaram nos meus, e suas palavras tinham muito mais irritação do que eu esperava, mas ela estava certa. Eu sabia exatamente quão importante era passar um tempo com as pessoas que você amava antes de serem levadas. Eu não queria ficar no caminho de Sullivan se reconectar com o pai, especialmente porque Heinrich estava tão doente. — Compreendo. Dahlia sorriu, estendeu a mão e bateu na minha mão. Para minha surpresa, senti uma pequena, mas firme corrente de poder percorrendo seu corpo no segundo em que seus dedos tocaram os meus. Tanto quanto eu sabia, Dahlia não era uma maga ou mestre. Talvez ela fosse uma simplória com um pouco de força ou velocidade aprimoradas. Mas ela tirou a mão da minha antes que eu pudesse dizer exatamente que tipo de magia ela tinha. — Obrigada pela compreensão, Everleigh — murmurou. — Sua bondade significa mais do que você imagina. Eu sorri, mas a expressão sumiu do meu rosto no segundo em que ela olhou para a lagoa novamente. Ela poderia apreciar minha bondade, mas senti que meu coração era um dos nenúfares dançando na superfície da lagoa. Só que em vez de correntes, eu tinha pessoas me rodopiando de um lado para o outro, tentando me forçar a fazer o que eles queriam. Eu me perguntava quem venceria no final – ou se as correntes, pessoas e planos que os acompanhavam me sugariam e me afogariam para sempre.

Capítulo 17 Dahlia pediu licença, dizendo que precisava checar alguma coisa na cozinha, mas eu tive a sensação de que ela entregou sua mensagem, me alertando para ficar longe do filho e que estava me dando tempo de digerir suas palavras. Os guardas de Dahlia foram com ela e Paloma entrou no mirante. — Isso parecia intenso — disse ela. — Quanto você ouviu? Ela encolheu os ombros. — Tudo isso Dei a ela um olhar irritado. Paloma deu de ombros novamente e apontou para o rosto de ogro em seu pescoço. — Os morfos têm uma audição excelente, lembra? Suspirei. — Onde estão os outros? — Serilda e Cho estão tentando descobrir como os Mortans entraram no palácio na noite passada. Sullivan está tomando café da manhã com Heinrich e Dominic, e Xenia está fazendo o mesmo com algumas mulheres nobres. Mas acho que isso é apenas uma desculpa para ela reunir fofocas e espioná-las. — Ela é excelente nisso — murmurei. — Bem, se todo mundo está ocupado, então eu finalmente tenho tempo para procurar respostas sobre algumas coisas.

— Acho que você quer dizer que nós temos tempo para obter algumas respostas — disse Paloma. Arqueei minha sobrancelha. — Você não vai me trancar no meu quarto de novo? — Se eu pensasse que seria bom. Mas, te conhecendo, você apenas encontrará uma maneira de escapar. — Provavelmente. Sou bastante incorrigível assim. Paloma suspirou. — Agora eu sei por que Auster tem tantos cabelos grisalhos. Manter você segura é cansativo. Eu a deixei sair da sala de jantar ontem à noite e você foi atacada por assassinos de Mortan menos de uma hora depois. É como se você fosse um imã para problemas. Estremeço ao pensar no que aconteceria se eu te deixasse sozinha em seus aposentos o dia todo. Eu sorri — Você não tem ideia. Graças a alguns sinais úteis, encontramos o caminho para sair do labirinto e voltar para dentro do palácio. Eu pedi instruções a um criado e, dez minutos depois, Paloma e eu subimos uma escada e paramos na frente de uma porta. Pedaços de vitrais azuis, pretos e prateados se uniram para criar uma linda cena de floresta fosca na porta. Meu coração doía e tracei meus dedos sobre os cacos coloridos. Esta porta parecia exatamente como aquela que dava para sua oficina em Seven Spire, antes de ser destruída durante o massacre. Bati e esperei até uma voz abafada rosnar para eu entrar. Girei a maçaneta e entrei, junto com Paloma, que fechou a porta. Uma enorme sala redonda ocupava esse nível da torre. Grandes janelas arqueadas foram colocadas nas paredes, deixando entrar muito sol da manhã e várias fluorestones embutidas no teto também brilhavam com luz, iluminando ainda mais a área. Uma mesa comprida coberta com vários pares de pinças, pilhas de panos de polimento brancos e macios, e outras ferramentas de joalheiros corriam pelo centro da sala, enquanto armários de vidro cheios de metais e pedras

coloridas

preciosos

abraçavam

as

paredes.

A

oficina

era

estranhamente semelhante a que ele tinha em Seven Spire, até o cheiro metálico da magia que encheu a sala.

Meu coração doeu novamente. Eu senti falta disso. Senti falta dele. Alvis estava sentado em um banquinho à mesa e espiando através de uma lupa uma bandeja de veludo branco. Gemma estava empoleirada em um banquinho ao lado dele, um lápis e um bloco de papel nas mãos, anotando. Grimley também estava aqui, cochilando em uma mancha solar ao lado de uma das janelas. Todo ronco suave que saía de sua boca soou como cascalho triturado, mas o som constante era estranhamente reconfortante. — Evie! Estou tão feliz que você está bem! — Gemma jogou o lápis e o bloco no chão, pulou do banquinho, correu ao redor da mesa e me abraçou. — Tio Lucas disse que você estava bem, mas ninguém me deixou vê-la. Eu a abracei. — Claro que estou bem. É preciso mais do que alguns assassinos e um pouco de raio para me machucar. Você sabe disso. Gemma me abraçou novamente, depois se afastou e começou a morder o lábio. — Você acha que isso acontecerá de novo? O massacre em Seven Spire. Você acha que algo assim acontecerá aqui? Para o meu pai? A preocupação óbvia em sua voz e o medo em seus olhos azuis acertaram meu corpo como uma espada, me cortando até os ossos. Às vezes, esquecia que eu não era a única que havia sobrevivido ao massacre. Mesmo que Gemma tenha sobrevivido, ela tinha o mesmo tipo de cicatrizes no coração que eu. Coloquei minha mão em seu ombro e dei um aperto firme e tranquilizador. — Nada de ruim acontecerá com você ou seu pai. Não enquanto eu estiver aqui. — Promete? — sussurrou. Apertei seu ombro novamente. — Eu prometo. Agora, por que você não apresenta Paloma a Grimley? Eu preciso falar com Alvis. Paloma deu um passo à frente, inclinou-se e estendeu a mão para Gemma. A princesa da coroa apertou a mão de Paloma, encarando o rosto de ogro em seu pescoço. Paloma fez uma careta, não gostando do escrutínio silencioso, e eu podia dizer que ela estava se preparando mentalmente para Gemma dizer algo desagradável. O pai de Paloma a expulsou por ser uma metamorfa, então ela era sensível sobre como as outras pessoas a viam, e especialmente a criatura que espreitava dentro dela.

— Seu ogro é forte e bonito — declarou Gemma. — Assim como você. A careta de Paloma derreteu em um sorriso suave e hesitante. Esse foi todo o incentivo necessário para Gemma pegar a mão de Paloma e puxá-la até Grimley. As duas se sentaram no chão ao lado da gárgula, que resmungou e abriu um olho azul-safira brilhante, como se não quisesse acordar ainda. Mas a conversa feliz e animada de Gemma logo o fez bocejar e rolar para que Gemma e Paloma pudessem esfregar sua barriga. Sentei-me no banquinho vazio ao lado de Alvis, depois espiei através da lupa para que eu pudesse ver no que ele estava trabalhando. Um pingente estava na bandeja de veludo branco. Uma peça plana de prata formava a base, o que era muito comum, mas o design era realmente impressionante. Alvis arranjara pequenos pedaços de âmbar preto para que formassem o rosto de uma gárgula, enquanto pequenos fragmentos de tearstone azul da meia-noite brilhavam nos olhos, nariz, dentes e chifres da criatura. Eu olhei para Grimley. Não era apenas o rosto de qualquer gárgula – o rosto dele. — Um presente para Gemma — explicou Alvis. — Embora ela não tenha percebido ainda. — Ela é uma maga de mente, não é? Ele piscou surpreso. — Como você sabia? — Ela me disse que sonha com um garoto Mortan. Que ela pode ver e até falar com ele algumas vezes. Apenas magos da mente podem fazer coisas assim. Além disso, eu posso sentir o cheiro de sua magia. Não é como qualquer coisa que eu já senti. — Fiz uma pausa. — Mas ela será muito, muito forte algum dia. Eu posso dizer isso. Alvis soltou uma risada baixa e áspera. — Ela já é forte. Ela é a única razão pela qual saímos vivos de Bellona. Esperei que ele explicasse, mas ele ficou em silêncio, então me concentrei no pingente de gárgula novamente. — Você usou âmbar e tearstone, assim como você fez com o pingente de cisne de Serilda. Ele assentiu. — O âmbar ajudará a bloquear os pensamentos que Gemma ouve da mente de outras pessoas e o tearstone a ajudará a trabalhar e concentrar seu próprio poder.

— Quem mais sabe sobre a magia dela? Alvis encolheu os ombros. — Isso só se manifestou quando estávamos fugindo de Seven Spire. Acho que ninguém, exceto Xenia e eu, sabe disso, e quero mantê-lo assim pelo maior tempo possível. Magos da mente eram muito raros. Alguns historiadores afirmaram que apenas alguns nasciam a cada geração, mas talvez isso fosse o melhor. Magos da mente podiam andar através dos sonhos, ver e conversar com as pessoas por grandes distâncias, e até mover objetos com suas mentes. Eu estava apostando que Gemma iria crescer e fazer tudo isso e muito mais – muito, muito mais. — Bem, o pingente é adorável e tenho certeza de que a ajudará. — Toquei na bandeja de trabalho. — Embora eu pensei que você não acreditava em dar presentes às pessoas. Um sorriso triste curvou os lábios de Alvis com a minha provocação. — Eu não dou, exceto para meus aprendizes. — Então Gemma é sua aprendiz agora? — Continuei brincando com ele. Ele deu de ombros novamente. — Ela passa bastante tempo aqui. Ela pode muito bem ser útil. E ela continua me fazendo perguntas sobre tudo. E eu quero dizer tudo. — Outro sorriso maior curvou seus lábios. — Ela me lembra outra garotinha que eu conheci uma vez. Eu sorri com isso, mas suas palavras me lembraram a verdadeira razão de eu ter vindo aqui – respostas. Então eu levantei a manga da minha túnica e bati meu dedo na minha pulseira de prata. — Por que você fez isso para mim? — Minha mão caiu na espada e na adaga amarradas no meu cinto, e bati meu dedo nelas também. — E por que você fabricou essas armas e as entregou a Serilda todos esses anos atrás? As espessas sobrancelhas negras de Alvis se ergueram. — São muitas perguntas para o início do dia. — Muita coisa aconteceu desde a última vez que te vi em Seven Spire. Ele inclinou a cabeça, cedendo o meu argumento.

— Você sabia que o massacre iria acontecer? — perguntei em voz baixa, apenas para ele. — Você é algum tipo de mago do tempo como Serilda? Foi por isso que você fez a pulseira e as armas? — Não, eu não sou mago do tempo. — Mas? — Mas eu suspeitava que Vasilia estivesse tramando algo, embora eu nunca esperasse que fosse algo tão horrível quanto o massacre. — Então, por que me deu a pulseira? Por que naquela manhã? Ele franziu a testa. — Durante semanas antes do massacre, era como se todas as pedras do palácio estivessem murmurando para mim. Os pisos, as paredes e até as colunas. Era como se todos pudessem sentir o que estava chegando. E não apenas eles. Tive a mesma impressão de todo o metal do palácio, especialmente das espadas dos guardas. Eu apenas senti essa... pressão para terminar a pulseira e dar a você assim que possível. É apenas uma peculiaridade da magia que não consigo explicar. Eu podia acreditar nisso. A magia fazia todo tipo de coisa que não esperávamos. É por isso que era, bem, magia. — E as armas? Você as fez anos atrás, muito antes de Vasilia começar a planejar o massacre. Por quê? — Fiz a espada, a adaga e o escudo por causa de Serilda — respondeu Alvis. — Por causa das visões dela. Desta vez, eu fiz uma careta. — Ela lhe disse que Vasilia seria um dia a causa da morte de Cordelia? — Sim. Cordelia pode não ter acreditado em Serilda, mas eu certamente acreditei. Eu não precisava ser um mago do tempo ou ter visões para ver que Vasilia era podre até o âmago. Meus olhos se estreitaram em pensamento. — É por isso que você criou as armas em tearstone. Para absorver e desviar especificamente os raios de Vasilia. — Sim. Assim como qualquer outra magia com a qual elas possam entrar em contato. — Alvis sorriu para mim novamente. — O que eu não sabia naquela época era que a pessoa que as usaria teria seu próprio jeito de lidar com magia. Mesmo Serilda não viu isso.

— Você sabia da minha imunidade desde o começo? Desde o primeiro dia em que Auster me trouxe para sua oficina? Ele balançou a cabeça. — Não, mas eu não conseguia entender por que a magia desaparecia das minhas joias e, depois de alguns meses, percebi que isso só acontecia depois que você tocava as peças. Foi quando comecei a suspeitar, embora você fosse muito boa em esconder seu poder. — Aparentemente, eu ainda sou. Os nobres de Seven Spire não perceberam que sou imune à magia. Eles pensam que sua pulseira e as armas são o que me protegem. Estou surpresa que ninguém tenha tentado roubá-las ainda. O rosto de Alvis ficou sombrio. — Eles vão, no entanto. Eu assenti. Se você era rico ou pobre, nobre ou comum, real ou não, alguém sempre cobiçava o que você tinha, mesmo que eles já tivessem mais do que você. Era assim que o mundo funcionava, especialmente na arena acirrada de Seven Spire. — Há algo mais que eu quero saber — disse eu, minha voz ficando ainda mais baixa. — Algo que é mais importante que todo o resto. Algo que Maeven disse pouco antes de Vasilia me explodir do lado do palácio com seus raios. — O quê? — perguntou Alvis, embora suas mãos se enrolassem na borda da mesa, como se ele estivesse se preparando para as perguntas que sabia que viriam a seguir. — Por que Maeven me quer tanto morta? — Eu respirei fundo, depois lentamente soltei. — E o que realmente significa ser uma rainha Winter? Alvis olhou para mim, uma expressão ilegível no rosto. Por um momento, pensei que não fosse responder, mas ele finalmente falou. — A família real Mortan odiava os Blairs desde que Bryn Blair matou seu rei em um combate individual. Não sei o que mais incomodou os Mortans: que Bryn, uma humilde gladiadora, superou seu rei, ou que ela uniu o povo contra Morta e formou seu próprio reino de Bellona. De qualquer maneira, ela os humilhou e frustrou seus planos. É aí que tudo começou. Para cada geração desde então, os Mortans estão determinados a destruir os Blairs. Eles vêem os Blairs e

Bellona como as únicas coisas em seu caminho para conquistar todo o continente. Frustração me encheu. Eu já sabia tudo isso e não precisava de outra lição de história sobre o meu próprio reino. — Não é isso que estou perguntando, e você sabe disso. Maeven queria especificamente destruir a linha Winter da família Blair. Por que não os Summers, que eram considerados mais poderosos? O que Maeven sabe sobre minha família – sobre minha magia – que eu não sei? Alvis abriu a boca, como se ele fosse finalmente me dar algumas respostas, mas então um suave suspiro escapou de seus lábios e ele balançou a cabeça. — Não posso te dizer isso. Você tem que descobrir sozinha, Evie. — Descobrir o quê? — perguntei, uma nota suplicante rastejando em minha voz. — Por que você não me conta? Eu preciso saber antes que Maeven e sua Brigada de Bastardos tentem me matar de novo. Os lábios de Alvis se apertaram, e o cheiro de sua culpa de alho encheu o ar. Ele realmente queria me dizer, mas algo o impedia. Depois de vários segundos, ele balançou a cabeça novamente. Decepção me encheu, junto com mais do que um pouco de raiva. Por que ele não me contava? Respirei fundo para exigir algumas respostas, mas Alvis saiu do banco e pegou uma bandeja de veludo preto de uma mesa contra a parede. — Aqui. — Ele voltou e colocou a bandeja ao meu lado. — Talvez isso ajude. Uma pulseira repousava no veludo preto. Eu pisquei com o design familiar. Pedaços de prata se entrelaçavam para se parecerem com espinhos afiados, que envolviam e protegiam o design no centro – uma coroa feita de sete estilhaços de tearstone azul da meia-noite. Não era apenas uma pulseira – era idêntica à que eu já usava no meu pulso direito, incluindo a magia protetora pulsando através dos estilhaços de tearstone. — Posso? — perguntou Alvis em uma voz suave.

Eu assenti, levantei minha manga e estendi meu braço esquerdo. Ele pegou a pulseira, deslizou-a gentilmente no meu pulso, e cuidadosamente prendeu o fecho. Olhei para a nova pulseira no meu pulso esquerdo, depois a correspondente no meu pulso direito, e percebi que elas não eram realmente pulseiras. — Manoplas? — perguntei. — Para quê? — Gemma não é a única que precisa de proteção — murmurou Alvis. — Ou ajuda com a magia dela. Ele sorriu, mas a preocupação escureceu seus olhos castanhos. Mais uma vez, tive a sensação de que ele sabia algo que eu não... A porta da oficina se abriu e Capitã Rhea entrou, seguida por dois guardas. Levantei o meu banco e coloquei minha mão na espada. Do outro lado da sala, Paloma parou de acariciar Grimley e ficou de pé, a mão caindo na maça. Mas Alvis não se intimidou com a aparição repentina da capitãa, e cruzou os braços no peito. — Quantas vezes eu disse para você bater antes de entrar? Para minha surpresa, Rhea revirou os olhos e um sorriso provocador apareceu em seu rosto. — Sim, sim, eu sei. Eu arruinei sua concentração mais uma vez. De acordo com você, eu sou excelente nisso. Para minha surpresa ainda maior, Alvis sorriu para ela. Eu fiz uma careta. Eles eram... amigos? — Rhea! — gritou Gemma com uma voz feliz, avançou e abraçou a capitã ao redor da cintura, assim como ela fez comigo antes. — Ei, garota. — Rhea bagunçou o cabelo da menina. — Ainda estamos treinando espadas mais tarde, certo? Você não pode passar todo o seu tempo presa nesta oficina velha e empoeirada. — Minha oficina não está empoeirada — resmungou Alvis, embora elas não prestassem atenção nele. — Certo! — disse Gemma. — Vejo você então!

Ela voltou para Grimley e Rhea a assistiu ir com um sorriso. Eu respirei fundo. Um cheiro do amor rosado da capitã pela garota inundou a oficina. Ela se importava com Gemma, tanto quanto com Dominic. Rhea deve ter sentido meu olhar curioso, porque ela olhou na minha direção. Quanto mais ela olhava para mim, mais rápido sua felicidade se dissolvia. Em segundos, ela se transformou novamente em uma capitã severa e imponente. Ainda assim, ela não parecia tão irritada e hostil como parecia ontem, e inclinou a cabeça para mim. — Rainha Everleigh. O rei gostaria de vê-la. — Até a voz dela era educada, embora um pouco fria. — Por quê? — Ele não disse — disse Rhea. — Ele acabou de me enviar para buscála. Respirei fundo, mas não senti nenhuma mentira enfumaçada em suas palavras. Olhei para Paloma, que balançou a cabeça em aviso, mas eu queria saber por que Heinrich me chamou. Além disso, ele era o rei, e este era o seu palácio. Não era como se eu pudesse dizer não. — Muito bem. — Fui até a capitã. Paloma começou a se juntar a mim, mas Rhea estendeu a mão, parando-a. — O rei pediu que a Rainha Everleigh viesse sozinha — disse ela. Paloma olhou para mim novamente, mas eu assenti, dizendo a ela que estava tudo bem. — Tudo bem — murmurou ela, em seguida, apontou o dedo para mim. — Mas você não se atreva a ter problemas. Não é nem a hora do almoço ainda. Eu sorri e fiz uma saudação atrevida. — Não posso fazer tais promessas. Paloma me deu um olhar irritado, assim como o ogro em seu pescoço, antes de virar para Rhea. — E é melhor você protegê-la da mesma maneira que protegeria seu próprio rei. Porque se alguma coisa acontecer com Evie, tenha certeza que você é a primeira pessoa que eu vou procurar, junto com seus homens.

Os dois guardas empalideceram e se afastaram, mas Rhea se manteve firme. Ela olhou para Paloma por um momento, depois o ogro no pescoço dela. — Entendido — disse a capitã. — Estou ansiosa por esse encontro, se alguma vez ocorrer. As duas mulheres se entreolharam por mais um momento antes de Rhea voltar para mim. — Rainha Everleigh, se você vier comigo. Ela entrou no corredor e eu segui a capitã para fora da oficina. *** Rhea liderou o caminho, comigo andando atrás dela e os dois guardas atrás de mim. Juntos, nós quatro descemos as escadas para o primeiro andar. Rhea parou e olhou para os homens. — Vocês dois, retomem seus postos anteriores. Eu escoltarei a Rainha Everleigh daqui. Os homens assentiram e partiram na direção oposta. Fiquei surpresa que ela tenha mandado embora os guardas, então eu respirei fundo, mas ela cheirava apenas a alho em vez de mentira esfumaçada que eu esperaria se isso fosse uma armadilha. Rhea gesticulou para mim e dei um passo ao lado dela. Enquanto caminhávamos, percebi que a capitã estivera ocupada durante a noite. Mais guardas patrulhavam pelo palácio do que estivera ontem. Então, novamente, o príncipe herdeiro e a rainha visitante quase foram mortos na noite passada. Claro que haveria mais guardas hoje. Rhea ficou olhando para mim, abrindo e fechando a boca, como se quisesse dizer alguma coisa. Nós dobramos uma esquina e entramos em um corredor livre de guardas, e ela finalmente tomou coragem. Ela parou e estendeu a mão e eu a encarei. — Eu realmente sinto muito pela noite passada — disse ela. — Não sei como esses assassinos entraram no palácio, mas vou descobrir. E se eu descobrir que um dos meus homens, ou qualquer outra pessoa aqui, os ajudou, então essa pessoa desejará que eles tenham me matado em vez de tentar matar você e Dominic. Respirei fundo, sentindo seu cheiro, mas ela cheirava tão fortemente à veracidade da lima que o aroma cítrico queimou meu nariz. Rhea pode não

gostar de mim, mas ela não teve nada a ver com a tentativa de assassinato. Eu duvidava que ela colocasse Dominic em perigo assim, considerando seus sentimentos por ele, mas ainda era bom saber que ela não estava trabalhando com os Mortans. — Eu entendo — disse eu. — E também sinto muito pelo que aconteceu. Nunca foi minha intenção trazer meus problemas para Glitnir, e nunca pretendi colocar ninguém em perigo. Ela assentiu e começou a avançar, mas desta vez eu estendi minha mão, parando-a. — Também sinto muito por Lorde Hans. Meu próprio pai foi assassinado, então eu sei como é doloroso perder um pai dessa maneira. A morte de seu pai me assombra, assim como as mortes do príncipe Frederich e de todos que foram mortos em Seven Spire. Os olhos de topázio de Rhea procuraram os meus. Depois de vários segundos, ela assentiu novamente, aceitando minhas desculpas, e um pouco da tensão entre nós diminuiu. — Eu estava errada sobre você, e peço desculpas por isso. — Ela fez uma careta. — E por desafiá-la na sala do trono. Isso foi tolice e insulto, principalmente porque você é a convidada do rei. — Não parecia tolice quando você estava prestes a tirar minha cabeça com sua espada — falei. Ela sorriu um pouco com o meu humor negro. — Bem, eu certamente me senti tola quando você estava prestes a cortar minha garganta. Estendi minha mão para ela. — Que tal nós duas concordarmos em não fazer essas coisas tolas a partir de agora? Rhea pareceu surpresa com o gesto, mas estendeu a mão e apertou a minha. — De acordo. Ela soltou minha mão e continuamos, nosso silêncio muito mais confortável e sociável do que antes. Eventualmente, entramos em um corredor de aparência familiar, e finalmente percebi para onde estávamos indo – a biblioteca onde ocorreu a tentativa de assassinato.

Quase alcançamos a entrada quando Dominic e Sullivan saíam pelas portas abertas. Os dois príncipes pararam, claramente surpresos, mas foram até nós. Dominic olhou para Rhea enquanto eu olhava para Sullivan. Um silêncio constrangedor caiu sobre nós quatro, e ninguém parecia saber o que dizer. Dominic virou para mim. — Everleigh, você está bem esta manhã. — Assim como você — respondi. — Sem efeitos nocivos da noite passada? Ele me deu um sorriso. — Nenhum. E você? — Nenhum, graças ao seu irmão. Nós dois olhamos para Sullivan, que se mexeu. Dominic sorriu, estendeu a mão e deu um tapinha no ombro do irmão mais novo. — Lucas sempre foi melhor com sua magia do que eu. Veja? É por isso que você precisa voltar para casa com mais frequência. Então você pode me salvar de assassinos perigosos. O príncipe herdeiro soltou uma risada calorosa, mas todos pudemos ouvir a tensão em sua voz. Dominic afastou a mão do ombro do irmão. Ele sorriu para mim novamente, mas seu olhar não encontrou o meu. — Meu pai está ansioso para ver como você está. Bom dia, Everleigh. — Bom dia — murmurei. Ainda sem olhar para mim, Dominic sorriu de novo, depois caminhou na direção oposta. Sullivan assentiu, embora ele também não me olhasse. Então ele se virou e seguiu seu irmão pelo corredor e na esquina, fora da vista. Rhea ainda estava ao meu lado, e o cheiro de seu desgosto cinza flutuou sobre mim. — Sinto muito por Dominic também — disse eu. — Eu sei — respondeu ela com uma voz triste. — Mas não é sua culpa. Eu sempre soube que Dominic se casaria com outra pessoa. Assim como Lucas sabe que você se casará com outro. Além disso, se Dominic acabar com você, então pelo menos eu sei que você o protegerá, e a Gemma também. — Não há muito para se confortar — apontei. — É tudo o que tenho — murmurou.

Rhea

balançou

a

cabeça,

como

se

estivesse

limpando

seus

pensamentos sombrios, depois soltou uma risada baixa e amarga. — Às vezes acho que se todos nós apenas amássemos quem queríamos e casássemos com quem queríamos, a vida seria muito mais fácil, muito mais simples. Mas suponho que chamam isso de dever por uma razão. Ela me deu um sorriso sombrio e sem humor, depois entrou na biblioteca. Eu a segui. Eu esperava que toda uma legião de guardas estivesse posicionada aqui, mas a enorme sala estava vazia, exceto alguns criados colocando um jogo de chá em uma mesa baixa em frente à lareira, junto com bandejas de frutas frescas, biscoitos, queijos e bolos doces. Todos os vestígios da tentativa de assassinato da noite anterior haviam desaparecido. O sangue e os corpos foram removidos, os livros, tapetes e outros móveis queimados foram substituídos, e até a parede de vidro onde Dominic havia batido a cabeça foi reparada. Era como se o ataque nunca tivesse sequer acontecido. O Rei Heinrich estava sentado em uma cadeira de veludo, encarando as chamas crepitantes como se segurassem as respostas de todas as suas preocupações. Ele estava vestido com uma túnica cinza fina, mas a roupa parecia solta e folgada em seu corpo, e a cadeira grande quase parecia uma gárgula de veludo preto que estava lentamente engolindo-o inteiro. Seus olhos azuis estavam mais sombrios e seu rosto estava muito mais pálido do que no jantar da noite anterior. Ele não usava coroa, e mechas cinza brilhavam por toda a cabeça, como se o cabelo fosse feito de cacos de vidro. A mudança marcante me assustou. Era como se o rei tivesse envelhecido repentinamente uma década da noite para o dia. Então mais uma vez, quase perder um segundo filho para um plano de assassinato tendia a pesar muito no coração. Heinrich olhou para cima com o estalo de nossas botas no chão. Ele assentiu para Rhea, depois indicou para mim a cadeira ao lado dele. Depois que os criados terminaram de preparar as bebidas, sentei-me.

Rhea afastou os criados, fez uma reverência para nós dois e saiu. Um estalido suave soou quando ela fechou as portas, me deixando sozinha na biblioteca com o rei. Heinrich olhou para as chamas por mais um momento antes de sair de seus devaneios. Ele gesticulou para as bebidas. — Posso lhe servir um pouco de chá? Ou um bolo doce? — Sua voz era muito mais baixa e muito mais civilizada do que na noite anterior. — Não, obrigada. Ainda estou cheia do meu café da manhã com Dahlia. Um sorriso apareceu em seus lábios. — Dahlia sempre foi gentil assim, sempre recebendo pessoas e mostrando o melhor de Glitnir. Essa é uma das coisas que mais amo nela. — Ela parece uma mulher adorável. O sorriso dele aumentou um pouco. — Para a amante do rei? É o que as pessoas geralmente querem dizer quando dizem coisas assim. Balancei a cabeça. — Não quis desrespeitar. Ele encolheu os ombros. — É o que é, e nós somos quem somos. Neste ponto de nossas vidas, duvido que haja qualquer coisa que eu possa fazer para mudar as coisas, especialmente o que as pessoas pensam de nós. Ele olhou para as chamas novamente, e eu me recostei no meu lugar, ficando confortável e deixando-o colocar seus pensamentos em ordem. Finalmente, Heinrich olhou para mim novamente. — Eu pedi para você vir aqui para me desculpar por tudo o que aconteceu ontem. Você é minha convidada, e quase foi morta. Lamento isso mais do que imagina. Mas lamento especialmente como me comportei no jantar na noite passada. Eu não deveria ter apresentado minha proposta sobre você assim, e não deveria ter pressionado você em aceitá-la. Não na frente de todos os outros. — Então por que você fez? — Porque eu estava – estou – desesperado, como você disse. O rei Mortan nunca ficará satisfeito até conquistar Andvari e escravizar meu povo, e estou ficando fraco demais para lutar muito com ele. — Heinrich soltou um suspiro longo e cansado, como se sua confissão tivesse drenado ainda mais o pouco de força que ele tinha.

— Tenho certeza que você já adivinhou até agora, mas a morte de Frederich foi... me bateu forte. Perder um filho é o pior medo de todos os pais, mas eu não sabia que era possível machucar tanto. — Sua voz falhou nas últimas palavras. A simpatia me encheu pelo rei e por toda a dor que ele e seu povo sofreram. — Você perdeu o seu filho. Não há vergonha em lamentar por ele, Lorde Hans e os outros. Heinrich riu, mas não havia humor no som baixo e feio. — Você sabe tão bem quanto eu, que reis e rainhas não têm o luxo da dor. Mas talvez a pior parte seja que eu pensei que enviar Frederich para Bellona o manteria seguro, Gemma também, e ajudaria a proteger nosso reino. Mas em vez disso, tudo o que fiz foi matar meu filho. — Um tremor percorreu seu corpo, e ele pareceu afundar ainda em sua cadeira. — Não é sua culpa — disse eu. — Você viu a pedra da memória. Viu o que Vasilia fez com a própria mãe e irmã. Ninguém poderia ter evitado isso. Vasilia sempre mataria a rainha. Seu filho, embaixador e compatriotas tiveram a infelicidade de estar em Seven Spire quando ela decidiu atacar. — No fundo, eu sei disso, mas ainda sinto que a culpa é minha. — Heinrich balançou a cabeça. — Estou feliz que a mãe dele não está viva para ver esse dia. Perder Frederich teria matado Sophina, assim como está lentamente me matando. Ele olhou para o fogo novamente, sua pele pálida esticada sobre os planos afiados do rosto. Naquele momento, ele parecia um esqueleto que estava apenas esperando os últimos pedaços de carne descascarem de seus ossos e revelar seu verdadeiro eu morto por baixo. Após cerca de um minuto de contemplação silenciosa, Heinrich olhou para mim novamente, seus olhos um pouco mais claros e mais nítidos do que antes. — Mas minha oferta ainda permanece. — O quê? — Minha oferta ainda permanece — repetiu com uma voz mais firme. — Case-se com Dominic e junte nossos reinos. Essa é a única maneira de qualquer um de nós sobreviver. Essa é a única maneira de Andvari e Bellona

sobreviver, embora eu tenha certeza de que o rei Mortan ainda fará o possível para esmagar a nós dois. Ele estava definitivamente certo sobre isso, especialmente desde que eu quase fui morta nesta mesma sala ontem à noite, junto com o seu filho. Heinrich me lançou com um olhar duro. — Esse casamento precisa acontecer, Everleigh. Assim que possível. Você sabe que estou certo. — Não sei se você está certo. — Suspirei. — Mas também não posso dizer que você está errado. — Especialmente com o Regalia chegando — acrescentou, insistindo. Surpresa sacudiu através de mim. — Não sabia que era um ano de Regalia. Ele assentiu. — Sim, é por isso que é ainda mais importante que Andvari e Bellona se mantenham unidos. Os Jogos Regalia aconteciam a cada três anos e eram uma época em que os líderes de todos os reinos se reuniam para assistir aos melhores guerreiros, atletas, magos e mestres de suas respectivas terras competirem pela glória de aplausos, dinheiro e muito mais. Com tudo o que aconteceu ao longo dos últimos meses, eu não lembrava que aquele era um ano de Regalia. Heinrich estava certo. Dada a proximidade do Regalia, era ainda mais importante permanecermos juntos, mas eu ainda não estava pronta para ceder à sua proposta. — Tem que haver outra maneira de chegarmos a um acordo além do meu casamento com Dominic. Algum acordo comercial que podemos elaborar. Não quero esse casamento, e seu filho também não. — Você acha que não sei disso? Um homem teria que ser cego para não ver como Dominic e Rhea se entreolham. Eu não gosto disso mais do que você. Isso não me traz prazer. Levantei minhas mãos. — Então por que você está fazendo isso? Ele suspirou. — Porque eu tenho uma corte cheia de nobres como você. Vários desses nobres perderam seus filhos e filhas no massacre em Seven Spire, e eles querem sangue em troca desse sofrimento. E se eles não podem ter o seu sangue, pelo menos querem sangue andvariano no seu trono... sangue legítimo.

Ele levantou as sobrancelhas, referindo-se claramente aos meus sentimentos por Sullivan. Primeiro Dahlia, agora Heinrich. Todo mundo sabia como eu me sentia sobre o príncipe bastardo? Provavelmente. — Mas eu nem conheço Dominic — protestei. — E ele não me conhece. Heinrich acenou com a mão. — Bah! Isso não é desculpa, e você sabe disso. Eu nunca havia posto os olhos em Sophina antes de me casar com ela. Vocês se darão bem, o que é mais do que a maioria da realeza pode dizer. Ele estava certo sobre isso, então tentei outra tática. — E Gemma? Não quero afastar um pai da filha. Gemma já havia sobrevivido a horrores suficientes durante o massacre. Ela não deveria se preocupar sobre perder o pai também – ou, pior, o que poderia acontecer com Dominic em Seven Spire. Maeven e o resto da Brigada Bastarda não parariam de tentar me matar só porque me casei com Dominic, e nosso casamento o tornaria ainda mais um alvo. Heinrich acenou com a mão novamente. — A menina tem treze anos. Ela está praticamente crescida. Além disso, ela sabe como essas coisas funcionam, e aceitará isso. E não é como se ela nunca fosse ver Dominic novamente. Ele a visitará em toda chance que tiver. — E para fugir de mim, a horrível esposa Bellonan com a qual seu pai o obrigou a se casar — disse eu em uma voz irônica. Heinrich deu de ombros. — Dominic teve sorte porque sua primeira esposa, Merilde, foi uma união de amor. Você sabe como isso é raro para a maioria das pessoas, muito menos para a realeza. Agora é hora de Dominic cumprir seu dever com o reino, assim como eu fiz o meu, casando-me com a mãe dele. O rei olhou novamente para o fogo, seus olhos escuros e distantes com lembranças. Eu me perguntei se ele estava pensando em sua primeira esposa ou em Dahlia. Talvez ambas. Parecia que as duas mulheres estavam emaranhadas juntas, assim como Dominic, Sullivan, Rhea e eu estávamos. Heinrich focou em mim novamente. — Não quero forçar Dominic a se casar com você, mas o massacre atou minhas mãos. Não posso deixar você escapar do que Vasilia fez. Preciso extrair minha libra de carne de algum lugar,

e esta é a solução mais simples e sem sangue. Certamente você pode entender isso. Eu entendia, mais do que ele pensava. Mas eu não podia me dar ao luxo de desistir daquele quilo de carne e não podia me dar ao luxo de parecer fraca também, não aqui, e especialmente aos olhos dos nobres de Seven Spire. Por impulso, estendi a mão e agarrei a mão dele. Abri minha boca para dizer isso a ele, que juntos poderíamos encontrar outra maneira de resolver nossos problemas. Mas a coisa mais estranha aconteceu. No segundo em que minha pele tocou a dele, percebi que podia sentir magia pulsando através de seu corpo. Só que não era seu poder de mago, e não era nada parecido com o de raio do Dominic ou de Sullivan. Não, isso era outra coisa – algo sombrio, algo sinistro, algo que eu duvidava que Heinrich soubesse que estava lá, dado quão suave e sutil era. Veneno.

Capítulo 18 Aumentei meu aperto na mão de Heinrich e me concentrei, me perguntando se eu estava apenas imaginando a sensação, mas senti a mesma coisa que antes. Uma corrente pequena, escura e mortal correndo em suas veias, junto com sua magia. Alguém estava envenenando o rei. Quem? Por quê? Quando começaram? E quando planejavam terminar o trabalho? Essas perguntas e mais uma dúzia surgiram minha mente, mas uma coisa parecia certa – o envenenador deveria ser alguém próximo ao rei. Ou pelo menos com acesso à sua comida e bebida, já que essas eram as maneiras mais fáceis e lógicas de administrar veneno. — Everleigh? — perguntou Heinrich, cortando meus pensamentos sombrios. — Algo está errado? Eu ainda estava segurando a mão dele, mas em vez de soltar, coloquei minha outra mão em cima da dele e abaixei a cabeça, como se eu estivesse tomada pela emoção e reunindo meus pensamentos. Então aumentei meu aperto e soltei minha imunidade, empurrando o poder frio e duro para fora do meu corpo e para o dele. Eu havia feito o mesmo tipo de coisa quando Paloma foi envenenada com wormroot por uma gladiadora ciumenta na trupe de Cisne Negro. Eu usei

minha imunidade para combater o veneno no corpo dela e salvá-la, e esperava poder fazer o mesmo com Heinrich, mesmo que ele não estivesse a segundos de morrer como Paloma estivera. Naquela época, eu estava tão desesperada para salvar Paloma que a ataquei com minha imunidade repetidas vezes até que finalmente apaguei o veneno em suas veias, mas tive a sensação de que não podia fazer isso com Heinrich. Ele já estava fraco, e eu poderia matá-lo imediatamente se usasse muita magia rapidamente. Eu também não sabia a que tipo de veneno Heinrich foi exposto, mas definitivamente não era wormroot. Não, esse veneno era muito mais suave, com uma nota doce de lavanda, algo que agia muito lentamente e se acumulava ao longo de vários meses, algo que você nem percebia que estava te matando até que fosse tarde demais. Enviei o menor fio do meu poder para o corpo dele, testando o veneno, mas sua magia imediatamente empurrou contra a minha, como uma víbora coral que se levanta para atacar. Eu cerrei os dentes. Isto não seria agradável. Mas continuei empurrando minha imunidade no corpo de Heinrich, um pouquinho de cada vez, e percebi que o veneno não era uma víbora. Era mais como uma série de trepadeiras venenosas e parasitas percorrendo suas veias, bem ao lado de seu sangue. Então imaginei que eu era um mestre de plantas e que meu poder era um par de tesouras de jardinagem, cortando lentamente todas aquelas trepadeiras emaranhadas. Corte, corte, corte. Cortei uma corda venenosa atrás da outra. Toda vez que minha imunidade cortava uma, outras se uniam, apertando Heinrich e tentando estrangular meu poder. Pior ainda, eu senti o veneno chegando, como se estivesse tentando deslizar do corpo do rei para o meu. Eu não tinha ideia se isso era possível, mas não deixaria isso me infectar, e não deixaria matar Heinrich. Então eu cerrei os dentes e peguei ainda mais da minha magia, usando-a para me proteger e ao rei. Heinrich se mexeu em seu assento, claramente se perguntando o que eu estava fazendo e desejando afastar sua mão. Inclinei minha cabeça para o lado e olhei para ele pelo canto do olho.

Mesmo que eu tivesse cortado apenas uma pequena quantidade de videiras parasitas, eu podia sentir e ver a mudança em seu corpo. Seus ombros se endireitaram, seu rosto perdeu um pouco de sua palidez doentia, e seus olhos azuis estavam mais claros e brilhantes. Ele parecia muito mais vibrante e vivo, o que me incentivou a continuar. Corte, corte, corte. Enquanto eu cortava o veneno, aquelas videiras venenosas ficavam cada vez mais desesperadas, e atacavam a mim uma e outra vez, tentando romper minha imunidade. Mas eu implacavelmente cortei todas e continuei. Corte. Finalmente, cortei a última videira. Segurei a mão de Heinrich por mais um momento, apenas para ter certeza de que limpei todo o veneno do sistema dele, mas agora não detectei nenhuma magia no seu corpo além do seu próprio poder de mago. Então eu esfreguei a mão dele entre as minhas, como se estivesse aquecendo, depois soltei e sentei no meu lugar. Deixei minhas próprias mãos caírem, escondendo-as para que ele não notasse meus dedos trêmulos e caí contra a almofada. Eu nunca usei tanto da minha imunidade de forma tão pequena e controlada antes, e estava totalmente exausta. Heinrich me olhou com curiosidade aberta, mas não disse nada. Talvez não soubesse o que fazer comigo. Isso não era novidade. Às vezes eu não sabia o que fazer de comigo mesma. De qualquer maneira, eu não disse nada para ele. Como você diz a um rei que alguém o envenenara? Eu não sabia e não tentaria explicar isso, muito menos minha imunidade. Eu não fazia ideia se ele acreditaria em mim, e era um risco que eu não estava disposta a correr. — Você está bem, Everleigh? — perguntou ele. — Você parece pálida. Aqui, tome um chá. Ele se inclinou e serviu um chá quente e fumegante. Eu consegui fazer meus dedos pararem de tremer por tempo suficiente para tirar o copo dele. Cheirei o conteúdo, mas o chá de hortelã estava livre do veneno enjoativo e floral que o infectara, então tomei alguns goles para ser educada. O constrangimento entre nós passou, e Heinrich se recostou na cadeira, bebendo seu próprio chá.

— Mmm. Era exatamente o que eu precisava — disse ele. — Não é incrível quão melhor uma xícara de chá quente pode fazer você se sentir? — Na verdade, em Bellona, preferimos que o nosso chá seja gelado — murmurei, fazendo uma conversa fútil. — Nós sentimos que o gelo aprofunda e intensifica os sabores. Ele sorriu, parecendo ainda mais vibrante do que antes. — Vocês Bellonans são bastante bárbaros assim. Ele devia se sentir melhor se estava fazendo piadas sobre chá, e eu me forcei a devolver o sorriso com um dos meus. — Então me disseram — murmurei. Heinrich bebeu o resto do chá e pousou a xícara. Desta vez, em vez de olhar para o fogo, seu olhar se deslocou para o local ao longo da parede de vidro onde Dominic foi atacado. O tapete estava intocado, assim como o vidro, mas eu ainda podia sentir o cheiro fraco do sangue do príncipe no ar. — Não acredito que quase perdi outro filho ontem à noite — disse Heinrich. — Aqui. No meu próprio palácio. Aqueles bastardos Mortan. Eles não serão felizes até que matem a todos nós, não é? Ele falava sobre sua família, a família Ripley e talvez eu também, mas algo me ocorreu sobre a tentativa de assassinato. Quando os Mortans entraram na biblioteca, eles atacaram Dominic e eu. Mas mais deles atacaram o príncipe. Eu pensei novamente. A maioria dos Mortans havia me ignorado e se dirigido diretamente ao príncipe, incluindo a maga do tempo. Eu fiz uma careta. Maeven me queria morta, então por que a maioria dos assassinos não me alvejou primeiro? Ou pelo menos a maga do tempo, já que ela era a mais poderosa? E porque eles não atacaram enquanto eu estava sozinha na biblioteca? Por que esperaram até depois de Dominic aparecer? A menos que... Eu não fosse o verdadeiro alvo deles. Assim que o pensamento surgiu na minha mente, eu sabia que estava certa. Os Mortans não estiveram aqui para me matar. Pelo menos, não apenas eu. Dominic era o alvo principal.

Alguém envenenou Heinrich e alguém queria que Dominic morresse na noite passada. Quem? Por quê? Algum nobre estava fazendo uma jogada pelo trono? Com Heinrich e Dominic mortos, Gemma seria a herdeira, mas ela tinha apenas treze anos, e seria bastante fácil influenciá-la – ou matá-la mais tarde. Talvez Maeven quisesse colocar uma marionete no trono andvariano, da mesma maneira que ela queria colocar Vasilia no trono de Bellonan. Ou talvez isso fosse sobre algo completamente diferente. Possivelmente alguém queria vingança contra Heinrich e Dominic. Talvez um dos nobres que perdeu um ente querido no massacre de Seven Spire quisesse tirar a família do rei antes que eles finalmente matassem Heinrich. Essas possibilidades e uma dúzia de outras encheram minha mente, mas havia muitas variáveis e incógnitas para diminuir as possibilidades e chegar a um culpado. A única coisa que eu sabia com certeza era que alguém queria os Ripley mortos – e a mim também. — O que você está pensando? — disse Heinrich. — Eu quase posso ver as rodas girando em sua mente. — Eu... — comecei a contar minhas suspeitas, mas no último segundo, segurei minha língua. Heinrich já havia perdido um filho. Ele não gostaria da notícia de que havia um traidor em suas fileiras, especialmente porque esse traidor deveria ser alguém próximo a ele, alguém com acesso a ele diariamente. Capitã Rhea, Helene e até Dahlia. Todos eram suspeitos em potencial, além de dezenas de guardas, servos e nobres. Como não tinha ideia de quem poderia estar conspirando contra o rei, decidi não contar a ele. Depois de tudo, eu não tinha provas reais, apenas meus próprios instintos e experiências com Maeven, e Heinrich não me parecia alguém que acreditaria em um estranho ao invés de em seu próprio povo. Além disso, o rei e eu estávamos em termos amigáveis agora, e eu não queria arruinar nossa trégua tênue. — Everleigh? — perguntou Heinrich novamente. — Sobre o que você está pensando?

— Sua proposta — disse eu, uma ideia surgindo em minha mente. — Estou pensando em sua proposta. As sobrancelhas dele se juntaram em confusão. Revirei minha ideia precipitada em minha mente, mas quanto mais pensava nisso, mais eu acreditava que funcionaria. E agora, parecia a única maneira – a única maneira – de eu conseguir descobrir quem estava tentando matar todos nós. — Concordo. Heinrich franziu o cenho. — O quê? — Concordo com seus termos. Eu vou me casar com Dominic. Ele olhou para mim, incrédulo, claramente se perguntando por que de repente eu mudei de ideia, mas mantive meu olhar firme no dele. — Você está falando sério? — perguntou ele. — Absolutamente. Ele ficou me encarando, mas pura e genuína felicidade rapidamente substituiu sua confusão. Ele se inclinou e bateu palmas, alto o suficiente para me fazer pular no meu assento e quase derramar chá por toda a minha túnica. — Excelente! Anunciaremos as notícias na corte ainda esta tarde e teremos um baile real para marcar formalmente a ocasião — disse ele. — Claro, um baile já foi planejado como parte da sua visita, mas agora, vamos realmente dar o nosso melhor. Vou pedir aos empregados que comecem a trabalhar na comida, na lista de convidados, e nos convites imediatamente. Quero que todos vejam essa grande festa e percebam que ambos, Andvari e Bellona, são fortes aliados mais uma vez... Ele continuou falando, e falando sobre todas as coisas que precisavam ser feitas entre agora e o baile. Deixei suas palavras felizes e animadas tomarem conta de mim enquanto bebia mais um pouco do meu chá refrescante. Heinrich não percebeu, mas eu acabara de descobrir outro pedaço do que significava ser verdadeiramente uma rainha Winter. Mentir. Apesar do que eu disse a Heinrich, não tinha a menor intenção de me casar com o príncipe herdeiro. Rhea estava certa. Todos devemos amar e casar com quem quisermos, dever e política, dinheiro e poder que sejam

condenados. Mas esse era um debate que eu teria outro dia com os nobres Seven Spire – desde que eu sobreviva ao meu próprio plano, é claro. Eu não ia me casar com Dominic, mas fingir isso poderia me ajudar a expor o traidor. Alguém queria Heinrich e Dominic mortos, e eu estava disposta a apostar que ele me adicionaria alegremente à lista dele assim que meu noivado fosse anunciado. Bellonans eram muito bons em jogar o longo jogo, e eu não conseguia pensar em um jogo melhor para jogar do que este. Heinrich havia dito que seus nobres queriam sangue. Bem, eles não receberiam o meu – ou o meu trono. Mas eu ficaria mais do que feliz em dar-lhes o sangue de um traidor.

Parte 03 A TERCEIRA TENTATIVA DE ASSASSINATO

Capítulo 19 Heinrich convocou seu secretário e informou o outro homem sobre seus planos de transformar o próximo baile em uma festa de noivado. Os olhos do secretário quase saltaram de sua cabeça, e o homem estava praticamente salivando ao pensar em compartilhar as fofocas suculentas. Sem dúvida, a notícia do meu compromisso com Dominic se espalharia como incêndio no palácio. Bom. Felizmente, as notícias perturbariam os planos do traidor, independentemente de quem ele pudesse ser e forçaria essa pessoa a inclinar a mão. Embora a desvantagem fosse que eu teria que estar em guarda até o traidor ser pego – ou eu fosse morta. Heinrich e seu secretário estavam envolvidos em seu planejamento quando saí da biblioteca. Eu procurei por Rhea, esperando dar a notícia antes que ela descobrisse por outra pessoa, mas ela não estava do lado de fora. Comecei a voltar aos meus aposentos quando um pensamento me ocorreu, então pedi direções a um criado e fui para uma parte diferente do palácio. Dez minutos depois, bati na porta. Uma voz abafada me disse para entrar, então virei a maçaneta e entrei. Esses aposentos eram semelhantes aos meus, embora não tão grandes e grandiosos, mas eu me concentrei na mulher sentada em uma cadeira ao lado da lareira. Sua bengala de ogro prata estava apoiada contra a mesa ao

lado dela, que exibia uma garrafa de conhaque de maçã Ungerian e alguns copos. Xenia estava costurando o que parecia ser um pequeno cobertor, e ela não levantou os olhos do trabalho, quando eu a fechei a porta atrás de mim, me aproximei e sentei na cadeira ao lado dela. Um jogo de chá foi colocado na mesa baixa na frente de nossas cadeiras, juntamente com bandejas cheias de migalhas de bolo. — O seu entretenimento foi bom? — perguntei. Xenia deu de ombros, ainda focada na costura. — Mais ou menos. Descobri algumas coisas novas, mas nada particularmente digno de nota. — Nada a passar para a sua prima, a rainha de Ungerian? Ela deu de ombros novamente. — Nada de especial, não. — Bem, talvez um noivado real a interesse. A cabeça de Xenia levantou, sua atenção repentinamente focada em mim. — De quem é o noivado? — perguntou ela com uma voz aguda. Fiz uma careta. — Meu. Com Dominic. Eu contei a ela sobre minha conversa com o rei. Também lhe contei sobre Heinrich ser envenenado e minha suspeita de que a maga do tempo e os outros assassinos de Mortan estavam realmente tentando matar Dominic em vez de mim. Sua costura esquecida, Xenia recostou-se na cadeira e me estudou com os olhos estreitados, assim como o ogro em seu pescoço. — Você espera que seu noivado force o traidor a fazer algo imprudente. — Sim. E quero que você me ajude a pegá-lo quando o fizerem. — Como? — Precisamos de backup — disse eu. — Pessoas que nenhum dos andvarianos viu e que não têm conexão conosco. Então me diga, onde estão Halvar e Bjarni? Halvar era sobrinho de Xenia, Bjarni era seu amigo ao longo da vida e ambos eram poderosos metamorfos de ogro. Eles me ajudaram a recuperar Seven Spire dos guardas vira-casaca de Vasilia, e eu esperava que eles me ajudassem a proteger o príncipe também.

— Eles ainda estão no castelo Asmund — disse Xenia. — Eu os enviei lá algumas semanas atrás para verificar as coisas. As palavras saíram de sua língua com facilidade, e nem um lampejo de engano estragou seu rosto ou o do ogro em seu pescoço. Xenia era a mentirosa mais habilidosas que eu já vi, o que fazia parte do que a tornava uma excelente espiã. Mas eu ainda podia sentir sua enganação esfumaçada no ar e bati meu dedo no nariz. — Você percebe que eu posso sentir o cheiro quando você está mentindo, certo? Os lábios dela enrugaram. Ela não gostou de ser pega. — Mas, mais do que isso, eu conheço você, Xenia. Estive no Castelo de Asmund e funciona como um relógio, assim como Glitnir e Seven Spire. Você não enviou Halvar e Bjarni para lá para verificar as coisas. Você não precisava. Não, você os enviou à Glanzen, assim que percebeu que eu faria esta viagem. Então eles estão na cidade ou você já conseguiu escondê-los no palácio? Xenia olhou para mim por mais um momento, depois jogou a cabeça para trás e riu. Suas risadas guturais ecoaram pelas câmaras, e o ogro em seu pescoço riu silenciosamente junto com ela. — Muito bem, Evie — murmurou. — Muito bem feito. Fiquei me perguntando se você notaria minha pequena manobra com Halvar e Bjarni. Eu sorri, arreganhando os dentes. — Sou uma aprendiz rápida. — Bem, você está certa. Enviei-os à frente e eles já estão aqui no palácio há uma semana, posando como empresários ungerianos que procuram comprar mercadorias andvarianas. Seus aposentos estão no final do corredor. — Excelente. Então eles já estão andando por aí e pegando fofocas. Eu quero que eles façam mais disso, especialmente quando as notícias sobre o noivado forem divulgadas. E, como uma poderosa e influente nobre, não deve ser muito difícil conseguir convites para o baile real. — Fiz um gesto para o jogo de chá e as bandejas vazias. — Parece que você já fez novos amigos com o seu divertimento. Certamente, um deles ficará feliz em fazer um favor a você. Xenia sorriu. — Oh, tenho certeza de que posso arranjar isso. O que exatamente você quer que Halvar e Bjarni façam durante o baile?

— Vigiem Dominic e certifiquem-se de que ninguém o assassine. Ela levantou as sobrancelhas. — Você realmente acha que Maeven e sua Brigada de Bastardos serão tão ousados a ponto de tentar matar Dominic durante sua própria festa de noivado? Dei de ombros. — Isso é o que eu faria. Se você vai matar o príncipe herdeiro, você também pode fazer da maneira mais pública e visível. Além disso, se Dominic morrer durante o baile, os andvarianos assumiriam que eu tive algo a ver com isso, e gritarão pelo meu sangue. Maeven ama morte e caos, e isso seria uma tempestade perfeita de problemas para mim e Heinrich. Xenia assentiu. — Começarei a garantir os convites. Mas o baile não ocorrerá por alguns dias. O que você fará enquanto isso? — Tentarei encontrar o traidor sozinha. Tenho uma ideia por onde começar. E eu tinha um suspeito, um que me ocorreu no momento em que percebi quanto o veneno no corpo de Heinrich lembrava videiras venenosas. Xenia assentiu novamente, me estudando. — E você contou a Lucas sobre seu plano? Meu coração apertou, mas balancei a cabeça. — Não. E eu não vou. — Bom. Por um momento, pensei que você seria tola o suficiente para contar a ele. — Por que isso seria tolice? — Porque se você contar a verdade, a reação dele não será genuína — apontou Xenia. — E você precisa que a reação dele seja genuína. Você precisa que ele pense que realmente está passando por isso, que você está determinada a se casar com Dominic. A raiva de Lucas venderá todo o seu plano para o traidor. Inferno, fará todo o trabalho para você. Tudo o que você precisa fazer é segurar o braço de Dominic e sorrir. Meu estômago torceu com medo. Era isso que eu temia. Xenia se inclinou e bateu o dedo no canto do seu olho. — Eu posso ver quando você está chateada, Evie, e quase posso ouvir a náusea agitando seu estômago — disse ela, zombando de mim com meus próprios gestos e palavras.

— E por que eu ficaria enjoada por me casar com um príncipe? — falei, tentando esconder meus sentimentos. — Pensei que fosse o sonho de toda garotinha. Ela bufou. — Porque você sabe tanto quanto eu o quanto isso vai ferir Lucas. Ele pensará que você o está deixando de lado por seu irmão, seu irmão legítimo, assim como todo mundo fez na vida dele. E ele ficará ainda mais ferido quando perceber que você não disse a verdade. Ele pode até odiá-la. No mínimo, ele provavelmente nunca mais confiará em você. Isso me deixou nauseada – absolutamente, positivamente nauseada – pensar na dor que meu engano causaria a Sullivan, mas todo mundo parecia saber como eu me sentia sobre ele, e eu precisava assumir que o traidor sabia também. Por mais que me doesse, precisava deixar Sullivan acreditar no pior de mim. Xenia estava certa – sua mágoa e raiva fariam mais para vender meu noivado falso do que quaisquer discursos floridos que eu poderia fazer ou qualquer passeio que eu poderia fazer com Dominic. Aparentemente, ser rainha era mais do que apenas mentir – também envolvia ferir as pessoas com quem você se importava. Claro, a dor que eu estava prestes a causar estava a serviço de um bem maior, mas isso não tornou mais fácil fazê-lo. Por outro lado, talvez ser uma rainha Winter não fosse fácil. — Tem certeza de que deseja continuar com isso? — perguntou Xenia, seu tom mais compreensivo. Suspirei. — Tenho certeza. Por mais que eu me importe com Sully, ainda sou a rainha de Bellona e tenho que fazer o que é melhor para o meu reino. E para Andvari também, se alguém percebe ou não. Esse traidor precisa ser pego agora, antes que causem mais danos. Caso contrário, ele voltará a envenenar Heinrich e mirar em Dominic no segundo em que eu deixar Glitnir. Não posso deixar Maeven massacrar outra família como ela fez com a minha. Eu não deixarei isso acontecer, nem mesmo se eu tiver que machucar Sully. Prefero que ele me odeie do que Heinrich e Dominic mortos. — E a sua própria mágoa? — perguntou Xenia. — Heinrich me disse que reis e rainhas não têm o luxo da dor. — Suspirei novamente. — Esta sou eu não tendo esse luxo.

Ela me estudou por vários segundos. — Você contará aos outros? — Sim. Paloma perceberá que estou mentindo. Serilda também, com sua magia. Eu tenho que contar a eles, e Cho também. — Mas não Lucas. Você tem certeza disso? — Sim. Tem que ser assim. — Minha boca torceu. — Talvez eu não tenha o luxo da dor, mas tenho o luxo de dizer aos outros o que fazer. Paloma, Serilda e Cho concordarão comigo. Eles sabem o que está em jogo e ficarão calados. Só espero que Sully não descubra o que realmente estou fazendo antes de pegarmos o traidor. Xenia assentiu, depois estendeu a mão, pegou a jarra de cristal e serviu para nós duas um copo de conhaque. — Lucas não é o único que ficará furioso. Heinrich também, quando perceber que você mentiu para ele. — Espero que ele fique mais agradecido por não ter perdido outro filho. Ela encolheu os ombros. — Possivelmente. Mas tristeza e raiva fazem as pessoas fazerem todo tipo de coisa estranha, especialmente quando se trata de seus filhos. — Tenho certeza que você pode simpatizar com Heinrich. — Fiz uma pausa. — Desde que você também perdeu um filho. A mão de Xenia estremeceu e o conhaque saiu da jarra e espirrou sobre a mesa. Ela olhou fixamente para o líquido, como se estivesse tentando reunir seus pensamentos, e lentamente pousou a jarra. Ela levou mais alguns segundos para erguer o olhar para o meu. — Como você sabia disso? — sussurrou. — Havia esse tom em sua voz ontem em meus aposentos quando estávamos conversando sobre Heinrich de luto pelo filho dele. — Bati no nariz novamente, mas desta vez não houve zombaria no gesto. — E eu podia sentir o seu sofrimento então, assim como agora. — Bem, você e seu maldito nariz são totalmente perceptivos. Xenia olhou para mim e me perguntei se havia cometido um erro ao tentar descobrir mais sobre ela. Mas o olhar dela lentamente suavizou e ela recostou-se na cadeira, como se toda a força tivesse subitamente deixado seu corpo, como Heinrich fizera na biblioteca anteriormente.

— Sim — disse ela finalmente em voz baixa e tensa. — Eu perdi um filho. Anos atrás. Não para assassinos, mas para a minha própria tolice. — Você quer falar sobre isso? Ela balançou a cabeça e o rosto ogro no pescoço fechou os olhos, embora não antes de algumas lágrimas escaparem dos cantos dos olhos e deslizarem pelo pescoço de Xenia. — Não. — Se você pref... Ela assentiu. Ficamos em silêncio por quase um minuto antes de Xenia pigarrear, estender a mão e pegar os copos de conhaque. Assim, ela se transformou em seu habitual eu calmo e controlado. Talvez os espiões também não tivessem o luxo de sofrer. — Bem, então — disse ela, passando uma das bebidas para mim. — De volta ao negócio em questão. Vamos brindar ao seu noivado, Rainha Everleigh. Ela estendeu o copo e eu relutantemente tilintei o meu contra o dela. Então coloquei o copo nos meus lábios e virei o conteúdo. O brandy de maçã ungeriano deslizou pela minha garganta antes de se juntar ao meu estômago, embora a lenta e doce queimação de canela não fosse suficiente para abafar meu crescente medo e náusea. Xenia tomou um gole de seu próprio conhaque e recostou-se na cadeira. — Eu vou dizer isso para você, Evie. Até agora, seu reinado não foi chato. *** Falei mais alguns detalhes com Xenia e depois voltei para meus próprios aposentos. Paloma estava esperando lá, junto com Serilda e Cho. Contei sobre meu plano, junto com minha decisão de não contar a Sullivan sobre isso. — Tem certeza de que é uma boa ideia? — Paloma franziu a testa, assim como o ogro em seu pescoço. — Ele poderia nos ajudar a procurar o traidor.

— Eu sei disso, mas ele também conhece todos em Glitnir. Ele está muito perto disso. Não posso arriscar que ele diga a coisa errada para a pessoa errada. Paloma balançou a cabeça. — É o seu funeral. Serilda e Cho balançaram a cabeça também, concordando com ela. Eles poderiam não gostar, mas guardariam meu segredo. Uma batida aguda soou, mas antes que eu pudesse dizer à pessoa para entrar, as portas se abriram e Sullivan entrou furiosamente. Dada sua mandíbula cerrada, ele já havia ouvido falar sobre meu noivado com Dominic. Eu não esperava que ele ficasse feliz com isso, mas ver a dor nua e crua em seu rosto e cheirar a tristeza de seu coração quase mudou minha mente sobre o meu plano. Quase. Mas as rainhas não tinham o luxo de retroceder ou ceder aos seus sentimentos, e eu deveria ser forte agora, não apenas por Bellona, mas também para ele, ele percebendo ou não. — Olá, Sully. Entre. Ele olhou para mim por um momento, depois se concentrou em Paloma, Serilda e Cho. Seu olhar intenso e zangado disparou para todos por sua vez. Seus traços eram tão tensos quanto os dele, e Sullivan percebeu que estávamos conversando sobre ele. — Então é verdade. Você aceitou a oferta do meu pai. Você está noiva de Dominic. — Ele cuspiu a última como se as palavras deixassem um gosto desagradável em sua boca. — Sim. Eu estava acabando de dizer a todos sobre minha decisão. — Dizendo a todos, menos a mim. — Eu ia lhe contar. Em particular. Mas você não me deu a chance. Ele soltou uma risada amarga. — Não, suponho que não. Olhei para os outros. — Vocês podem nos dar licença? Eu gostaria de falar com Sully sozinha. Paloma, Serilda e Cho deram um olhar de simpatia a Sullivan e deixaram os aposentos. Cho fechou as portas, me deixando sozinha com o príncipe bastardo.

Sullivan olhou para mim novamente. — Então é verdade — repetiu, sua voz muito mais calma e suave do que antes. Eu não queria fazer isso. Não queria mentir e, especialmente, não queria machucá-lo. Mas eu não podia ser Evie agora. Não, agora, eu precisava ser uma rainha, e meu coração deveria ser tão frio e duro quanto a coroa de tearstone na minha cabeça. — Eu tenho que fazer o melhor para Bellona — disse eu, tentando explicar sem realmente dizer a ele o que estava acontecendo. A mágoa e a raiva de Sullivan lentamente se fundiram em descrença atordoada e depois se transformaram em desgosto. Ele passou a mão pelos cabelos. — Eu sabia que você acabaria se casando com alguém. Eu simplesmente não achava que isso aconteceria tão rapidamente – ou que seria com Dominic. Não respondi, e ele soltou outra risada baixa e amarga. — Ser preterido por um dos meus irmãos legítimos. Eu deveria ter esperado isso. Às vezes, acho que é tudo que eu deveria esperar. Pelo menos então, eu nunca ficaria decepcionado — rosnou. — Eu realmente já deveria ter aprendido essa lição agora. Especialmente porque já aconteceu comigo anteriormente. Endureci com o insulto óbvio. — Eu não sou nada como Helene. — Neste momento, acho que você é exatamente como ela. — Uma expressão triste e resignada encheu seu rosto, embora rapidamente se afastasse, substituída por mais raiva. — Ou talvez não. Pelo menos ela teve a decência de esperar até depois que eu deixei Glitnir para ficar noiva de meu irmão. Desta vez, eu não consegui parar de me encolher com as palavras dele. — Não é assim. Além disso, você sabe que isso não foi minha ideia. — Não, foi do meu pai. Não sei se isso a torna melhor ou pior. Mas você não precisava dizer sim para ele ou se casar com o meu irmão. Seus olhos escureceram, um músculo pulsou em sua mandíbula, e suas mãos se fecharam em punhos novamente. Eu não sabia com quem ele estava mais bravo agora – seu pai ou eu. Provavelmente nós dois. No mínimo,

ele pensou que eu o traí, mesmo que nunca tivéssemos feito promessas um ao outro. Mas eu teria sentido o mesmo se nossas posições fossem invertidas. — Realmente não importa de quem foi a ideia — disse eu. — Só que acredito que isso é o melhor. Somente dê uma chance; só me dê uma chance. Eu queria tranquilizá-lo, talvez até dar uma pequena dica de que as coisas não eram o que parecia, mas minhas palavras o deixaram ainda mais desgostoso. Um pouco de relâmpago brilhou em seus olhos, sua boca pressionou em uma linha dura e implacável, e o cheiro quente e picante de sua raiva picou meu nariz e trouxe lágrimas aos meus olhos. Pelo menos, foi o que eu disse a mim mesma, em vez de admitir que as lágrimas eram produto de minhas próprias emoções turbulentas. — Eu não deveria ter lhe dado nenhuma chance, alteza. — Ele cuspiu o apelido como se nunca quisesse dizer de novo. — Nenhuma maldita. Não depois que eu descobri quem você realmente era, e especialmente depois que você assumiu o trono. Eu sempre soube que havia algo diferente em você, mas quando percebi o que era, o que você era, era tarde demais para mim. — Então por que você me deu uma chance? — perguntei. — Porque você sempre me fazia sorrir e rir, mesmo quando fazia algo tão ridículo como pegar minha jaqueta ou roubar meu travesseiro. Você sempre esteve lá. Sempre brigando. Sempre me desafiando no ringue de gladiadores e fora dele. Mesmo depois de descobrir que eu era um príncipe bastardo, você nunca me tratou de maneira diferente. Nem por um segundo. E isso foi tão inesperado, tão refrescante, tão incrível para mim. — Sullivan balançou a cabeça, como se estivesse profundamente decepcionado consigo mesmo. — Não pude deixar de ser pego por tudo isso, pego por você. Eu não achava que isso era possível, mas meu coração acelerou e parou, disparou e despencou, inchou de felicidade e se despedaçou de dor, tudo ao mesmo tempo. Ele realmente se importava comigo. E eu acabara de arruinar todo esse cuidado, preocupação e calor com minhas mentiras. — E agora escolhi outra coisa, outra pessoa. Eu te decepcionei, machuquei, decepcionei, assim como Helene. — Eu não queria me comparar com a outra mulher, mas não podia negar as semelhanças.

Sullivan me deu um sorriso fraco, mas a expressão era totalmente desprovida de calor. — Você tem que se importar com alguém para que eles te machuquem e desapontem. E acho que já passou da hora de eu me importar com você, Rainha Everleigh. Foi a primeira vez que ele me chamou pelo meu nome completo e posição, mas essas duas simples palavras me cortaram até os ossos, como se ele tivesse enterrado sua espada no meu peito. Sullivan apertou o punho contra o coração no estilo tradicional dos Andvarianos e fez uma reverência profunda antes de voltar para a posição vertical. — Espero que você goste do próximo baile real, Rainha Everleigh, junto com seu casamento com meu irmão. Desejo a vocês nada além de felicidade, e espero que vocês consigam exatamente o que merecem. Sullivan me deu outro olhar frio e bravo, depois marchou para as portas. Ele abriu uma delas, depois saiu e fechou-a atrás dele. O estrondo resultante foi forte o suficiente para sacudir as tapeçarias da parede e mais do que acentuado o suficiente para destruir completamente o que restou do meu coração.

Capítulo 20 Naquela noite, jantei na sala de jantar com o rei, assim como na noite anterior. Bem, não era como na noite anterior. Na verdade, foi a reversão mais estranha do destino e o mais longe possível da refeição anterior. Por um lado, Heinrich estava de bom humor e jovial. Eu não sabia se era porque eu havia limpado o veneno misterioso do sistema dele ou se ele estava simplesmente feliz por eu ter concordado em me casar com Dominic, mas ele fez um brinde após um brinde à minha saúde, à saúde de Dominic e tudo mais. Observei o rei atentamente, assim como todos com quem ele entrava em contato, mas Heinrich não tinha efeitos persistentes do veneno, e ninguém parecia chateado por ele de repente parecer mais saudável. O traidor deveria ser alguém próximo ao rei, mas se ele percebeu que eu havia atrapalhado seu esquema venenoso, ele escondeu extremamente bem. Eu estava sentada à esquerda de Heinrich, com Dominic na minha frente. Dahlia estava sentada ao meu lado, com Gemma em frente a ela. Alvis e Helene também estavam à mesa. Paloma, Serilda e Cho estavam em outra mesa, enquanto Capitã Rhea estava parada junto à parede com os guardas andvarianos. Xenia estava fazendo o que ela fazia, o que deveria incluir o contar a Halvar e Bjarni o meu plano e garantir-lhes convites para o baile real.

Mais de uma vez, tentei chamar a atenção de Rhea, mas ela não olhou para mim. Não poderia culpá-la por isso. Dominic ficou olhando para ela, mas ela não olhou para ele também. Bem, pelo menos eu não era a única que ela estava evitando. O assento de Sullivan estava vazio. É claro que a ausência de Sullivan não passou despercebida, mas a grande novidade ainda era meu compromisso com Dominic, e todos nos observavam, imaginando como reagiríamos agora que o acordo foi fechado. Por sua parte, Dominic era gentil, espirituoso e gracioso, perguntandome sobre Bellona, minha infância e muito mais. Ele desempenhou o papel do noivo amoroso com perfeição, e eu não poderia ter pedido que ele fosse mais atencioso. Não é à toa que o chamavam de príncipe encantado. Eu sorri, conversei e ri, desempenhando meu papel ao máximo também. Até bati meus olhos, estendi a mão sobre a mesa e apertei sua mão de vez em quando, como se já estivesse apaixonada por ele – ou pelo menos com o pensamento de casar com ele e sustentar meu próprio trono. Ah, sim. Dei a todos na sala de jantar uma grande performance, talvez a melhor da minha vida. Não duvido que o traidor já tenha ouvido falar sobre o noivado, mas eu queria que as notícias de exatamente como eu estava malditamente em êxtase se espalhassem por todos os cantos, recantos e esquinas do palácio. Quanto mais fofocas eu causasse e quanto mais pessoas convencesse, mais provável era que o traidor fizesse outro movimento, seja contra Heinrich, Dominic ou eu. Depois do jantar, Dominic e eu fizemos um passeio pelo palácio para vender ainda mais a ilusão de quão profundamente comprometidos estávamos repentinamente um com o outro. Ele me levou de sala em sala, me mostrando espadas, joias e outros tesouros, além de me apresentar aos nobres mais ricos e importantes. Os andvarianos ainda poderiam estar com raiva por causa do massacre em Seven Spire, mas todos estavam extremamente ansiosos para usar meu casamento com seu príncipe para promover sua própria fortuna em Bellona.

Quando Dominic me deixou do lado de fora dos meus aposentos, com um beijo casto na minha mão, minhas bochechas doíam de sorrir tanto e por tanto tempo. Mas o trabalho da minha noite estava apenas começando. Calandre e suas irmãs me ajudaram a tirar a roupa e prepararam um banho quente. Elas pairaram ao redor por quase uma hora antes de eu finalmente conseguir afastá-las, alegando que estava exausta e indo para a cama. No segundo em que saíram, tirei minhas roupas noturnas e vesti uma túnica, perneiras e botas. Minha espada e adaga estavam presas ao meu cinto como de costume, e também peguei uma capa azul do armário e puxei o capuz sobre minha cabeça, lançando meu rosto na sombra. Uma batida soou na porta e Paloma entrou. — Você está pronta? Assenti. — Vamos. Paloma usava uma capa verde floresta, e ela também havia levantado o capuz para esconder o cabelo loiro trançado e rosto. Ela mandou os guardas embora em alguma missão sem sentido, então ninguém nos viu sair dos meus aposentos. Passamos pelos corredores como Sullivan e eu fizemos ontem à noite, e nosso destino era o mesmo – a masmorra. Para minha surpresa, nenhum guarda foi colocado do lado de fora da entrada da masmorra, mas eu supunha que não havia razão para eles estarem aqui, já que não tinham mais um prisioneiro para guardar. Fomos para dentro e até a cela da maga do tempo. Sullivan trancara a porta da cela com a magia dele, mas passei minhas mãos pelas grades e sufoquei seu poder com a minha imunidade. Alguns segundos depois, as últimas faíscas azuis de sua magia fracassaram, e a porta se abriu. — Ainda não vejo por que você quis vir aqui — resmungou Paloma. — O que você espera encontrar? — Não sei. Algum tipo de pista. Algo que pelo menos me dirá se a maga do tempo envenenou a si mesma ou se alguém fez isso com ela. — Que diferença faz? — perguntou Paloma. — Você já acha que alguém envenenou a maga. É a base de toda a sua teoria do traidor. Além disso, ela

está morta, então não é como se ela pudesse nos dizer quem estava trabalhando com ela. — Eu sei, mas eu queria ver a cela dela novamente. Paloma deu de ombros, ainda não entendendo o que eu queria dizer, mas ela ficou de vigia enquanto eu entrava na cela. A área parecia a mesma de ontem à noite. Uma cama empurrada contra a parede dos fundos com um balde para um penico no canto. Felizmente, o balde estava vazio e os cobertores, lençóis e colchão foram removidos da cama, deixando apenas a armação de metal. O corpo da maga foi

removido

também,

embora

o

cheiro

acobreado

de

seu

sangue

permanecesse no ar, junto com a leve sugestão do veneno que a matou. Agora isso poderia ser uma pista. Eu me agachei no local onde a maga havia morrido, já que era onde o cheiro do veneno era mais forte. Respirei fundo várias vezes, puxando o ar sobre a minha língua e provando todos os aromas nele. Também estendi meus dedos na laje, onde a água envenenada pingou do copo, então estendi a mão com minha imunidade. O aroma era fraco, assim como os traços de magia, mas eu ainda os reconhecia como o mesmo perfume suave de lavanda e videiras venenosas de poder parasita que eu sentira em Heinrich. Tomei várias respirações e estendi a mão com ainda mais da minha magia, mas o aroma e a sensação permaneceram os mesmos, confirmando minhas suspeitas. Então eu larguei minha magia e me apoiei nos meus calcanhares. — Você encontrou alguma coisa? — perguntou Paloma. Eu assenti. — A maga definitivamente não se envenenou. — Como você sabe? Eu me levantei e espanei minhas mãos. — Porque quem a matou também usou o mesmo veneno no rei. Paloma franziu a testa. — Isso não prova nada. A maga ainda poderia ter se matado.

Balancei a cabeça. — Acho que não. Este veneno não é como wormroot. Não foi projetado para matar você imediatamente usando apenas algumas gotas. Cheira muito suave e sutil para isso. — Então? — Então a maga do tempo teria que tomar uma dose enorme para se matar, mais veneno do que pode ser embalado em um botão ou dente oco ou em algum outro pequeno esconderijo. Vi uma jarra vazia e um copo na mesa no canto do lado de fora da cela. Todo mundo já sabia que a maga havia bebido o veneno, mas eu ainda fui, peguei os objetos e cheirei-os. A jarra estava limpa, mas o copo ainda cheirava a veneno, e o aroma floral era muito mais forte do que em qualquer outra coisa. Meu nariz enrugou. — Mas um copo de água cheio de veneno teria sido mais do que suficiente para matá-la. — Mas você ainda não pode provar que a maga não se envenenou — ressaltou Paloma. Coloquei o copo na mesa. — Eu sei, mas essa maga não era uma jovem assustada como Libby. Esta maga era mais velha, mais forte, mais resistente, mais experiente. Mesmo quando foi derrotada na biblioteca, ela continuou lançando ameaças a mim e a Sullivan. A maga não iria simplesmente desistir e se envenenar. Pelo menos, não sem tentar escapar primeiro. Não, acho que nosso misterioso traidor envenenou a água da Maga, e a Maga bebeu sem nem perceber o que era. Olhei em volta novamente, mas não havia mais nada de interessante. Eu sabia o como e o porquê da morte da Maga. Agora eu só precisava saber quem. — Quem esteve na masmorra ontem à noite? Quem estava aqui quando a maga foi trazida? O rosto de Paloma se enrugou, assim como o do ogro no pescoço. — Heinrich, Sullivan, Serilda, Cho, Xenia, Rhea, Alvis, Helene, Dahlia, eu. Quase todo mundo que estava no jantar, junto com vários guardas. Todo mundo estava gritando, bramindo e correndo por aí.

— Portanto, não há como saber quem envenenou a maga. Qualquer um poderia colocá-lo em seu copo de água durante a confusão. Paloma balançou a cabeça. — Acho que não. Desculpe, Evie. Eu não pensei que examinar a cela da maga me daria muita informação, mas havia me dito algumas coisas importantes. Ou seja, que o traidor tinha acesso ao rei e à masmorra. Ainda eram dezenas de pessoas, mas, dentre todos os nomes que Paloma mencionou, apenas uma pessoa tinha a magia e habilidades óbvias para envenenar sutilmente Heinrich, e dar a maga uma dose grande e letal. — Nós terminamos aqui — disse eu. — Vamos. — Para onde? — perguntou Paloma. Fiz uma careta. — Apenas para o último lugar que eu quero ir. *** Vinte minutos depois, passei minha mão em torno de uma maçaneta, mais uma vez usando minha imunidade para apagar toda a magia na fechadura. Paloma se pôs de pé e olhou no corredor. — Visitar a masmorra foi uma coisa, mas você tem certeza disso? Porque se formos pegas aqui... — Então coisas ruins acontecerão conosco. Acredite em mim, eu sei. — Apertei a maçaneta um pouco mais e enviei ainda mais da minha imunidade na fechadura. — Estou indo o mais rápido possível. A última parte da magia fracassou em uma chuva de faíscas verdes brilhantes, mas essa pessoa foi cautelosa e havia trancado com inteligência a própria porta em vez de confiar apenas em seu poder. Então eu alcancei, arranquei um alfinete do meu cabelo e deslizei na fechadura. Levei apenas alguns segundos para abri-la. — Onde você aprendeu a fazer isso? — perguntou Paloma. Deslizei o alfinete de volta no meu cabelo. — Quando eu era criança, passava horas explorando Seven Spire. A maioria dos livros, espadas e tesouros interessantes estavam sempre atrás de portas trancadas ou vitrines.

Era sempre mais fácil e rápido abri-los pessoalmente, em vez de pedir a alguém uma chave. Agora vamos lá. Passamos para o outro lado, fechei e tranquei a porta atrás de nós. Era quase meia-noite, e a maioria das luzes nos corredores foi apagada durante a noire. Mas não aqui. Fluorestones brilhavam no teto, e a área estava tão iluminada quanto a oficina de joias de Alvis. Os fluorestones não apenas forneciam iluminação, mas muitos deles liberavam calor para nutrir os habitantes silenciosos da área. Plantas. Paloma e eu estávamos em uma enorme estufa. Flores, árvores e trepadeiras de todas as formas e tamanhos estavam aninhadas em vasos de barro de cores vivas em mesas enfileiradas pelo centro da sala. Mais mesas cobertas com tubos de vidro, copos e jarros foram empurradas contra uma parede, enquanto ainda mais mesas ostentavam luvas, tesouras e outros equipamentos de jardinagem. Uma escrivaninha cheia de canetas, papéis e livros ocupavam um canto. O teto era de vidro, assim como a parede oposta, e vi uma pequena colméia na varanda lado de fora. E, como todas as outras salas de Glitnir, ouro, prata e bronze embelezaram muitos dos móveis, juntamente com pedras brilhantes. Paloma soltou um assobio baixo e apreciativo. — Eu sabia que Helene Blume era rica, mas não sabia que ela era tão rica? Tem certeza de que ela é a traidora? Essa era a minha suspeita crescente. Afinal, Helene era uma das nobres mais ricas e influentes, de modo que ela poderia ter uma audiência com Heinrich a qualquer hora que quisesse. Além disso, ela era amiga de Dahlia, o que lhe dava ainda mais acesso ao rei, e também estava na masmorra quando a maga do tempo foi levada. E o mais importante de tudo, Helene era uma poderosa maga de plantas. Envenenar o rei e a maga seria brincadeira de criança para alguém com suas habilidades, inteligência e magia. — É isso que estamos aqui para descobrir — disse eu.

Fui até uma das mesas cobertas com tubos de vidro e copos, cheios de cremes, loções e líquidos. Tudo estava bem etiquetado e empilhado em prateleiras de madeira e em pequenas prateleiras. Paloma me seguiu. — O que é tudo isso? — Helene e sua família são conhecidos por seus produtos de beleza. Os Blumes ganham dinheiro vendendo cremes de beleza, glamours e muito mais, tanto aqui em Andvari quanto no exterior. Paloma pegou uma jarra aberta cheia de um creme amarelo claro espesso e cheirou. — Bem, pelo menos cheira bem. Ela entregou a jarra para mim e eu também a cheirei. O aroma familiar de mel misturado com limões fez cócegas no meu nariz. Eu li o rótulo da jarra – Honey Burn Cream. Este era o mesmo perfume e creme que eu senti no meu braço depois que a maga do tempo me queimou. Culpa inundou meu estômago, mas eu a afastei. Só porque Helene me ajudou a me curar não significava que ela ainda não era a traidora. Pousei a jarra e segui em frente. Pilhas de papéis pequenos e quadrados estavam alinhadas sobre a mesa, e eu as folheei. Mel, limões, água. Eles eram cartões de receita para cremes, loções e muito mais de Helene. Mas os ingredientes eram coisas comuns, então coloquei as cartas onde eu as encontrara. Não havia nada incomum no resto das mesas ao longo da parede, então fui até as plantas que ocupavam o centro da estufa. Muitas delas eram flores comuns – rosas, lírios, crisântemo e similares – junto com flores mais exóticas, como violetas de gelo e amores-perfeitos. Paloma ficou atrás de mim, olhando primeiro para uma flor, depois outra. Movi para a próxima seção, que apresentava erva-doce, hortelã e algumas outras ervas que reconheci por cozinhar com Isobel na cozinha de Seven Spire. Pensar na mestre cozinheira trouxe um sorriso ao meu rosto, mas eu não estava aqui para relembrar, então corri para a terceira e última seção nos fundos. Foi aí que as coisas finalmente ficaram interessantes. Essas plantas, flores, árvores e trepadeiras eram de formas estranhas, com flores incomuns em padrões, tamanhos e cores. Eu não reconheci nenhuma delas.

Se alguma coisa aqui era venenosa, então eu estava apostando que era uma dessas plantas. Todos os potes estavam bem rotulados, mas os nomes não me diziam nada, então fiz a única coisa que pude – abaixei-me e enterrei meu nariz em uma planta, depois outra, cheirando todas as flores para ver que aromas, se houver algum, elas tinham. — O que você está fazendo? — perguntou Paloma. — Procurando por pistas. Ela revirou os olhos, assim como o ogro no seu pescoço, e voltou para as mesas de cremes e loções. Paloma pegou um frasco de perfume de peônia e colocou uma gota no pulso. Eu continuava cheirando plantas, esperando e temendo que eu encontrasse algo que fosse semelhante ao veneno suave e floral que senti na masmorra... Ali – bem ali. Parei e olhei para um pequeno cacto cinza do tamanho da minha mão. O cacto tinha dois ramos pontiagudos adornados com algumas flores minúsculas que pareciam bolas de neve roxas e inchadas. Era muito adorável e não parecia nem um pouco prejudicial, mas, graças a Vasilia, eu sabia como as aparências eram enganadoras e como o exterior mais bonito poderia esconder o coração mais frio e negro. Então eu respirei fundo, realmente provando o ar, e senti outro cheiro suave das flores, aroma de lavanda – o mesmo aroma de lavanda do veneno que

matara

a

maga

do

tempo.

Meus

olhos

estreitaram

e

toquei

cuidadosamente a ponta dos dedos em uma das flores roxas. Para minha surpresa, as pétalas eram tão afiadas quanto agulhas, e eu podia sentir a magia fluindo através delas – o mesmo poder venenoso do veneno que estivera no corpo de Heinrich. Definitivamente, era a planta certa e era bastante mortal, apesar de sua aparência pequena e inocente. Estremeci e afastei minha mão da flor, depois li o rótulo no vaso. Cacto de olho de ametista. Nativo das planícies permafrost de Morta.

Eu bufei. Claro que era de Morta. Assim que li as palavras, percebi que o centro das flores roxas parecia um olho olhando para mim. Estremeci novamente, endireitei-me, e me afastei do cacto. Paloma veio até mim. — Encontrou alguma coisa? — Infelizmente. — Apontei o cacto. — Você já viu ou ouviu falar disso? Ela também se abaixou e leu o rótulo. — Algum cacto pequeno e estranho dos confins de Morta? Claro que nunca ouvi falar disso. Foi isso que foi usado para envenenar Heinrich e a maga do tempo? Meu nariz se contraiu. — Definitivamente. Embora não tenha muita certeza de como. O cacto em si não parece ser venenoso, apenas as flores. Eu me pergunto como Helene usou as flores, se esmagou as pétalas ou fez algo mais com elas. Sabemos que ela colocou o veneno no copo d'água da maga do tempo, mas como ela administrou para Heinrich? — Realmente importa como? — perguntou Paloma. — Não, suponho que não. Dei outro passo para longe do cacto, não querendo ficar perto dele por mais um segundo do que o necessário. Um raio de luz passou por meu corpo e atingiu o cacto, junto com seu vaso roxa. A sombra rica em tons de joias do contêiner chamou minha atenção e olhei mais de perto. Era um vaso de barro comum, e a única coisa notável era sua vibrante cor de ametista. Eu vi vasos semelhantes revestindo a grade da varanda do lado de fora dos meus aposentos, assim como nos aposentos de Dahlia. Dahlia me disse que Helene sempre a presenteava com flores. Mas eu também vi o mesmo tipo de vaso em outro lugar – nos aposentos de Maeven na noite em que falei com ela através do espelho Cardea em Seven Spire. — O que é isso? — perguntou Paloma. — O que há de errado? Comecei a contar a ela sobre os vasos quando um brilho de prata chamou minha atenção, muito mais brilhante e cintilante que o metal que adornava as paredes. Em vez de responder, fui até a mesa no canto. Canetas, blocos e livros cobriam a superfície, então levei alguns segundos para encontrar a fonte do brilho prateado. Um anel de sinete.

Um sentimento nauseante encheu meu estômago, e eu peguei o anel, segurando-o contra a luz. Um H cursivo chique foi gravado em prata e circundado por pequenas esmeraldas, enquanto videiras onduladas estavam gravadas na faixa. Esse anel de sinete era estranhamente semelhante ao que encontrei escondido na caixa de joias de Maeven em Seven Spire. — O que é isso? — perguntou Paloma, vindo até mim. — E por que você está agindo como se uma víbora de coral estivesse prestes a morder você? Em uma voz entorpecida, eu disse a ela sobre encontrar o anel no quarto de Maeven, bem como ver os potes nos aposentos da maga quando falei com ela. — Vamos esquecer por um momento que você falou com sua inimiga mortal através de um espelho mágico e convenientemente esqueceu de me contar. — Paloma olhou para mim, assim como o ogro em seu pescoço. — Abordaremos isso mais tarde. Mas, por enquanto, você deve estar feliz. Você finalmente tem provas de que Helene é a traidora e que ela está trabalhando com os Mortans. Mas eu não estava feliz. Não realmente. Porque isso partiria o coração de Sullivan novamente. — Por que você parece tão triste? — perguntou Paloma. — Você conseguiu sua prova. Balancei a cabeça. — Eu não tenho provas. Não realmente. Tudo o que tenho é um cacto, um vaso e um anel. Isso é não é suficiente para ir até Heinrich. Maeven não era nada senão inteligente e, até agora, seus cúmplices eram igualmente desonestos. Helene, porém, deixara todas essas coisas incriminatórias espalhadas à vista em sua oficina. Encontrar o cacto, o pote e, especialmente, o anel também parecia tão... fácil, e não pude ignorar minha suspeita de que eles foram deixados aqui para eu encontrar. Mas por que? Helene era realmente tão tola? Ela estava me desafiando a pegá-la? Ou havia alguém incriminando-a? Não consegui confirmar minhas teorias de uma maneira ou de outra, então coloquei o anel onde encontrara e depois olhei por cima da estufa,

certificando-me de que tudo era o mesmo de quando entramos pela primeira vez. — Precisamos sair antes que Helene ou outra pessoa entre aqui. Eu mal havia terminado de falar quando ouvi uma chave deslizar na fechadura. Paloma também ouviu, e nós congelamos. — Entre. — A voz de Helene flutuou através da porta. — Vou fazer um tour. Minha cabeça girou enquanto procurava outra saída da estufa. Eu vi uma porta na parede de vidro. Apontei para Paloma, e nos apressamos nessa direção. Felizmente para nós, essa porta não estava trancada com magia ou qualquer outra coisa, e passamos por ela, saindo para a varanda. Eu corri para a direita e me pressionei contra a parede de pedra fria do palácio, embora ainda pudesse ver o interior através do vidro. Paloma fez a mesma coisa ao meu lado, literalmente respirando no meu pescoço. Tarde demais, percebi que havia deixado a porta da varanda aberta e a empurrei com a mão. Balançou em direção à parede, mas não fechou bem, deixando um espaço entre o vidro e a moldura. Fiz uma careta, mas não ousei dar um passo à frente para tentar fechá-la completamente. — Estranho — A voz de Helene flutuou pela porta entreaberta. — Eu pensei ter trancado a estufa com minha magia, mas devo ter esquecido. A maga de planta apareceu à vista, ainda usando o vestido verde que usara no jantar. Ela desenrolou uma echarpe de seda preta dos ombros, revelando os braços musculosos e colocou o tecido em uma mesa. Então ela se virou, um sorriso em seu lindo rosto. Meu estômago apertou com medo. Eu a vi olhar apenas para uma pessoa assim. Um segundo depois, meu pior medo foi confirmado, e Sullivan entrou na estufa e fechou a porta. Eu não o via desde que ele saíra dos meus aposentos mais cedo, mas ele parecia muito mais calmo agora, como se tivesse tomado uma decisão sobre algo importante, como exatamente o quanto ele me desprezava. Meu

coração apertou, mas eu trouxe seu desprezo sobre mim, e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso agora. Talvez nunca. Helene caminhou até uma mesa coberta de garrafas e copos de licor. Ela serviu duas taças do que parecia ser brandy de maçã ungeriano e entregou um a Sullivan. Ele assentiu agradecendo, então passeou, olhando as plantas, flores, papéis, copos e cremes. — Você não estava brincando quando disse que havia expandido sua operação. — Sullivan tomou um gole do conhaque. — Eu lembro quando você tinha apenas uma pequena mesa de plantas aqui. Helene sorriu com orgulho. — Desde a morte de meu pai, me envolvi muito mais com os negócios da família. Agora que estou executando as coisas, finalmente posso oferecer alguns novos produtos, assim como sempre quis. Não apenas cremes de beleza para nobres ricos, mas produtos que qualquer pessoa pode pagar, como esse creme para queimadura. — Ela apontou para o mesmo frasco que Paloma e eu examinamos anteriormente. — Coisas que podem realmente ajudar as pessoas. — Eu sempre admirei isso em você — disse Sullivan. — Que você queria vender seus produtos para todo mundo, mesmo que seu pai só se preocupasse em agradar os outros nobres. Ela encolheu os ombros. — É apenas um bom senso comercial. Mais clientes significa mais dinheiro. Além disso, você sabe o quanto eu sempre gostei de cultivar novas plantas e experimentar novos ingredientes e fórmulas. Gostaria de saber se aquelas novas plantas, experimentos e fórmulas incluíam o envenenamento do Rei Heinrich e da maga do tempo, mas é claro que eu não poderia bater na parede de vidro e perguntar a ela. Helene olhou para Sullivan por cima do aro da taça, depois tomou um gole delicado do conhaque e colocou de lado. — Mas conversar sobre os negócios da minha família não é por que você me pediu para fazer um tour. Seus dedos se curvaram ao redor da taça, mas ele não respondeu à óbvia abertura dela, então Helene sorriu novamente e avançou, parando bem na frente dele. — Eu realmente sinto muito por Everleigh e Dominic — disse ela. — Posso ver o quanto você se importa com ela.

Sullivan bebeu o resto do conhaque e depois colocou a taça de lado. — Não importa. Agora não. Helene sorriu novamente. — Eu esperava que você dissesse isso. Ela estendeu a mão e passou os braços em volta do pescoço dele. Sullivan olhou para ela, uma expressão ilegível em seu rosto. Helene balançou ainda mais perto dele, então ficou na ponta dos pés e pressionou os lábios nos dele. Por um momento, Sullivan ficou parado ali, com os lábios nos dela, mas depois as mãos dele pousaram em sua cintura, seus olhos se fecharam, e ele se inclinou para o beijo. Meu coração quebrou com a visão, cada fragmento frio e afiado se torcendo cada vez mais fundo no meu peito. Cada segundo que eles se beijavam me dava vontade de gritar. Eu desejava atravessar a porta, afastá-lo dela e confessar minhas mentiras, mas fiquei ali em silêncio estoico. Eu não tinha o direito de ficar com raiva de Sullivan. Fui eu quem o machucara e o afugentara, e agora estava vendo as consequências horríveis das minhas ações. Paloma colocou a mão no meu ombro. Eu assenti, agradecida pelo seu apoio. Não era culpa dela que eu queria a única pessoa que não poderia ter. O beijo de Sullivan com Helene continuou... e continuou... e continuou... De repente, ele soltou os braços da cintura dela e se afastou. — Sinto muito. — Ele esfregou a mão pelo cabelo e depois pelo rosto. — Não posso fazer isso. — Sério? — Uma nota zombeteira surgiu na voz de Helene. — Nós dois sabemos que o verdadeiro motivo pelo qual você me pediu para vir aqui foi para que você pudesse me foder e se vingar de Everleigh. E agora você não pode continuar com isso? Sullivan soltou um suspiro tenso e irregular e balançou a cabeça. — Não, não posso. Os olhos dela se estreitaram em entendimento. — Você realmente se importa com ela.

Ele soltou outro suspiro. — Sinto muito, Helene. Eu não deveria ter tentado usar você assim. Ela soltou uma risada leve. — Me usar? Fui eu quem estava usando você, querido, doce Lucas. Você sempre foi uma foda fantástica, e eu iria torcer cada gota de prazer que pudesse sair de você hoje à noite. Mas então você tinha que ir e estragar tudo com seus sentimentos. Ela revirou os olhos e balançou a cabeça, como se estivesse profundamente decepcionada com ele. Então ela avançou, pegou a echarpe de seda da mesa e a colocou em volta dos ombros. — O que você está fazendo? — perguntou Sullivan, com o rosto enrugado pela confusão. — Não é óbvio? — perguntou Helene. — Estou deixando você com raiva e autopiedade. Porque essas coisas, meu querido, definitivamente não leva a um bom momento para mim. Sullivan estremeceu. — E quanto a me foder para seu próprio prazer? — É óbvio que você se importa muito mais com Everleigh do que com comigo. — O rosto dela endureceu. — E não sou a segunda escolha de ninguém. Ele estremeceu novamente. Helene terminou de colocar a echarpe em volta dos ombros e depois virou para ele. Ela o estudou com muito menos raiva e hostilidade do que antes. — Você sabe por que as coisas não deram certo entre nós? Sullivan piscou, como se a pergunta o surpreendesse, mas ele respondeu. — Seu pai forçou você a romper nosso noivado. — Isso fazia parte, mas eu também lidei mal com as coisas, das quais me arrependo profundamente — disse Helene. — Mas a verdade é que você sempre amou seu orgulho e princípios preciosos mais do que me amava, Lucas. As sobrancelhas dele se juntaram em confusão. — O quê? Isso não é verdade. — Oh, sim, é — disse Helene em um tom prosaico. — Eu poderia finalmente ter encontrado uma maneira de estar com você, com ou sem a aprovação do meu pai. Mas você não me deu a chance de fazer isso ou

qualquer outra coisa para acertar as coisas entre nós. Você estava tão preocupado em fazer todo mundo te tratar exatamente do mesmo que Dominic e Frederich, que você simplesmente não poderia ser feliz com algo diferente, com nada menos. — Por que eu deveria ter sido feliz com menos? — rosnou Sullivan. — Porque a vida pode ser uma cadela cruel e sem coração — retrucou Helene. — Porque devemos nos apegar à felicidade que temos e não nos preocuparmos com o que as outras pessoas pensam disso, ou especialmente de nós. Porque cuidar de alguém, ocasionalmente significa comprometer algo sobre si mesmo em benefício deles e não do seu. É isso que é o verdadeiro amor, Lucas. — Você não comprometeu nada — rosnou ele novamente. Ela deu a ele um olhar triste. — Ah, sim, eu fiz. Eu desisti de você para que minhas irmãs tivessem um futuro bom e seguro. Para que elas pudessem se casar por amor, mesmo que eu não pudesse. — Então, o que você realmente está dizendo é que amou suas irmãs mais do que a mim. — Mágoa raspou através da voz de Sullivan. Helene balançou a cabeça. — Não era sobre amá-las mais ou menos do que a você. Tratava-se de proteger todos as pessoas que eu amava da melhor maneira que pude. — E você decidiu me sacrificar, a nós, pelo bem de sua família? — Sim — respondeu ela sem hesitar. — Porque minhas irmãs eram jovens e não podiam cuidar de si mesmas, e tudo o que custaria a você era um coração partido e algum orgulho ferido. Naquele momento, meu respeito por Helene cresceu cem vezes. Se ela era a traidora ou não, ela fez a difícil escolha de desistir de Lucas pelo bem maior de sua família. Era uma pena que ela não tinha sangue Blair. Helene teria sido uma rainha magnífica. Sullivan franziu a testa, como se nunca tivesse considerado as coisas do ponto de vista dela antes, mas entendi muito bem o raciocínio de Helene e eu a admirava por fazer uma escolha tão difícil. Às vezes, a única coisa que você poderia fazer era decidir quem menos se machucaria. — Eu me pergunto, no entanto... — A voz de Helene parou.

— O quê? — perguntou ele. Ela o estudou. — Eu me pergunto se Everleigh é mais importante para você do que seu orgulho e seus princípios. Prendi a respiração, imaginando o que ele diria. Um músculo bateu na mandíbula de Sullivan, mas ele permaneceu silencioso. — De qualquer forma, não podemos mudar o passado, apenas o futuro. Acho que veremos o quanto você se importa com Everleigh. — O rosto de Helene se suavizou. — Eu realmente te amei, Lucas, e realmente sinto muito por toda a dor que te causei. Eu nunca quis que você se sentisse menos comigo. Eu só queria que você fosse feliz sendo você mesmo. Ela o encarou por mais um momento, depois se adiantou e deu um beijo suave em sua bochecha. Sullivan ficou absolutamente imóvel, sem mexer um músculo. Helene abaixou a cabeça, virou e saiu da estufa. Sullivan ficou onde estava, olhando para a porta aberta pela qual ela passara. Meu coração doía por ele e por Helene também. Ela esteve em uma situação impossível e fez as melhores escolhas que poderia, mesmo que elas tivessem machucado Sullivan e ela também. Paloma apertou meu ombro, chamando minha atenção e apontou para um conjunto de degraus de pedra do outro lado da varanda. Eu assenti, e ela foi nessa direção. Olhei através do vidro novamente, mas Sullivan havia desaparecido, e a porta principal da estufa estava fechada. Ele saíra, e estava na hora de fazer o mesmo, então fechei a porta de vidro, atravessei a varanda, e desci as escadas, seguindo Paloma.

Capítulo 21 Nunca percebi que estar noiva poderia ser tão exaustivo. O resto da semana passou em um borrão de cafés da manhã, almoços, jantares e muito mais. Agora que eu estava noiva de Dominic, todos os nobres de Glitnir queriam oferecer seus parabéns entusiasmados e astutamente propor este acordo ou aquele outro com bolos de kiwi e chá. O príncipe herdeiro e eu participamos de eventos após eventos tediosos, e sorri tanto e por tanto tempo que tive medo de que meu rosto fosse ficar fixo permanentemente na expressão falsa. A única coisa boa sobre a nossa agenda lotada era que Dominic ficava perto de mim. Eu observava todo mundo com quem ele entrava em contato, para o caso de Helene estar trabalhando com outra pessoa, mas ninguém tentou machucar Dominic. Helene esteve em muitos dos eventos, mas nunca fez ou disse algo suspeito. Se não tivesse encontrado o cacto venenoso em sua estufa, eu nunca suspeitaria seriamente que ela fosse a traidora. Eu a observei atentamente, especialmente quando ela estava perto de Heinrich, mas ela sempre parecia calma e alegre, como se nada a estivesse incomodando. Eu não fazia ideia do que ela pensava sobre a recuperação dele. Ela devia ter percebido que o veneno olhos-de-ametista havia desaparecido do sistema dele, mas Helene não tentou adoecer o rei novamente. Parecia que ela

estava ganhando tempo, esperando a oportunidade certa para atacar, então eu fiz o mesmo. Este era um longo jogo que eu estava determinada a vencer. Ainda assim, quanto mais dias se passavam, mais eu começava a me perguntar se estava errada sobre Helene. Certo, ela tinha o cacto, mas qualquer um poderia ter entrado em sua oficina e cortado uma flor ou duas para preparar o veneno. O vaso do cacto pode parecer com o que Maeven tinha, mas no final, era apenas um vaso. E muitas pessoas tinham anéis de sinete. Os itens não eram suficientes para exonerar ou condenar a maga de planta. Mas se Helene não fosse a traidora, então quem era? Eu não tinha nenhum outro suspeito de verdade, o que apenas aumentava minha preocupação. Sullivan também participou de muitos eventos, já que ele também fazia parte da família real, e eu frequentemente o peguei olhando para mim, às vezes com raiva, às vezes com desgosto, e às vezes com saudade tão intensa que me deixava sem fôlego. Mas ele não se aproximou de mim e não o procurei. Não ousei, por medo de derramar minhas entranhas sobre todo o meu plano complicado. Mas os dias passaram rapidamente, e logo era a noite do baile real. Eu estava na frente de um espelho de corpo inteiro em meus aposentos, olhando para o meu reflexo. Calandre havia criado um vestido simples, mas requintado, de veludo azul-meia-noite com decote em coração, mangas três quartos e uma saia longa até o chão. Fios de prata rolavam nas mangas e no meu decote antes de se espalhar em uma grande crista de estilhaços no meu peito. Mais fios de prata rolavam pela saia antes de forrar a bainha. Minhas únicas joias eram as duas pulseiras de prata – manoplas – que Alvis fizera para mim. Os fragmentos de tearstone azul da meia-noite nas coroas das pulseiras combinavam com a cor do meu vestido. Dado que este era um baile real, eu esperava que Calandre insistisse que eu usasse sapatos de salto, mas ela me surpreendeu ao me dar um par de sandálias planas de veludo azul com tiras grossas que passavam pelos meus tornozelos. Elas me lembraram das sandálias robustas que eu usava na

arena dos gladiadores, embora também apresentassem meu símbolo de coroa de cacos em fio de prata nos dedos fechados. Camille tomou um cuidado extra com a minha maquiagem, colocando sombra esfumaçada e delineador prateado nos meus olhos e manchando meus lábios com bálsamo de baga. Cerana enrolou meu cabelo em ondas soltas, mas eu me recusei a usar minha coroa. Eu esperava que Helene – ou quem fosse realmente o traidor – orquestrasse algum tipo de ataque hoje à noite, contra Dominic, Heinrich ou eu, ou talvez nós três. Eu queria ser capaz de lutar, se fosse o caso, e não me preocupar em perder minha coroa. Manter minha cabeça presa ao meu corpo era muito mais importante. — Calandre, você e suas irmãs realmente se superaram — murmurei. — Eu nunca pareci melhor. Ela sorriu para mim, assim como suas irmãs. Dei um tapinha nas laterais do vestido. — E eu gosto especialmente dos bolsos. — Pensei que você gostaria de levar sua adaga para o baile, e eu não podia deixar você usá-la naquele terrível cinto de couro preto. Teria arruinado completamente a aparência do vestido. — Calandre estremeceu com o pensamento. — Então os bolsos pareciam o acabamento e o esconderijo perfeito. Ela estava absolutamente certa, e minha adaga de tearstone estava confortavelmente escondida no meu bolso direito. Só desejei que o vestido fosse grande o suficiente para esconder minha espada também. Eu sorri — Você me conhece muito bem. Calandre sorriu para mim. Uma batida soou e Paloma entrou na sala. Ela não usava um vestido, mas Calandre ainda fez algo especial para ela. Pequenos rostos de ogro feitos em fio de ouro brilhavam nas mangas de sua uma túnica verde-escura e mais fios dourados passavam em linhas irregulares, como dentes, por suas perneiras pretas. Camille e Cerana deram a Paloma olhos escuros e dramáticos e lábios vermelhos, e envolveram seus cabelos loiros em uma elaborada trança em

forma de coroa que se arqueava em sua cabeça. O ogro em seu pescoço havia notado, e os cabelos loiros que se enrolavam em torno da marca de transformação agora estavam trançados no mesmo estilo bonito. Paloma resmungou sobre a maquiagem e o cabelo arrumado, mas ela continuava olhando furtivamente para si mesma no espelho, e pensei que no fundo ela – e seu ogro interior – secretamente amavam a atenção. Paloma me estudou. — Você está bem. — Isso deveria ser um elogio? Ela encolheu os ombros. — Bem é legal, não é? Suspirei. Às vezes, eu pensava que minha amiga era um pouco dura demais. Paloma sorriu, assim como o ogro em seu pescoço, mas a expressão evaporou lentamente de ambos os rostos. — Você está pronta para isso? Ela falava sobre muito mais do que o baile. Felizmente, hoje à noite, pegaríamos Helene no ato de conspirar contra os Ripley e acabar com a ameaça a Heinrich e Dominic. — Pensei que você pararia de me perguntar isso — provoquei, tentando aliviar o clima. Ela arqueou uma sobrancelha. — Talvez eu vá, quando você finalmente parar de fazer coisas novas, grandiosas e importantes. Revirei os olhos, mas também estava sorrindo. Agradeci novamente a Calandre e suas irmãs e segui para o corredor, onde vários guardas Bellonan esperavam. Paloma se aproximou de mim e passeamos pelo palácio, com Calandre e suas irmãs nos seguindo, junto com os guardas. Não demorou muito tempo para chegar ao corredor que levava à sala do trono. As portas estavam escancaradas e dezenas de nobres já estavam lá dentro, conversando, rindo e comendo, enquanto os criados se moviam ao redor deles. O baile real já estava bem encaminhado. Enviei Calandre e suas irmãs à frente, junto com os guardas, e disse a todos que se divertissem. Então fui até uma pequena alcova onde Cho, Serilda e Xenia esperavam.

Calandre e suas irmãs também trabalharam sua magia em meus outros amigos. Cho usava sua jaqueta vermelha habitual e camisa branca com babados, embora fossem feitas de material fino, e sua jaqueta apresentava botões dourados estampados com cabeças de dragão. Serilda estava linda em um vestido de baile branco estampado com seu brasão de cisne. Cada pequeno cisne era feito em fio preto, com pequenas tearstones azuis nos olhos e no bico, assim como o pingente pendurado no pescoço dela. Um cinto de veludo preto cravejado de finas facas de prata estava preso em volta da cintura. Eu não era a única que queria ter uma arma à mão hoje à noite. Xenia também estava linda em um vestido verde escuro enfeitado com fios de prata. Ela segurava a bengala de ogro prata como de costume, que era a única arma que ela precisava. — Está tudo pronto? — perguntei. Xenia assentiu. Halvar e Bjarni já estão lá dentro. Halvar fará sombra a Dominic, enquanto Bjarni fará o mesmo com Heinrich. Se alguém tentar prejudicar o príncipe ou o rei, então Halvar e Bjarni o impedirá. — Paloma e eu observaremos Helene — acrescentou Cho. — E veremos com quem ela fala. — E eu vigiarei as costas de Evie. — Serilda entrou na conversa. Assenti. — Boa sorte. Cho, Xenia e Paloma foram em direção ao salão de baile, mas Serilda ficou para trás na alcova. Ela me olhou de cima a baixo. — Eu tinha minhas dúvidas sobre Calandre ser sua mestre de linhas, mas ela fez um excelente trabalho. Você está linda, Evie. Fiz um gesto para o vestido dela. — Assim como você. Parece que nós duas somos cisnes negros hoje à noite. Serilda sorriu com a minha piada, depois olhou para a sala do trono. Seu olhar azul ficou suave e sonhador, como se estivesse olhando para algo muito distante, e o perfume forte e afiado de sua magia, como o ferro frio misturado com sangue, encheu o ar.

— Que possibilidades você vê? — perguntei. — Vamos pegar o traidor hoje à noite? Serilda sacudiu a cabeça. — É muito cedo para dizer. Minha magia não é... exata. Toda escolha de uma pessoa cria uma dúzia de possibilidades e abre uma dúzia mais. Me desculpe, Evie. Eu sei que não é isso que você queria ouvir. Não, não era, mas assenti em entendimento. Serilda apertou minha mão e depois entrou no baile. Isso me deixou sozinha na alcova. Respirei fundo e depois soltei lentamente, afastando meu medo, preocupação e receio junto com ela. Então, quando eu estava pronta, caminhei pelo corredor e atravessei as portas abertas. Em um dia normal, a sala do trono era impressionante o suficiente, mas Heinrich realmente fez com que os criados se empenhassem em tudo. O chão e as paredes foram polidos com um brilho tão alto que pareciam suaves como vidro, enquanto os diamantes cinza e branco nos lustres de âmbar lançavam ondas radiantes de luz. Cordas de minúsculas pedras cinza e branca foram enroladas nas colunas, assim como nos trilhos da varanda do segundo andar. Os brilhos suaves e silenciados das fluorestones destacavam as gárgulas rosnantes incorporadas nas colunas de pedra e fez seus rostos prateados e olhos de joias brilharem e piscarem como fogo. As gárgulas pareciam tão realistas quanto os gladiadores nas colunas de tearstone em Seven Spire, e eu meio que esperava que uma das criaturas batesse em mim com a pata. Nobres vestindo jaquetas formais e vestidos de baile estavam agrupados, ainda conversando, rindo, comendo e bebendo. Servos carregando bandejas de alimentos e bebidas saíam das mesas de refrescos ao longo das paredes, através da multidão e vice-versa. Os guardas também alinhavam as paredes, certificando-se de que tudo estava acontecendo como planejado. No canto de trás, perto do estrado elevado, mais de uma dúzia de músicos tocavam vários instrumentos. Música suave flutuava no ar, embora não houvesse ninguém dançando ainda.

Mas talvez as coisas mais atraentes fossem as duas enormes faixas penduradas na parede em ambos os lados do trono. Um dos estandartes ostentava o brasão de gárgula Ripley feito em fio prateado sobre um fundo preto, enquanto o outro estandarte exibia minha coroa de estilhaços, também feita em fio de prata, mas com fundo azul-escuro. Os estandartes me lembraram mais uma vez que esta noite provavelmente determinaria não apenas o meu destino e o de Dominic, mas também os de nossos reinos. Meu estômago torceu com o pensamento, mas coloquei meu habitual sorriso gentil no rosto. Baixei meu olhar para o estrado. Heinrich estava sentado em seu trono, vestindo uma jaqueta cinza curta que exibia o brasão de gárgulas Ripley feito em fio preto sobre o coração. Dahlia estava sentada próxima a ele em uma cadeira pequena e lisa. Ela estava linda em um vestido verde escuro enfeitado com fio dourado. Seu cabelo preto estava preso em um coque alto e elegante, e seu medalhão de ouro brilhava em volta do pescoço, como de costume. Dominic estava de pé ao lado do rei, e o príncipe parecia excepcionalmente bonito em sua jaqueta cinza. Gemma usava um vestido cinza escuro que combinava com as jaquetas de seu avô e pai. A princesa estava sentada nos degraus do tablado e conversando com Alvis, que usava uma fina capa preta sobre suas roupas. Rhea estava parada a alguns metros de distância, conversando com Helene. A capitã usava seu uniforme habitual e armas, embora seu cabelo preto tivesse sido puxado para trás em uma bonita trança, e bálsamo de baga manchasse seus lábios de um vermelho escuro. E Helene estava deslumbrante como sempre, em um vestido cinza claro estampado com trepadeiras verdes e flores roxas cravejadas de ametistas. Ela sorriu e gesticulou para algo que Rhea disse, fazendo seu anel de sinete prateado piscar no dedo. Não vi Sullivan em lugar algum e tive que me forçar a parar de procurálo. Heinrich queria que eu fizesse uma entrada, então eu mantive minha posição no espaço aberto em frente as portas, e as pessoas lentamente começaram a me notar. Murmúrios percorreram a multidão, embora eu não

soubesse dizer se eram de aprovação ou não. Todos os nobres, servos e guardas se viraram para mim, e um silêncio caiu sobre a sala. Heinrich sinalizou para a orquestra, e a música leve e rítmica diminuiu, substituída por um som baixo e contínuo. As fluorestones diminuíram, embora um holofote brilhante caísse sobre mim. Era tudo um pouco dramático para o meu gosto, mas eu era a convidada, então não podia reclamar, embora os holofotes me fizessem sentir como se eu estivesse de volta à arena dos gladiadores no Cisne Negro, prestes a entrar no círculo e lutar contra a morte. De certa forma, era exatamente isso que eu estava fazendo. — E agora — explodiu a voz de Cho como um trovão —, anunciando Sua Majestade Real, Rainha Everleigh Saffira Winter Blair de Bellona! Os holofotes queimaram um pouco mais brilhantes e mais quentes, mas eu sorri com o brilho severo e caminhei. Hora do Show. *** Diferentemente da última vez que estive aqui, Heinrich e Dominic não esperaram que eu atravessasse a sala. Os dois homens desceram do estrado e me encontraram no meio. Dominic me ofereceu seu braço, o que eu peguei, favorecendo-o com o sorriso mais deslumbrante que pude reunir. Dahlia também desceu do estrado, e Gemma e Alvis se adiantaram também, junto com Rhea e Helene. A maga de planta aproximou-se de Heinrich, pairando pelo cotovelo. Eu fiquei tensa, pensando que ela poderia atacá-lo, mas Helene apenas apertou as mãos, pronta para ouvir o discurso do rei. Olhei além dela para a multidão de nobres. Dois homens estavam à espreita alguns metros atrás de Helene e Dahlia. Um deles era um homem alto, com cabelos acobreados, olhos castanhos e um rosto assustador de ogro no pescoço, enquanto o outro era mais baixo e mais atarracado, com cabelos pretos, olhos castanhos escuros, pele de ônix e uma barba longa e espessa. Um rosto ogro adornava seu pescoço também.

Halvar, sobrinho de Xenia, e Bjarni, seu amigo, me notaram olhando para eles. Halvar assentiu, enquanto Bjarni piscou. Eles estavam observando Dominic e Heinrich como planejado. Parte da tensão diminuiu do meu corpo. Murmúrios percorreram os nobres, mas Heinrich levantou as mãos, pedindo silêncio. — Estamos reunidos aqui para celebrar a visita da Rainha Everleigh, juntamente com o noivado com o príncipe Dominic. — A voz do rei ficou quase tão alta quanto a de Cho. — Esse casamento cimentará Andvari e Bellona como aliados a partir de hoje e também trará maiores oportunidades e prosperidade para ambos os nossos reinos... Heinrich lançou-se em seu discurso, zumbindo sem parar sobre que noite gloriosa era essa, como Andvari e Bellona seriam aliados para sempre depois que eu me casasse com Dominic, e todas as outras gentilezas habituais. Mantive meu sorriso fixo no rosto, mas desliguei suas palavras. Elas não importavam esta noite. Somente as ações das pessoas importavam. Enquanto Heinrich conversava, os servos distribuíam champanhe. Helene tirou dois copos de uma bandeja e deu um a Heinrich. Eu a observei de perto, mas ela não colocou nada na bebida dele. Respirei fundo, provando o ar, mas não senti nenhum veneno no champanhe de Heinrich. Talvez Helene fosse esperar até mais tarde antes de começar sua armadilha, seja lá o que for. — Para Dominic e Everleigh! — falou Heinrich, terminando seu discurso. — Que eles tenham uma longa e parceria próspera. Pelo amor! — Pelo amor! — Todos ecoaram as palavras e tomaram um longo gole de champanhe. Depois disso, os nobres avançaram, cada um querendo parabenizar Heinrich por sua astuta nova aliança, e Dominic e eu em nosso próximo casamento. Enquanto eu sorria, assentia e apertava mãos, vi todos que se aproximavam do rei e do príncipe, mas ninguém disse ou fez nada suspeito, e Helene manteve distância deles, conversando com Dahlia. Finalmente, todos os nobres foram aplacados, e Heinrich fez um sinal para os músicos começarem a tocar novamente.

Dominic curvou-se para mim, então estendeu a mão. — Concede-me esta dança? Coloquei minha mão na dele, como era de se esperar. — Claro. Os nobres recuaram e Dominic me girou pelo centro da sala. Somente nós estávamos dançando, e eu me senti mais em exibição do que nunca. Felizmente, essa primeira dança foi curta. Heinrich estendeu a mão para Dahlia, e os dois começaram a dançar, junto com os nobres. Dominic sorriu. — Eu deveria ter dito isso antes, mas você está absolutamente deslumbrante, Everleigh. — E você parece muito bonito. Ele olhou para mim enquanto oscilávamos de um lado para o outro. — Você parece um pouco distraída. No que você está pensando? Eu não podia dizer a ele que estava vasculhando a multidão em busca de assassinos de Mortan, então dei de ombros. — Nada em particular. O canto dos lábios dele se curvou em um sorrisinho torto que era tão parecido com o de Sullivan que fez meu peito doer. — Ah, você acabou de partir meu coração. Eu esperava que você estivesse pensando em mim e quão bem nos movemos juntos. — Claro — murmurei. — Você é um dançarino adorável. Aquele sorriso irônico curvou seus lábios novamente. — Apenas não sou o homem com quem você quer dançar. Não vi sentido em mentir. — Não. Dominic assentiu. — Não posso dizer que já senti inveja de Lucas antes, mas sinto uma leve pontada disso quando se trata de você. Levantei minhas sobrancelhas. — Apenas uma leve pontada? Ele encolheu os ombros. — Não adianta ficar com ciúmes quando você sabe que algo está para sempre além do seu alcance, e você definitivamente está além do meu alcance, graças a Lucas. Sua voz era leve e sedutora, mas seu olhar desviou para a direita e se prendeu a Rhea, que conversava com um nobre bonito. — Assim como Rhea está para sempre fora do seu alcance? — perguntei.

Ele deu de ombros novamente, mas pude sentir o cheiro de cinzas de seu coração. — Não precisa ser assim. Você é o príncipe herdeiro de Andvari. Você deveria se casar com quem quiser. E se os nobres não gostarem, diga a eles para se foder e assombrar a corte de outra pessoa. — Eu parei. — Desde que não seja a minha. Ele riu, pensando que eu estava brincando. — Minha noiva atual pode ficar um pouco ofendida por isso. — Eu não vou me casar com você, Dominic. Eu nunca me casaria com você. Surpresa brilhou em seus olhos, e ele finalmente percebeu que eu falava sério. Seus passos diminuíram a velocidade e ele parou de dançar, bem no meio do salão. — Como assim, você nunca se casaria comigo? — perguntou Dominic, sua voz ficando mais alta e suspeita com cada palavra. — Que jogo você está jogando, Everleigh? Eu não quis dizer tanto, mas não conseguia pegar minhas palavras de volta. Ainda mais que isso, não queria retirá-las. Eu estava cansada de mentir para todo mundo, especialmente para Sullivan. Além disso, se Helene e os Mortans não atacassem durante o baile, então eu teria que confessar meu plano. Dominic merecia ouvir a verdade de mim, principalmente porque ele e Rhea também estavam sofrendo por causa das minhas mentiras. Abri a boca para contar tudo a ele, quando uma voz familiar me cortou. — Concede-me esta dança? Sullivan se aproximou do irmão. Como Heinrich e Dominic, Sullivan estava vestido com uma jaqueta cinza curta e formal, mas ele era facilmente o mais bonito dos três homens. Seu cabelo castanho escuro brilhava sob as luzes, e seus olhos estavam tão brilhantes e azuis como eu já os vi. Mas ainda mais, havia uma intensidade nele, uma ferocidade que sussurrava que não seria negado o que ele queria esta noite, e não pude evitar a esperança que inundou meu coração de que ele ainda me queria. Nossos olhares se encontraram e se mantiveram, e Sullivan me estudou da cabeça aos pés, o calor faiscando em seus olhos.

— Você parece requintada esta noite, alteza. — Sua voz baixa e rouca deslizou pela minha pele e fez algo quente e forte enrolar profundamente dentro de mim. — Você também, Sully — murmurei. — Você também. Ao nosso redor, as pessoas continuavam dançando, embora sussurros ondulassem na multidão. Sullivan pedindo ao seu irmão para dançar comigo, sua noiva recém-anunciada, já havia mexido as línguas dos nobres. Dominic olhou entre nós dois, depois se inclinou e beijou minha bochecha. — Como eu disse antes, não adianta ficar com ciúmes quando você já perdeu — murmurou ele no meu ouvido. Olhei para ele. — Então você deve ir buscar a mulher que você realmente deseja. Dominic olhou para mim por mais um momento. Então ele piscou, recuou e curvou-se para o irmão. — Ela é toda sua, Lucas. Dominic piscou para mim novamente, depois foi direto para Rhea. Ele não notou Halvar seguindo-o. Como Dominic estava seguro por enquanto, virei de novo para Sullivan e estendi minha mão. — Vamos? — perguntei em voz baixa. Ele deu um passo à frente e envolveu uma mão na minha cintura enquanto pegava minha mão. O calor dos dedos dele queimaram os meus. — Sim, vamos. A música aumentou rapidamente, e nós seguimos os passos. Não conversamos durante a dança. Eu não queria falar com Sullivan. Não, agora, eu simplesmente queria aproveitar cada coisinha sobre ele e fingir que esta era a nossa festa de noivado e que poderíamos realmente estar juntos, em vez do fato de que eu provavelmente nos separei para sempre com minhas mentiras. O brilho forte e afiado de seus olhos azuis. A sensação forte e quente de sua mão na minha. A dureza e flexão de seu ombro sob as pontas dos meus dedos. Seu cheiro frio de baunilha afundou profundamente nos meus pulmões. Eu me concentrei em tudo isso e muito mais, muito mais, até que meu coração martelava no meu peito mais rápido do que a música tocava.

Eventualmente, o ritmo diminuiu para uma valsa mais tradicional, e Sullivan e eu nos aproximamos ainda mais, olhando nos olhos um do outro. O resto da sala do trono sumiu e tudo o que pude ver, ouvir, sentir e cheirar era ele me segurando perto. — Estive pensando naquela noite no castelo Asmund — disse Sullivan, sua voz mais uma vez um sussurro baixo e rouco. — Você se lembra daquela noite, alteza? — Eu nunca poderia esquecê-la. Essa foi a noite em que eu admiti para mim mesma que tinha sentimentos por ele, foi a noite em que confessei esses sentimentos para ele – e foi nessa noite que ele me rejeitou. — Cometi um erro terrível na época, o pior erro da minha vida — murmurou Sullivan, ainda me encarando. — E é um erro que eu gostaria de corrigir. Se você ainda me quiser. Minha respiração ficou presa na garganta, mas me forcei a ser cautelosa. — Mas e quanto a... — Não me importo com Dominic ou seu noivado ou com o que meu pai ou qualquer outra pessoa pensa — rosnou. Balancei a cabeça. Talvez estivesse errado, mas essas coisas nunca me ocorreram. Eu ia perguntar o quanto o machuquei, mas ele não me deu a chance. Sullivan me puxou ainda mais perto, seu olhar azul queimando o meu. — Eu quero você há meses, Alteza, e acho que finalmente chegou a hora de fazer algo a respeito. O que você diz? Você ainda me quer também? — Claro que sim — sussurrei, meu coração martelando no meu peito. — Espere alguns minutos, depois escorregue por uma das portas laterais e me encontre na entrada do labirinto — murmurou ele. A música parou e a dança terminou. Sullivan e eu ficamos lá, congelados no lugar. Então ele deu um beijo casto na minha mão, virou e se afastou. Ele desapareceu na multidão de nobres, todos os quais me encararam, sussurrando sobre a nossa dança. Minhas bochechas coraram com a atenção

repentina e afiada, mas coloquei um sorriso gentil no meu rosto novamente. Então me virei e andei na direção oposta a Sullivan. Dei uma volta pela sala, assentindo e sorrindo para todos. Enquanto eu contornava os nobres, também procurei meus amigos. Bjarni estava a poucos metros de Heinrich, que falava com alguns nobres, enquanto Halvar espreitava perto de Dominic, que conversava com Rhea no canto perto dos músicos. Cho, Paloma, e Xenia também estavam se movendo, de olho em todos. Meu olhar travou com o de Serilda, e ela apontou para uma porta na parede. Ela obviamente viu minha dança com Sullivan e estava me dizendo que ela e os outros tinham tudo sob controle e que eu deveria ir atrás dele. Dei a ela um sorriso agradecido. Dei outra volta pela sala, mas não parecia que os Mortan atacariam a qualquer momento. Talvez eu estivesse errada, e nada de ruim iria acontecer hoje à noite. Eu ainda tinha minhas dúvidas, mas Sullivan me esperava. Então, na minha terceira volta, fui até a porta que Serilda havia apontado, girei a maçaneta e passei para o outro lado. Alguns nobres andavam pelo terraço do lado de fora, mas eu rapidamente passei por eles. No segundo em que fiquei sozinha, peguei minha saia e comecei a correr. Mesmo estando a uma curta distância, pareceu levar uma eternidade para chegar aos jardins. A cada passo rápido e agitar do meu vestido, meu coração batia um pouco mais rápido no meu peito. Quando cheguei ao meu destino, meu corpo vibrava de antecipação. Sullivan virou com o farfalhar da minha saia. Diminuí a velocidade e parei na frente dele. Seu olhar azul passou por mim exatamente como antes no salão de baile, e o calor faiscou em seus olhos – o mesmo calor que corria pelo meu próprio corpo. Ele estendeu a mão e eu a peguei. Ainda me encarando, Sullivan me puxou para os jardins. Ele me levou por um caminho e para dentro do labirinto. Estava mais escuro aqui, mas ele sabia exatamente para onde ia, e me guiou através de voltas e mais voltas. Eventualmente, as fileiras de arbustos diminuíram, revelando as árvores e flores que ladeavam o mirante no coração do labirinto.

Assim como a sala do trono, o mirante foi decorado com cordas de fluorestones cinza e branco que envolvia a grade antes de subir nas colunas e se espalhar pelo telhado. Era uma cena linda e sonhadora, e eu não poderia ter pedido um lugar mais romântico. Sullivan me puxou para o centro do mirante, depois soltou minha mão. Ficamos lá, de frente um para o outro, nós dois respirando com dificuldade. Meu coração continuava martelando no meu peito, embora mais e mais antecipação surgisse através do meu corpo, mas não me aproximei dele. Nossos últimos meses juntos foram construindo até esse momento, aquele com o qual eu sonhava e o que eu havia preparado, tomando todas as ervas e precauções apropriadas. E agora que estava finalmente aqui, eu queria fazê-lo durar o maior tempo possível. Sullivan olhou para mim, bebendo-me da mesma maneira que eu estava fazendo com ele. Então lentamente, muito, muito lentamente, ele deu um passo em minha direção. Minha respiração ficou presa na garganta e eu cerrei minhas mãos nas dobras do meu vestido, ainda tentando fazer o momento durar o maior tempo possível. Ele levantou a mão e gentilmente segurou minha bochecha, seus dedos espalhando sobre o meu rosto como se quisesse sentir o máximo da minha pele ao mesmo tempo. Eu respirei fundo no calor de sua pele contra a minha. Ele deu outro passo em minha direção e enrolou a outra mão em volta da minha cintura. Desta vez, minha respiração ficou presa na minha garganta. Ele deu um terceiro e último passo em minha direção e eu me aproximei dele. Sullivan me encarou mais um pouco, depois abaixou a cabeça e esmagou seus lábios nos meus.

Capítulo 22 O beijo foi tudo que eu já imaginei. Tudo o que eu sempre sonhei quando estava deitada na cama tarde da noite, imaginando-o ao meu lado. Tudo o que eu sempre desejei, esperei e pensei que seria. E então algo mais. Os lábios de Sullivan colidiram com os meus, e ele rosnou e me puxou ainda mais perto para que nossos corpos estivessem alinhados dos lábios aos peitos e coxas. Enrosquei meus dedos em seus cabelos e o beijei com a mesma intensidade. Nossos lábios e línguas duelaram da mesma maneira que no círculo de treinamento de gladiadores, cada um de nós lutando pelo domínio, embora o prazer que trouxemos um ao outro nos tornasse os vencedores. Enquanto eu o beijava e beijava, minhas mãos percorriam seu pescoço e depois seus ombros largos e seu peito musculoso. Espalhei meus dedos sobre seu coração da mesma maneira que ele tocou meu rosto. Talvez fosse minha imaginação, mas eu podia ouvir e sentir as batidas frenéticas de seu coração. Ou talvez esse fosse meu coração acelerando a cada segundo que passava. Aquele primeiro toque de nossos lábios juntos acendeu cada nervo no meu corpo, e desejo quente e elétrico estalou em minhas veias, mais forte que

o raio de qualquer mago. Eu o queria mais do que já desejei alguma coisa, e eu finalmente ia tê-lo. Entre os beijos, peguei a jaqueta de Sullivan e o puxei para trás comigo. Eu estava indo para um dos bancos almofadados que ladeavam o mirante, mas Sullivan tinha outras ideias, e me prendendo contra uma das colunas, ele afastou sua boca da minha. Enfiei minhas mãos em seus cabelos, sentindo as mechas sedosas deslizarem pelos meus dedos enquanto seus lábios queimavam um caminho pelo meu pescoço e peito. Sullivan alcançou o decote do meu vestido e empurrou o tecido para o lado, expondo um dos meus seios. Meu mamilo endureceu no ar fresco da noite. Seu olhar brilhante e feroz travou com o meu. — Você é ainda mais bonita do que eu imaginava — murmurou ele. Ele abaixou a cabeça e girou a língua ao redor do meu mamilo antes de pegá-lo nos dentes e mordiscá-lo suavemente. Eu ofeguei de prazer, e ele chupou com força. Ofeguei novamente, mais alto desta vez, e mais desse desejo quente e elétrico chiou em mim. — Adoro quando você faz esse som — rosnou. Enfiei meus dedos em seus cabelos novamente, insistindo com ele. Sullivan deu atenção àquele peito, depois expôs o outro e fez a mesma coisa, fazendo cada vez mais prazer passar por mim. Ele levantou a cabeça e peguei seu rosto em minhas mãos, esmagando meus lábios nos dele. Nossas línguas duelaram juntas novamente, mas não era suficiente. Eu queria tocá-lo da mesma maneira que ele havia me tocado, então parei o beijo e fui trabalhar nos botões da jaqueta dele. No segundo que o último abriu, Sullivan tirou a jaqueta e jogou-a para o lado. Puxei sua camisa e ele ergueu os braços para que eu pudesse puxá-la por cima da cabeça e tirar. Joguei a camisa para o lado e olhei para seu peito nu, que era todo músculo duro e glorioso, pontilhado aqui e ali com linhas brancas e algumas outras pequenas cicatrizes enrugadas. Corri meu dedo por uma das marcas que cortam perto de seu coração. — Os riscos de trabalhar para uma tropa de gladiadores — explicou. — Bem, então, deixe-me beijá-las e torná-las melhores.

Inclinei-me e beijei suavemente essa cicatriz, junto com as outras. Sullivan ficou imóvel, mas cada toque dos meus lábios e deslize da minha língua o fazia tremer. — Incrível — murmurei. — Até sua pele tem gosto de baunilha e especiarias. Comecei a beijar suas cicatrizes novamente, mas Sullivan colocou o dedo embaixo do meu queixo, levantando minha cabeça. Então ele deixou cair a mão e se afastou de mim. — Você tem certeza que quer isso? — perguntou ele com uma voz rouca. — Tem certeza que quer... a mim? O leve tremor em sua voz fez meu coração doer. Ele não estava apenas perguntando sobre o sexo. Ele queria que eu o quisesse, príncipe bastardo e tudo. E eu queria... mais do que ele jamais saberia. Dei um passo à frente, segurei seu rosto e olhei em seus olhos. — Eu nunca tive mais certeza sobre qualquer coisa, Sully. Todo tipo de emoções brilhou em seus olhos. Alívio. Satisfação. E algo que era muito mais quente e muito mais profundo que o mero desejo, algo tão intenso e elétrico que me deixou sem fôlego. Ele me olhou por mais um momento, depois se abaixou e agarrou a parte de baixo do meu vestido, levantando minha saia para cima e fora do caminho. Assobiei quando suas mãos quentes roçaram minhas coxas nuas, depois deslizaram mais alto. Ele prendeu os polegares nas laterais da minha roupa de baixo de seda e a puxou. Eu saí dela, e ele a jogou de lado. Ela aterrissou em uma pilha com sua jaqueta e túnica. Ele caiu de joelhos na minha frente, agarrou uma das minhas pernas e, lentamente, cuidadosamente a enganchou por cima do ombro. Seu olhar no meu, ele estendeu a mão e acariciou meus cachos suaves e escuros. Eu fiquei tensa com antecipação. Sullivan me deu um sorriso perverso. — Vamos ver qual o seu gosto, alteza. Ele se inclinou, lambendo, mordiscando e chupando meu núcleo como ele fez nos meus seios. Sacudidas após sacudidas de prazer cravou em mim,

meu corpo inteiro tremeu, e tive que envolver minhas mãos na coluna atrás de mim para me apoiar. Ele parou e olhou para mim. — Eu amo seu sabor — rosnou. Ele se inclinou e foi trabalhar com a boca novamente, girando a língua ao redor enquanto me acariciava com os dedos. A pressão no meu corpo aumentou e aumentou até explodir repentinamente em uma onda ardente de prazer. Eu gemi quando o orgasmo me rasgou, e meu corpo ficou mole e lânguido. Sullivan cuidadosamente deslizou minha perna do seu ombro e ficou de pé. Ele se inclinou para me beijar novamente, mas estendi a mão, agarrei seus ombros, girei-o, prendendo-o contra a coluna. — Minha vez — murmurei. — Eu sempre faço como minha rainha ordena — murmurou. Corri minhas mãos sobre seu peito nu novamente, lentamente arrastando meus dedos para baixo, baixo, baixo... Eu segurei seu pau duro e grosso através de suas perneiras, fazendo-o sibilar de prazer. Então eu peguei os laços em suas perneiras, desfazendo-os lentamente. Não demorou muito e deslizei minha mão dentro de suas calças, acariciando-o da mesma maneira que ele fez comigo. Sullivan gemeu. — Eu não sabia que você era uma especialista em tortura, alteza. — Oh, Sully. Ainda não comecei a torturá-lo. Dei a ele outro sorriso malicioso, depois caí de joelhos e passei a língua sobre ele, lambendo, mordiscando e chupando, assim como ele fez comigo. Sullivan gemeu novamente, e seu corpo estremeceu e contorceu enquanto lutava pelo controle. Finalmente, ele soltou outro grunhido, estendeu a mão e me afastou dele. Então ele caiu de joelhos também. Nós olhamos um para o outro por um momento, nós dois respirando com dificuldade, sabendo o que estava por vir. Então, com um pensamento, nos reunimos. Coloquei meus braços em volta do pescoço dele, beijando-o ainda mais febrilmente. Empurrei minha língua na boca dele repetidamente, e ele combinou comigo, movimento por movimento. Sullivan amassou meus seios

novamente, então me agarrou pela cintura, me puxando ainda mais perto. A próxima coisa que eu sabia, ele estava caindo contra o chão do gazebo e me carregando junto com ele. Sullivan agarrou minha saia novamente, puxando-a para cima e para fora do caminho enquanto eu puxava os laços da sua calça. Inclinei-me, pairando sobre ele, e ele estendeu a mão e gentilmente acariciou minha bochecha. Ainda olhando para ele, avancei, depois deslizei em cima de seu pau, levando-o profundamente dentro de mim. Nós dois gememos com a sensação fantástica. Afastei-me um pouco e deslizei para frente novamente. E então novamente. E então novamente. Sullivan colocou as mãos nos meus quadris, me incentivando, enquanto bombeava seus quadris para encontrar os meus. Nossas respirações vieram em suspiros irregulares, assim como nossos movimentos se tornaram mais rápidos, mais fortes, mais intensos. Mesmo que ele fosse tudo o que eu podia sentir, ouvir, provar, cheirar, não bastava e eu ainda precisava – queria – mais. Sullivan me puxou para cima dele, depois me rolou de costas. Nossos olhares se encontraram e mantiveram por um momento longo e intenso. Então envolvi minhas pernas em sua cintura, e ele empurrou ainda mais fundo em mim. E ele não parou. Repetidas vezes, nós balançamos juntos, aquela pressão requintada se acumulando, até que finalmente percorreu nós dois em uma explosão brilhante, quente e elétrica. *** Depois, nos deitamos no chão do gazebo, nossos braços se abraçando. Suspirei de felicidade. — Eu gostaria que o mundo parasse e eu pudesse ficar aqui para sempre. Os braços de Sullivan se apertaram ao meu redor. — Eu também, alteza. Eu também.

Aninhei meu rosto em seu pescoço, bebendo seu aroma limpo de baunilha. Eu me permiti inalar repetidamente, imprimindo-o e esse momento perfeito em minha mente. Então, quando eu estava certa de que sempre lembraria, que sempre me lembraria dele e como ele me fez sentir, eu lentamente desembaracei meu corpo do dele e me sentei. — O que você está fazendo? — perguntou ele. — Infelizmente, o dever chama, e preciso voltar ao baile. Puxei meu decote para onde ele pertencia, depois me levantei e recuperei minhas roupas íntimas de onde pousaram. Coloquei-as e alisei minha saia. Meu cabelo estava uma bagunça emaranhada, então passei meus dedos pelas mechas, tentando endireitá-las. Sullivan sentou também. — Como assim, você precisa voltar ao baile? — Preciso verificar Dominic. Eu estava preocupada com Helene e como ela ainda poderia ter como alvo o príncipe herdeiro, então eu disse as palavras sem realmente pensar nelas. — Entendo — disse Sullivan em uma voz fria e plana. — Vai garantir de que ainda está noiva do meu irmão, mesmo após passar a última meia hora me fodendo? Fiz uma careta. Tarde demais, percebi que era exatamente a coisa errada a dizer, especialmente para Sullivan, e especialmente considerando o que acabara de acontecer entre nós. — Não foi isso que eu quis dizer. Você não entende. — Oh, eu entendo perfeitamente — retrucou. — Tivemos um ótimo encontro, mas acabou agora. Você se preocupa comigo, apenas não o suficiente para me escolher sobre Dominic, e estou sendo preterido pelo meu irmão mais uma vez. Eu realmente sou o maior tolo, nunca aprendendo essa lição. Sullivan ficou de pé, caminhou e pegou suas roupas. Ele puxou sua túnica com movimentos agudos e raivosos. Abri minha boca para contar tudo a ele. Como eu nunca pretendi me casar com Dominic, como eu achava que Helene havia envenenado Heinrich, como nossos amigos estavam vigiando para garantir que assassinos Mortan

não machucassem seu pai ou irmão durante o baile. Eu ia confessar tudo e pedir sua compreensão e perdão. Mas então uma rajada de vento soprou pelo gazebo, trazendo um perfume familiar junto com ele – o cheiro quente e cáustico de magia. Eu congelei, me perguntando se eu apenas imaginara o aroma. Meu nariz tremeu e respirei fundo, provando o ar. O perfume voltou, mais forte do que antes. Meu estômago caiu. A última vez que eu senti esse cheiro especial de magia estava no gramado real em Seven Spire na noite em que matei Vasilia. O perfume agora significava o mesmo que então. Mais uma vez, alguém queria me matar. Respirei fundo, desta vez para avisar Sullivan, mas, mais e mais magia inundava o ar, muita magia para apenas uma pessoa. Meu estômago apertou novamente. A menos que eu estivesse completamente enganada, meu possível assassino trouxe vários magos para cá. Meu olhar voltou, procurando a área além do mirante, mas tudo o que vi foram as árvores, flores, lago e labirinto. Eu me perguntava há quanto tempo os magos estavam lá fora. Pensar que eles viram e ouviram meu momento de paixão com Sullivan me enojava, mas forcei a emoção de lado. Em vez disso, outro pensamento surgiu em minha mente – por que eles estavam mantendo suas posições em vez de avançar e nos atacar? Eles deveriam atacar agora, enquanto Sullivan estava distraído e nós estávamos isolados. Mas não tive a sensação de que os magos se aproximavam mais. Então o que eles esperavam? Sullivan encolheu os ombros em sua jaqueta e um pouco de relâmpago azul chiou das pontas dos seus dedos faiscando contra os botões de prata enquanto os abotoava. E de repente eu percebi por que os magos estavam mantendo suas posições. Eles estavam esperando que Sullivan saísse antes de me matarem. Afinal, eles teriam muito mais facilidade em me matar se ele não estivesse por perto. E os assassinos provavelmente queriam manter as coisas em silêncio enquanto me matavam para que pudessem escapar depois. Lutar com Sullivan e seu raio definitivamente não seriam fáceis ou silenciosos.

Sullivan não tinha minha magia de simplória, então ele não sentiu os outros magos. Em vez disso, ele terminou de abotoar a jaqueta, depois se virou para mim, uma expressão de raiva no rosto. — Bem, alteza? — retrucou. — O que eu não entendo? Naquele momento, eu sabia o que deveria fazer. Os magos estavam esperando Sullivan sair, e eu daria a eles exatamente o que queriam. Havia muitos magos para Sullivan e eu lutarmos, e não o deixaria morrer por minha causa. Eu precisava proteger o príncipe uma última vez, mesmo que isso significasse machucá-lo novamente com minhas palavras. Dei de ombros. — Aparentemente, você não entende como o mundo realmente funciona, Sully. Helene tentou explicar para você na outra noite na estufa, mas vejo que isso não aconteceu. Sua mandíbula apertou. — Você estava espionando Helene e eu? Por quê? Dei de ombros novamente. — Eu estava vagando pelos corredores, procurando por você, esperando me desculpar, quando vi você entrar em sua oficina. Então eu me esgueirei e abri a porta. Ouvi tudo o que vocês disseram. Não era exatamente a verdade, mas o que era mais uma mentira neste momento? — E o que Helene disse então que você acha que é tão relevante agora? — rosnou Sullivan. — Que às vezes as pessoas precisam fazer coisas que não gostam pelo bem maior. — Dei de ombros e levantei meu queixo. — Eu sou a rainha de Bellona e tenho que fazer sacrifícios pelo meu povo, pelo meu reino, quer eu queira ou não. — Como se casar com Dominic? — Exatamente como isso. — Então o que foi isso? — perguntou ele, estendendo as mãos. — Por que você veio comigo se ainda está tão disposta em se casar com meu irmão? Eu me preparei para o que tinha a dizer a seguir. — Não é segredo que te quero há meses, Sully. E o sentimento era mútuo. Hoje à noite, nós dois finalmente conseguimos o que queríamos.

As sobrancelhas dele se ergueram. — E agora? Você terminou comigo? Simplesmente assim? — Simplesmente assim. — Mantive meu rosto frio enquanto o encarava. — O que você pensou que fosse acontecer? Que eu terminaria meu noivado com Dominic só porque nós fodemos? Você deveria saber melhor. Você mesmo disse que rainhas não se relacionam com príncipes bastardos. Ele recuou como se eu tivesse lhe dado um tapa. A mágoa brilhava em seus olhos, e os aromas gêmeos de sua resignação empoeirada e desgosto cinza queimaram meu nariz. Mas ainda não o deixei com raiva o suficiente para sair em segurança, então eu decidi torcer meus punhais verbais ainda mais. — Por que você dançou comigo no salão de baile? — perguntei. — Por que você me trouxe aqui? Ele franziu a testa. — O que você quer dizer? — Quero dizer que o que aconteceu entre nós foi mais sobre Dominic do que sobre mim. — Inclinei minha cabeça para o lado, estudando-o. — Afinal, que melhor maneira de finalmente derrotar seu irmão do que roubando-me da nossa festa de noivado e me fodendo? Sullivan se encolheu novamente. — Não foi por isso que te trouxe aqui. Eu queria mostrar como me sinto sobre você. Isso não tem nada a ver com Dominic. — Talvez, talvez não. Mas é um bônus legal, não é? Mostrar a Dominic, Heinrich e os nobres que eu me preocupo com você mais do que nunca farei por eles. Esfregando no rosto do seu irmão o fato de que eu deixei o salão de baile com você em vez dele. — Dominic ama Rhea — retrucou Sullivan. — Ele não se importa com você. Não como eu. Meu coração se apertou com as palavras dele, mas eu me forcei a continuar vomitando mentiras e veneno. — Você me disse uma vez que nunca ficaria satisfeito com apenas uma noite comigo. O que você acha que é isso, Sully? Um músculo pulsou em sua mandíbula. — Não sei, mas quero descobrir. Juntos.

Ele deu um passo à frente e estendeu a mão. Aquele gesto simples quase me quebrou, mas endureci meu coração. Nada importava, exceto ter certeza de que ele deixasse os jardins, que me deixasse para trás... para sempre. — Eu sou a rainha de Bellona e você é um príncipe bastardo — repeti, tornando minha voz tão fria quanto possível. — Tivemos a nossa noite e agora acabou. Mais mágoa brilhou em seus olhos, mas foi rapidamente abafada pela raiva – tanta raiva. Meu coração apertou com força novamente, mas eu me mantive fria e impassível, como se não ligasse para ele. — Eu realmente pensei que você fosse diferente — disse Sullivan com uma voz áspera e acusadora. — Eu realmente pensei que títulos e poder e o que as outras pessoas pensam não importavam para você. — E agora? — Fiz a pergunta inevitável, sabendo que sua resposta esmagaria meu coração. Ele soltou uma risada baixa e amarga. — E agora percebo que sou eu quem não importa para você. Nem um pouco. — Seu rosto endureceu e seus olhos brilhavam como gelo. — Espero que você goste do seu casamento com Dominic, Vossa Majestade. Ele apertou o punho contra o coração e me deu um arco baixo e zombador. Então se endireitou, girou ao redor, e se afastou. Eu o observei sair do mirante, atravessar a grama e desaparecer no labirinto O agudo snap-snapsnap-snap de suas botas contra as lajes parecia facas rasgando meu coração, cortando em pedaços. Esperei até o som dos passos dele desaparecer e ter certeza que ele não voltaria, antes de falar novamente. — Você pode sair agora. Por vários segundos, nada aconteceu, mas então uma figura vestindo uma capa roxa da meia-noite saiu de uma poça de sombras perto do labirinto. E ela não estava sozinha. Várias outras figuras, também com mantos escuros, saíram das sombras também. As figuras cercaram o mirante, depois retiraram os capuzes. Não reconheci o rosto deles, mas todos tinham os mesmos olhos arroxeados.

Eles eram todos membros da Brigada Bastarda. A mulher de capa roxa deslizou e entrou no mirante. Ela esperou um momento, certificando-se de que eu não ia atacá-la, estendeu a mão e jogou o capuz para trás, revelando seu rosto. Cabelos loiros presos em um coque alto e elegante, olhos escuros de ametista, um sorriso presunçoso vincando suas belas feições. Ela parecia a mesma de quando eu a vi através do espelho Cardea em Seven Spire. — Olá, Maeven. Fiquei imaginando quando você apareceria. — Olá, Everleigh. Você está particularmente adorável esta noite. — Seu olhar percorreu rapidamente o meu cabelo ainda emaranhado e vestido amassado. — Casos ilícitos combinam com você. Minhas mãos se fecharam em punhos, mas eu me forcei a ficar parada e não cair em sua isca óbvia. — Vejo que você trouxe mais alguns de seus parentes encantadores com você. Maeven deu de ombros não muito modesta, depois acenou com a mão. — Levem-na. Os assassinos avançaram e convergiram para mim. Eu me preparei, pensando que eles me atacariam com sua magia, mas eles me cercaram. Eu lutei contra, é claro, socando, batendo e chutando com todas as minhas forças. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Não contra tantos deles. Dei alguns golpes, mas vários pares de mãos rapidamente se agarraram nos meus braços, me segurando. Um punho se aproximou e bateu no meu rosto. A dor explodiu na minha mandíbula e o mundo ficou preto.

Capítulo 23 Ansel arrastou minha mãe para a floresta, e minha mãe me arrastou atrás dela. Juntos, nós três formamos uma corrente humana, fugindo de Winterwind. Gritos soaram da mansão à distância, e olhei sobre o meu ombro. Através das árvores, vi homens armados com espadas e tochas saindo pela porta da cozinha pela qual passamos um minuto atrás. — Onde está a cadela Blair? — Temos que encontrá-la! — Ninguém escapa! Seus gritos rasgaram o ar, e era apenas uma questão de tempo antes que encontrassem nossas pegadas na neve e nos perseguissem. Mas, mais uma vez, Ansel não parecia preocupado. Ainda mais curioso foi o fato de que meu tutor parecia saber exatamente para onde ele ia, mesmo que eu nunca o tivesse visto andar por aqui antes. Nós nos movemos cada vez mais fundo na floresta, e os gritos dos assassinos Mortan desapareceram rapidamente. Cinco minutos depois, encontramos uma pequena clareira. Para minha surpresa, dois cavalos carregados com alforjes estavam amarrados a uma árvore. Meu coração acelerou. Íamos fugir afinal. Mas então eu notei que esses não eram dois cavalos aleatórios. Um deles era um garanhão preto que pertencia a Ansel, enquanto a égua cinza era

a montaria da minha mãe. Fiz uma careta. Como eles saíram do celeiro e vieram até aqui? Minha mãe respirou surpresa e parou, soltando a mão de Ansel, junto com a minha. Meu tutor correu para o cavalo e colocou a espada do meu pai em um alforje, depois se virou para nós. — O que há de errado? Temos que ir — assobiou Ansel. — Agora! Antes que eles nos encontrem! — Por que esses cavalos estão esperando aqui? — sussurrou minha mãe, expressando meu pensamento. Ansel abriu a boca, mas minha mãe levantou a mão. Ele segurou o que quer que estava prestes a dizer, mas eu podia sentir o cheiro da culpa dele. Ele fedia a isso. Minha mãe olhou para ele com olhos arregalados e horrorizados. — Você planejou isso — acusou ela. — Você sabia que os Mortan iam atacar Winterwind. É por isso que você tinha os cavalos esperando. Então você poderia escapar. Ansel se aproximou e agarrou as mãos dela, apertando-as com força. — Então nós poderíamos escapar, Leighton. Eu fiz isso por você. — Mas... por quê? — perguntou minha mãe confusa. Ansel olhou para ela, uma luz estranha, brilhante, quase fanática brilhando em seus olhos. Desta vez, em vez de alho de culpa, o cheiro de cereja da sua luxúria encheu a clareira. O perfume me fez querer vomitar. — Porque eu te amo — declarou ele. — E sei que você também me ama. Os olhos de minha mãe se arregalaram novamente e ela arrancou as mãos das dele. — Eu amo Jarl, meu marido! Não você! Por que você pensaria isso? — Porque você estava sempre sorrindo para mim, conversando comigo e rindo das minhas piadas — disse Ansel. — Eu sabia que você me amava, mesmo que não pudesse demonstrar sempre que seu marido idiota estava por perto. Minha mãe respirou fundo e balançou em pé. — Você... você entregou a Jarl aquele copo de vinho. Você o envenenou. Você o matou.

— Eu fiz isso por nós! — gritou Ansel, sua voz subindo a quase um grito. — Para que pudéssemos finalmente ficar juntos! Sua voz ecoou pela floresta, alto o suficiente para fazer as corujas aninhadas nas árvores nevadas gritarem e voarem. Meu coração batia forte enquanto meu estômago se revirava em nós fortes. Ansel havia assassinado meu pai para que ele pudesse... o quê? Ficar com minha mãe? Ou qualquer fantasia doentia e distorcida que ele inventou em sua cabeça? Parte de mim não queria saber a resposta. A raiva ardia nos olhos cinza-azulados da minha mãe, e seus lábios se curvaram em desgosto. Ela olhou para ele, então baixou o olhar, como se não aguentasse mais olhar para ele. Ela congelou, como se algo tivesse chamado sua atenção. Então ela avançou, estendeu a mão e arrancou o relógio de bolso de bronze do colete dele. Ela olhou para o elegante M cursivo gravado no metal. O símbolo deve ter significado algo para ela, porque ela estendeu o relógio para ele. — Você é um deles — disse ela, cuspindo a última palavra. — Você é um maldito Mortan. Ansel fez uma careta, mas não negou. Minha mãe deu a ele outro olhar de desgosto, depois jogou o relógio nele. Ele ricocheteou no peito e caiu na neve. — Você tem que vir comigo, Leighton — disse Ansel, implorando. — Eu estou tentando salvar você. Ela balançou a cabeça e se afastou dele. — Você matou meu marido — sibilou. — Não vou a lugar nenhum com você! Então seus olhos se estreitaram e ela realmente sorriu, como se algo em toda essa situação horrível a agradasse. — Seus parentes não ficarão felizes por você os ter traído. Eles virão buscá-lo e darão todos os horrores que você merece. — Não, certamente não estamos felizes com isso — murmurou outra voz. — E você está certa. Ansel se arrependerá de nos trair. Nós três viramos. A maga da capa roxa da meia-noite estava na clareira. O capuz estava caído, revelando os cabelos loiros e os olhos roxos brilhantes e misteriosos, e uma bola de relâmpago frio estalava na palma da mão. Minha mãe avançou, colocando-se entre a maga e eu.

Ansel molhou os lábios, estendeu as mãos na frente dele em súplica e avançou alguns passos. — Marisse, espere, deixe-me explicar... Marisse levantou a mão e o atingiu com sua magia. Granizo roxo misturado com um raio frio atravessou a clareira e bateu no peito de Ansel, cortando e congelando-o onde estava. Ele gritou e gritou, mas não havia nada que ele pudesse fazer. Alguns segundos depois, ele caiu no chão, com várias pedras de granizo saindo de seu peito como facas, e seus olhos esbugalhados como bolinhas de vidro em seu rosto congelado. Marisse olhou para Ansel, depois balançou a cabeça. — Ansel sempre foi fraco e insensato. Não acredito que ele pensou que poderia salvá-la ou que você iria de bom grado depois que ele matou seu marido. — Ela encolheu os ombros. — Mas o amor nos faz fazer coisas idiotas, não é? Minha mãe não respondeu, mas eu pude sentir o cheiro de limonada da sua preocupação. Meu nariz se contraiu. Eu também podia sentir o cheiro frio e crepitante da magia de minha mãe enquanto ela a alcançava, recolhendo-a dentro dela. Eu fiz o mesmo com minha imunidade. — E agora, rainha Winter — assobiou Marisse —, é hora de você morrer, junto com sua preciosa filha... A luz azul brilhou na palma da minha mãe, e ela levantou a mão e jogou sua magia na outra mulher. A luz se separou e se tornou longas e irregulares agulhas de gelo. A esperança encheu meu peito. Tudo o que precisávamos era que uma agulha espetasse a maga, e nós poderíamos escapar. Mas Marisse desencadeou sua própria magia. Suas pedras de granizo roxas explodiram as agulhas azuis da minha mãe, e todos os pedaços de gelo se chocaram e se quebraram no ar. — Corra, Evie! — gritou minha mãe enquanto levantava a mão para outro ataque. — Corra! Mas eu nunca tive a chance. Marisse foi mais rápida que minha mãe e levantou as mãos, liberando mais granizo afiado e mortal, junto com raios frios. Minha mãe empurrou com seu próprio poder, mas uma das pedras de granizo passou por suas defesas e atingiu seu peito, girando-a. Seu sangue quente e pegajoso espirrou no meu rosto.

Eu silvei, recuei e ergui minha mão até a bochecha antes de afastá-la. Olhei horrorizada com as manchas escarlates manchando as pontas dos meus dedos, com a terrível visão do sangue da minha mãe na minha própria pele. Então, a determinação me encheu, superando meu medo e pânico. Eu já perdi meu pai para esses bastardos Mortan. Eu não iria perder minha mãe também, mesmo que não tivesse ideia de como poderia salvá-la ou a mim mesma. Mas já era tarde demais. Minha mãe cambaleou, e percebi que a pedra de granizo de Marisse havia acertado em seu coração como uma adaga de ametista. O sangue jorrou da ferida, manchando o gelo roxo de um marrom feio e respingado. Marisse riu e levantou a mão para outro ataque. Minha mãe deve ter visto meus olhos se arregalarem, porque ela passou os braços em volta de mim, ainda determinada a me proteger. — Mamãe! — gritei. — Mamãe! Minha mãe me apertou mais forte. — Use... sua magia... — murmurou. — Salve... você mesma... Evie... Mais pedras de granizo perfuraram as costas da minha mãe, fazendo-a gritar novamente. Ela se adiantou e nós caímos no chão. Minha mãe caiu em cima de mim, ainda tentando me proteger, e seu sangue quente escorreu sobre meu pescoço e peito enquanto meu corpo afundava profundamente na neve molhada. Um raio roxo frio bateu nas costas da minha mãe, fazendo-a gritar novamente. Marisse não terminou conosco. Ondas após ondas de poder explodiram em minha mãe. Minha mão direita estava presa entre nossos corpos, mas passei o braço esquerdo pelas costas da minha mãe, embora o raio congelasse minha pele. Por alguns segundos, gritei junto com minha mãe, mas então me forcei a cerrar os dentes e agarrar a minha imunidade. De alguma forma, eu consegui me afastar dos raios gelados da maga. Oh, minha mão e o braço ainda estavam congelados, terrivelmente, mas o raio da maga não congelou o resto do meu corpo, como estava fazendo com minha mãe.

Desesperada, apertei minha mãe ainda mais, tentando compartilhar minha imunidade com ela, tentando nos proteger com a minha magia. Mas ela já estava mais morta do que viva, graças a essa ferida horrível no peito, e eu podia sentir a magia congelando a pouca vida que lhe restava. Minha mãe recuou e seus olhos cinza-azulados encheram minha visão. Olhos de Blair, olhos de tearstone, assim como os meus. Ela abriu a boca para dizer algo, mas tudo o que escapou foi um suspiro suave, e ela se inclinou, sua cabeça caindo no meu ombro. Foi quando eu soube que ela estava morta. Lágrimas escorreram e congelaram no meu rosto, e um soluço subiu na minha garganta, mas eu o engoli e foquei na minha imunidade. Eu não sabia quanto tempo fiquei deitada na neve, segurando minha mãe morta e lutando contra o poder frio da maga. Eventualmente, o raio roxo se dissolveu em uma chuva de bolinhas de gelo. Nesse ponto, eu estava meio enterrada na neve, com o corpo congelado da minha mãe em cima de mim, com seus braços ainda em volta de mim, mesmo estando tão fria e rígida quanto uma tábua. Minha própria mão e o braço estavam de alguma forma gelados e queimando ao mesmo tempo, e essa dor horrível e latejante pulsava pelo meu corpo a cada respiração. Por mais que eu quisesse tirar meu braço em torno da minha mãe, eu me forcei a ficar absolutamente imóvel. Passos trituravam através da neve. A maga estava vindo se certificar de que estávamos mortas. Não percebi até agora, mas fechei os olhos durante o ataque e me forcei a abri-los. O rosto frio e congelada de minha mãe apareceu na minha frente. Felizmente, seus olhos estavam fechados, mas sua pele ficara um horrível roxo-preto, e ela cheirava a morte congelada. De alguma forma, engasguei um soluço estridente. Meu olhar virou para a esquerda e para a direita, mas eu estava enterrada tão fundo que tudo que eu podia ver era a neve subindo de cada lado de mim, com a visão horrível do rosto congelado de minha mãe no meio. Eu fiquei deitada, quieta e silenciosa, mal ousando respirar...

Um raio zumbiu no ar, afastando o corpo de minha mãe do meu. Eu gritei e estendi a mão, mas ela se foi, lançada através da clareira. Eu me levantei, fiquei de pé e me virei. Marisse estava bem na minha frente, com um sorriso divertido no rosto. — Você não sabe? Fingir de morto nunca funcionou para ninguém. A raiva surgiu através de mim com suas palavras zombeteiras, e minhas mãos se fecharam nas dobras do meu vestido. Para minha surpresa, senti algo duro através do tecido e percebi que a adaga que minha mãe me dera na sala de jantar ainda estava no meu bolso. Minha respiração ficou presa na garganta, mas comecei a colocar minha mão direita na abertura. Marisse me olhou de cima a baixo, absorvendo meus cabelos desarrumados, o sangue e o vestido coberto de neve, e a tonalidade roxoazulada do meu braço e dedos esquerdos. Os olhos dela estreitaram em pensamento. — Que tipo de magia permite você sobreviver à minha? Em vez de responder, me mexi, usando o movimento para esconder minha mão entrando no meu bolso. Meus dedos se atrapalharam com o tecido, mas eles finalmente se fecharam na adaga. Eu apertei o punho. Marisse deu de ombros. — Suponho que não importa, já que você ainda morrerá. Ela levantou a mão e mais daquelas malditas pedras de granizo roxas começaram a girar ao redor das pontas dos seus dedos. — Últimas palavras, garotinha... Não esperei que ela terminasse de falar ou, pior, jogasse sua magia em mim. Em vez disso, arranquei a adaga do meu bolso, pulei para frente e a apunhalei no coração. Os olhos de Marisse se arregalaram e ela gritou de surpresa. Suas pedras de granizo deslizaram através dos seus dedos e espirraram no chão. Ela cambaleou para trás, mas eu a segui. Arranquei a adaga do seu peito e depois a esfaqueei novamente. E não parei. Apunhalei a maga várias vezes, cortando todas as partes dela que eu podia alcançar. Ela gritou e gritou e tentou jogar sua magia em mim, mas meu

ataque foi muito brutal, frenético e cruel, e ela não podia convocar nem uma única faísca de poder. Pareceu levar uma eternidade, embora não tenha passado mais de dez segundos antes dos olhos dela revirarem e ela cair no chão. Eu pairei sobre ela, a adaga ainda na minha mão, mas os olhos da maga estavam fixos e congelados. Não sei quanto tempo fiquei ali, respirando com dificuldade, o sangue dela pingando da minha mão, meu corpo inteiro tremendo de raiva, tristeza e medo. Mas lentamente, percebi que a Maga estava morta, e que eu não estava, e que não podia ficar aqui perdida no nevoeiro de meus sentimentos. Então recoloquei a adaga ensanguentada no bolso do vestido e olhei em volta, ainda tentando me equilibrar. Meu olhar passou para o corpo de minha mãe. Meu coração apertou, mas me afastei de sua forma amassada. Não olhei para minha mãe novamente. Não pude. Em vez disso, examinei o restante da clareira. Os cavalos se foram há muito tempo, tendo fugido assim que a maga matou Ansel, mas algo metálico brilhou na neve, perto de seu corpo, e eu me arrastei para ele. O relógio de bolso de Ansel. A visão me encheu de desgosto, já que era mais um lembrete de todos os horrores que ele causara à minha família. Comecei a deixar o relógio ali, mas por algum motivo, me agachei e o peguei. O extravagante M gravado na faixa de bronze brilhava para mim como um olho astuto e zombador, como se estivesse feliz por assistir meu sofrimento. Minha mão apertou o relógio. Fiquei tentada a jogá-lo tão profundamente na floresta quanto pudesse, mas não joguei. O relógio era a única coisa de valor que eu tinha e talvez eu precisasse trocar por comida. Além disso, uma pequena parte de mim não queria deixar para trás. Não, eu queria manter o relógio como uma lembrança – e uma promessa para mim mesma. Eu nunca esqueceria esse dia e o que os Mortans fizeram com minha família. Não sabia como ou quando, mas algum dia me vingaria deles.

Mas primeiro eu precisava fugir. Gritos soaram ao longe, e eu não queria estar aqui quando os Mortans encontrassem sua maga morta. Então coloquei o relógio de Ansel no meu bolso ao lado da minha adaga ensanguentada, levantei e cambaleei mais fundo na floresta...

Meus olhos se abriram e vi várias árvores escuras e sombrias ao longe. Por um momento pensei que eu ainda estava no bosque nevado naquela noite horrível há muito tempo, mas então percebi que estava no mirante nos jardins de Edelstein. Alguém havia me apoiado contra um dos bancos almofadados. Pisquei algumas vezes, concentrando-me no meu entorno, ainda que o pequeno esforço fizesse nova dor florescer na minha mandíbula. Eu toquei meu queixo. Meu rosto já havia inchado e machucado onde um dos assassinos me atingiu. Ainda assim, tive sorte de ter acordado. — Você tem certeza que os guardas se foram? — sibilou uma voz familiar. Maeven estava agachada nas sombras na frente do mirante, olhando para os jardins. Os outros assassinos também estavam agachados e escondidos nas sombras dentro da estrutura. — Eles se foram — murmurou um dos assassinos. — Por que eles estavam aqui fora? — perguntou Maeven. O assassino deu de ombros. — Eles estão procurando a pirralha Ripley. Aparentemente, ela ficou entediada e esgueirou-se do baile. Maeven e os assassinos continuavam olhando para os jardins. Eles não perceberam que eu estava acordada, então coloquei minha mão no meu colo, batendo no meu lado. Onde estava? Onde estava? Meus dedos tocaram um caroço escondido nas dobras do meu vestido, e suspirei de alívio. Os assassinos não devem ter me revistado, porque minha adaga de tearstone ainda estava escondida no meu bolso. Eu não sabia que bem uma arma pequena faria para mim, mas pelo menos eu tinha a chance de revidar.

Maeven olhou por cima do ombro para mim. Ela ficou de pé e estalou os dedos para os assassinos. Eles também se levantaram e me encararam, e eu fiquei mais uma vez cercada. Suspirei, estendi a mão e lentamente me levantei para uma posição sentada na almofada do banco, como se não tivesse forças para resistir. Meu rosto palpitou novamente, a sensação se espalhando pelo meu crânio, mas afastei a dor. Ainda assim, era melhor parecer o mais fraca possível, então soltei um gemido suave e toquei meu queixo machucado novamente. Enquanto Maeven e os assassinos olhavam para o meu rosto, abaixei minha mão direita ao meu lado, discretamente agitando as dobras do meu vestido e envolvi meus dedos ao redor da adaga no meu bolso. Obrigada pelo bolso, Calandre. Eu só esperava que a arma fosse suficiente para me salvar. Quando segurei minha adaga com firmeza, tirei a outra mão do rosto e me endireitei, olhando em volta. Eu estava sentada em uma das almofadas na parte de trás do mirante, com Maeven parada na minha frente e os outros magos assassinos espaçados ao meu redor em um semicírculo solto. Tomei respiração após respiração, provando o ar. Os assassinos cheiravam a magia, e seus olhos ardiam de um roxo brilhante e misterioso. Eu não sabia se todos tinham magia de raio como Maeven, ou fogo, ou gelo, ou qualquer outra coisa, mas isso realmente não importava. Eles estavam prontos, dispostos e ansiosos para me atingir com seu poder no segundo em que fizesse qualquer coisa que eles não gostassem. Maeven não estava arriscando que eu escapasse da armadilha dela. Não dessa vez. — Ah, Everleigh — ronronou Maeven. — Estou tão feliz que você está acordada. — Por que estou acordada? Por que você não me matou ainda? — Você tem alguns guardas andvarianos errantes para agradecer pela sua execução. Mas não se preocupe. Sua suspensão será extremamente curta. Eu só preciso primeiro definir a cena. Minha prima insistiu nisso.

Por um momento, foi quase como se ela estivesse falando uma língua estrangeira que eu não entendia. Mas então suas palavras afundaram em minha mente, junto com suas horríveis implicações. — Prima? Você tem uma prima em Glitnir? Outro membro da sua Brigada de Bastardos? Por todo o mirante, os outros Mortans se levantaram, aparentemente orgulhosos desse nome e de todas as coisas horríveis que o acompanhavam. Tolos. — Oh, sim — disse Maeven com uma voz presunçosa. — Temos parentes em todos os reinos deste continente e os que estão além. Mas estou particularmente orgulhosa dessa prima. Ela fez um bom trabalho em manter um olho nos Ripleys e nos alimentar com informações ao longo dos anos. Então o traidor era alguém próximo ao rei, como eu temia. Abri minha boca para fazer mais perguntas, quando outro perfume passou por mim – um perfume forte de rosas. Meu coração apertou e meu estômago revirou. Eu já senti esse perfume antes, e sabia exatamente a quem ele pertencia. Mas as implicações de detectá-lo aqui e agora eram absolutamente horríveis. — Você a capturou sem envolver Lucas. Excelente. — Uma voz flutuou na escuridão, confirmando minhas terríveis suspeitas. Passos soaram, e uma mulher entrou no mirante e caminhou até o lado de Maeven. Como a maga, essa mulher também usava uma capa roxa da meia-noite, e estendendo a mão, abaixou o capuz para que eu pudesse ver o rosto dela. Parte de mim ainda esperava desesperadamente que Helene estivesse escondida lá embaixo, mas é claro que não era ela. Era muito pior que isso. Era Dahlia.

Capítulo 24 Mesmo que eu suspeitasse que ela estivesse aqui, o choque ainda sacudiu meu corpo, me queimando ainda mais intensamente do que o raio de um mago. — Você é a traidora? — sussurrei. — Você é uma Mortan? Um membro da Brigada de Bastardos? Um sorriso fraco curvou os lábios de Dahlia. — Um dos membros mais antigos, na verdade. Com seus cabelos pretos e olhos verdes, Dahlia não se parecia nada com Maeven ou os outros assassinos, a maioria deles tinha cabelos loiros e olhos roxos. Meu olhar caiu para o medalhão de ouro ao redor do seu pescoço, o coração gravado com um grande e extravagante D cursivo. Amaldiçoei minha própria tolice. Dahlia esteve usando um símbolo de Mortan esse tempo todo. Eu estava cega e desconfiada demais de Helene para vê-lo. Respirei fundo, e o perfume avassalador do perfume de rosas de Dahlia tomou conta de mim novamente. O aroma foi outra pista que eu perdi. Ninguém usava tanto perfume por acidente. Sullivan deve ter mencionado minha magia para ela em algum momento, e Dahlia deliberadamente se banhou com o cheiro enjoativo de rosas para me impedir de cheirar suas emoções – e suas más intenções. Inteligente da parte dela, e estúpido da minha por não perceber isso antes.

— Fui enviada para Glitnir quando criança, com instruções para subir o mais alto possível — continuou Dahlia. — E eu me saí muito bem, como você disse, Everleigh. — Então, durante todo esse tempo, todos esses anos, você foi a amante do rei, porque recebeu ordens? — perguntei. — Assim, você poderia espionálo e informar o rei Mortan? — Algo assim — disse Dahlia. Minha mente girou, tentando entender as profundezas do engano de Dahlia e tudo o que ela fez, todos os segredos que ela deve ter compartilhado com Maeven e os Mortans que nos levaram a terminar aqui. — Então você soube no segundo que Heinrich decidiu casar com Frederich e Vasilia. Soube da viagem dos Andvarianos a Seven Spire semanas, se não meses, com antecedência. É assim que Maeven foi capaz de assassinar Frederich, o resto dos Andvarianos e os Blairs no almoço. Outro sorriso curto curvou os lábios de Dahlia. — Ah, sim. Eu pude ajudar com isso e muitas outras coisas. Olhei para ela, horror enchendo cada parte do meu corpo. Mas depois outro pensamento, ainda mais terrível me ocorreu. — E Sully? — sussurrei. — Ele sabe quem você realmente é? O que você realmente é? Ele é... um de você? Meu coração apertou forte. Eu pensei que estava protegendo Sullivan, mas se ele soubesse sobre sua mãe, se ele fazia parte do engano dela, se ele me trouxe aqui, me fodeu e depois me deixou para os Mortans... Eu não sabia como me recuperaria disso. Dahlia soltou uma risada divertida. — Claro que não. Já pensei várias vezes em contar a ele, mas ele é muito mais parecido com o pai dele do que eu imaginava. — Ela franziu o cenho. — Lucas realmente ama Andvari e quer fazer o melhor para as pessoas e criaturas. Alívio bateu em mim, mesmo quando a culpa atravessou meu estômago. Claro que Sullivan não sabia quem e o que sua mãe realmente era. Ele era um homem bom, e eu tinha vergonha de duvidar dele, mesmo por um segundo. Mas afastei minha culpa, ainda tentando entender os esquemas de Dahlia.

— Então foi você quem envenenou Heinrich. Como? Então me lembrei do primeiro jantar no refeitório, quando Dahlia havia tomado tanto cuidado em servir uma xícara de chá para o rei. — O cubo de açúcar — disse eu. — O que você deixou cair no chá de Heinrich e mexeu com tanta atenção para derreter. É assim que você tem envenenado o rei. Um cubo de açúcar de cada vez. — Bem, você não é inteligente — disse Dahlia. — Mas sim. Heinrich é uma criatura de hábito, e tenho envenenado seu chá depois do jantar por meses, desde que Frederich morreu. Eu tive que tomar cuidado para não dar muito de uma vez, para fazer seu declínio parecer que nasceu de um coração partido, ao invés de matá-lo lentamente. Inicialmente, eu queria dar a Heinrich uma dose grande e fatal, mas Maeven disse que seria muito mais gratificante vê-lo sofrer. Ela estava certa. Dahlia sorriu para a prima e depois olhou para mim novamente. — Eu o vi logo após a sua reunião na biblioteca. Fiquei muito chateada quando percebi que você o curara e destruíra todo o meu trabalho duro. — Os olhos dela se estreitaram. — Como você fez isso, Everleigh? Como você curou Heinrich? — Eu disse que ela é uma rainha Winter — interrompeu Maeven. — Arruinar nossos planos é o que elas fazem de melhor. Dahlia franziu a testa, não gostando de sua resposta enigmática. Também não gostei. Mais uma vez, senti como se Maeven soubesse algo sobre minha magia que eu não sabia. — Mas como você pode ter feito o veneno? — Então me lembrei da fraca faísca de magia que senti quando toquei a mão dela no gazebo no início desta semana. — Você é uma maga de plantas, assim como Helene. Dahlia assentiu. — Sim. Não tenho a força bruta e óbvia de Helene, mas não é preciso muita magia para cultivar um cacto de olho de ametista e colher o veneno das flores. Helene foi legal o suficiente para me dar a planta, sem saber para o que ela pode ser usada. E então, quando percebi que você descobriu que Heinrich estava sendo envenenado, era fácil o suficiente colocar meu cacto na estufa dela para que você suspeitasse dela.

Pensei que o cacto parecesse familiar quando o encontrei na estufa, e agora eu me lembrava de ter visto a planta na grade da varanda do lado de fora dos aposentos de Dahlia. Então ela colocou a própria planta na estufa para me convencer de que Helene estava envenenando o rei, e caí no truque simples. Que idiota eu era. Minha mente continuava girando, e pensei na raiva jalapeño que senti na sala do trono. — Você me queria morta desde o início. Você usou sua magia para me fazer tropeçar quando eu estava lutando com Rhea. Dahlia deu de ombros. — O tapete não era uma planta, então não pude fazer muito mais do que enrolá-lo no seu pé, mas quase funcionou. — Você enviou Frederich e Gemma para morrer em Seven Spire, envenenou Heinrich e ajudou aquela maga do tempo a entrar no palácio para que ela e os outros assassinos tentassem matar Dominic na biblioteca — enumerei seus crimes. — Mas por quê? Você não é casada com Heinrich, então você não seria rainha quando ele morresse. Dahlia soltou outra risada divertida, embora esta tivesse um pouco mais de dor. — Eu te disse antes, Everleigh: Eu nunca quis ser rainha. Mais uma vez, ela cheirava a veracidade da lima, exatamente como quando dissera as mesmas palavras para mim anteriormente. — Mas com Henrich, Dominic e Gemma mortos, o único membro da família real seria... Sullivan. — Meus olhos se arregalaram de entendimento. — Você está dizendo a verdade. Você não quer ser rainha. Mas você ficaria muito feliz sendo mãe do rei. É disso que tudo se trata... colocar Sullivan no trono. As implicações passaram pela minha mente. Com todos os herdeiros legítimos mortos, Dahlia apresentaria Sullivan como a solução perfeita. Os outros nobres poderiam se exaltar, mas é aí que a riqueza, o poder e a influência de Helene seriam úteis. Helene poderia não saber sobre o verdadeiro plano de Dahlia, mas ainda se importava profundamente com Sullivan. Helene ajudaria Dahlia a colocá-lo no trono, embora eu duvidasse que Dahlia a deixasse viver muito tempo depois. E Sullivan se sentiria obrigado a assumir a responsabilidade,

nunca percebendo que era exatamente o que sua mãe queria, o que planejava há anos. — É claro que tudo isso foi sobre colocar Lucas no trono — zombou Dahlia. — Meu filho é um mago poderoso. Ele sempre foi mais forte que seus irmãos e será um excelente rei. Sob minha orientação, é claro. Com você morta, não será muito difícil eu encontrar uma maneira de despachar Heinrich, Dominic e Gemma. E, após um período de luto apropriado, pela morte dos Ripleys, Lucas se casará com uma mulher da minha escolha, alguém de boa qualidade de Mortan, embora ele não saberá disso. Um sentimento doentio encheu meu estômago. — E então, quando seus filhos estiverem no trono, Andvari pertencerá a Morta. Eu achava que os bellonanos eram bons em jogar o longo jogo, mas Dahlia nos envergonhava. Ela jogava um longo jogo desde que era criança, e agora, ela forçaria Sullivan a jogar também, quer ele percebesse ou não. — Partirá o coração de Sully quando ele descobrir — disse eu. Dahlia deu de ombros novamente. — Ele nunca saberá que eu estava envolvida. Além disso, ele estará muito ocupado sendo rei para saber como ele conseguiu o trono. Ela provavelmente estava certa sobre isso, mas não disse a ela. — Você já se importou com Heinrich? Mesmo um pouco? Ou ele era apenas uma missão? Pela primeira vez, um pouco de dor cintilou nos olhos de Dahlia, superando sua presunção. — Eu me importei com Heinrich — admitiu. — Até que ele se casou com outra mulher e não comigo. Esse foi o começo do fim para nós, mesmo que ele fosse cego e estúpido demais para perceber isso. — Mas esse era o dever dele como rei — apontei. — Oh, foda-se Heinrich e seu maldito dever. — Dahlia cuspiu as palavras. — Ele certamente não pensava no seu dever toda vez que veio para a minha cama. Não, se ele realmente se importava comigo, se ele realmente me amava, então ele teria se casado comigo, apesar de eu ser uma pobre empregada da cozinha. Mas não, Heinrich queria apaziguar seu pai e os nobres, então ele se casou com a miserável da Sophina. Até onde eu estou preocupada, Heinrich está recebendo exatamente o que merece.

Por mais que eu odiasse admitir, ela tinha razão. E pude ver como a dor dela cresceu lentamente e apodreceu ao longo dos anos. Heinrich não era o único que foi envenenado. Ela percebendo isso ou não, Dahlia também fizera isso consigo mesma. — E Sully? — perguntei. — Você o ama mesmo? Ou ele é apenas mais uma peça do jogo para você mover e manipular? — É claro que eu amo meu filho — retrucou Dahlia. — Assim como Maeven ama seus filhos. Mais choque soprou em mim. Maeven teve filhos? Quantos? Quem eram os pais? Eram nobres legítimos? Ou bastardos como ela? Meu olhar se voltou para a maga, mas seu rosto estava frio. Ela não gostou de Dahlia revelar essa informação. — Eu sempre amei meu filho, desde o momento em que ele nasceu — continuou Dahlia, sem perceber o olhar frio de Maeven. — É por isso que estou fazendo isso – para que ele possa ter o futuro que merece. Para que ele possa finalmente ser rei e olhar sob o nariz para todos que já fizeram isso com ele. Mais uma vez, ela tinha razão, embora eu não tenha dito isso a ela. Maeven colocou a mão no ombro de Dahlia. — É hora de colocar a próxima parte do nosso plano em ação. O cheiro quente e apimentado da raiva de Dahlia encheu meu nariz. Ela ainda estava chateada que eu ousei sugerir que ela não amava seu filho, mas assentiu para Maeven. — Excelente! Agora, finalmente, faço algo que tenho vontade de fazer há um bom tempo — ronronou Maeven novamente. Fiquei tensa, esperando que ela me atingisse com um raio, mas Maeven tinha outra coisa em mente. Ela colocou a mão na capa e tirou um frasco de vidro cheio de um líquido roxo escuro. Mesmo que o frasco estivesse bem fechado, eu podia sentir o cheiro suave de lavanda do líquido dentro. Mais veneno olho de ametista – uma dose grande, única e fatal. — Vai me matar como matou a maga do tempo na masmorra? — perguntei.

— Eu não conseguiria libertar Lola da masmorra e Rhea iria interrogála — disse Dahlia. — Eu não podia arriscar Lola escorregando e revelando minha verdadeira identidade. — Então você jogou veneno na água dela, e ela bebeu sem perceber o que estava fazendo. Você matou Lola, a maga do tempo, sua própria prima. — Soltei uma risada amarga. — Não há muita lealdade entre os membros da Brigada Bastarda, há? — Não se trata de lealdade, é de fazer o trabalho, não importa o quê, não importa quem precisamos sacrificar. — Maeven ergueu o queixo com orgulho. — É isso que os verdadeiros soldados fazem. Dahlia assentiu, assim como os outros assassinos. Dei a todos um olhar enojado. — Vocês não são soldados. — Cuspi a palavra. — Os soldados lutam por seu reino, por seu povo, por um líder e uma causa em que acreditam. — E isso descreve perfeitamente eu e meus muitos primos — cantou Maeven. Os outros assassinos se levantaram ainda mais altos com orgulho. Eles realmente acreditavam que a causa deles era nobre e justa, e que serviam ao bem maior. Eles não viram como o rei deles casualmente os usava e os enviava para a morte, assim como todos os outros herdeiros legítimos fizeram antes dele. Nesse momento, quase senti pena dos membros da Brigada Bastarda. Quase. Mais desgosto passou por mim, afogando essa simpatia. Ainda assim, seu orgulho cego e tolo, provocou uma ideia. Eu poderia morrer aqui, mas ainda faria o máximo possível para promover meu próprio longo jogo com Maeven, aquele que ela nem percebeu que ainda estávamos jogando. Então eu lentamente me levantei e virei de lado, escondendo o fato de que minha mão ainda estava enrolada em volta da adaga no meu bolso. — Há uma grande diferença entre soldados e muitos de vocês. Maeven arqueou uma sobrancelha. — E o que seria isso? Eu a olhei nos olhos. — Os soldados chegam em casa depois que a batalha é vencida e a guerra acaba. E quando o fazem, são celebrados por sua bravura, por seus sacrifícios, por proteger seu próprio povo, apesar do custo

terrível para si. Diga-me, Maeven, seu irmão já celebrou com você? Ou suas realizações? Ele já a recebeu calorosamente em casa depois de um trabalho bem feito? Pela primeira vez, um pouco de mágoa brilhou em seus olhos, e pude dizer que a resposta para minhas perguntas foi um retumbante não. Então continuei, tentando plantar o máximo de sementes de dúvida que pudesse. — Ele nunca fez nada disso, fez? Seu irmão, o rei, nunca lhe agradeceu uma vez por servi-lo. Aposto que quando você vai para casa em Morta, mal dá para dormir sozinha antes que ele te envie para outra missão em algum reino longínquo. Concordância brilhou em seu rosto antes que ela pudesse escondê-lo. Fiz um gesto para Dahlia. — Ela é o exemplo perfeito. Tirada de casa quando era criança e forçada a vir aqui. Forçada a se esconder e espionar. E quando ela chamou a atenção do rei, foi forçada a transar com ele para que pudesse subir ainda mais. Diga-me, Maeven. Seu rei já ordenou que você fodesse alguém? Mais concordância brilhou em seu rosto, junto com um pouco de raiva, e seus dedos se apertaram ao redor do frasco na mão, como se quisesse esmagar o vidro na minha cara. Não envenenar e me matar, mas só me fazer parar de falar e revelar todas essas verdades feias. — Você e sua preciosa Brigada Bastarda seguem de batalha em batalha até cometer um erro, e alguém matar vocês — falei, minha voz fria como gelo. — Encare, Maeven. Você não é um soldado. Você é dispensável, assim como Libby, Lola e todos os seus outros primos. Maeven endureceu, como se eu tivesse acabado de lhe dar um tapa no rosto, e o cheiro de sua raiva jalapeño explodiu no ar, fazendo meu nariz queimar com sua intensidade repentina e aguda. Sua mandíbula apertou, e seus dedos tremeram, como se ela estivesse a um instante de me atingir com seus raios. O ódio assassino escureceu seus olhos, fazendo-os parecer mais pretos do que roxos, mas algo mais brilhou nas profundezas do seu olhar – concordância de má vontade. Ah, sim, eu posso morrer aqui, e Maeven poderia continuar servindo seu rei, mas eu disse a ela o que ela realmente era para o irmão, o que ela

sabia que realmente era o tempo todo, e não podia mais ignorar. Eu me perguntei o que ela faria com essa informação e toda a raiva e mágoa que a acompanhavam. Também era uma pena que eu não estaria viva para ver isso. — Chega de conversa — disse Dahlia, uma nota afiada rastejando em sua voz. — O baile está quase no fim, e os amigos dela logo começarão a procurá-la. E lá estava minha esperança fraca e desesperada de que eu poderia deter os Mortans por tempo suficiente para alguém perceber que eles estavam aqui e soar o alarme. Maeven estalou os dedos. Dois dos outros Mortans parados ao lado dela, e os três lentamente se aproximaram de mim. Eu ainda estava presa no banco, mas apertei minha mão ao redor da adaga ainda escondida no meu bolso. Eu já havia matado uma maga Mortan com uma adaga, e levaria alguns desses bastardos comigo antes que eles me matassem. Maeven parou a cerca de um metro e levantou o frasco onde eu podia vê-lo. Faíscas de prata brilhava dentro do líquido roxo escuro. — Veneno olho de ametista, misturado com wormroot e alguns outros — ronronou Maeven. — Só para garantir duplamente que você morra. Nem mesmo aquelas lindas pulseiras de tearstone nos pulsos desviaram magia suficiente para salvá-la disso. Por um momento, não entendi do que ela falava, mas então percebi que ela ainda não sabia da minha imunidade natural. Ela ainda não sabia que eu poderia destruir a magia. Eu não sabia se tinha poder suficiente para combater seu veneno imundo e não podia deixá-la me forçar a beber. Não, eu precisava me posicionar e atacá-la agora, antes que os outros magos se aproximassem, abrissem minha boca e Maeven derramasse aquele veneno na minha garganta. Apertei mais a minha adaga escondida, me preparando para arrancála do bolso, conduzi-la e enfiar no peito de Maeven. Respirei fundo para me firmar, quando um novo perfume encheu meu nariz – magia misturada com cascalho esmagado. Uma nova esperança surgiu no meu coração, e examinei as sombras atrás de Maeven. À distância, eu avistei uma leve faísca de azul, como se dois

fósforos tivessem acabado de ganhar vida na escuridão. Um sorriso se espalhou através do meu rosto. — Por que você está sorrindo? — sibilou Maeven. — Estou prestes a matar você, sua idiota. Meu sorriso aumentou, e apontei meu dedo para a direita. Os olhos de Maeven se estreitaram. Ela pensou que era algum tipo de truque, mas ela não podia deixar de olhar nessa direção, assim como Dahlia e os outros Mortans. — O que você está apontando? — murmurou Maeven. — Não vejo nada... Com um rugido alto e rouco, uma gárgula irrompeu do labirinto. *** Grimley saltou das sombras, atravessou a grama e bateu contra os Mortans na frente do mirante, derrubando-os. Com outro rugido alto e rouco, a gárgula empinou nas patas traseiras como um garanhão, depois bateu as patas de pedra em cima dos assassinos, levando-os ao chão do gazebo e esmagando seus ossos. Então ele saltou de um lado para o outro, passando com suas garras pelos assassinos. Os Mortans nunca tiveram chance, e seus gritos e berros cheios de dor logo desapareceram em engasgos ensanguentados e sufocados, enquanto a gárgula pisoteava e os cortava até a morte. Grimley aparecendo distraiu os dois assassinos na minha frente, e tirei minha adaga do bolso e avancei, cortando a lâmina na garganta do primeiro homem. Ele também morreu com um gorgolejo ensanguentado. O segundo homem levantou a mão para me atingir com sua magia, mas eu me joguei para frente e enterrei minha adaga no seu peito. Torci a lâmina mais profundamente, depois a arranquei. Aquele homem gritou e apertou seu peito, e eu o empurrei. Ele tropeçou direto para Dahlia, e ela gritou de surpresa quando ele a derrubou. Maeven virou-se para Grimley e recuou a mão para lançar seu raio, mas a gárgula abaixou a cabeça e atacou. Ela tentou se afastar, mas a asa

dele cortou seu lado, fazendo-a gritar e tropeçar no chão. Ela perdeu a concentração e seus raios fracassaram em uma explosão de faíscas quentes. — Evie! — gritou uma voz. — Evie! Eu me virei e encontrei Gemma correndo em minha direção do outro lado do mirante, com uma adaga na mão. Talvez fosse a luz suave, mas sua adaga brilhava da mesma prata opaca como a minha, como se também fosse feita de tearstone. — Gemma! — gritei, correndo até ela. — O que você está fazendo aqui? — Fiquei entediada, então eu saí do baile e subi no telhado com Grimley — disse ela em voz alta e sem fôlego. — Vi Maeven e os Mortans rastejando pelos jardins, então os segui. Eu não podia deixar que eles machucassem você ou qualquer outra pessoa. Você me salvou em Seven Spire e agora eu te salvei. Meu coração inchou de orgulho, e estendi a mão, abraçando-a apertado com um braço. — Sim, você fez — disse eu em uma voz feroz. — Sim, você fez. Mais gritos e berros soaram quando Grimley continuou esmagando e cortando seu caminho através dos Mortans. Alguns dos magos tentaram convocar seus raios, fogo e gelo, mas a gárgula continuou saltando de um lado do mirante para o outro e de volta, derrubando os magos no chão. Alguns deles conseguiram ficar em pé por tempo suficiente para atingilo com sua magia, mas sua pele de pedra era uma barreira grossa e natural contra o poder deles, e os raios, o fogo e o gelo não queimavam o seu corpo. — Aqui — disse Gemma, segurando a adaga na mão. — Eu trouxe isso para você. Alvis fez para mim, mas ainda não sei como usá-la. Não como você. Peguei a adaga dela. Era feita de tearstone, e o punho apresentava o mesmo símbolo de gárgula que o pingente em volta do pescoço de Gemma. — Obrigada por isso. Agora você e Grimley precisam sair daqui. — O quê? Não! — disse Gemma. — Eu quero ficar. Quero ajudá-la a combater os mortans.

Balancei a cabeça. — Não, você precisa se proteger. Você e Grimley precisam ir à sala do trono e dizer a todos o que está acontecendo. Eu vigiarei suas costas e estarei logo atrás de você. Ok? Gemma não gostou de me deixar, mas assentiu. — Ok. Eu a abracei mais uma vez por um momento. — Você e Grimley correm para a sala do trono o mais rápido que puderem. Um... dois... três... vá! — Grimley! — gritou Gemma. — Vamos! Ela acenou com a mão para a gárgula, depois se virou e correu para fora do mirante, afastando-se de mim e dos Mortans. Grimley soltou outro rugido alto e rouco e avançou pelo meio da estrutura. Ele atravessou os Mortans novamente, fazendo-os gritar e cair no chão. Sorri. Eu estava realmente começando a gostar daquela gárgula. Gemma desapareceu no labirinto, e Grimley caminhou atrás dela, também desaparecendo de vista. Dois assassinos ficaram em pé e foram atrás de Gemma e Grimley. Eu corri e cortei com minhas adagas, acertando as lâminas nas costas dos assassinos. As duas mulheres gritaram e caíram no chão. Comecei a correr para fora do mirante e seguir meus amigos até o labirinto quando o cheiro quente e cáustico de magia encheu o ar. Por instinto, eu me abaixei e girei para a direita. Uma bola de raio roxo explodiu contra a coluna de pedra onde minha cabeça estava. Eu me virei. Maeven estava na minha frente, outra bola de raio roxo já ganhando vida na ponta dos dedos. A maga voltou a ficar de pé, junto com Dahlia. Cerca de uma dúzia de assassinos também estavam vivos. Alguns deles segurando espadas nas mãos, enquanto outros seguravam bolas de relâmpago, fogo e gelo em suas mãos. — Parece que seu pequeno plano foi por água abaixo — zombei de Maeven e Dahlia. — Assim que Gemma chegar à sala do trono, tudo acabou para vocês duas. — E eu ainda posso te matar aqui e agora — sussurrou Maeven. — Morra, rainha Winter!

Ela afastou a mão e jogou seu raio em mim, mas mais uma vez eu me afastei do caminho. A magia atingiu outra coluna e explodiu, enviando faíscas e fumaça subindo no ar. Maeven gritou de frustração e lançou mais raios em mim, mas eu também me esquivei. Então, antes que ela pudesse invocar mais magia, eu apertei as adagas nas minhas mãos e corri em direção a ela, tão determinada a matá-la quanto ela estava de me matar. Ela acenou com a mão para os outros magos. — Peguem-na, seus idiotas! Três assassinos com espadas me atacaram. Soltei um grito alto e avancei para encontrá-los. Evitei o primeiro assassino, depois o segundo, mas o terceiro entrou na minha frente, e eu ergui uma das minhas adagas para bloquear seu ataque. Nossas armas soaram juntas, e aquela nota alta e dura destrancou a música fantasma na minha cabeça. De repente, a voz de Serilda estava sussurrando na minha mente, e a bengala de Xenia batia no ritmo da dança mortal. O assassino pressionou sua vantagem, tentando enfiar a espada no meu peito, mas levantei minha outra mão e esfaqueei-o na garganta com minha segunda adaga. Eu rasguei a lâmina livre, cortando seu grito sufocado, depois acertei minha adaga em seu estômago, derramando seu sangue e tripas por todo o piso do gazebo. Então me virei para fazer a mesma coisa com o segundo homem, depois com o terceiro. Seus gritos rasgaram o ar, pontuando a música em minha mente e sangue respingado em todo lugar, como se eu estivesse dançando na chuva. Só que essa chuva foi a morte, e eu era a única a cair sobre todos. Terminei com esses três assassinos, mas ainda havia vários outros, e eles alcançaram ainda mais da sua magia. Raios, fogo e gelo chiaram, estalaram e congelaram suas mãos, assim como a mesma magia queimando em seus olhos. Eu estava parada no meio do mirante, cercada pelos magos. A magia deles me cercou também, e eu não era forte o suficiente para superar tudo de

uma vez. Maeven estava certa. Nem mesmo as adagas de tearstone nas minhas mãos e as pulseiras nos pulsos me salvariam de tanta magia. Apesar de saber como isso acabaria, agarrei ainda mais meus punhais e alcancei minha imunidade, puxando-a para cima e para cima e fingindo que era um escudo forte e maleável revestindo minha pele. Eu morreria lutando, como uma verdadeira gladiadora faria. — E agora, rainha Winter — rosnou Maeven, movendo-se para ficar na minha frente —, você finalmente sentirá todo o poder de Morta. Ela levantou a mão e outra bola de raios roxos ganhou vida na sua palma, mais forte do que o poder dos outros magos combinados, e muito mais forte do que qualquer outra magia que eu já havia sentido, muito menos tentado extinguir com minha própria imunidade. Eu cerrei os dentes, me preparando para o que estava por vir – e o quanto isso iria doer. Maeven recuou a mão. A magia riscou o ar, mas não me atingiu. Isso a atingiu. Um raio azul atingiu Maeven, jogando-a do mirante e para a grama além. Meu coração acelerou. Sullivan estava aqui. Mais raios azuis atravessaram o ar, acertando o mago mais próximo de mim e vi Sullivan correndo em direção ao mirante, mais magia crepitando em suas mãos. — Evie! — gritou ele. — Aqui! — gritei. Os magos de Mortan congelaram, sem ter certeza de qual de nós atacar. Então metade dos magos viraram na minha direção, e os outros se viraram para Sullivan. Dahlia poderia ter dito aos Mortans para não machucar seu filho quando Sullivan se afastou do mirante mais cedo, mas isso não era mais uma opção. Lutar – matar – era a única escolha que qualquer um de nós tinha agora. Peguei meus punhais e ataquei os assassinos mais próximos a mim, mergulhando no meio deles. Os magos gritaram, berraram e liberaram seus raios, fogo e gelo, batendo seu poder em meu corpo, mas mantive minha

imunidade e usei meu próprio poder frio e duro para extinguir todas as faíscas de magia que tocavam minha pele. Eu não ligava para o que aconteceria comigo. Não, o único pensamento em minha mente era chegar a Sullivan, e eu reduziria todas as pessoas – todas as merdas – que atrapalhassem o meu caminho. Aquela necessidade dolorosa de alcançá-lo apagou todo o resto. — Evie! — gritou ele novamente. Eu teria gritado, mas não queria desperdiçar energia preciosa fazendo algo que não fosse me levar mais perto dele. O cheiro de magia encheu meu nariz, tanto que eu não sabia dizer onde terminava e eu começava. Mas alcancei ainda mais minha imunidade e, impiedosamente, apaguei cada raio, fogo e gelo que me impediam de me aproximar de Sullivan. Algo estranho aconteceu. Quanto mais tempo eu usava minha imunidade, mais eu conseguia sentir toda a magia ao meu redor. E não apenas podia sentir a magia, mas quase parecia que eu podia tocá-la, como se os relâmpagos, o fogo e o gelo dos magos fossem tangíveis, coisas físicas que eu poderia segurar nas mãos da mesma maneira que eu segurava minhas adagas. Então outra bola de raios explodiu contra o meu corpo. Eu sacudi os pensamentos estranhos, usei minha imunidade para extinguir a magia, e continuei. Sullivan enviou raios após raios reluzindo nos magos com quem ele lutava, além de evitar suas rajadas de poder. Mas um dos magos de Mortan conseguiu acertar Sullivan no ombro com seu fogo, fazendo Sullivan tropeçar no chão. O mago recuou a mão, se preparando para desencadear mais de seu fogo. Abri a boca para gritar um aviso para Sullivan, mas eu não precisava salvá-lo. Dahlia fez isso por mim. Ela se lançou para frente, afundou os dedos nos cabelos do mago, puxou a cabeça para trás e cortou sua garganta. Então ela o empurrou, e o moribundo caiu no chão entre ela e Sullivan. Ele levantou a cabeça e a encarou confuso. — Mãe? O que você está fazendo aqui?

Dahlia olhou para ele, aquela adaga ensanguentada ainda agarrada em sua mão. Eu corri nessa direção, gritando para Sullivan se afastar dela, embora ele não me ouvisse sobre os gritos e berros. Mas eu não precisava salvar Sullivan de sua mãe também. Mais uma vez, ela fez isso por mim. Dahlia olhou para mim, e pude sentir o cheiro de sua resignação empoeirada mesmo acima do cheiro de todo o sangue e magia no ar. Ela levantou a mão, mostrando-me o frasco de veneno de olho de ametista. Ela deve ter pego de onde Maeven o largou. Dahlia usou seu polegar para soltar a tampa do frasco. Ela me deu um sorriso duro e sombrio, depois levantou o frasco e drenou o conteúdo. Sullivan voltou a ficar de pé. — Mãe! O que você está fazendo? Dahlia sacudiu a cabeça e cambaleou para longe dele. Ela bateu em um dos bancos almofadados e deslizou, caindo no chão. Sullivan correu para ela. — Mãe? — gritou ele. — Mãe! Pelo canto do olho, vi outra bola de relâmpagos roxos voltar à vida e girei nessa direção. Maeven finalmente se levantou, mas não estava mais mirando em mim. Não, desta vez, ela ia atrás de Sullivan. Ela me deu um sorriso maligno, depois pegou ainda mais relâmpagos, muito mais relâmpagos do que o que ela usaria em mim. Ela ia matar Sullivan.

Capítulo 25 — Sully! — gritei. Corri em direção a ele, derrubando qualquer assassino estúpido o suficiente para me atrapalhar. Mesmo que eu estivesse me movendo o mais rápido possível, eu não chegaria a ele a tempo. Um dos magos entrou na minha frente e bateu na adaga da minha mão direita. Tentei prosseguir e passar por ele, mas ele me pegou pela cintura, me segurando no lugar. — Sully! — gritei novamente. — Sully, cuidado! Ele levantou a cabeça e finalmente percebeu que Maeven estava mirando nele. Os olhos dele se arregalaram e ele levantou a mão para invocar sua própria magia para bloquear o ataque dela, mas estava atrasado. Maeven moveu a mão para a frente, jogando cada pedacinho de seu poder nele. Por um momento, senti como se estivesse debaixo d'água, e tudo estava acontecendo em longas e lentas ondas de movimento. Eu agitei e agitei minhas pernas, arrastando o mago comigo. Também estiquei minha mão vazia na minha frente, desejando poder entrar em contato com Sullivan a tempo, desejando poder fazer algo, qualquer coisa, para impedir que os raios de Maeven o matassem. Desejando ter o poder de apagar sua magia sem sequer tocá-la.

Mesmo quando esse último pensamento desesperado encheu minha mente, senti uma onda de... de... algo pulsar de mim. Parecia a minha imunidade, como aquele poder frio e duro enterrado no fundo do meu corpo, somente que esse poder não estava mais dentro de mim. Estava fora. Nos últimos meses, pensei na minha imunidade como um escudo de gladiador, uma barreira invisível e maleável que eu poderia envolver em torno de meu próprio corpo para me proteger. Às vezes, eu também pensava no meu poder como um punho grande e duro que eu poderia usar para esmagar a magia de outras pessoas. Mas, pela primeira vez, percebi que realmente podia sentir meu poder na minha mão, assim como eu podia sentir a adaga real agarrada nos meus outros dedos. Talvez minha imunidade possa ser mais do que apenas um escudo ou um punho. Talvez pudesse ser uma espada – uma que eu pudesse usar como uma lâmina de gladiador. Aquela

estranha

e

lenta

sensação

de

estar

debaixo

d'água

desapareceu, e tudo voltou a sua velocidade normal. Mesmo que o mago ainda estivesse me segurando, eu peguei minha imunidade e deixei aquele poder frio e forte encher a palma da minha mão. E então eu joguei esse poder como se fosse uma espada que eu estava lançando no maldito raio roxo de Maeven. Prendi a respiração, me perguntando se eu estava imaginando a coisa toda e acabara de condenar Sullivan até a morte. Mas funcionou. Aquela espada invisível do meu poder bateu nos raios de Maeven, quebrando-os em uma chuva de faíscas um instante antes de atingirem Sullivan. Por um momento, todo mundo congelou. Eu, Sullivan, os magos restantes. Até o homem me segurando ao redor da cintura afrouxou seu aperto e cambaleou para longe. Todo mundo olhou para mim, imaginando o que havia acabado de acontecer.

Os olhos de Maeven se arregalaram de choque. — Não! — sussurrou. — Não, não pode ser! Desta vez, ela recuou a mão e jogou um raio em mim. Eu nem pensei no que estava fazendo, apenas levantei minha mão e joguei sua magia de lado, como se fosse uma mosca que estivesse me irritando. E percebi que havia feito o mesmo com a magia de Libby quando ela tentou me matar na sala do trono em Seven Spire. Só que no momento, eu estava segurando minha espada e pensei que fosse a arma de tearstone que desviou a maior parte de seu poder, em vez de minha própria imunidade. Os olhos de Maeven se arregalaram novamente e ela fez algo completamente inesperado – ela se afastou de mim. — Mate-a! — gritou. — Mate-a agora! Os magos voltaram para mim. Com um rugido alto e coletivo, eles avançaram e jogaram tudo o que tinham em mim. Raios, fogo, gelo, até suas espadas e punhais físicos em alguns casos. E um por um, superei todos eles. Todos os raios, fogo, gelo, espadas e punhais. Apaguei a magia com minha própria imunidade, esquivei-me das armas e usei minha adaga para derrubar meus inimigos. Matei um assassino após o outro, percorrendo todos eles para chegar a Sullivan, que estava fazendo a mesma coisa no lado oposto do mirante. Finalmente nos encontramos no meio, quando não havia mais Mortans para matar. — Evie! Você está bem? — perguntou Sullivan, sua voz rouca de gritar. Sangue, machucados e queimaduras o cobriam da cabeça aos pés, mas ele estava vivo, o que era tudo o que importava. — Estou bem. Você? — Minha voz era tão rouca quanto a dele. Ele levantou a mão como se quisesse segurar minha bochecha, ou talvez até me puxar para perto e me beijar, mas no último segundo, ele pensou melhor e deixou o braço cair de lado. Eu queria alcançá-lo também, mas esse silêncio tenso e constrangedor caiu sobre nós. Agora que o perigo havia passado, eu não sabia o que fazer, tendo em conta todas as coisas feias que dissemos um ao outro neste mesmo local há menos de uma hora.

Sullivan olhou em volta. — Espere. Cadê Maeven? Olhei para os corpos que cobriam o mirante, mas o dela não estava entre eles. — Ela não está aqui. Segurei uma maldição cruel. Claro que ela não estava aqui. Maeven era como uma víbora coral que sempre conseguia deslizar para longe depois de ter mordido você. Um gemido baixo soou. Sullivan e eu nos viramos e percebi que havia uma pessoa que não escapou. Dahlia. Ela estava deitada onde havia caído, ao lado de um dos bancos, ainda segurando o frasco vazio. — Mãe! — gritou Sullivan. Nós dois nos apressamos e caímos de joelhos ao lado dela. Eu podia sentir o cheiro do veneno olho de ametista em seu hálito, lavanda doce que estava ficando podre a cada segundo que passava. — O que ela estava fazendo aqui fora? — perguntou Sullivan. — E por que ela tomou esse veneno? Abri minha boca, mas depois pensei melhor. Dahlia inclinou a cabeça para o lado e olhou para mim com olhos cheios de dor. — Ele descobrirá cedo ou tarde. Você pode muito bem dizer a ele. — Dizer o quê? — perguntou ele. Eu rapidamente contei a ele tudo o que Dahlia havia dito sobre enviar Frederich e Gemma para morrer no massacre de Seven Spire, envenenando Heinrich e tentando matar Dominic. Quanto mais eu falava, mais angústia enchia o rosto de Sullivan. Quando terminei, ele olhou horrorizado para sua mãe, como se ela fosse um monstro que ele nunca viu antes. — Ela fez todas essas coisas apenas para tentar me colocar no trono? — perguntou Sullivan, sua voz um sussurro abafado. — Sim — Eu não queria mais causar dor, mas não podia negar o que Dahlia fizera.

Inclinei-me e coloquei minha mão em cima da de Sullivan. Ele estremeceu, mas pela primeira vez não se afastou, e enrolou seus dedos nos meus. — Ela ainda não se foi — disse eu em voz baixa. — Ainda posso usar minha imunidade. Ainda posso tentar salvá-la. — Não — murmurou Dahlia —, não. Eu fiz minha escolha. Me deixe morrer. Sullivan balançou a cabeça, dizendo que ele honraria seu último desejo. Então ele se inclinou, assim ele poderia olhar em seu rosto. — Foi tudo mentira? — perguntou ele em um tom baixo e angustiado. — Você já se importou comigo? Você já me amou mesmo? — Claro que eu te amo — murmurou Dahlia. Ela estendeu a mão e segurou delicadamente a bochecha de Sullivan. Ele se encolheu, como se o toque dela queimasse, mas não se afastou dela. — Eu sei que você acha que sou uma pessoa horrível. Talvez eu seja. Mas eu sempre te amei — disse ela. — Lembre-se disso, se você quiser. Lágrimas encheram seus olhos, e um músculo vibrou em sua mandíbula, mas ele assentiu. — Eu vou lembrar — disse ele em uma voz triste e resignada. — Bom garoto... Você sempre foi tão... bom garoto. — Ela sorriu para ele por um momento, depois seu rosto ficou sério. — Não cometa os mesmos erros que eu cometi... Não deixe sua raiva e dever te governar... Caso contrário, você acabará como eu... amargo e sozinho... Dahlia respirou fundo, como se fosse dizer outra coisa, mas sua voz escapou em uma expiração suave. Um pouco de sangue preto borbulhou dos lábios e escorreu pelo queixo e sua mão escorregou do rosto de Sullivan. Ele pegou a mão dela e lentamente a abaixou no chão. Ainda segurando os dedos dela, ele curvou a cabeça, as lágrimas escorrendo no rosto pela mãe que ele nunca conheceu de verdade. ***

Serilda, Cho, Paloma e Xenia nos encontraram no mirante, ainda amontoados ao redor do corpo de Dahlia. Gemma os seguia, juntamente com Grimley, Alvis, Heinrich, Dominic e Rhea. Halvar e Bjarni também apareceram, mas eles se mantiveram à beira dos jardins. Quando meus amigos perceberam que Sullivan e eu estávamos bem, eles queriam saber o que havia acontecido. Sullivan chamou Heinrich, Dominic, Gemma, Alvis e Rhea de lado e contou sobre Dahlia, enquanto eu fiz o mesmo com Serilda, Cho, Paloma e Xenia. Todo mundo ficou surpreso com a notícia, exceto Serilda, que olhou para o corpo de Dahlia com um olhar pensativo. Gostaria de saber se este era um dos possíveis resultados que ela viu com sua magia, mas não perguntei. Eu esperava que Heinrich estivesse tão furioso com a traição de Dahlia que imediatamente repudiasse Sullivan e ordenasse que ele fosse expulso do palácio. Mas, em vez de se enfurecer e atacar, o rei olhou tristemente para o corpo de Dahlia, como se não pudesse acreditar que ela o queria morto. Sullivan pigarreou. — Você quer que eu saia agora e nunca mais volte — disse ele em tom suave e resignado, expressando meus pensamentos. Todos olhavam entre ele e o rei. Heinrich olhou para o corpo de Dahlia por mais um momento, então focou em Sullivan. O rosto dele endureceu. — Você é meu filho — declarou ele em voz alta. — Você sempre será meu filho. Eu nunca poderia te amar menos. Só posso te amar mais. Então ele se aproximou, abraçou seu filho e o abraçou com força, como se nunca quisesse soltá-lo. Sullivan estendeu a mão e abraçou o pai com a mesma força, e os dois ficaram assim por muito, muito tempo. Eventualmente, Sullivan se virou e abraçou Dominic, além de Gemma. Eu tinha algumas perguntas, às quais Gemma respondeu. Ela encontrou Sullivan nos arredores dos jardins e lhe dissera que eu estava sob ataque. Ele disse a ela para encontrar Dominic e os outros, assim como convocar as gárgulas do palácio até a sala do trono para proteger Heinrich. Então Sullivan correra em meu auxílio. Ele me salvou, mas perdeu a mãe no processo.

Culpa retorceu meu estômago com a mágoa que eu lhe causei mais uma vez, mas não havia nada que eu pudesse fazer para afastar sua dor. E não pude deixar de sentir pena de Dahlia. Ela estava presa entre dois mundos, Morta e Andvari, e nunca pertenceu a nenhum deles. E agora ela estava morta, e Sullivan precisava pegar os pedaços de seu coração partido pelo plano secreto de sua mãe. Rhea convocou os guardas. Juntos, com meus amigos, eles fizeram uma varredura completa nos jardins, assim como no palácio, na esperança de encontrar Maeven, mas eu sabia que ela se foi há muito tempo. Com certeza, Rhea informou que não havia sinal de Maeven em nenhum lugar, embora os guardas tivessem descoberto várias strixes escondidas em um celeiro nos jardins do palácio. Os Mortans aparentemente usaram os pássaros gigantes, semelhantes a falcões, voaram sobre os muros e evitaram as gárgulas, bem como os guardas postados nos portões. Maeven deve ter usado uma das criaturas para escapar da mesma maneira. Eventualmente,

acabei

sentada

sozinha

em

um

dos

bancos

almofadados, vendo Sullivan olhando o corpo de sua mãe mais uma vez. Uma língua áspera lambeu minha mão, me assustando do meu devaneio culpado, e Grimley se sentou ao meu lado. Ele lambeu minha mão novamente, depois se inclinou e cheirou meus dedos, como havia feito na varanda do lado de fora dos meus aposentos, alguns dias atrás. — Assassina de magia — retumbou em sua voz profunda e grave. — Mestre de magia. A gárgula me disse a mesma coisa naquele dia na varanda. Eu não havia entendido o que ele quis dizer naquela época, mas entendi agora. Eu também sabia por que Alvis havia dito que eu teria que descobrir sozinha o que realmente significava ser uma rainha Winter. Ele estava certo. Eu não teria acreditado nele se ele tivesse me dito o que achava que eu poderia fazer com minha imunidade, mas agora eu fiz. Mais importante, eu acreditava em mim – e na minha magia. Cocei a cabeça de Grimley. Bem, se que eu pudesse arranhar pedras vivas e respirando, mas a gárgula pareceu gostar e seu rabo bateu de felicidade. Pelo menos alguém estava feliz esta noite.

Meu olhar voltou para Sullivan. Todo o seu mundo e tudo o que ele pensava ter conhecido acabara de ser destruído. Eu podia entender isso, especialmente porque eu me sentia assim, pelo menos quando se tratava da minha magia. Meu coração doía por ele, e eu desejava ir e abraçá-lo, e dizer que estava tudo bem, que tudo ficaria bem. Mas não pude fazer isso porque seria mentira, e acabei com as mentiras para ele. Minhas mentiras lhe trouxeram nada além de dor, sofrimento e desgosto, e eu duvidava que ele fosse me perdoar por minhas mentiras. Especialmente porque eu não sabia como me perdoar. Então, enquanto nossos amigos corriam, lidando com sangue, corpos e crises, eu fiquei lá e o observei lamentar a mãe que traiu a ele, sua família, seu reino e tudo o que ele acreditava. Eu gostaria de poder voltar atrás em tudo o que aconteceu nos últimos dias, nunca ter ido para Glitnir, e, especialmente, nunca ter destruído a família de Sullivan.

Capítulo 26 Esse foi apenas o começo de uma longa noite que se transformou em um longo dia. Além de meus amigos e eu, as únicas pessoas que sabiam a verdade sobre Dahlia ser uma traidora eram Heinrich, Dominic, Gemma, Alvis e Rhea, e todos concordamos em continuar assim. Rhea disse aos guardas que Dahlia ouviu a comoção nos jardins e morreu defendendo Sullivan, enquanto Heinrich fez o mesmo com os nobres, que ainda estavam conversando, rindo, comendo, bebendo e dançando na sala do trono. A notícia do ataque de Mortan pôs fim ao baile real. Os nobres foram embora, e Heinrich ordenou aos criados e guardas a irem embora também, dizendo que poderiam limpar as coisas pela manhã. Rhea e meus amigos ainda estavam ocupados lidando com os corpos nos jardins. O último dos criados saiu correndo da sala, me deixando sozinha com Heinrich. O rei soltou um suspiro cansado e sentou nos degraus da plataforma. Fui até lá e sentei-me ao lado dele. Devolvi a adaga de Gemma, mas eu ainda estava carregando a minha e coloquei a arma ensanguentada no degrau de pedra ao meu lado. Um brilho prateado chamou minha atenção. As decorações ainda estavam no lugar, incluindo os dois estandartes gigantes que mostrava meu brasão da coroa de estilhaços e o brasão da gárgula de Ripley. Os símbolos

nos dois banners piscaram para mim, quase em simpatia. Eu fiz uma careta e desviei o olhar deles. Heinrich e eu ficamos em silêncio por alguns minutos antes de ele finalmente falar. — Eu realmente amei Dahlia — disse ele em uma voz suave. — Eu sempre a amei. Desde o primeiro momento em que a vi trabalhando na cozinha quando criança. E pensei que ela também me amava. Mas agora, perceber que tudo era mentira... — Ela te amava — disse eu, tentando confortá-lo. — E ela também amava Sullivan. — Apenas não tanto quanto ela amava Morta — murmurou ele. — Não sei o que fazer com isso. Não sei como me sentir sobre isso. Ele passou a mão pelos cabelos. Pelo menos, ele tentou, mas seus dedos atingiram a coroa de prata em sua cabeça. Heinrich arrancou a coroa e lhe lançou um olhar furioso, como se ela fosse a fonte de todos os seus problemas. Eu sabia exatamente como ele se sentia. Seus dedos se curvaram em torno da faixa larga, como se ele estivesse pensando em jogá-la pela sala. Mas no final, ele suspirou novamente e a colocou no degrau ao lado dele, assim como eu fiz com a minha adaga ensanguentada. — Então, para onde vamos, Everleigh? — perguntou Heinrich com uma voz cansada. — Eu não vou me casar com Dominic. Só concordei com sua proposta para tentar encontrar o traidor e proteger ele e sua família. Eu nunca sonhei que era Dahlia. — Eu sabia que você não se casaria com Dominic— disse Heinrich. — Eu sabia desde a primeira vez que você olhou para Sullivan. Mas eu precisava provar aos nobres que eu ainda era um rei forte, e levá-la a casar com Dominic parecia a melhor maneira de fazer isso. Você veio aqui por amizade e para pedir desculpas por algo que não foi sua culpa, e eu te tratei mal. Sinto muito por isso. Assenti, aceitando seu pedido de desculpas.

Heinrich virou para mim, com o rosto sério. — Você terá seu tratado, Everleigh, e será exatamente do jeito que você quer. Andvari estará com Bellona contra os Mortans. Você tem minha palavra nisso, e você ganhou mais do que isso. Ele estendeu a mão e nós a apertamos. — Sim — disse eu com uma voz sombria —, eu ganhei meu tratado. Eu só queria que não tivesse custado muito sofrimento a tantas pessoas, especialmente a Sullivan. Heinrich me deu um sorriso triste e resignado, mas não disse mais nada, e ficamos em silêncio, tirando o consolo silencioso que poderíamos um do outro. *** Eventualmente, deixei Heinrich na sala do trono e voltei para meus próprios aposentos. Calandre e suas irmãs respiraram horrorizadas ao ver todo o sangue, rasgos e lágrimas no meu vestido de baile. Estremeci. — Sinto muito. Sinto muito. Não tive a intenção de arruinar seu trabalho duro. Calandre olhou para o vestido arruinado por mais um momento, depois me deu um sorriso brilhante. — Não é nada, minha rainha. Apenas um vestido. Eu sempre posso fazer outro. — Você é uma mentirosa terrível, mas agradeço o esforço. Desta vez, o sorriso de Calandre foi muito mais genuíno. — Vamos tirar você dessa roupa horrível. As coisas parecerão melhores depois que você tomar um banho quente e agradável. Para minha surpresa, ela estava certa. Calandre e suas irmãs mexeram comigo por mais de uma hora antes de eu ir para a cama. Adormeci antes mesmo de fecharem as portas dos meus aposentos. Felizmente, meus sonhos estavam livres de lembranças de pesadelos do meu passado. Ou talvez isso fosse porque eu vivi outro pesadelo esta noite. De qualquer maneira, acordei tarde na manhã seguinte sentindo... não muito renovada, mas pelo menos forte o suficiente para enfrentar um novo dia de problemas. Tomei café da manhã em meus aposentos com Paloma, Serilda,

Cho e Xenia, que me atualizou sobre o que estava acontecendo. Capitão Rhea estava aumentando drasticamente a segurança, mas todos concordaram que Maeven se fora e que Glitnir estava livre da ameaça de Mortan – por enquanto. Serilda me disse que Sullivan estava tomando café da manhã com Heinrich, Dominic e Gemma. Bom. Por mais que eu quisesse ter certeza de que

ele

estava

bem,

fiquei

feliz

por

ele

estar

com

sua

família.

Esperançosamente, eles poderiam ajudá-lo a aceitar a verdade sobre Dahlia. Eventualmente, meus amigos saíram para verificar com Rhea novamente, bem como para iniciar os preparativos para a nossa viagem de volta a Bellona. Agora que Heinrich concordou com meu tratado, eu não queria ficar em Glitnir por mais tempo do que o necessário, especialmente considerando todas as coisas terríveis que aconteceram enquanto estive aqui. Estava na hora de voltar para casa, para meus próprios problemas. Estava programado para me encontrar com Heinrich para elaborar os detalhes de nosso tratado durante o almoço, mas em vez de ir à sala de jantar do rei, fiz um desvio e subi os degraus da torre da oficina de Alvis. Bati na porta e esperei que ele me dissesse para entrar. Gemma e Grimley estavam aqui, e a princesa correu e me abraçou. — Evie! Estou tão feliz que você está bem! — Claro que estou bem, graças a você e Grimley. Eu a abracei, depois fui e acariciei Grimley, que estava deitado em sua mancha solar. Deixei os dois brincando juntos e caminhei até Alvis, que estava empoleirado em seu banquinho, trabalhando em seu design mais recente. Um longo bloco irregular de tearstone cinza claro estava sobre a mesa. Ainda não havia sido cortado, mas Alvis segurava um pedaço de giz branco e já havia feito um desenho no bloco. — Uma espada de tearstone? — levantei minhas sobrancelhas. — Por que não estou surpresa? Ele encolheu os ombros. — Eu já fiz para a garota uma adaga. Eu também poderia lhe fazer uma espada. — E um escudo? — provoquei.

Ele sorriu um pouco. — E um escudo, eventualmente. Talvez até outro punhal. Ou uma lança. Ou um arco e um conjunto de flechas. Quaisquer armas que ela goste. Assenti. Ele se inclinou, olhou através da lupa e fez mais algumas marcas na tearstone. Eu o assisti trabalhar em silêncio por alguns minutos, enquanto Gemma alimentava Grimley com pequenos fragmentos de opalas que sobraram de um dos designs de joias de Alvis. — Eu ia pedir para você voltar a Seven Spire. Eu ia lhe oferecer seu antigo espaço na masmorra e todo o ouro e pedras preciosas que você poderia desejar trabalhar. Ele olhou para cima e arqueou uma sobrancelha para mim. — E agora você não vai? Que decepção. — Você deve ficar aqui com Gemma. Ela precisa de você mais do que eu. — Um sorriso irônico curvou meus lábios. — Além disso, você precisa de uma nova aprendiz, e estou muito ocupada como rainha para buscar suas ferramentas. — Você é uma rainha maravilhosa, Evie — disse Alvis com uma voz séria. — Bellona não poderia estar em melhores mãos. — Por quê? Porque eu sou uma rainha Winter? — perguntei, meu tom um pouco malicioso. Ele balançou a cabeça. — Não. Não por causa de sua magia, mas por sua causa, por causa da pessoa forte e carinhosa que você é. Sua magia faz parte de você, mas não é a parte mais importante. Lembre-se disso. — Eu vou. E quero que você saiba que eu finalmente descobri o que realmente significa ser uma rainha Winter. — E o que é? — perguntou ele em tom cauteloso. — Toda a minha vida, todo mundo sempre me dizia que eu era uma simplória, e sempre pensei assim também. Que eu tinha um olfato aprimorado e minha imunidade, e era isso. — Balancei os dedos. — Essas pequenas habilidades

mágicas

aleatórias

que todos

ignoravam,

zombavam

ou

descartavam como fracas, sem importância, insignificante. Eles estavam certos e errados. Eu sou uma simplória. Mas não é só isso que eu sou. — Então, o que mais você é?

Eu me endireitei. — Eu sou um mestre. — E o seu elemento? — Magia. — Balancei meus dedos novamente. — Eu posso controlar a magia. A satisfação brilhava nos olhos castanhos de Alvis. — Sim, sim, você pode. — Eu sempre pensei que precisasse realmente tocar em algo para extinguir sua magia, mas nos jardins, quando eu estava tentando salvar Sullivan, empurrei meu poder para fora de mim, como um mago faria — disse eu. — E percebi que ainda posso matar a magia, ainda destruí-la, mas que posso controlar também. Que posso exercer minha imunidade como uma espada, e talvez até a magia de outras pessoas com isso. — Um mestre tem controle total de seus elementos — disse Alvis. — Você pode fazer qualquer coisa com magia, como eu posso fazer com metal e pedra. Você só precisa praticar e trabalhar, e descobrir como, assim como eu tive que descobrir meu poder por mim mesmo. Ele hesitou, como se quisesse dizer outra coisa. Finalmente ele disse. — Mas perceber que você é um mestre não é o que significa ser uma rainha Winter. Não realmente. Soltei um suspiro. — Eu sei. Ser uma rainha Winter não tem nada a ver com a minha magia, poderes ou habilidades. É sobre ser firme o suficiente, forte o suficiente, para fazer o que é certo por Bellona, e por todas as pessoas que estão contando comigo, não importa qual seja o custo pessoal para mim. Isso é o que significa ser uma rainha Winter realmente. Serilda me disse isso uma vez. Não achei que ela estivesse me dizendo a verdade então, mas agora sim, depois de tudo o que aconteceu. Alvis assentiu, depois estendeu a mão e pegou a minha mão. — E você é uma ótima rainha Winter, Evie. Uma rainha Winter muito boa. Sorri e juntei meus dedos aos dele. — Isso porque eu tive bons professores como você no caminho. Ele sorriu para mim. E, assim como com Heinrich, nós dois ficamos lá em silêncio, assistindo Gemma e Grimley brincarem, e absorvendo a força tranquila da companhia um do outro.

*** Três dias depois, eu estava de volta onde comecei – na sala do trono de Glitnir. Dado tudo o que havia acontecido, eu nunca mais quis pôr os pés nesta sala novamente, mas esta era uma ocasião feliz... mais ou menos. — Hoje, estou satisfeito e honrado em anunciar um novo tratado com a Rainha Everleigh — disse Heinrich, sua voz ecoando pela sala. — Onde estaremos unidos em amizade, uma amizade forte e duradoura que resistirá ao teste do tempo. Nós dois estávamos de pé no fundo do estrado, com os nobres reunidos ao nosso redor. Heinrich sorriu para mim, e devolvi seu sorriso. — Obrigada, Rei Heinrich — respondi, tocando minha taça de champanhe na dele. — À amizade. E novos começos. — À amizade! — rugiu ele. Todos ecoaram as palavras e brindamos ao novo tratado. Os nobres sorriram e assentiram para mim, mas eu quase podia ver as rodas girando em suas mentes enquanto se perguntaram exatamente como eu consegui sair do meu compromisso com Dominic e ainda conseguir o meu tratado. Pelo que Xenia me disse, rumores voavam pelo palácio e cada um era mais estranho que o anterior. Tudo desde frustrar uma tentativa de assassinato na vida do rei, salvar Dominic da morte certa, lutar contra um pelotão inteiro de assassinos de Mortan montados em strixes. Bem, talvez os rumores não fossem tão estranhos afinal. Ouvi os murmúrios entre a multidão, mas mantive meu sorriso gentil no lugar. Eu não ligava para o que eles pensavam em mim, e eu deixaria Heinrich explicar o tratado para eles como quisesse. Eles eram seus nobres, não meus, e eu tinha muitos para lidar em Seven Spire. Depois que todas as gentilezas foram ditas, todas as mãos foram sacudidas e todo o champanhe bebido, eu retornei aos meus aposentos, onde Calandre e suas irmãs estavam arrumando minhas roupas. Eu não queria

estar no caminho delas, então eu as deixei trabalhar. Além disso, havia algumas pessoas que eu precisava ver antes de sairmos. Não precisei ir muito longe para encontrar o primeiro par. Dominic e Rhea estavam abrigados na mesma alcova sombria que Sullivan e eu nos escondemos na outra noite. Os dois mantiveram distância um do outro nos últimos dias, mas agora que estavam sozinhos, estavam aproveitando ao máximo seu tempo juntos. Esperei até que eles parassem de se beijar antes de limpar minha garganta. Dominic e Rhea se separaram, mas quando perceberam que era só eu, eles abraçaram a cintura um do outro novamente. — É melhor eu receber um convite para o casamento — falei demoradamente. — Especialmente porque envolve meu ex-noivo. Dominic riu, então deu um passo à frente e agarrou minhas mãos. — Você não apenas me disse para ir buscar a mulher que amo, mas você também salvou minha família de uma conspiração de Mortan. Esqueça um mero convite. Eu deveria fazer de você uma madrinha. Eu sorri — Você está certo. Você deveria me fazer uma madrinha de casamento. Dominic riu novamente e apertou minhas mãos. — Obrigado, Everleigh. Por tudo. Mas temo ter de deixar para trás duas adoráveis senhoras. O dever chama, como sempre. Ele piscou para mim, beijou a bochecha de Rhea e partiu pelo corredor. — Ele é realmente encantador — murmurei. Rhea sorriu. — Você não tem ideia. — Estou muito feliz por vocês e sinto muito por qualquer dor que causei. Ela acenou para minhas desculpas. — Você estava tentando fazer o que era melhor para todos. Compreendo isso. Sou grata por você ter salvado Dominic e sua família dos Mortans. Estendi minha mão. — Até nos encontrarmos novamente? Ela assentiu e a sacudiu. — Até nos encontrarmos novamente. Rhea voltou às suas funções enquanto eu passava para a próxima pessoa com quem eu queria falar.

Alguns minutos depois, bati na porta. Uma voz me disse para entrar, então eu girei a maçaneta e entrei na estufa. Helene estava sentada na escrivaninha, olhando para o cacto olho de ametista escondido no canto. Ela girou em sua cadeira. Surpresa cintilou em seu rosto, mas ela se levantou e cruzou os braços sobre o peito. — Everleigh. A que devo esta visita? Respirei fundo e soltei o ar. — Eu queria me desculpar. Ela arqueou uma sobrancelha. — Por pensar que eu era uma assassina de Mortan que estava envenenando o rei e conspirando para colocar meu examante no trono? Fiz uma careta. — Entre outras coisas. Eu não sabia exatamente o que Sullivan ou qualquer outra pessoa havia dito a ela, mas Helene era inteligente, então eu não estava surpresa por ela saber o que realmente aconteceu. Fui até ela e nós duas olhamos para o cacto. Seu anel de sinete prateado estava ao lado da planta. Ela estendeu a mão e bateu o dedo no anel. — Dahlia me deu esse anel um dia antes de você chegar. Ela disse que era semelhante ao que sua mãe usava. Fiquei tão emocionada. Nunca percebi que era um símbolo de Mortan e que ela planejava me tornar seu bode expiatório. Ela ficou em silêncio, olhando para o anel e o cacto. Depois de alguns segundos, ela me encarou novamente. — Eu entendo por que você suspeitou de mim — disse Helene. — O cacto e o anel estavam na minha oficina, e eu tinha as habilidades e a magia necessárias para criar o veneno. Foi a conclusão mais lógica. — Possivelmente. Mas parte de mim também queria que fosse você. Por causa de Sullivan, e tudo o que vocês compartilharam. Trivial, eu sei. Ela encolheu os ombros. — Possivelmente. Mas eu provavelmente teria feito o mesmo. — Ela me deu um sorrisinho. — O ciúme faz todos nós de tolos. — Assim como o amor — acrescentei em uma voz suave. Nós duas encaramos o cacto novamente, mas o nosso silêncio foi agradável. — É errado que eu realmente admire a engenhosidade de Dahlia? — perguntou Helene. — Eu sempre pensei que era uma das magas de plantas

mais inteligentes e fortes de Andvari, mas ela me enganou com um cacto maldito. E nem mesmo um muito grande. Ela franziu os lábios em um beicinho exagerado. Soltei uma risada, e ela fez o mesmo. — Chega de Dahlia e seus planos — disse eu. — Vamos falar sobre algo mais agradável – e muito mais útil. Helene franziu a testa. — Como o quê? Fui até outra mesa e peguei uma jarra. — Como esse creme de queimadura que você usou para curar meu braço. É incrível. Quero pedir alguns e convidá-la para ir a Seven Spire para discutir sobre isso e suas outras fórmulas com Aisha, a chefe dos meus mestres de ossos. A mandíbula de Helene se apertou. — Você não precisa comprar meu perdão. Balancei a cabeça. — Eu respeito você demais por isso. Seu creme é maravilhoso, e quero ser a primeira a comprá-lo. Isso é negócio. — Fiz uma pausa. — Embora eu gostaria de conhecê-la melhor, talvez até me tornar uma amiga, se você estiver disposta. Helene me estudou um momento, mas ela deve ter percebido que eu falava sério, porque um sorriso astuto e satisfeito se espalhou por seu rosto, e dando um passo à frente, ela passou o braço pelo meu. — Oh, Everleigh. Misturar negócios e prazer é uma das minhas coisas favoritas. Você e eu vamos nos dar fabulosamente bem. *** Helene estava certa. Nós nos damos fabulosamente bem. Ela era inteligente, esperta e engraçada, e gostei da sua companhia muito mais do que eu esperava. Fiz acordos com ela para enviar uma caixa de creme de queimadura para Seven Spire, depois deixei sua oficina. Eu não queria voltar para o meu quarto e não queria ver mais ninguém agora, então saí, atravessei o labirinto e acabei no mirante.

O sangue e os corpos foram removidos e a estrutura estava novamente intocada. Memórias da batalha com Maeven e os magos flutuaram em minha mente, junto com meu tempo com Sullivan. Se eu fechasse os olhos e me concentrasse, ainda podia sentir seus lábios nos meus, ainda sentir suas mãos deslizando através da minha pele, ainda o sentir se movendo comigo. Eu nunca esqueceria aquele momento perfeito que compartilhamos, mesmo se tudo o mais entre nós tivesse sido queimado em cinzas envenenadas e ruinosas. Sentei-me em um dos bancos almofadados e olhei para o lago, observando os nenúfares girar para lá e para cá. Eu não estava aqui há muito tempo, talvez cinco minutos, quando passos familiares soaram. Respirei fundo, apreciando seu aroma frio e baunilha, embora as pontadas afiadas de seu pesar mentolado e desgosto cinzento fez meu próprio coração apertar em resposta. Sullivan entrou no mirante e lentamente se aproximou de mim. — Posso me sentar? Acenei minha mão. — Claro. Ele se aproximou e sentou no banco ao meu lado. Eu estava tentando dar a ele algum tempo e espaço para chegar a um acordo com tudo, então eu não o vi muito nos últimos dias. O rosto dele estava pálido e abatido, apesar da barba por fazer escurecendo seu queixo. Seus olhos estavam escuros, seus ombros estavam caídos, e seu corpo inteiro parecia frágil e magro. O funeral de Dahlia foi realizado ontem e ela foi enterrada como uma heroína em vez da traidora que era. É claro que eu queria conversar com Sullivan após o funeral, queria confortá-lo, mas ele saiu no momento em que o serviço terminou, como se não pudesse aguentar todas as coisas legais que as pessoas estavam dizendo sobre sua mãe. Eu também não gostaria de ouvir as mentiras. — Você deve estar orgulhosa — disse Sullivan em voz baixa e tensa. — Você finalmente conseguiu seu tratado. Meu pai me disse que lhe deu tudo o que você queria e mais um pouco. — Sim, ele fez.

Mas eu não queria falar sobre o tratado. Eu queria falar sobre ele, sobre nós, ou se ainda havia um nós. Então eu respirei fundo, soltei o ar e disse as palavras que eu queria falar há dias. — Sinto muito — disse eu. — Por mentir para você. Por deixar você pensar que eu ia me casar com Dominic. Eu não deveria ter feito isso, especialmente quando Paloma e os outros sabiam a verdade. — Eu entendo — disse ele naquela voz baixa e tensa novamente. — Você estava tentando descobrir quem estava envenenando meu pai e tentando ferir minha família. Eu teria feito o mesmo se estivesse no seu lugar. — Obrigada por isso. Mesmo que eu não mereça seu perdão. Sullivan soltou uma risada dura e amarga. — Minha mãe é quem não merece meu perdão. E você sabe qual é a pior parte? — Ele fez uma pausa e depois respondeu sua própria pergunta. — Eu continuo pensando que a culpa é minha. Que eu disse ou fiz algo que a convenceu a continuar com o plano dela. Essa é a razão pela qual ela fez todas essas coisas terríveis. Essa é a razão pela qual Frederich, Hans e todas essas outras pessoas estão mortas. Ele olhou para mim, a angústia queimando em seus olhos, e agarrei sua mão. — Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua, Sully. Sua mãe fez suas próprias escolhas, suas próprias decisões. — Mas continuo pensando que deveria saber mais sobre quem ela realmente era. Que eu deveria ter feito mais perguntas sobre de onde ela veio e por que ficou no palácio todos esses anos. — Ele balançou a cabeça. — Eu sempre fui tão envolvido em como as pessoas me tratavam em comparação com Dominic e Frederich que nunca me perguntei o que ela pensava em ser tratada da mesma maneira. Nunca percebi o quanto isso a machucou também, ou o quanto ela odiava meu pai. Ele ficou em silêncio, depois levantou seu olhar angustiado para o meu novamente. — Você acha que o que ela disse era verdade? Que ela... me amava? Peguei sua outra mão e apertei-a também. — Absolutamente. Ela salvou você daquele assassino, de outro membro da Brigada Bastarda. Ela

salvou sua vida. No final, ela escolheu você sobre a missão dela, Sully. Nunca esqueça isso. Ele assentiu e nós ficamos em silêncio. Ele parecia um pouco mais calmo agora, embora tão triste quanto antes. — O que você fará agora? — perguntei. Ele encolheu os ombros. — Não sei. Meu pai e Dominic me pediram para ficar em Glitnir, para ajudá-los a se preparar para a guerra contra Morta, se for o caso. — E o que você quer fazer? — Eu só quero fugir de novo e me juntar a outra tropa de gladiadores. Ir para algum lugar longínquo onde ninguém sabe quem eu sou, ou especialmente o que minha mãe era. — Sabe, eu fugi para uma tropa de gladiadores uma vez — disse eu. — Funcionou bem para mim. Minha piada finalmente atraiu um curto sorriso dele. — Talvez você deva fazer isso — disse eu, minha voz ficando séria. — Talvez você deva ir embora por enquanto. Talvez você deva dedicar algum tempo para descobrir quem você é e quem quer ser. — Talvez eu deva. — Bem, onde quer que você vá, sempre terá um lugar em Seven Spire. — Fiz uma pausa. — Comigo. As palavras pairavam no ar entre nós, e eu me perguntei se havia falado demais. Não, eu decidi. Uma das razões pela qual estávamos nessa bagunça era porque eu não disse o suficiente. Posso nunca mais ver Sullivan novamente, e eu não iria embora sem dizer a ele como me sentia. — E que tipo de lugar seria esse, alteza? — perguntou ele com uma voz suave. — O que quer que você queira que seja. Eu quis dizer cada palavra. Não me importava que Sullivan fosse um príncipe bastardo. Eu nunca me importei, mas agora parecia a coisa mais trivial, depois de tudo o que passamos. Não me importava qual era o título de Sullivan, ou se ele tinha um título, e certamente não me importava com o que

os nobres de Seven Spire ou alguém mais pensava de nós. Não mais. Tudo o que importava era como eu me sentia sobre ele, e ele sobre mim. Surpresa brilhou em seus olhos. Por um momento, pensei que ele poderia dizer sim, mas depois sua surpresa desapareceu, engolida pelo arrependimento. — Sinto muito — murmurou —, mas não posso. Não agora. Talvez nunca. Me desculpe, alteza. Eu gostaria que as coisas fossem diferentes. Eu gostaria de ser diferente. — Está tudo bem — sussurrei. — Compreendo. Inclinei-me e pressionei meus lábios nos dele. Ao contrário da última vez que estivemos no gazebo, esse foi um beijo gentil, apenas o toque mais breve e suave dos meus lábios contra os dele. Ainda assim, respirei profundamente, aspirando o cheiro dele profundamente nos meus pulmões e trancando-o no meu coração. Então me endireitei. — Boa sorte, Sully — sussurrei. — Não quero nada além do melhor para você. — E eu quero o mesmo para você, alteza — sussurrou. Eu fiquei de pé. Segui meus dedos pela bochecha dele, depois me virei e me apressei, antes que ele visse as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.

Capítulo 27 Na manhã seguinte, meus amigos e eu deixamos Glitnir. Pegamos o trem de volta para Svalin e chegamos a Seven Spire alguns dias depois. O Capitão Auster conseguiu se agarrar ao palácio, embora uma dúzia de novas crises tivesse surgido enquanto eu estive fora. Então me ocupei com elas, assim como com os nobres exigentes. Lidar com esses novos problemas ajudou a me distrair de Sullivan, embora eu me encontrasse pensando nele toda vez que tinha um momento sozinha. Gostaria de saber se ele ainda estava em Glitnir ou se ele saiu e foi para outro lugar, em algum lugar em que ele pudesse descobrir quem era e o que queria fazer com sua vida. Como presente de despedida, Alvis me deu um espelho Cardea para que eu pudesse falar com ele, Gemma, e Grimley em sua oficina. Conversamos a cada poucos dias, mas Alvis e Gemma nunca mencionaram Sullivan, e não perguntei sobre ele. Parte de mim não queria saber onde ele estava. Porque se eu soubesse, teria sido tentada a procurá-lo, pedir que ele viesse a Seven Spire e ficasse comigo. Mas eu vi quão desastrosamente aconteceu com Heinrich e Dahlia, e não ia pedir a Sullivan para repetir os erros de sua mãe ou abandonar seus princípios por mim. Nesse ponto, eles eram praticamente as únicas coisas que ele tinha sobrando.

Uma noite, depois de uma sessão da corte particularmente longa e chata, escapei para o meu quarto. Três semanas passaram desde que voltei a Seven Spire, embora após lidar com os nobres sempre exigentes hoje, parecessem ser três anos. Calandre e suas irmãs prepararam um banho e fizeram suas ministrações habituais. Então, uma vez que elas me deixaram sozinha e eu tinha certeza de que ninguém mais me checaria, fiz a mesma coisa que vinha fazendo todas as noites desde que voltei a Seven Spire – usei a passagem secreta atrás da estante de livros para esgueirar-me dos meus aposentos e ir ao quarto de Maeven. Eu havia ordenado que seus aposentos fossem fechados novamente e eu era a única que tinha a chave da porta. Finalmente contei a Paloma, Serilda, Cho, Auster e Xenia sobre minha conversa anterior com Maeven antes de partirmos para Glitnir, mas não disse a eles que vinha aqui todas as noites, esperando que ela aparecesse no espelho novamente. Ela ainda não fizera isso, mas o quarto dela estava quieto, pacífico, e o último lugar absoluto em que alguém me procuraria. Então eu me sentei para fazer algum trabalho enquanto esperava para ver se Maeven apareceria. Coloquei uma pilha de papéis sobre a escrivaninha, bem ao lado de dois outros itens que já estavam lá – o anel de sinete de Maeven e o relógio de bolso de Ansel. Graças aos meus sonhos, minhas memórias do ataque em Winterwind, eu estava pensando no meu tutor, e quando nós voltamos para Seven Spire, eu peguei o relógio dele do seu esconderijo em uma das minhas gavetas para toucador. Passei o dedo indicador sobre o grande e extravagante M cursivo em relevo na tampa do relógio de bronze. A inicial era igual à do anel de sinete prateado de Maeven e o M estilizado também fazia parte do Brasão real de Mortan – a única parte que aparentemente os membros da Brigada Bastarda podiam usar. Incluindo Dahlia. Seu medalhão de coração de ouro com seu distintivo D foi enterrado com ela. Heinrich me disse que seu medalhão continha um retrato pintado de Sullivan, junto com um M gravado no interior. Eu achava

que era apropriado, já que Sullivan e Morta eram as únicas coisas que Dahlia já amou verdadeiramente. Eu não sabia ao certo por que mantive o relógio de Ansel todos esses anos, ou por que o arrastei de volta agora, junto com o anel de Maeven. Talvez eu quisesse lembrar que as pessoas que mais amamos poderiam ter os segredos mais sombrios – e ter cuidado extra em quem eu confiava. Coloquei o relógio e o anel ao lado e comecei a trabalhar, ainda esperando Maeven aparecer. E ela finalmente fez. Estive analisando alguns novos acordos comerciais com Unger por cerca de uma hora, quando uma luz prateada brilhou e a superfície do espelho Cardea começou a ondular. Larguei minha caneta, me aproximei, e fiquei na frente do espelho. Alguns segundos depois, Maeven entrou em foco do outro lado. Cabelo loiro, olhos ametista, vestido elegante. Ela parecia a mesma de sempre, mas havia uma adição notável em seus traços – uma ferida profunda e irregular cercada por uma ferida roxa e feia na bochecha esquerda. Reconheci a marca pelo que era – alguém havia lhe batido e seu anel deixara uma impressão grande e duradoura. Provavelmente seu irmão, o rei, descontente com seu último fracasso em me matar. — Olá, Maeven. Eu estava esperando por você. Ela pareceu surpresa com isso. — Você esteve me esperando todas as noites desde que voltou para Seven Spire? Everleigh, que doce. Eu não sabia que você se importava tanto. Dei de ombros. — Então, por que você está aqui? — perguntou ela. — Eu queria saber se você ainda estava viva. — Apontei para a bochecha dela. — Parece que o seu irmão, o rei lhe deu uma pequena lembrança. Acho que ele não ficou muito feliz que todo o seu plano acabou por ser um fracasso enorme. Você perdeu todos aqueles magos e strixes, sua arma secreta, Dahlia, e qualquer chance que tinha no trono andvariano de uma só vez. Foi uma derrota verdadeiramente gloriosa.

A mão de Maeven subiu até sua bochecha. Ela percebeu o que acabara de fazer, fez uma careta e abaixou a mão. — Meu relacionamento com meu irmão não é da sua conta. Dei de ombros novamente. — Suponho que não. Diga-me, no entanto. Você vai manter aquela pequena ferida desagradável que ele te deu? Seria uma vergonha terrível estragar seu lindo rosto com ela. Você sabia que Serilda tem uma cicatriz semelhante perto de seu olho, de onde Cordelia lhe bateu anos atrás? Eu acho que manter uma marca tão feia no rosto lembrou Serilda pelo que ela estava lutando. Sua cicatriz fará o mesmo para você? Fiz uma pausa, mas ela não respondeu, então continuei falando, tentando cortá-la em pedaços com minhas palavras. — Ou seu rei dará a você uma escolha sobre o assunto? Provavelmente não. Afinal, ele não dá a você uma escolha em nada, não é? Você e sua Brigada de Bastardos são apenas bons soldadinhos, brigando, fodendo, traindo e matando por ele desde o dia em que você nasceu até o dia em que morrer. Sem importar qual seja o custo para qualquer um de vocês. Os lábios de Maeven se apertaram em uma linha fina e firme, mas o movimento deve ter feito sua ferida doer, porque ela fez uma careta e se forçou a relaxar visivelmente suas feições. Ela ainda não respondeu às minhas palavras duras, no entanto. Inclinei minha cabeça para o lado, estudando-a. — Então, por que você está aqui, Maeven? Por que você apareceu no espelho hoje à noite? — Talvez eu quisesse ver como você estava — murmurou. — Por quê? Então você pode começar a planejar como me matar de novo? — Balancei a cabeça. — Existe outra opção, sabe. — E qual é? — Você poderia simplesmente desistir. Maeven jogou a cabeça para trás e riu. E riu e riu e riu um pouco mais. Raiva cravou em mim, mas eu me forcei a ouvir suas risadas zombeteiras. Ela finalmente parou de rir, enxugou as lágrimas dos cantos dos olhos e olhou para mim novamente. — Oh, Everleigh. Você não é nada se não divertida. Parte de mim quase se arrependerá de matar você.

Dessa vez, fui eu quem jogou minha cabeça para trás e ri. — Por favor. Nós duas sabemos que você não vai me matar - que você não pode me matar. Não com a sua magia, pelo menos. Os olhos de Maeven se estreitaram. — E por quê? Levantei minha mão e balancei meus dedos para ela. — Porque eu sou uma rainha Winter e tenho um poder que faz você ficar com muito, muito medo. Porque eu posso destruir sua magia, e a magia do rei, e todos de Morta junto com isso. É por isso que você realmente me quer morta, não é? É por isso que você queria que todos os Blairs morressem no massacre, mas especialmente a linha Winter. Você não queria arriscar que qualquer Blairs fosse mestre de magia como eu. Seus lábios enrugaram, e ela não respondeu, mas continuei. — Quando você tentou matar Sullivan com seu raio, eu apaguei seu poder com um aceno da minha mão. Você me viu fazer isso. Foi quando você soube com certeza o que eu realmente era. — E daí? — retrucou. — Então eu vi quão assustada isso te deixou — retruquei. — Quão assustada eu te deixei. Nenhum mago quer perder seu poder. É o que eles secretamente mais temem. Eu prometo a você isso – se você vier atrás de mim de novo, vou quebrar sua magia como fiz nos jardins. E então novamente, e novamente, até que eu destrua completamente sua magia. Até eu te destruir completamente. Inclinei-me ainda mais para o espelho. — Diga-me, Maeven. O que fará o seu precioso irmão, o rei, quando ele perceber que você perdeu sua magia e que não tem mais utilidade? Acho que ele não ficará muito satisfeito. E não imagino que os membros da Brigada de Bastardos possam viver em silêncio pelo restante de suas vidas em alguma casinha pitoresca. Ela não respondeu, mas concordância brilhou em seus olhos, junto com o mais fraco sinal de medo. — Encare isso — disse eu. — Você tem duas opções. Você pode continuar tentando me matar e arriscar que eu destrua você e sua magia. Por um momento, pensei que ela não iria me fazer a pergunta óbvia, mas finalmente fez.

— Ou? — Ou você pode parar. Apenas pare e afaste-se de seu irmão, de Morta, de toda essa distorcida vida em que você foi forçada. — Ninguém nunca me forçou a nada — rosnou Maeven. — Eu faço minhas próprias escolhas e decido meu próprio destino. Nem você ou meu irmão ou qualquer outra pessoa. — Não me parece assim. — Você não sabe nada sobre mim ou meu irmão ou qualquer outra coisa — sussurrou, suas mãos apertando em punhos. — Mas há uma coisa que você saberá muito antes do que pensa. E isso é a morte, Everleigh. Sua morte, junto com a sua preciosa Bellona e tudo o que você ama. Inclinei-me ainda mais. — Bem, então, pelo menos, morrerei por algo que amo, por algo que realmente acredito, e não porque algum tirano me enviou em uma missão tola, porque ele era muito covarde para vir e me encarar. Os lábios de Maeven se apertaram, mas ela não podia negar a verdade das minhas palavras. Ela olhou para mim uma última vez, então deu um aceno afiado de sua mão. A superfície do espelho ondulou novamente, e aquele brilho prateado aumentou. Eu tive que fechar meus olhos contra o brilho intenso, e quando os abri novamente, ela desapareceu, e o espelho era apenas um espelho novamente. Um sorriso fraco e satisfeito curvou meus lábios. Apesar de nossas ameaças mútuas, considerei nossa conversa um grande sucesso. Eu disse a Maeven que ela tinha apenas duas opções – morrer tentando me matar ou deixar o rei e Morta para sempre – mas a verdade era que ela tinha uma terceira opção. Gostaria de saber se ela já percebeu isso e qual era exatamente essa opção. Caso contrário, ela o faria em breve, dado as sementes da dúvida e do medo que plantei em sua mente. Eu só queria saber se ela iria decidir tornar essa terceira opção uma realidade. Mas eu fiz tudo que pude, e só o tempo diria se meu longo jogo com Maeven terminaria. Eu queria isso – não a morte dela, mas algo muito, muito pior.

*** Voltei para meus aposentos. Pela primeira vez, dormi bem e acordei na manhã seguinte me sentindo revigorada. Conspirar contra meus inimigos me revigorou. Mas o meu sentimento leve e feliz evaporou-se rapidamente com o passar do dia e passou completamente na hora do almoço. Suspirei e me mexi no meu assento, tentando não mostrar o quão completamente entediada eu estava. Era meio da tarde, e eu estava mais uma vez na sala do trono, ouvindo Lorde Fullman, Lady Diante e os outros nobres darem dicas não tão sutis sobre com qual de seus filhos, sobrinhos e netos eu deveria me casar. Apesar de voltar para casa com o novo tratado andvariano, os nobres ainda estavam determinados a me casar. Abri a boca para dizer a Fullman, Diante e a todos os demais, em termos inequívocos, que parassem de tentar colocar seus parentes do sexo masculino em mim, quando um leve som de toque chamou minha orelha. Por um momento, pensei ter imaginado o barulho, mas o som veio repetidamente, cada nota um pouco mais alta que a anterior. Eu fiz uma careta. Isso era... um sino? Fullman, Diante e os outros nobres olharam em volta, também imaginando o que seria aquele som. Olhei para Paloma, que estava de pé no fundo do estrado. Ela estava sorrindo, assim como o rosto de ogro no seu pescoço, como se soubesse exatamente quem e o que estava fazendo aquele barulho. Eu olhei para o Capitão Auster, que estava do outro lado do estrado. Ele também estava sorrindo. Em seguida, espiei na varanda do segundo andar, onde Serilda, Cho e Xenia estavam sentadas, junto com Theroux, Aisha, e vários outros membros da trupe do Cisne Negro. Eles também estavam sorrindo, assim como Calandre e as irmãs dela. — O que está acontecendo? — perguntei.

O sorriso de Paloma aumentou. — Por que você não vai ao gramado real e vê por si mesma? O que poderia estar acontecendo no gramado? Olhei para minha amiga, mas ela não disse mais nada. A essa altura, eu estava ficando irritada, então me levantei e desci os degraus do tablado. Os nobres se afastaram e passei por eles, seguindo para as portas duplas fechadas no extremo oposto da sala do trono. — Minha rainha? — chamou Fullman. — Onde você vai? — Ver o que é esse maldito barulho — retruquei. Dois guardas abriram as portas quando me aproximei. Olhei por cima do ombro. Paloma e Auster andavam atrás de mim, assim como todos os nobres. Todo mundo queria ver o que estava acontecendo. Eu rapidamente atravessei os corredores, empurrei as portas de vidro que davam para o gramado real, e saí. Olhei em volta, mas o gramado estava vazio, exceto por alguns criados fazendo suas tarefas. Ainda assim, o som era muito mais alto aqui do que estivera lá dentro, e percebi que não vinha do gramado real – ecoava de algum lugar lá embaixo. Eu olhei por cima do ombro. Paloma e o Capitão Auster ainda estavam atrás de mim, e Serilda, Cho e Xenia se juntaram a eles, junto com os nobres e todos os outros que estiveram na sala do trono. Os nobres estavam tão confusos quanto eu, mas meus amigos me olhavam com expectativa, como se eu soubesse exatamente o que estava acontecendo. Por fim, Paloma revirou os olhos e apontou para o muro que cercava o gramado. — Talvez você deva verificar a vista, Evie. Fiz uma careta para ela novamente, mas fui até a parede e espiei, ainda tentando encontrar o som daquele barulho alto. Todo mundo me seguiu, alinhando-se ao longo do muro e olhando para o rio e pontes abaixo. — Olha! — disse Cho, sua voz estridente. — Lá em baixo! No final da ponte Pureheart! Espiei nessa direção. Um homem estava parado no outro extremo da ponte Pureheart, bem ao lado do sino do canto do coração – e ele estava tocando.

Uma e outra vez, o homem puxou a corda comprida, fazendo o badalo bater contra o interior da campainha e emitir um ruído alto. Eu levantei minha mão para proteger meus olhos do sol e olhei, tentando entender seus traços. O homem se moveu para a frente do sino, onde eu podia vê-lo, e minha respiração ficou presa na garganta. Sullivan. Foi ele quem puxou a corda e quem tocou o sino. Ele já atraiu uma multidão naquele lado do rio, e mais e mais pessoas correram nessa direção, ansiosas para ver o que estava acontecendo. Atrás de mim, um suspiro suave e resignado soou. — Droga — murmurou Diante. — Gostaria de ter pensado nisso. Fiquei encarando Sullivan, ainda não acreditando que ele estivesse aqui. — O que ele está fazendo? Paloma me deu uma cotovelada no lado. — O que parece que ele está fazendo? Ele vai subir até aqui para pegar você. Não é essa a grande tradição amorosa Bellonan? — Aquele idiota! — assobiei, mesmo quando meu coração disparou. — Ele vai cair e quebrar seu pescoço, tolo! Mas ela estava certa, e era exatamente isso que Sullivan estava fazendo. Ele tocou o sino novamente, depois olhou para cima. Ele deve ter me visto, porque soltou a corda. Todos no gramado ficaram em silêncio, assim como a multidão que se reuniu ao longo do rio. Sullivan esperou até que os últimos ecos alegres do sino tivessem desaparecido antes de colocar as mãos em volta da boca. — Rainha Everleigh Saffira Winter Blair! — gritou. — Estou aqui para professar meu amor por você e provar, no verdadeiro estilo Bellonan! O que você diz? Coloquei minhas mãos em volta da boca e gritei para ele. — Que você é um tolo e que vai cair na sua morte tola! Venha para o palácio, e podemos conversar sobre isso como pessoas normais! Sullivan sorriu, seus olhos brilhando como safiras na luz do sol. — Mas não somos pessoas normais, alteza. Eu posso ser um tolo, mas sou um tolo apaixonado!

Várias pessoas na multidão abaixo suspiraram ao ouvir suas palavras, assim como alguns dos nobres aqui no gramado. Até o Capitão Auster tocou no canto do olho, como se de repente fosse tomado por emoção. Sullivan virou para a multidão reunida ao seu redor e estendeu os braços, como eu vi Cho fazer dezenas de vezes durante um show de gladiadores na arena Cisne Negro. — Boas pessoas de Svalin! O que vocês dizem? Devo aceitar esse desafio Bellonan para provar meu verdadeiro amor? Devo fazer um bom show para vocês, junto com minha dama, minha rainha, lá no alto em seu grande palácio? A multidão rugiu em resposta, assim como todos no gramado. Como eles não poderiam? Sullivan sorriu para mim e depois atravessou a ponte. — Ele está falando sério — sussurrei. — Ele realmente fará isso. — Claro que ele está falando sério — disse Paloma. — Ele não estaria aqui de outra forma. Eu me virei para minha amiga. — Você sabia sobre isso? Seu sorriso presunçoso, junto com o do ogro no pescoço, era toda a confirmação que eu precisava. — Mas quando... como... — murmurei. Paloma colocou as mãos nos meus ombros. — Quando e como não importam. Não agora. Tudo que importa é que ele está aqui. Seus olhos âmbar brilhavam com sinceridade. Ela estava certa. Sullivan estava aqui, e isso era tudo o que importava. Um sorriso largo, louco e feliz se espalhou pelo meu rosto, e me virei para o muro e olhei para baixo, como todo mundo no gramado. Sullivan estava agora deste lado da ponte, olhando para o penhasco irregular de Seven Spire e tentando descobrir por onde começar a subir. Finalmente, ele escolheu um ponto, esticou a mão e alcançou a rocha mais próxima. Eu juro que senti seus dedos fecharem em torno da primeira pedra como se ele estivesse alcançando dentro do meu peito e estivesse de alguma forma tocando meu coração ao mesmo tempo. Eu fiquei lá, prendendo a respiração, minhas mãos cerradas em punhos em cima do muro, enquanto

ele esticava a outra mão e pegava uma pedra um pouco mais alta que a anterior. Ele fez isso repetidamente, escalando lenta, mas firmemente os penhascos. Três metros, seis, quinze, trinta. Ele estava fazendo isso, e ele realmente chegaria até mim. Até que ele escorregou. Sullivan pegou uma pedra, mas ela rachou do penhasco, fazendo-o deslizar para baixo. Meu coração parou e minha respiração ficou presa na garganta. Por um momento, pensei que ele iria perder completamente o controle, ricochetear nas pedras irregulares abaixo e cair até a morte, mas ele conseguiu se segurar no último instante. Com apenas uma mão nas pedras, ele ficou no ar por vários segundos antes de finalmente encontrar uma fenda na face do penhasco na qual ele poderia enfiar as botas e recuperar o equilíbrio. Ele soltou um rosnado baixo e zangado, depois tirou o casaco cinza comprido e jogou-o para o lado, como se o estivesse pesando. Uma rajada de vento pegou o casaco e o fez girar sobre o rio. Atingiu a superfície ondulante, e a água rapidamente o afogou. Sullivan olhou para mim. Um corte ensanguentado cortou sua testa, cortes e contusões pontilhavam suas mãos e braços, e sua túnica e calça pretas penduravam em farrapos, onde as pedras rasgaram durante sua queda. Mas seus olhos estavam tão brilhantes como sempre, e sua boca era uma linha determinada. Demorou alguns segundos para ele recuperar o fôlego, depois pegou outra pedra acima da cabeça. E de repente, eu sabia o que deveria fazer. — Eu não estou esperando aqui. Vou até ele. Balancei minhas pernas por cima do muro para ficar de pé do outro lado e olhando para os penhascos abaixo. — Rainha Everleigh! — protestou Fullman. — Você não pode fazer isso! A tradição determina claramente que ele deve subir todo o caminho até aqui sozinho! Sem ajuda alguma!

— E eu sou a rainha — respondi para ele. — Eu o amo e vou ajudá-lo. Eu não ligo para o que você ou qualquer outra pessoa diz, e farei minha própria tradição agora. E se você não gosta, então é uma pena. Fullman abriu a boca para protestar novamente, mas eu o encarei, e ele engoliu suas palavras. Olhei para os outros nobres, e todos murcharam lentamente e inclinaram a cabeça sob o meu olhar frio. Diante foi a única que encontrou meu olhar. Depois de um momento, ela deu de ombros e me deu um sorriso irônico, como se soubesse que havia perdido e que não havia como me parar. Ainda mais surpreendente, ela realmente fez uma reverência. — Como você desejar, minha rainha. Eu assenti para ela, depois me virei e olhei para os penhascos. Respirei fundo e deixei sair antes de me inclinar e agarrar a primeira pedra. — O que você está fazendo? — gritou Sullivan. — Eu deveria ir até você. — E eu não quero que você quebre seu pescoço, tolo! — gritei. — Apenas fique onde está. Ele me ignorou, é claro, e começou a subir ainda mais rápido. Eu fiz a mesma coisa, escolhendo meu caminho ao lado do penhasco e tentando alcançá-lo antes que ele escorregasse novamente. Eu não aguentaria perdê-lo novamente. De alguma forma, nos encontramos no meio, em um pequeno afloramento de rocha que era grande e forte o suficiente para suportar nós dois. Nós dois estávamos respirando com dificuldade, e levamos um momento para encontrar nossas palavras. Meu coração estava batendo tão forte e dolorosamente que pensei que poderia explodir, mas valeu a pena ver Sullivan novamente, ver o amor brilhando em seus olhos, o amor que eu sabia que se refletia em meu próprio olhar. — Pensei que você estivesse em Glitnir com sua família — disse eu com uma voz ofegante. — Ou correndo para se juntar a uma tropa de gladiadores. — Pensei em fazer as duas coisas. Mas não há nada para mim em Glitnir, e a única tropa que eu quero estar é no Cisne Negro – com você.

Ele estendeu a mão e afastou um pouco do cabelo do meu rosto, manchando o sangue dos dedos cortados na minha pele, mas não me importei. Eu não me importava com nada além do fato de que ele estava aqui comigo. Mas e sua mãe? — perguntei. — E tudo o que aconteceu? Ele fez uma careta. — Ainda estou lidando com isso. Provavelmente sempre vou lidar com isso. — Ele fez uma pausa por um momento, depois olhou para mim novamente. — Mas minha mãe estava certa sobre uma coisa. Ela me disse para não cometer o mesmo erro que ela cometeu, para não deixar minha raiva me dominar. E Helene estava certa também. Eu estava tão envolvido na maneira como as outras pessoas me viam que deixei isso arruinar algumas das coisas boas na minha vida. Sua careta derreteu e determinação encheu seu rosto. — Mas não farei mais isso. Não vou me preocupar com o que as outras pessoas pensam de mim, e não jogarei coisas fora apenas porque elas não são exatamente como eu quero que sejam. Em vez disso, vou lutar como o mais feroz gladiador pelo que amo, e o que amo é você, Evie. Meu coração disparou, mas eu me forcei a pensar nas coisas como uma verdadeira rainha Winter faria. — Mas e quanto ao seu pai? E Andvari? E o seu povo, seu reino? Sullivan me deu um olhar feroz. — Você é meu reino. Você sempre foi, desde aquela primeira manhã que eu te encontrei dormindo no canto da minha casa. Você é tudo que eu sempre quis, alteza, e você é tudo que eu preciso, Evie. — Você também é meu reino — sussurrei. Segurei seu rosto, depois fiquei na ponta dos pés e esmaguei meus lábios nos dele. Sullivan rosnou e me puxou para mais perto. Ao nosso redor, eu podia ouvir aplausos. Das pessoas na ponte e do rio abaixo, dos meus amigos no gramado real, até dos nobres. Mas seus aplausos não eram nada comparados a sensação dos lábios de Sullivan nos meus, sua pele contra a minha, seu coração batendo sob as pontas dos meus dedos, batendo tão forte quanto o meu.

Nós teríamos continuado nos beijando, mas algo bateu no meu ombro. Sullivan e eu nos separamos. Olhei para cima e percebi que Paloma havia jogado uma corda para nós dois. — Que tal os dois pombinhos fazerem a coisa inteligente e subirem aqui antes que vocês dois mergulhem para suas mortes? — disse Paloma em seu tom prático. Eu a ignorei, voltei-me para Sullivan e passei meus braços em volta do pescoço dele. — Nós temos que subir? Eu quero ficar aqui mais um pouco. Ele sorriu para mim. — Eu estava pensando a mesma coisa, alteza. Ele estendeu a mão e agarrou a corda, arrancando-a das mãos de Paloma. Então ele a jogou de lado, e ela flutuou até o rio abaixo para ser varrida exatamente como seu casaco. Ao nosso redor, a multidão rugiu novamente, mas eu só tinha olhos para Sullivan, e ele para mim. Ele sorriu para mim novamente, e puxei sua cabeça para a minha. E quando eu o beijei, fiz um voto para mim – que passaria o resto da minha vida protegendo meu príncipe.
02 - Protect the Prince

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